Arquivo da tag: Evangelho

Abrir as portas do coração e do mundo ao projeto divino do Amor e da Justiça.

1º Domingo do Advento – B – Mc 13, 33- 37. 

Abrir as portas do coração e do mundo ao projeto divino

Neste 1º Domingo do Advento começamos o novo ano litúrgico. A partir de agora, nos domingos comuns deste novo ano, leremos sempre o evangelho de Marcos. Neste domingo, o texto escolhido é um pequeno trecho do último discurso de Jesus aos discípulos: Marcos 13, 33- 37. Podemos chamar este texto do evangelho: a parábola do porteiro.

Em nossos dias, frequentemente, nos edifícios e condomínios de nossas cidades, toda a comunicação entre quem mora e quem visita depende dos porteiros. Toda a segurança é colocada sob a responsabilidade dos porteiros. O termo grego epíscopo que, hoje, se traduz por bispo, no tempo do Novo Testamento, significava justamente a pessoa que vigiava e era guardiã da casa.

No evangelho, quase sempre o termo casa designa a Igreja doméstica, ou seja, a pequena comunidade de discípulos e discípulas de Jesus que se reuniam em casas de irmãos ou irmãs. Portanto, a Igreja já estava separada do templo e distinta da  sinagoga judaica.

No evangelho que lemos hoje, Jesus nos diz que todos/as nós devemos ser como porteiros/as e guardiães da casa, ou seja, das nossas comunidades. Em nossos dias, temos também de ser guardiães da nossa casa comum, a mãe-Terra e também da casa que é a cidade e o país no qual vivemos e do qual somos cidadãos e cidadãs.

À comunidade representada pela casa e especialmente ao porteiro ou à porteira da casa, Jesus dá duas recomendações importantes: Ficar acordado/a e vigiar. São suas últimas palavras a todos/as os/ discípulos/as, antes de ir para a última ceia e depois para o jardim de Getsêmani onde se preparará na oração para enfrentar os sofrimentos da tortura e da paixão. Em Getsêmani, ele disse essas duas coisas aos discípulos de sua predileção: Pedro, Tiago e João. Vigiai e orai.

No Budismo, Buda significa justamente a pessoa que se mantém desperta. Geralmente se traduz por iluminado/a, mas é no sentido de despertado/a. No Hinduísmo, os Yoguis são pessoas, que pela meditação,  conseguem se manter sempre despertos, mesmo se em estado de quietude, de repouso físico e meditação. São pessoas permanentemente acordadas.

Na Bíblia, profetas eram considerados sentinelas na noite (Ez 3, 16) que noite e dia tomam conta das muralhas da cidade, para avisar da chegada do inimigo e para manter o Senhor acordado e Romalhe recordar as suas misericórdias (Is 62, 6- 7).  À comunidade cristã de Roma, Paulo escreve: “é hora de despertar do sono, porque, agora, a nossa salvação está mais próxima de nós do que quando abraçamos a fé” (Rm 13, 11).

O evangelho diz que o porteiro não sabe a que horas virá o Senhor, se na primeira parte da noite ou na segunda vigília ou de madrugada. É uma alusão às etapas ou horas da paixão de Jesus, isso é, a ceia e a oração no horto (primeira vigília da noite), interrogatórios e tortura (segunda vigília da noite), condenação à morte e cruz depois que o galo cantou (terceira vigília). Assim também, nas noites de nossa vida, o Senhor pode chegar no momento da ceia, no momento de nossa agonia, ou em momentos de noite ainda mais escura (perseguição e martírio). É preciso estar sempre alerta e com capacidade crítica para discernir os sinais dos tempos, ou seja, sermos capazes de interpretar os acontecimentos atuais do mundo e, através deles, conseguir escutar “o que, hoje, o Espírito diz às Igrejas e ao mundo” (Cf. Ap. 2, 5).

No tempo da comunidade de Marcos, a partir da guerra de Roma contra os judeus, o mundo tinha se transformado em um grande Getsêmani e a palavra de Jesus pede aos discípulos e discípulas que sejam capazes de discernir a realidade e manter vigilância e cuidado.

Hoje, novamente o mundo parece um grande Getsêmani de angústia e dor para tanta gente. Na noite da agonia de Jesus, conforme os evangelhos, os discípulos mostraram-se distantes e desinteressados do que estava acontecendo. Ficaram distantes, porque nunca tinham compreendido que o projeto de Jesus, isso é, a causa do reino de Deus tinha de ser realizado no serviço humilde e na cruz. Para eles, ao contrário, Jesus como Messias traria o reino divino como projeto de poder. Mesmo depois da ressurreição, mesmo depois de terem recebido o Espírito Santo, eles se organizaram em termos de ministérios de poder, o que Jesus tinha dito explicitamente para não fazer e o evangelho de Marcos é muito crítico em relação a isso.

