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A leitura popular da Bíblia – Vacina contra o fundamentalismo religioso: Notas sobre o método CEBI

O fundamentalismo religioso, presente no Brasil e na América Latina, protagonizado pelas igrejas neopentecostais, inclusive em sua versão católica, segue fazendo profundos estragos nas esferas sócio-políticas e culturais. Há mais de meio século tendo descido dos Estados Unidos (cf. o célebre livro de autoria de Delcio Monteiro de Lima. “Os Demônios descem do Norte”. Editora Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1988), diversas igrejas foram criadas, desde então para difundirem, também, pela televisão, sua doutrina que, falando em nome de Deus, comove parcelas significativas da população.

Constituem alvo preferencial os segmentos mais vulneráveis pelas precárias condiçoes de vida, ao tempo que as convertem em presas fáceis para esquemas de arrecadações de dinheiro, por meio da cobrança de dízimo e ofertas a tais igrejas, vulpinamente controladas por pastores inescrupulosos, fortemente condenados pelos profetas (cf. Isaias, Jeremias, Amós, Oséias, Miquéias, entre outros).

Outro traço espalhado pelo neopentecostalismo (que alguns autores preferem chamar de pós-Pentecostalismo) se manifesta pela sua obsessão de tornar uma teocracia, uma corrente política obcecada pelo poder político, investindo sem cessar no comando direto dos três poderes (no executivo, no legislativo e no judiciário). Para tanto, suas principais lideranças não hesitam em apoiar o golpe midiático institucional de 2016 para a deposição da presidenta Dilma Roussef, resultando no governo golpista de Temer e no desgoverno de Bolsonaro, marcado pelo desmonte das políticas públicas, pelos crescentes ataques ambientais, pela desastrosa condução no enfrentamento da crise sanitária da Covid-19, pela sistemática perseguição aos povos originários, comunidades quilombolas e tradicionais, comunidade LGBTQIA, aos direito das mulheres, etc.

Mas o que isto tem a ver com a leitura popular da bíblia, método trabalhado pelo Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (CEBI)? O CEBI compõe uma extensa rede de instâncias do que se costuma chamar de “Igreja na Base” (as CEBs, CIMI, Pastorais sociais, serviços eclesiais tais como a Comissão Justiça e Paz, Comunidades Religiosas inseridas no meio popular, centros de defesa dos Direitos Humanos, além da Teologia da Libertação).

Note-se que, antes, durante e depois da fundação do CEBI, tem lugar uma significativa confluência de iniciativas e experiências ecumênicas, por parte de distintas Igrejas Cristãs, em especial os integrantes da Congregação Evangélica do Brasil, criada por diversos membros evangélicos, afastados de suas respectivas Igrejas, em razão de sua firme oposição ao golpe empresarial-militar implantado no Brasil, em 1964. Importa, igualmente, ressaltar a contribuição ecumênica que, a partir de 1982, a Igreja Católica Romana passaria a exercitar com outras Igrejas Cristãs, reunidas no CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs): Igreja Católica Romana, Igreja Católica Ortodoxa Siriana, Igreja Cristã Reformada, Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB), Igreja Metodista, Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) e Igreja presbiteriana Unida (IPU), envolvendo, além da Igreja Católica, relevantes parcerias, desde meados dos anos 60, com a participação de membros evangélicos.

Uma leitura atenta à realidade social, da qual partem os membros destas Igrejas cristãs, deve ser especialmente destacada nas linhas que seguem em virtude das fecundas experiências e iniciativas por elas protagonizadas, seja no campo de uma nova interpretação comum da Bíblia, seja em seu posicionamento e de seu compromisso com a causa libertadora dos oprimidos, seja ainda no campo da Educação Popular.

 

Neste sentido, começam a prosperar trabalhos investigativos e formativos com perspectiva ecumenica, tais como:

  1. Desde meados dos anos 60, um grupo de teólogos e teólogas (José Comblin, Juan Luis Segundo, Segundo Galileia, Gustavo Gutierrez, Gilberto Gorgulho, Ana Flora, Anderson, entre outros) tomou a iniciativa de se reunir, a cada ano: primeiro em São Paulo em 1964; em 1965 estes teólogos realizaram seu encontro em Cuernavaca (México), acolhidos que foram por Ivan Illich; em 1966, reuniram-se no Chile, acolhidos por, Segundo Galileia; no ano seguinte, no Uruguai, na companhia de Juan Luis Segundo… E assim, esses teólogos e teólogas, sempre partindo de uma leitura concreta da realidade social, trataram de trabalhar temas bíblicos e a compartilhá-los, exercitando uma leitura popular da Bíblia, desde então;

  1. Aquela iniciativa também inspirou, nos anos seguintes, a realização de Congressos Ecumênicos de teologia, organizados por teólogos e teólogas do terceiro mundo. É assim que se realizaram o I Congresso Internacional Ecumênico de Teologia, na Tanzânia; o II Congresso foi realizado em Gana; o III Congresso em Sri Lanka, enquanto o IV Congresso teve lugar em São Paulo em 1980. Em consequência, da realização destes Congressos, nasce a iniciativa de elaboração e publicação, por teólogos e teólogas de distintas Igrejas Cristãs, de  comentários biblicos, com base numa leitura popular da Bíblia. Graças a cooperação entre a editora vozes (Petrópolis-RJ), da Editora Sinodal, em São Leopoldo – RS, vinculada a Igreja Luterana e a editora metodista, de São Paulo, foram publicados diversos textos bíblicos, dos quais uma meia dúzia, de autoria de José Comblin.

  1. Outra densa experiência que também se revelou seminal como antecedente do CEBI foi a apresentada pelo CEI (Centro Evangelico de Informação), criado entre 1964 e 1965, por um conjunto de membros evangélicos que se afastaram de suas respectivas igrejas em virtude de sua discordância da posição dominante nestas igrejas com relação ao sentido do golpe civil-militar de 1964. Estes membros passaram a integrar a confederação evangélica do Brasil. Um de seus primeiros trabalhos foi o de criar um informativo de caráter crítico propositivo, e difundido pelo Brasil. Passou-se, desde então, a chamar-se Centro Ecumênico de Informação, a partir de 1968, quando acolheram militantes católicos ao seu empreendimento. Poucos anos depois, o CEI passa a denominar-se CEDI (Centro Ecumênico de Documentação e Informação), uma relevante fonte alternativa de informação e reflexão crítico-transformadora da realidade brasileira e latino-americana.

Com efeito, o CEDI, assim chamado desde 1974, passa a protagonizar uma sucessão de empreendimentos criativos de relevante alcance sócio-eclesial. Disto dão testemunho as seguintes experiências. A criação de um periódico de alcance nacional, intitulado CEDI, por meio do qual informações relevantes, seja no âmbito nacional, seja no âmbito internacional, eram divulgadas e sobretudo analisadas por intelectuais de reconhecida contribuição. O CEDI, de fato, tem um amplo reconhecimento, principalmente nas igrejas progressistas, tanto no meio evangélico, quanto no meio católico. Além do CEDI, outra importante contribuição que circulou, no Brasil e na América Latina, foi a revista “Tempo e Presença”, reunindo artigos de intelectuais cristãos, muito influenciados pela pedagogia freireana, e que trouxe ao debate trabalhos de grande contribuição à crítica e ao esforço organizativo das forças da Igreja na Base, tanto no que diz respeito ao seu compromisso interpretativo da realidade, quanto no seu empenho de semear alternativas de transformação desta realidade. Na animação de reverendas figuras como a do pastor Jether Pereira Ramalho, como já escreveu um de seus conhecedores, “uma presença no tempo”, e com a ajuda de tantos outros e outras, entre os quais, Carlos Mesters, Milton Schwants, Sebastião Armando Gameleira Soares, Francisco Orofino, Pastor Henrique Pereira (do qual recomendo recentíssimo vídeo feito com Padre Júlio Lancelotti (https://www.youtube.com/watch?v=bPzD1n2yBC0), Irmã Agostinha Vieira de Melo, Pastora Odja Barros, Marcelo Barros, Eduardo Hoornaert, José Oscar Beozzo, que contribuíram densamente para este projeto, a revista tempo e presença passa a ser considerada a principal revista ecuménica latino-americana.

O CEDI, pela sua própria natureza propositiva, constituiu-se em um sujeito coletivo que não mediu esforços para trabalhar em conjunto outras experiências similares, postura da qual brotaram parcerias significativas com vários outros organismos semelhantes, tais como o Centro Ecuménico de Salvador; o próprio CEBI, o Centro de Evangelização e Educação popular em São Paulo (CESEEP), Instituto Superior de Ensino das Religiões  (ISER), Comisión de Estudios de la História de la Iglesia Latinoamricana (CEHILA), entre outros. O CEDI também se desdobra em outras iniciativas, tais como o periódico “Aconteceu”, bem como tantas outras iniciativas que ainda hoje perduram, com reconhecida contribuição no campo dos estudos sócio eclesiais, tais como o organismo chamado Koinonia.

Tais iniciativas convergiram principalmente para uma busca comum, de se fazer uma leitura da Bíblia do ponto de visto histórico, crítico, particularmente atenta à realidade brasileira e altino-americana. Nesse sentido começa a prosperar um frutuoso trabalho investigativo, com perspectiva ecumenica:

– Em consequencia inclusive dos 4 congressos ecumenicos internacionais de teologia, (o da Tanzânia, o de Gana, o de Sri LanKa, e o de São Paulo) em 1980, com inspiração nos quais nasceram um projeto ecumênico de CEBI e publicação de comentários bíblicos ecumênicos, no Brasil e na América Latina, com o apoio conjunto da editora Vozes (editora católica de Petrópolis – RJ), da editora Sinodal (editora de São Leopoldo – RS, vinculada à igreja luterana) e a editora da igreja metodista, em São Paulo.

Deste projeto ecumenico resultaram algumas desenas de comentários bíblicos ecumenicos, do Antigo e do Novo Testamento. Só de livro do teólogo José Comblin foram publicados 6, versando sobre Atos dos Apóstolos, I Carta aos Coríntios, Carta aos Filipenses, Carta ao Filemom, entre outros.

 

  • A partir de 1964, com a iniciativa do teólogo Leonardo Boff e outros teólogos da libertação, nasceu o projeto editorial assumido pela Editora Loiola, de São Paulo, com apoio explicito de uma centena de Bispos católicos latino americano, de publicação de cerca de cinco dezenas de livros (das quais só saíram em torno de 35 livros), versando sobre uma gama de temas da Teologia Cristã (Cristologia, Missiologia, Pneumatologia, entre outros)

 

Outro projeto relevante nascido ainda nos anos 80, na América Central, em El Salvador, conhecido como “Mysterium  Liberationis”, do qual foram protagonistas duas grandes figuras da Teologia da Libertação: Jon Sobrino e Ignácio Ellacuría.

  • Ainda no âmbito da América Central vale ressaltar o alcance da proposta investigativa e formativa do Departamento Ecumênico de Investigación (DEI), que vem assegurando uma diversidade de iniciativas de pesquisa bem como a oferta de cursos de formação teológica, na perspectiva da teologia da libertação

  • Neste elenco de fecundas experiencias investigativas e formativas, cumpre destacar o extraordinário papel cumprido pela revista de investigação bíblica latino-americanas (RIBLA). É nesta dinâmica de estudos e pesquisas bíblicas latino-americanas que se deve reconhecer a contribuição especifica do CEBI.

  • Remontam a meados dos anos 70 os primeiros passos apontados na direção de uma iniciativa de articulação mais orgânica das mais diversas experiências ecumenicamente vivenciadas de estudos bíblicos animadas por várias lideranças de igrejas cristãs: pastores, presbíteros, religiosos, leigas e leigos, graças inclusive a uma profética geração de Bispos Católicos, comprometidos com a causa libertadora dos oprimidos: Dom Helder Câmara, Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Ivo Lorscheider, Dom Aluísio Lorscheiter, Dom Antônio Batista fragoso, Dom Pedro Casadáliga, Dom Tomás Balduino, Dom Cândido Padim, Dom José Maria Pires, Dom Mauro Morelle, entre outros.

  • Aspectos característicos do CEBI:

Considerando a fecundidade ecumênica das experiências acima mencionadas, importa aí situar o surgimento do CEBI, desde o início, em diálogo fraterno e sororal com toda uma série de iniciativas protagonizadas pela igreja na base. O CEBI, dando sequência a estas iniciativas, foi oficializado em julho de 1979, perseguindo uma dezena de objetivos. Destes fala explicitamente um de seus fundadores, que segue sendo uma das mais reconhecidas referências, Frei Carlos Mesters, por ocasião da celebração, este ano, dos 43 anos do CEBI. Vale a pena recordar os objetivos que ele citou. Recomendamos conferir sua exposição: https://podcasts.apple.com/dk/podcast/03-03-frei-carlos-mesters-43-anos-do-cebi/id1557729371?i=1000571396170 .

 

Neste sentido, cumpre destacar, entre outros, os seguintes elementos:

  • Tal qual a plantinha que vai crescendo pouco a pouco, o CEBI passa a expandir-se por todo o país, por meio de diferentes iniciativas, todas voltadas para o exercício comunitário da leitura bíblica.

  • Vão sendo criadas coordenações regionais, estaduais, sempre trabalhando de modo coletivo, comunitário, buscando enraizar a proposta do CEBI:

  • Comunitários cuidam de organizar uma agenda de estudos bíblicos e de formação, oferecidos a um número crescente de pessoas e comunidades do povo dos pobres;

  • Em sua agenda organizativa, ocupam um lugar central um círculos bíblicos, sempre voltados a uma leitura orante da bíblia, com a porte de estudiosos e do conjunto de participantes dos círculos bíblicos;

  • Na dinâmica organizativa do CEBI, vão se criando, igualmente, espaços onde vão realizar-se assembleias e encontros periódicos, de modo a aprofundar os estudos bíblicos, em uma perspectiva de uma leitura popular da bíblia

  • neste sentido, vários encontros do âmbito regional ao âmbito nacional, foram realizados, animados pelas perspectivas coordenadorias com a contribuição de teólogos e teólogas, de modo a segmentar este exercício de leitura da palavra.

 

Aspectos do método do CEBI: principais características

Do próprio histórico do CEBI de seus núcleos fundadores, de seus protagonistas (mulheres e homens), já se pode encontrar o sentido ou o jeito de trabalhar do CEBI, seu método. Trata-se do método histórico crítico, que corresponde apenas a um dos diversos métodos de se trabalhar. Com efeito, desde o método histórico gramatical, o método devocional, o método critico histórico conceitual, o método histórico social decolonial, entre outros. Aqui, como acima mencionado, tratamos apenas de trazer alguns traços relevantes do método histórico crítico da leitura da Palavra.

Importa, nesta direção, salientar o que depois se veio chamar de “o triângulo hermenêutico”: de um lado, a leitura crítica da realidade, da vida comunitária dos participantes; de outro lado, o exercício de ler a bíblia, de forma contextualizada, isto é: indo além da mera letra, mas buscando contextualizar cada livro, como foi construído, em que tempo, em que contexto histórico, quais os personagens que aparecem, quais o seus principais traços, que conseguido o texto apresenta para os fiéis daquela época em que o texto foi produzido, que sentido o mesmo texto devidamente atualizada traz pra nós, nos dias de hoje? O terceiro ponto do “triângulo hermenêutico” consiste em exercitar, desta maneira, a leitura bíblica na dinamica da comunidade ali reunida, seja em círculos bíblicos ou em espaços similares.