Será que hoje, na nossa Igreja, os atuais porteiros (ministros) não continuam tão por fora do projeto de Jesus, quanto o evangelho de Marcos diz que os primeiros discípulos estavam? E nós mesmos, e eu que estou lhes escrevendo isso? Até que ponto assumimos o projeto de Deus do modo como Jesus o viveu e o propõe?

Como seria bom que, como discípulos e discípulas de Jesus, pudéssemos ajudar o mundo a viver um Advento – tempo novo de expectativa do projeto divino – como tempo de nova organização da aliança da humanidade pela paz e pela justiça eco- social.

Uma das primeiras músicas do Chico Buarque ainda nos anos 1960 se chama Pedro Pedreiro. Vocês conhecem?

Pedro pedreiro penseiro, esperando o trem

Manhã, parece, carece de esperar também

Para o bem de quem tem bem

De quem não tem vintém

Pedro pedreiro fica assim pensando

Assim pensando o tempo passa

E a gente vai ficando pra trás

Esperando, esperando, esperando

Esperando o sol

Esperando o trem

Esperando o aumento

Desde o ano passado

Para o mês que vem

 

E lá pelas tantas da canção que é longa, Chico canta:

Pedro não sabe, mas talvez no fundo

Espere alguma coisa mais linda que o mundo
Maior do que o mar, mas pra que sonhar
Se dá o desespero de esperar demais
Pedro pedreiro quer voltar atrás
Quer ser pedreiro pobre e nada mais

Sem ficar esperando, esperando, esperando
Esperando o sol, esperando o trem
Esperando o aumento para o mês que vem
Esperando um filho pra esperar também
Esperando a festa, esperando a sorte
Esperando a morte
Esperando o dia de esperar ninguém
Esperando enfim nada mais além
Da esperança aflita, bendita, infinita
Do apito de um trem

Pedro pedreiro esperando
Pedro pedreiro esperando
Pedro pedreiro, pedreiro, esperando o trem
Que já vem, que já vem
Que já vem, que já vem
Que já vem, que já vem.
Que já vem, que já vem….

 

Mesmo quando parece que Pedro Pedreiro não quer mais esperar, ele espera porque a nossa vocação é esperar e a nossa esperança não nasce apenas do nosso desejo e sim da confiança na revelação divina que nos manda esperançar e profetizar os sinais dos tempos.

Como atender aos sofrimentos de Deus

XXXIV Domingo Comum

Festa de Cristo Rei e Servidor – Mt 25, 31 – 46. 

Como responder aos sofrimentos de Deus

Neste último domingo do ano litúrgico, que a Igreja Católica continua chamando de Festa de Cristo Rei, o evangelho deste ano é Mateus 25, 31 a 46, a parábola do julgamento final. De fato, a Reforma Litúrgica de 1969 transferiu essa festa do final de outubro para o último domingo do ano litúrgico. Assim, deu a essa celebração o sentido de apontar a esperança que temos no reino de Deus que virá.  É verdade que, até hoje, grupos católicos tradicionalistas cantam e propagam o antigo hino ao Cristo Rei que tem como refrão:

Jesus Rei Deus verdadeiro

O teu Reino venha a nós

Obedeça o mundo inteiro

Ao poder de tua voz

Todo o orbe homenagens Lhe renda

Aos seus pés traga o mundo cristão

De almas livres a livre oferenda

Corações para o seu coração!

Nesses versos, o reino do Cristo é identificado com o poder da hierarquia da Igreja-Cristandade, isso que o hino chama “o mundo cristão”, que convivia muito bem com o domínio do homem sobre a mulher, o racismo estrutural, o extermínio dos povos indígenas, a escravidão das populações negras e tantas outras injustiças sociais. Infelizmente, mesmo se o mundo de hoje é decididamente mais laical e independente de religião, ainda existe em muitos setores cristãos, das mais diferentes Igrejas, o desejo de restaurar essa religião civil que tem muito de costumes religiosos e pouco do evangelho de Jesus. É nesse espírito que compreendemos a preocupação de Dom Helder Camara, quando, há mais de 55 anos, escrevia: “Jesus me compreende quando digo que não gosto da festa de hoje, nem acho que ele queria ser chamado de rei”  (53ª circular – 22/ 10/ 1964)[1].