Partir da realidade concreta, dela fazendo também uma leitura crítica inclusive com a ajuda de pessoas mais preparadas neste terreno, sempre evitando-se que esta pessoa tenha o monopólio da interpretação, à medida que sua interpretação é seguida do compartilhamento de outros sentidos apresentado pelos participantes, pelos leitores  eleitores da bíblia, conforme o Espírito Santo inspira cada uma e cada um. É fundamental que se comece por uma análise crítica da realidade – o que Paulo fReire chamava de leitura de mundo como primeiro passo preparatório para um mergulho na Palavra de Deus. na Bíblia, desde que trabalhada como um espelho, isto é, de modo que a inspiração do Espírito contido naquele texto, se reflita como uma luz a iluminar os caminhos da história das comunidades. Feita esta leitura orante da bíblia, tomada como um instrumento da revelação de Deus, da vida e da histórica, para o que se deve continuar a escutar o que o mesmo Espírito Santo tem a dizer nos dias de hoje as diversas comunidades e ao povo de Deus. passasse a buscar recolher do contrato dos desafios da realidade concreta e a força da palavra volta a atenção no ambiente comunitário trata-se de retornar sempre ao chão da vida daquela comunidade. Eis, em breves palavras, as linhas mestras do método do CEBI, conhecido como Método histórico crítico, conceitual.

 

Que lições recolher nos dias de hoje desse jeito de ler a Palavra de Deus?

Num cenário histórico profundamente tensionado entre forças antagônicas, o método do CEBI se apresenta como uma vacina contra as tentativas várias de apropriação indébita da palavra de Deus, como uma ferramenta de interpretação como estratégia de acesso inescrupuloso do poder político. Com efeito, tendo em vista que é presente a influências da vertente neopentecostal (seja em sua versão protestante, seja pela sua versão Católica se apresenta uma poderosa ferramenta de manipulação de expressivas parcela de nossas gentes, a leitura popular da Bíblia como método histórico crítico do CEBI, transforma-se em uma frutuosa ferramenta partir das armadilhas que o fundamentalismo religiosos vem apresentando na realidade.

Neste momento em que a sociedade brasileira enfrenta a realidade desafiante do processo eleitoral em seu segundo e definitivo turno, resulta particularmente importante recorremos ao método histórico crítico como poderosa ferramenta de desmascaramento das técnicas de manipulação empregadas pelos fundamentalismo religiosos, especialmente por pastores, bispos inescrupulosos, que traem o núcleo libertador do Evangelho, tal como vivenciado pelo movimento de Jesus.

 

João Pessoa, 6 de outubro de 2022.

Thomas Müntzer: Evangelho e revolução

A barbárie na qual o necrófilo Desgoverno tem mergulhado o Brasil e sua gente, nos impõe redobrar os esforços de resistência e de busca incessante de superação deste quadro sombrio. Para tanto, somos historicamente convocados a recorrer a vários meios, inclusive, o exercício contínuo da memória histórica dos oprimidos, no Brasil e no mundo. 

Há 60 anos, em uma conjuntura de grande efervescência, no Brasil e alhures, e em que a Igreja Católica iniciava seus passos numa perspectiva libertadora, importa lembrar, entre outros feitos, a publicação do livro “Evangelho e Revolução Social” de autoria do Dominicano Frei Carlos Josaphat (São Paulo, Ed. Loyola, 1962). Sete anos mais tarde, em 1969, já em um contexto ditatorial (além do golpe de Estado de 1964, a decretação do AI-5, em 1968), sob o mesmo título, Dom Antônio Batista Fragoso também publicava, na França, outro livro memorável. No ano seguinte, seria a vez de o Pe. José Comblin publicou o primeiro volume de sua “Théologie de la Révolution” (Puf, 1970) e poucos anos depois, “Teoria da Prática Revolucionária” (publicada em Portugal). Estes registros vêm à memória por remeterem a figura de Thomas Müntzer (Allstedt, 1489 – Frankenhausen, 1525), tendo vivido em um contexto de grande opressão sob os camponeses na Alemanha, nas primeiras décadas de 1500. É precisamente sua saga que tomamos, nas linhas que seguem, como alvo de reflexão.

Em dois mil anos de sua história o cristianismo tem sido  – e continua sendo marcado pelo contraste de duas tradições antagônicas: a da cristandade (até hoje dominante) e a protagonizada por minorias proféticas (Dom Helder chamava as minoria abraâmicas) ainda nos primeiros séculos do cristianismo, durante a partir da era constantiniana (séc IV) prosperou a ação de um segmento minoritário do Clero, que, para se impor como grupo dominante, e graças a uma crescente helenização da proposta de Jesus de Nazaré e seus discípulos e discípulas, componentes das primeiras comunidades cristãs, conforme inclusive o relato dos atos dos apóstolos, testemunhavam um especial empenho e compromisso de uma fraterna partilha de bens – “e todos repartiam o pão e não havia necessidade entre eles”.

O princípio, séculos depois formulado por Marx, segundo qual “de cada um conforme suas possibilidades, para cada um conforme suas necessidades”, se inspira direta ou indiretamente nas relações descritas nos atos dos apóstolos, todo um contexto histórico que se pode interpretar como dizendo respeito apenas ao modo de consumo e não como aos meios de produção. Ainda sim uma narrativa a ser positivamente tomada em conta.

Sucede, contudo, que nos séculos seguintes ao do relato dos atos dos apóstolos e outros registros relativos àquela época, diversos letrados, especialmente fascinados pelo platonismo pela filosofia helenista – até mais do que pelo espírito do evangélico – em busca de seu protagonismo, passaram a empenhar-se na elaboração de uma teologia da Cristandade, crescentemente afastando-se do ethos comunitário, característico do Novo Testamento, especialmente do Evangelho, com argumentos e arrazoados, da lógica helenista, que acabaria conquistando hegemonia, ao longo dos séculos seguintes. Nesse período ganharam força especial os escritos de figuras como o do teólogo Eusébio de Cesaréia em sua vasta obra Historia Ecclesiae (com 10 volumes), fazendo toda uma reinterpretação fundada em novas narrativas de inspiração helenista, com pouca base no espírito do Novo Testamento.

Narrativa que se fincou na recusa teológica e filosófica elaborada por Agostinho no século IV. Com Agostinho emerge vigorosa a ideia do dualismo platônico entre corpo e espírito entre corpo divino e humano. Divisão bem presente em seu tempo em seu famoso livro De Civitate Dei. Desta temática, ocuparam-se bem, entre outros autores, José Comblin e Eduardo Hoornaert.

A despeito de tal hegemonia teológica importa lembrar a presença de resistência profética oposta por sucessivas minorias, a exemplo dos testemunhos já no séc IV e V, de figuras como João Crisóstomo, Basílio e outros, mas é sobretudo no sec XII – e estendendo pelos séculos seguintes que ressurgem novas vozes proféticas. Com efeito, seja por meio de denúncias e contestações verbais contundentes, seja graças a atitudes radicais, figuras proféticas vão inaugurar um novo tempo, a era do espírito santo, como evocam a figura do monge Calabrês Gioacchino da Fiori cuja obra profundamente fundada nas escrituras propagava a chegada de uma nova era, a era do espírito santo que deveria suceder as duas anteriores, a do pai em que vigia a disciplina; a do filho, tempo de graça e o tempo de Jesus, vem a do espírito santo caracterizada pelo amor e pela liberdade. Logo em seguida ao novo protagonismo dos pobres trazido pela proposta de Gioacchino da Fiori que surge a figura de Francisco de Assis, cuja principal contribuição é a promoção da fraternidade no chamamento de volta às fontes de Jesus, expressa bem mais pelas suas atitudes proféticas, em relação ao que ele costumava afirmar aos seus companheiros: “vão anunciar o Evangelho, se necessário, também com palavras.”.

Tal a força do testemunho evangelho de Francisco e seus primeiros companheiros de irmandade, que o papado e o alto clero de tudo fizeram para cooptá-lo para estrutura eclesiástica. Em vão, enquanto ele viveu.  Mesmo assim,  a instituição e seus apoiadores acabaram por obter o controle da ordem.

Ainda sim a semente evangélica disseminada por Francisco e seus poucos companheiros, além da relevante participação de Clara, cai em terra fértil, fazendo brotar mais tarde, seguidores seus, a exemplo dos Valdenses, dos Albigenses, dos Begardos, das Beguinas, entre outros. Em memória do testemunho de Francisco, sempre fiel à Dama Pobreza, também surgiram os “Apostolici”, tais como grupos liderados por figuras proféticas como de Gerardo Segarelli e Fra Dolcino. Diversos outros grupos e movimentos deram prosseguimento ao discipulado de Jesus. Dentre eles especial atenção merecem os Albigenses, os Begardos as Beguinas acerca dos quais já tivemos oportunidade de refletir.

Também no Séc XIV, XV e XVI essas minorias proféticas voltariam a levantar sua voz e a protagonizar edificantes testemunhos. Com efeito, importa evocar o denso legado de figuras como John Wycliffe, Jan Hus e em especial ao alvo-mor deste texto a figura de Thomas Muntzer.

 

Cenário sócio histórico da Irrupção da Reforma:

A Europa quinhentista – especialmente a Inglaterra, Países Baixos, a França e com menor intensidade a Alemanha, viviam um tempo de glória com as grandes aventuras oceânicas e o desenvolvimento das grandes navegações, com os relevantes investimentos financeiros nos “descobrimentos” e exploração de povos americanos e outros continentes. Vivia-se, entao, se costuma chamar de acumulaçõa primitiva do Capital, ao tempo em que grandes avanços tecnologicos eram também registrados, a exemplo da invenção da Imprensa.

No plano religioso, o papado e o alto clero protegidos pela inquisição seguiam protagonizando crescentes escândalos sobretudo quanto à abominável campanha das indulgências. Sob a promessa feita aos aderentes, de proporcionar-lhes a redução de suas penas no purgatório, conforme o valor de suas ofertas. Iniciativa que ao lado de profunda corrupção do clero, provocava a ira profética, dos que, conhecendo as Escrituras, consideravam como alta traição ao Evangelho. Entre estes, destacava-se a figura de Martinho Lutero (Eisleben, 1483 — Eisleben, 1546), de quem no início se aproximou o jovem sacerdote Thomaz Müntzer, por volta de 1519. Ambos sentiam-se profundamente indignados contra os malfeitos do papado e do alto clero, por conta da venda de indulgências e da ampla devassidão do Clero, inclusive por proibirem a divulgação, em línguas populares, da Bíblia. Neste sentido, convém sublinhar, a exemplo do que um século antes, fizera o Wycliff (traduzindo a Bíblia para o inglês), a iniciativa de Lutero, de traduzir a Bíblia para o Alemão, a partir da Vulgata. Vale sublinhar, quanto a Müntzer, que empreendeu a tradução para o alemão dos textos litúrgicos, inclusive da Missa.

Ambos comungavam da mesma indignação e iracùndia proféticas, contra o Papado e o alto clero, que levaram Lutero, com o assentimento de Müntzer, a denunciar publicamente tais aberrações, tendo Lutero tomado a iniciativa de afixar, na porta da igreja de Wittemberg, suas famosas 95 teses protestando contra os demandos eclesiásticos. Ou seja: do ponto de vista estritamente teológico estavam de comum acordo, comungavam do mesmo sentimento. Sucede que, diferentemente de Lutero, Müntzer percebia e se indignava igualmente contra os príncipes alemães, que oprimiam brutalmente os camponeses. Daí nasce entre os dois uma profunda e crescente divergência, chegando a um inevitável antagonismo. Por um lado, Lutero e Müntzer seguiam concordes quanto às críticas contra os desmandos eclesiásticos. Mas por outro lado se afastavam diametralmente, quando se tratava de sua posição em relação aos príncipes. Da parte de Lutero, por se sentir cada vez mais ameaçado pela perseguição do papado, do Alto Clero e seus apoiadores, entendia necessário proteger-se junto aos príncipes. No que diz respeito a Müntzer, compreendia que, do mesmo modo que a sua denúncia era dirigida à estrutura eclesiástica, devia fazê-lo igualmente em relação aos opressores dos camponeses.

 

Razões da oposição de Müntzer também contra os principes

Como visto, a ruptura de Müntzer contra Lutero não se deu por acaso. Há, com efeito, uma série de motivos que a explicam, dentre às quais:

– Conforme a fé cristã, o Deus da Bíblia é o Deus da vida, e vida em plenitude (“Eu vim para que tenham vida, e vida em abundância”, Jo 10,10); Um Deus que escuta os clamores dos oprimidos, como se constata no caso dos camponeses (cf. Ex 3,7);

– Os camponeses viviam cada vez mais asfixiados pelos pesados impostos que lhes eram cobrados pelos príncipes;

– Para tanto, viam-se obrigados a trabalharem como escravos;

– Os camponeses, para cozinharem e para não morrerem de frio, eram obrigados a pagar o dobro do que antes pagavam pela retirada da lenha das florestas de propriedade exclusiva dos príncipes;

– A apropriação indébita pelos príncipes das florestas impunha aos camponeses, para sobreviverem, de terem que caçar o mínimo para sua alimentação, o que se constituía num motivo de protesto e de contestação desse e de outros privilégios, condenados por Müntzer e por seus apoiadores, em especial os anabatistas;

– As próprias viúvas e órfãos de camponeses eram igualmente vítimas da ganância e da atrocidade cometida pelos príncipes, o que suscitava também a iracúndia de Thomas Müntzer e de seus companheiros.

Diante dessa situação Müntzer se punha a cultivar uma profética espiritualidade do conflito que o fez mergulhar nos textos sagrados, em especial, elaborando uma exegese sobre a profecia de Daniel(Cf: Lefebvre, Joel “ THOMAS MUNTZER (1490-1525), ECRITS THEOLOGIQUES ET POLITIQUES, LETTRES CHOISIES. Christianisme et révolution dans l’Allemagne du XVIème siècle, 1982), inspirando-se também em místicos como Mestre Eckhart, aí encontrando força para o bom desempenho da missão profética.

Ordenado em 1513, antes de tornar-se um pregador itinerante, ordenado em 1513, desempenhara diversas funções como presbítero, pelo menos uma delas por recomendação do próprio Lutero. Por um período exerceu a função de confessor, em uma congregação feminina. Oportunidade em que se sentiu amplamente favorecido pelo tempo, podendo se dedicar profundamente aos estudos das escrituras beneficiado inclusive pelos seus conhecimentos de hebraico, do grego e do latim. Exerceu em outras regiões diferentes atividades, em especial a de prestigiado pregador. Era amplamente apreciado pelas pessoas inclusive por setores privilegiados pela força e inspiração de suas homilias. Como parte componente de sua espiritualidade – uma espiritualidade exercitada no contexto de conflitos intensos -, e como fruto de seus estudos escriturísticos e da partilha com interlocutores e parceiros de suas convicções políticas, Müntzer prosperava, a olhos vistos em seus achados e descobertas, que fazia questão de expressar em suas homilias.

Sua fidelidade ao Espírito do Evangelho, fortalecida pela sua inspiração em místicos como Mestre Eckhart, à medida que fortalecia o seu ânimo profético pastoral, o movia a uma solidariedade, e a um testemunho de compaixão para com os camponeses.

Seus estudos escriturísticos de referência na história da cristandade o convenciam, cada vez mais, da traição ao evangelho ao seguimento de Jesus, cometidos pelo papado e pela alta hierarquia eclesiástica cúmplice dos desmandos e dos escândalos dos imperadores e príncipes. Quando mergulhava na leitura orante da Bíblia, especial dos profetas da prática de Jesus e das primeiras comunidades cristãs nos Atos dos Apóstolos e no Novo Testamento, cada vez mais se sentia instado a denunciar as profundas desigualdades que separavam de um lado, a vida nababesca dos papas e alto clero, dos príncipes, imperadores e da nobreza, de um lado e do outro a vida miserável dos camponeses, algo que possivelmente o remetia ao episódio evangélico de Lázaro, do rico epulão a banquetear-se e o pobre Lázaro a recolher as migalhas do banquete. Impasse que no entendimento de Müntzer, só se poderia resolver revolucionariamente a base do “omnia sunt communia” (todas as coisas devem ser comuns). Ao lermos seus escritos – coletânea de sermões, cartas e panfletos – entendemos melhor as razões do enorme interesse que a liderança de Müntzer, à frente da resistência camponesa e sua insurreição contra a ordem social desumana imposta pelos príncipes, pela nobreza, pelo papado e pela alta hierarquia eclesiástica – tanto católica quanto luterana – e falando de tal modo que Engels, entre outros, dedicou um relevante estudo seu a irrupção da Guerra Camponesa, na Alemanha, no qual atribui uma importância capital ao papel revolucionário exercido por Thomas Müntzer. Estudo que inspiraria investigações ulteriores por outras figuras como no caso de Ernst Bloch “Thomas Müntzer o teólogo da revolução”.