 

A respeito da parábola lida no evangelho de hoje, dois exegetas belgas sustentam que essa parábola, do modo como está escrita, foi construída pela comunidade de Mateus. Afirmam: “Jesus nunca chamaria a si mesmo de rei nem se atribuiria o papel de juiz, que ele sempre pensou ser reservado ao Pai[2]. No entanto, é possível que o núcleo da parábola venha de Jesus e esse núcleo é a identificação de Jesus com as pessoas empobrecidas e excluídas do mundo.

Toda a espiritualidade rabínica insistia na imitação de Deus. O livro do Talmud ensina que devemos imitar Deus. E ensina que nós imitamos a Deus, quando vestimos os nus, assim como Deus vestiu Adão e Eva, quando os nossos primeiros antepassados se viram nus no paraíso. O Talmud ensina que eevemos visitar as pessoas doentes, como Deus visitou Abraão, depois que ele foi circuncidado. Do mesmo modo, assim como Deus confortou e abençoou Isaac, depois que esse perdeu o pai, temos nós também de confortar os enlutados. E devemos enterrar as pessoas falecidas, assim como Deus enterrou Moisés no monte Nebo (b. Sotah, 14ª)[3].

Nessa parábola sobre o julgamento final, Jesus assume esse modo de falar de Deus e nos revela duas coisas novas: 1º – Se queremos encontrar e nos unir a esse Deus da Bíblia, a quem Jesus chama de Paizinho, o jeito é reproduzir o seu modo de ser, no caminho da misericórdia e da solidariedade.

2º – Os sofrimentos do povo explorado e empobrecido são os sofrimentos do próprio Deus. Para Jesus, não há outro caminho de espiritualidade a não ser descobrir nos sofrimentos das pessoas empobrecidas os sofrimentos do próprio Deus.

Diante disso, então, é preciso sempre rever a nossa vida e o nosso jeito de ser, para ver o quanto estamos sensíveis e atentos a isso: o encontro com Deus não está, em primeiro lugar, no templo e no culto e sim na solidariedade amorosa com as pessoas e comunidades empobrecidas.

Na história, muitas vezes, cristãos e cristãs compreenderam essa palavra de Jesus no varejo da vida, isso é, como se ele tivesse mandado dar esmolas na porta de casa, escolher um dia da semana e visitar alguém doente no hospital e assim por diante: um Cristianismo dos atos soltos de caridade individual. Mas, essa não foi a compreensão de Jesus e da Bíblia, já que, na antiga cultura judaica, como em toda cultura originária, a dimensão comunitária sempre é a primeira e as ações individuais se situam dentro da ação coletiva.

Na Bíblia, a promessa do reino de Deus surgiu no tempo do cativeiro e se desenvolveu como forma de restituir ao povo hebreu, como povo privado da sua liberdade e da sua cidadania a esperança de recuperar a sua liberdade coletiva e a justiça libertadora, como manifestação do amor divino. Os salmos de súplica dos pobres sempre juntam o pedido de socorro individual (tem piedade de mim) com a salvação comunitária. O eu acaba sempre sendo o eu coletivo do povo de Deus. Os salmos comumente chamados de “salmos do reino” mostram que a manifestação de que Deus reina não é nenhum ato religioso. Não há nenhuma coroação. Eles descrevem que o reinado divino se expressa em novo equilíbrio e comunhão com a natureza que é aliada da humanidade. O reinado divino traz justiça libertadora e inversão das situações sociais, de modo que “Deus faz justiça às pessoas oprimidas e liberta quem é cativo. Dá pão a quem tem fome e levanta o desvalido. Reconduz migrantes à sua terra e as pessoas honradas, orienta sempre” (Sl 145).

Jesus revelou Deus no rosto das pessoas mais pobres. O evangelho mostra que Jesus assumiu e viveu isso. O reino de Deus se manifesta quando todas as pessoas são consideradas como cidadãos e cidadãs de pleno direito. A carta de cidadania do reino de Deus garante o direito das categorias mais  vulneráveis da humanidade e também o cuidado com todas as criaturas vivas e com a mãe-Terra.

No Brasil, por causa do 20 de novembro, dia do martírio de Zumbi dos Palmares, cada vez mais, os movimentos sociais têm transformado novembro em um mês da consciência negra. É importante que a luta contra o racismo e a defesa de um Brasil multi-étnico e pluricultural seja expressão de fé e do nosso testemunho do reinado divino. O evangelho de hoje pede que nos identifiquemos com o Cristo, pobre, nu, doente e prisioneiro nas estruturas perversas da sociedade em que vivemos.