Traz a relevância e o impacto do trabalho de Engels que, a justo título, Michael Löwy o considera o fundador da sociologia da religião, na perspectiva marxista.

 

A título de remate

Seja do ponto de vista teológico, seja do ponto de vista da práxis revolucionária, o legado profético pastoral e revolucionário de Thomas Müntzer se revela marcado pelo seu potencial transformador, pela sua força subversiva, cuja rememoração se reveste pessoal e coletivamente de um relevante sentido político pedagógico e ético, especialmente para nossas organizações de base, em particular para os movimentos sociais populares que protagonizam lutas por uma nova sociedade alternativa à barbárie capitalista e a toda sociedade de classes. Daí a importância ético-política da educação popular desde que trabalhada numa perspectiva marxista-freireana orientada/alimentada criticamente a um horizonte de alternatividade em relação ao modo de produção de consumo e de gestão capitalista, fundada numa mística revolucionária, exercitada diuturnamente pelos sujeitos históricos protagonistas e pelo exercício pessoal e coletivo da crítica precedida/acompanhada da autocrítica, e alimentada pela memória histórica dos oprimidos em âmbito Mundial, Latino Americano e Nacional, mediante uma contínua leitura de mundo seguida do compromisso pessoal e coletivo de luta ao lado das classes populares, do campo e da cidade.

Exercitar a tal memória histórica – no caso da figura de Müntzer – não significa reproduzir seus feitos, mas recolher criticamente as lições desta (e de outras) saga, tendo em vista os desafios da realidade atual.

 

João Pessoa, 20 de junho de 2022.

 

PS: Texto digitado (a partir de áudios) por Eliana de Freitas Calado, Gabriel Calado Bandeira e Heloise Calado Bandeira, Alexandre Soares, Águeda Calado e Antônio Souza, e revisado por Luciana Calado Deplagne.

Pascua: la irrupción de lo inesperado

Los cristianos celebran en Pascua aquello que ella significa: el paso. En nuestro contexto, es el paso  de la decepción a la irrupción de lo inesperado. La decepción aquí es la crucifixión de Jesús de Nazaret y lo inesperado, su resurrección.

Él fue alguien que pasó por el mundo haciendo el bien. Mas que doctrinas introdujo prácticas, ligadas siempre a la vida de los más débiles: curaba ciegos, purificaba leprosos, hacía andar a cojos, devolvía la salud a muchos enfermos, daba de comer a multitudes y llegaba a resucitar muertos. Conocemos su fin trágico: una trama urdida entre religiosos y políticos lo llevó a la muerte en la cruz.

Los que lo seguían, apóstoles y discípulos, quedaron profundamente frustrados con el fin trágico de la crucifixión. Todos, menos las mujeres que también lo seguían, empezaron a volver a sus casas. Decepcionados, pues esperaban que traería la liberación de Israel. Tal frustración aparece claramente en los dos discípulos de Emaús, probablemente una pareja, que caminaban llenos de tristeza. A uno que se une a ellos en el camino, lamentándose, le dicen: “Nosotros esperábamos que fuese él quien liberara a Israel, pero hace ya tres días que lo condenaron a muerte”(Lucas 24,21). Ese compañero del camino se reveló después como Jesús resucitado, reconocido en la forma como bendijo el pan, lo partió y lo distribuyó.

La resurrección estaba fuera del horizonte de sus seguidores. Había un grupo en Israel que creía en la resurrección, pero al final de los tiempos, una resurrección entendida como una vuelta a la vida como siempre fue y es. Pero con Jesús sucedió lo inesperado, pues en la historia siempre puede ocurrir lo inesperado y lo improbable. Sólo que lo improbable y lo inesperado aquí son de otra naturaleza, un evento realmente improbable e inesperado: la resurrección.

Ella debe ser bien entendida: no se trata de la reanimación de un cadáver como el de Lázaro. La Resurrección representa una revolución dentro de la evolución. El fin bueno de la historia humana se anticipa. Ella significa lo inesperado de la irrupción del ser humano nuevo, como dice San Pablo, del “novísimo Adán”.

Este evento es realmente la concretización de lo inesperado. Teilhard de Chardin, cuya mística está toda centrada en la resurrección como una absoluta novedad dentro del proceso de la evolución, decía que era un “tremendous”, algo que por tanto alcanza a todo o el universo.

Esta es la fe fundamental de los cristianos. Sin la resurrección las comunidades cristianas no existirían. Perderían su evento fundador y fundante.

Finalmente cabe resaltar que los dos misterios mayores de la fe cristiana están íntimamente ligados a la mujer: la encarnación del Hijo de Dios a María (Lucas 1,35) y la resurrección a María de Magdala (Juan 20,15). Parte de la Iglesia, la jerárquica, rehén del patriarcalismo cultural, no ha atribuido a este hecho singular ninguna relevancia teológica. Ella seguramente está en el designio de Dios y debería ser acogido como algo culturalmente innovador.

En estos tiempos sombríos, marcados por la muerte y hasta con la eventual desaparición de la especie humana, la fe en la resurrección nos abre un futuro de esperanza. Nuestro fin no es la autodestrucción dentro de una tragedia sino la plena realización de nuestras potencialidades a través de la resurrección, la irrupción del hombre y de la mujer nuevos.

Feliz Pascua a todos los que consiguen creer y también a quienes no lo consiguen.

 

Traducción de Mª José Gavito Milano

Mensagem

Por José Tolentino Mendonça*

Poema lido pelo ator Tony Ramos em missa promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Cáritas Brasileira, com apoio do Verificado – iniciativa das Nações Unidas para o combate à desinformação sobre a COVID-19 – em Ação de Graças pelo Dia dos Pais, aos pés do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro

“Livra-nos, Senhor, deste vírus, mas também de todos os outros que se escondem dentro dele. 

Livra-nos do vírus do pânico disseminado, que em vez de construir sabedoria nos atira desamparados para o labirinto da angústia.

Livra-nos do vírus do desânimo que nos retira a fortaleza de alma com que melhor se enfrentam as horas difíceis. 

Livra-nos do vírus do pessimismo, pois não nos deixa ver que, se não pudermos abrir a porta, temos ainda possibilidade de abrir janelas. 

Livra-nos do vírus do isolamento interior que desagrega, pois o mundo continua a ser uma comunidade viva. 

Livra-nos do vírus do individualismo que faz crescer as muralhas, mas explode em nosso redor todas as pontes. 

Livra-nos do vírus da comunicação vazia em doses massivas, pois essa se sobrepõe à verdade das palavras que nos chegam do silêncio. Livra-nos do vírus da impotência, pois uma das coisas mais urgentes a aprender é o poder da nossa vulnerabilidade.

Livra-nos, Senhor, do vírus das noites sem fim, pois não deixas de recordar que Tu Mesmo nos colocaste como sentinelas da Aurora.”

*Cardeal, poeta e teólogo português

Fonte: Cáritas

(11-08-2020)

 

Viva Gustavo Gutiérrez

Gustavo, querido irmão e companheiro, 

Há anos, não nos encontramos. Uma das últimas vezes foi no Congresso da SOTER em Belo Horizonte já há seis anos. Lembro-me que você sempre me agradece o eketé que, nas reuniões, sempre ponho na cabeça, em comunhão com as comunidades afro-brasileiras.

Nós nos conhecemos no início dos anos 80, em um curso para bispos que você veio assessorar em Itaici, no interior de São Paulo e ao qual fui convidado como assessor da Pastoral da Terra. Até hoje, uso aqueles conteúdos maravilhosos que você nos passou. Depois, por alguns anos, na mesma década, nos encontrávamos uma vez por ano no convento dos franciscanos em Petrópolis para os encontros dos autores da coleção Teologia e Libertação. E eu sempre me aproximava de você como de um grande mestre, mas guardando as distâncias necessárias.

Já nos anos 90, uma vez, fui assessorar um encontro de comunidades de base da Argentina que se encontravam na tríplice fronteira. E minha surpresa foi que quando desci do avião no pequeno aeroporto de Iguazu, a primeira pessoa que estava me esperando era você que me contou: Tinha acabado a sua parte de assessoria e tinha vindo ao aeroporto para embarcar, mas ficara feliz porque os voos coincidiram e você poderia ainda me ver e saudar. Tomamos um café juntos e depois nos despedimos.

Sempre gosto quando o vejo reagir às pessoas que o chamam de “pai da Teologia da Libertação” e sei que você sempre se colocou na linha da produção comunitária e de uma responsabilidade coletiva.

Compreendi o seu grande esforço para dialogar com o Vaticano. Não li o seu livro escrito em comum com o cardeal Muller. Não li não porque o tenha rejeitado, ou me negado  a ler. Ao contrário, só não tive de oportunidade de encontrá-lo. De todo modo, confesso que tive medo.

Algumas notícias de jornal e declarações muito simplistas contra o marxismo me recordaram de uma história que vivi ainda nos anos 80. Eu morava em Goiás e a arquidiocese de Goiânia, ainda em seus tempos de abertura (antes do atual arcebispo), me convidou para dar algumas aulas de Bíblia no então seminário arquidiocesano. E eu aceitei. Um dia, subia as escadas do seminário e me encontrei com o querido e saudoso frei Mateus Rocha que descia os mesmos degraus. Que surpresa nos encontrarmos ali. Só que Mateus me olhou com cara meio de espanto e meio de estranheza. E eu reagi quase agressivamente:

– Por que você está estranhando de me encontrar aqui? Você também não está?

E ele com cabeça baixa me respondeu como se ainda estivesse matutando com seus botões:

– Pois é… Se eles aceitaram a mim e a você como professores deste seminário, ou nós, ou eles mudamos e o meu medo é que não tenha sido eles, porque a instituição não se converte….

 Querido irmão e mestre Gustavo,

Na altura dos seus 93, você já está acima dessas discussões e para além dessas questões. Que Deus, energia de Paz e de Libertação o fortaleça e sustente sempre. Parabéns e abraço do irmão Marcelo Barros

(que escreve essas linhas sempre com o seu eketé afro).

Comunidades cristãs e corpos políticos, em diálogo, à luz do Movimento de Jesus

Por Hermínio Canova

( 11a Semana Teológica Pe. José Comblin, em 2021. Texto provisório e certamente incompleto).

  1. As Comunidades Cristãs.

Quanto às Comunidades Cristãs ou Grupos de Jesus entendemos e tomamos como primeira referência: o grupo dos apóstolos ( comunidade itinerante de Jesus), e o grupo das mulheres que também seguiam Jesus e ajudavam na manutenção e na sobrevivência do grupo itinerante e missionário.

Outras referências, ainda no tempo de Jesus, são: a comunidade que se reunia na casa de Pedro, em Cafarnaum e também a comunidade que se reunia na casa da líder e animadora Marta, em Betânia, nos arredores de Jerusalém.

Outra referência neste tema é a experiência das Comunidades ainda nos tempos apostólicos, comunidades anteriores ás igrejas, que nasceram e se espalharam na Síria e nas costas do mar Mediterrâneo, no período considerado aproximadamente do primeiro século, dos anos 30 até os anos 80 ou 90.

Uma outra referência, para este estudo sobre as comunidades cristãs, é a experiência, muito mais recente, nestes últimos 50 anos, das Comunidades Eclesiais de Base no Brasil e na América Latina.

 

  1. Os corpos políticos.

E quando falamos em ‘Corpos Políticos` entendemos os grupos que na sociedade estruturada e dinâmica do capitalismo sofrem marginalização, discriminação e vulnerabilidade, mas que lutam pela liberdade e pela afirmação de sua identidade ou por políticas públicas alternativas e de integração social. São os grupos agregados aos movimentos sociais, grupos de Gênero e de Mulheres, etnias, comunidades de quilombolas e de afrodescendentes, comunidades de favelados, grupos de LGBT, mulheres vítimas da prostituição e do tráfico, grupos do povo de rua.

 

  1. Como as Comunidades Cristãs vem se aproximando, hoje, a estes grupos que vivem numa situação de vulnerabilidade e são considerados, de modo injustificável, de pouca relevância sócio-política? Como estes grupos são incorporados ou não às comunidades cristãs? Como estes grupos, muitas vezes chamados de minorias, mas que na verdade às vezes são maiorias, importam para as comunidades das igrejas de hoje?

 

  1. Corpos Políticos é uma formulação relativamente nova, juntando duas palavras antigas, corpo e política. Corpo como um conjunto de órgãos e membros que vivem uma unidade vital, e política que remete necessariamente ao conceito de poder. Portanto pensar logo como empoderar estes grupos socialmente fragilizados, como dialogar com eles, como valorizar e promover a capacidade de protagonismo destes grupos que na sociedade são considerados como inferiores, incapazes, e no final, muitas vezes, são contemplados como destinatários de ações meramente assistenciais?

 

  1. A prática de Jesus.

Jesus quis formar “comunidade” exatamente com aqueles que eram excluídos da comunidade ou que eram desconsiderados do ponto de vista religioso. Na sua mensagem, e mais ainda na sua ação concreta, Jesus deixa claro que não reconhece delimitações e desclassificações de caráter religioso-social. O Reino de Deus não tolera classes e, em princípio, está aberto para todas as pessoas. Jesus se dirigia aos ricos e aos pobres, às pessoas cultas e às incultas, à população rural da Galiléia e à população urbana de Jerusalém, aos que tem saúde e aos doentes, aos justos e aos pecadores. Mas podemos afirmar que Jesus tomou partido em favor dos pobres, dos famintos, dos que choram, dos que estão sobrecarregados, dos doentes, dos pecadores, dos cobradores de impostos, das prostitutas, dos samaritanos, das mulheres, das crianças, e fez isso porque a sociedade do seu tempo negava a estes grupos a igualdade e até a convivência.

 

  1. Na obra de José Comblin.

Nos ajuda nesta memória da mensagem e da prática de Jesus, a reflexão deste teólogo, sobretudo nas paginas de 251 a 260 do livro póstumo (O Espírito Santo e a Tradição de Jesus). A missão de Jesus refere-se fundamentalmente aos doentes e aos pecadores, diz Comblin. O Espírito Santo inspira Jesus a curar os doentes e a perdoar os pecados. Mas de que pecado se trata? Quem são todos estes pecadores que encontramos nos evangelhos?

Os “pecadores” eram párias sociais. As pessoas, que por qualquer motivo se desviasse da lei e dos costumes tradicionais da classe média (os educados e os virtuosos, os escribas e os fariseus), eram tratadas como inferiores, como classe baixa, como pecadores. No tempo de Jesus, os pecadores eram uma classe social bem definida, a classe social dos pobres no sentido amplo. Estavam incluídos aqueles que tinham profissões pecaminosas ou impuras: prostitutas, coletores de impostos (publicanos), ladrões, pastores de rebanhos, usurários e jogadores. A categoria dos pecadores incluía também os que não pagavam o dízimo aos sacerdotes e os que eram negligentes na observância do repouso do sábado e da pureza ritual.

Não havia praticamente saída alguma para o pecador e a pecadora. Na teoria a prostituta podia se tornar pura novamente por meio de um complicado processo de arrependimento, purificação e reparação. Mas isso custava dinheiro, e seu dinheiro mal ganho não podia ser usado para esse fim. Seu dinheiro era corrompido e impuro.

Diante deste quadro, Jesus perdoava. Perdoou à prostituta que regou seus pés com as lágrimas, perdoou ao paralítico curado da enfermidade. Substituiu a tradição religiosa eclesiástica com a Tradição evangélica. Denunciando toda forma de opressão e discriminação, Jesus entra em conflito com as autoridades religiosas do seu povo.

 

  1. As Comunidades do Movimento, no primeiro século.

Neste período, sobretudo dos anos 30 aos anos 80, aparece a experiência originária e original das comunidades, fundadas na área do mar Mediterrâneo, nos territórios do império romano. Foram os apóstolos os grandes fundadores, mas também Paulo, Maria Madalena, Priscila, Timóteo, Febe, Tecla, Barnabé, e outros e outras. Nas comunidades encontrava-se gente pobre, trabalhadores , escravos, mulheres, pequenos comerciantes que se reuniam nas casas para a oração e a partilha do pão. Não faltavam pessoas de classe alta convertidas a Cristo, decididas de pertencer ao Movimento e que muitas vezes colocavam seus bens a serviço do grupo e dos pobres. Na cidade de Roma, capital do mundo de então, constituída por um luxuoso centro imperial rodeado de favelas e de habitações dos escravos, foi notável a experiência das Matronas romanas , mulheres da classe alta, convertidas a Cristo, que ajudavam os pobres e os acolhiam, em tempo de liberdade, em suas amplas casas para as reuniões de oração e para a celebração da partilha do Pão. Em tempos de perseguição, todos deviam frequentar (!) as catacumbas. Na comunidade de Corinto, na Grécia, prevaleciam representantes da classe trabalhadora que ganhavam o pão no trabalho pesado do porto. Em Filipos, um grupo de lavadeiras se reuniam para a oração na casa de Lídia, comerciante de tecidos.

O Movimento de Jesus não tolerava classes e era aberto a todos que na fé em Jesus optavam pela partilha no amor fraterno. Representantes da classe média, mestres e filósofos, tinham entrado nas comunidades do Movimento. Lembramos que já no grupo de Jesus estava Joana, esposa de um alto funcionário da corte do rei Herodes e que ajudava e acompanhava fielmente o grupo de Jesus. No período das comunidades dos primórdios, se destacava o romano intelectual Justino, que convertido se tornou um importante filosofo cristão. Nestas Comunidades dos primeiros tempos, não faltavam conflitos internos, discussões entre grupos de cultura e de classe diferentes. A famosa Comunidade de Corinto, que nas reuniões tolerava que gente abastada comesse bem e gente pobre comesse pouco ou nada, recebeu de Paulo uma dura e merecida repreensão!

 

  1. “CEBs ontem e hoje”.

É este o título do relevante trabalho, publicado em livro, de Elenilson Delmiro Santos, de João Pessoa (PB). Ele acrescentou ao título: “ascensão, declínio e reinvenção”, para contar a história da CEBs nestes últimos 50 anos e para refletir sobre ela com pesquisa e aprofundamento acadêmico. Das CEBs dos anos de 1970 e começo dos anos de 1980, até a pergunta sobre a possibilidade do papa Francisco propor novamente uma Igreja de comunidades e na opção pelos pobres: é esta a trajetória do livro de Elenilson. Nos anos de 1970, as Comunidades Eclesiais de Base, Comunidades do primeiro amor!, se espalhavam e cresciam no meio popular, no campo e na cidade, com um bom acompanhamento de assessores/teólogos , com muita formação dos animadores e animadoras, e com o apoio de bispos como dom José Maria Pires que convidava a Igreja a caminhar “do centro para as margens”, como ele dizia. Era o tempo da aplicação ou melhor da reinvenção do Concílio Vaticano II em América Latina. “O conceito de Povo de Deus (definição surpreendente decidida naquele Concílio) fornecia a porta de entrada para uma Igreja dos pobres (na América Latina)…..e depois do Vaticano II, foram criadas as condições para que houvesse um florescimento das comunidades eclesiais de base (CEBs) tanto na África quanto na América Latina, com o apoio de Medellin” .(afirmação de José Comblin).

A leitura do livro de Elenilson acalma nossa sede de conhecimento profundo da saga das CEBs no Brasil, do seu crescimento, da crise e da oposição sofrida dentro da Igreja, como também da sua reinterpretação e sobrevivência até os dias de hoje.

 

  1. Algumas conclusões.

É bom notar que nas Comunidades do tempo apostólico (primeiro século) não se tratava de buscar um diálogo com os grupos marginalizados e vulneráveis; não se tratava de diálogo, pois algo mais profundo e radical estava acontecendo. Os pobres se reuniam em comunidades que formavam o Movimento, ajudados por alguém que tinha mais possibilidade econômica e social, e que garantia alguma ajuda e proteção. As próprias Comunidades eram “ corpos políticos”, grupos às margens da sociedade, grupos vulneráveis e muitas vezes terrivelmente discriminados e perseguidos. Também não me parece que tenha sido, naquele tempo, uma experiência de um pauperismo radical ou de uma religião fundamentalista. Talvez a chave de leitura do Cristianismo originário vivido naquelas primeiras Comunidades seja a “marginalidade”, não a marginalização; marginalidade que levou aqueles grupos cristãos a imaginar novas práticas, novas relações, novas identidades e valores. Um estudo mais crítico do cristianismo das origens coloca sérios desafios ao nosso cristianismo de hoje.

 

Hoje, muitas igrejas e comunidades estão fechadas aos pobres, realizam cultos e cobram dízimos, e muitas aderem ao fundamentalismo político. A sociedade atual é profundamente desigual, e os corpos políticos, em quanto grupos vulneráveis, buscam direitos e respeito, sob o olhar irado das elites políticas.

 

  1. Perguntas para as Comunidades e os grupos Cristãos de hoje.

– as Comunidades Cristãs são capazes, hoje, de dialogar com estes Corpos Políticos?

– as Comunidades e os Grupos Cristãos, perderam a capacidade de serem “fermento na massa”?

– estes grupos políticos vulneráveis, muitas vezes, carregam notáveis valores de humanidade, de solidariedade e de partilha do necessário. “Estão” no Caminho, pois vivenciam os valores do Reino.

– desejo ou sonho de muitos cristãos é de evangelizar ou cristianizar estes Corpos; ou será que são eles que devem se deixarem evangelizar por estes Corpos Políticos? A pergunta penetra fundo em nós: estamos falhando de ser cristãos?

Fonte: Teologia Nordeste

(15-05-2021)

No meio da pandemia: a urgência do Espírito de vida

Em plena pandemia com milhares de mortos cada dia, celebramos a festa de Pentecostes, do Espírito doador de vida e curador. Sua atuação junto a todos os que estão na linha de frente no combate ao Covid-19 é urgente para mantê-los vivos, protegidos e com o ânimo heroico de continuarem em sua missão de salvar vidas, pondo as suas próprias em risco. O hino litúrgico da festa de hoje fala que ele é o “consolador ótimo e o doce refrigério”.Mais do que nunca deve se mostrar com estes dons a todos os que trabalham nos hospitais.

Reflitamos um pouco sobre a natureza do Espírito Santo e sua relevância para a vida e para o dramático momento atual.

Em primeiro lugar importa dizer que o Espírito foi o primeiro a chegar a este mundo e ainda está chegando. Veio e armou sua tenda sobre Maria de Nazaré. Quer dizer, fixou nela sua morada permanente (Lc 1,35) e elevou o feminino à altura do Divino.

Desta sua presença, se originou a santa humanidade do Filho de Deus. O Verbo armou sua tenda (Jo 1,14) no homem Jesus gerado por Maria. Num momento da história, ela, a simples mulher de Nazaré, é o templo de Deus vivo: nela habitam duas divinas Pessoas: o Espírito  que a faz “bendita entre todas as mulheres” (Lc 1,42) e o Filho de Deus, crescendo dentro dela, de quem é verdadeiramente mãe.

Depois,  o Espírito desceu sobre Jesus na ocasião do batismo por João Batista e o inflamou para a sua missão libertadora. Desceu sobre a primeira comunidade reunida em Jerusalém, na festa de Pentecostes que agora celebramos, fazendo nascer a Igreja. Continuou descendo, independentemente, se as pessoas eram cristãs e batizadas ou não como ocorreu com o oficial romano Cornélio, ainda pagão (At 11,45). E em toda a história sempre veio antes dos missionários, fazendo com que no coração dos povos vigorasse o amor, se cultivasse a justiça e se vivesse a compaixão.Esses valores mostram a ação do Espírito Santo. Uma vez entrado na história, nunca mais a deixou. Toma o que é de Jesus, passa-o adiante mas também “anuncia coisas novas que hão de vir”(Jo 16,13).

É pelo Espírito que irrompem os profetas, cantam os poetas, criam os artistas, e pessoas praticam o bem, o justo e o verdadeiro. Do Espírito se moldam os santos e santas, especialmente aqueles que entregam a própria vida para a vida dos outros, como agora os que trabalham,quase à exaustão, nos hospitais do Brasil e do mundo.

É também pelo Espírito que velhas e  crepusculares instituições, de repente, se renovam e prestam o serviço necessário para as comunidades como o Papa Francisco está fazendo e também outras igrejas cristãs.

O mundo está grávido do Espírito mesmo quando o espírito da iniquidade persevera na sua obra, hostil à vida e a tudo o que é sagrado e divino. Isso está ocorrendo em nosso país com um governante mais amigo da morte do que da vida.

Quem se sente mais penalizado nesse momento, sem casa adequada para morar, sem saber o que vai comer no dia seguinte, sem trabalho e sem nenhuma segurança contra os ataques do vírus letal é o pobre. Hoje são milhões. Os pobres gritam. E Deus é o Deus do grito, quer dizer, aquele que escuta o grito do oprimido. Deixa sua transcendência e desce para escutá-los e libertá-los, como no caso do cativeiro no Egito (cf. Ex 4,3). É o Espírito que nos faz gritar Abba, Paizinho querido (Rm 8,15; Gal 4,6). Por isso o Espírito é o pai  e o padrinho dos pobres (pater pauperum) como a Igreja canta hoje nesta festa.

Seguramente não o faz miraculosamente, mas lhe confere ânimo e resistência, vontade de luta e de conquista. Não deixa que seus braços se abaixem. Ele enviou a luz aos corações dos pobres para descobrirem as iniciativas certas, persistirem e de fato chegaram vivos  até hoje; se os indígenas não puderam ser totalmente exterminados e agora, por incúria das autoridades brasileiros estão sob grave risco, se os afrodescendentes não puderam sucumbir ao peso da escravidão, foi porque dentro deles havia uma energia de resistência e de libertação, aquilo que o hino chama de dons e luz dos corações: o Espírito Santo, pouco importa o nome que dermos.

Aos desesperados Ele se mostra como um consolador sem igual. Não os assiste a partir de fora. Foi morar dentro deles com hóspede para auxiliá-los e aconselhá-los, pois esta é sua missão. Nos grandes apertos e crises, Ele se anuncia como uma referência de paz, de calma: um refrigério. Pois assim diz o hino de Pentecostes que estou citando literalmente.

Ele surge como o grande consolador. Quantas vezes,nestes tempos sombrios de epidemia as agruras da vida nos fazem encher os olhos de lágrimas. Quando perdemos um ente querido, sem poder se despedir dele e fazer o luto necessário, ou vivemos profundas frustrações, afetivas ou profissionais como desempregados/as parece que caímos num abismo. É nestes momentos em que devemos suplicar: “Vem Espírito, sede nosso  conforto; enxugue nossas lágrimas e alivie nossos soluços.

O Espírito Santo  veio uma vez e continua vindo permanentemente. Mas em momentos dramáticos como os nossos, sob o Covid-19 precisamos clamar:”Vem Espírito Santo e renova a face da Terra, salve o nosso país, livre-nos dos que não cuidam da vida”.

Se o Espírito não vier, seremos condenados a ver a paisagem descrita pelo profeta Ezequiel (c.37):  a Terra coberta de cadáveres e ossos por todos os lados. Isso jamais queremos de jeito nenhum. Mas quando ele vem, os cadáveres se revestem de vida e o deserto se faz um vergel. Os pobres receberão sua justiça, os enfermos ganharão  saúde e os pecadores que somos todos nós, receberemos o perdão e a graça. Oxalá isso aconteça logo.

Essa é a nossa fé e mais ainda, a nossa imorredoura esperança, unida a um profunda solidariedade com todas as vítimas do Covid-19 de nosso país e do mundo.

(23-05-2021)

Leia a íntegra do Texto-Base da Campanha da Fraternidade Ecumênica 2021

Circularam nas redes sociais alguns vídeos atacando o Texto-Base da Campanha da Fraternidade Ecumênica deste ano (abaixo, disponibilizamos ele na íntegra!!!).
Entre as críticas levantadas, uma chamou especial atenção foi a de que o Texto-Base teria sido escrito por uma só pessoa – o que é uma inverdade, uma fake news que só causou alarido, mas não trouxe verdade alguma.
A redação do Texto-Base foi resultado de um processo coletivo de construção, que iniciou no final de 2019. Teve participação direta de pessoas de diferentes áreas do conhecimento, em especial, sociologia, ciência política e teologia.
A parte bíblica do Texto contou com a colaboração de biblistas de diferentes igrejas cristãs. Todas pessoas com profundo conhecimento bíblico.
Depois de escrito, o Texto-Base foi amplamente discutido por uma Comissão Ecumênica formada por 8 pessoas, sendo 6 indicadas oficialmente pelas igrejas-membro do CONIC, uma igreja convidada e um organismo ecumênico.
A validação final do Texto-Base foi da Comissão Teológica do CONIC, integrada por teólogos e teólogas indicadas pelas igrejas-membro do CONIC. Todas com conhecimento das bases confessionais de suas igrejas e dos documentos doutrinários.
Nunca esse texto foi trabalho de “uma só pessoa”, como erroneamente fizeram parecer. Mas fruto de muito diálogo e reflexão.
Sentimo-nos muito felizes em entregar às comunidades, à sociedade e a todas as pessoas este Texto-Base, que apresenta um conteúdo qualificado e que ficará na história do movimento ecumênico, considerando que aborda de forma corajosa as desigualdades que excluem e segregam pessoas e comunidades.
Como cristãos e cristãs, somos chamadas a denunciar desigualdades onde quer que elas estejam. E não podemos só defender “quem pensa como nós e comunga da nossa fé”. Se uma pessoa, independentemente de qualquer coisa, esteja sendo ameaçada, ostracizada, é nosso dever denunciar. Cristo fez isso o tempo todo! 
Como Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC), reafirmamos o compromisso com os Direitos Humanos e conclamamos a todos e todas para um profundo engajamento na Campanha da Fraternidade Ecumênica.
Que unamos nossas forças para a superação da cultura de ódio, impulsionada, em certos casos, por um discurso religioso distorcido. Que a cultura do conlfito se transforme em cultura de amor, capaz de construir uma sociedade onde caibam mulheres com plenos direitos, a diversidade religiosa, a laicidade do Estado (que respeita todas as crenças), os direitos das pessoas LGBTQIA+ e de quem quer que tenha seus direitos restringidos.
Por Jesus Cristo e sua práxis de amor, diálogo e de crítica a toda a lei religiosa que se coloca acima da amorosidade de Deus, uma boa Campanha da Fraternidade Ecumênica para todos e todas.
Clique aqui e baixe o Texto-Base.
Fonte: CONIC – Conselho Nacional de Igrejas Cristãs
(17-05-2021)