[1] –  CAMARA, Dom Helder. Circulares Conciliares, Volume I – Tomo II, Recife, Ed. CEPE, 2009, p. 205.

[2] – Cf. MAERTENS, Thierry e FRISQUE, Jean, Guia da Assembleia Cristã 3, Vozes, 1970, p.47.

[3] – Cf. VERMES, Geza, O autêntico evangelho de Jesus. Ed. Record, 2006, p. 181

50 anos de Teologias da Libertação

O grupo Kairós-Nós Também Somos Igreja, promove encontros de leitura e discussão de obras de Teologia da Libertação.

A exposição estar á a acrgo de Alder Júlio Ferreira Calado, sociólogo e educador popular.

Dia 10 de novembro de 2003

Hora: 19 hs.

Acesse este link para entrar no grupo de discussão: https://chat.whatsapp.com/DBev5rPx9D5FmH47t5NkSV

Solenidade de Todos os Santos

Os Santos e as Santas – autênticos amigos de Deus – aos quais a Igreja nos convida, hoje, a dirigir nossos olhares, são homens e mulheres, que se deixaram atrair pela proposta divina, aceitando percorrer o caminho das Bem-aventuranças.

Ao final do século II, já era grande a veneração dos Santos. No início, os santos mártires, aos quais os Apóstolos foram logo assimilados, eram testemunhas oficiais da fé.

Depois das grandes perseguições do Império Romano, homens e mulheres, que viveram a vida cristã, de modo belo e heroico, começaram a tornar-se, paulatinamente, exemplos de veneração: o primeiro santo, não mártir, foi São Martinho de Tours.

Em fins do ano mil, diante do incontrolado desenvolvimento da veneração dos santos e do “comércio” em torno das suas relíquias, iniciou-se um processo de canonização, até se chegar à comprovação dos milagres.

A Solenidade de Todos os Santos começou no Oriente, no século IV. Depois, difundiu-se em datas diferentes. Em Roma, dia 13 de maio; na Inglaterra e Irlanda, a partir do século VIII, dia 1º de novembro, uma data que também foi adotada em Roma, a partir do século IX.

Esta Solenidade era celebrada no fim do Ano litúrgico, quando a Igreja mantinha seu olhar fixo ao término da vida terrena, pensando naqueles que haviam atravessado as portas do Céu.

O Evangelho deste domingo é o Evangelho das bem-aventuranças

«Vendo aquelas multidões, Jesus subiu à montanha. Sentou-se e seus discípulos aproximaram-se dele. Então, abriu a boca e lhes ensinava.

Os Santos e as Santas – autênticos amigos de Deus – aos quais a Igreja nos convida, hoje, a dirigir nossos olhares, são homens e mulheres, que se deixaram atrair pela proposta divina, aceitando percorrer o caminho das Bem-aventuranças; não porque sejam melhores ou mais intrépidos que nós, mas, simplesmente, porque “sabiam” que todos nós somos filhos de Deus e assim viveram; sentiram-se “pecadores perdoados”… Eis os verdadeiros de Santos! Eles aprenderam a conhecer-se, a canalizar suas forças para Deus, para si e para os outros, sabendo confiar sempre, nas suas fragilidades, na Misericórdia divina.

Hoje, os Santos nos animam a apontar para o alto, a olhar para longe, para a meta e o prêmio que nos aguardam; exortam-nos a não nos resignar diante das dificuldades da vida diária, pois a vida não só tem fim, mas, sobretudo, tem uma finalidade: a comunhão eterna com Deus.

Com esta Solenidade, a Igreja nos propõe os Santos, amigos de Deus e exemplos de uma vida feliz, que nos acompanham e intercedem por nós; eles nos estimulam a viver com maior intensidade esta última etapa do Ano litúrgico, sinal e símbolo do caminho da nossa vida.

Condições evangélicas

Trata-se de percorrer o caminho, ou melhor, as nove condições traçadas por Jesus e indicadas no Evangelho: as Bem-aventuranças!

“Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus…”: o ponto forte não é tanto ser “bem-aventurado”, mas o “porquê”. Uma pessoa não é “bem-aventurada” porque é “pobre”, mas porque, como pobre, tem a condição privilegiada de entrar no Reino dos Céus.

A mesma coisa acontece com as outras oito condições: “Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados! Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra! Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados! Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia! Bem-aventurados os puros de coração, porque verão Deus! Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus! Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus! Bem-aventurados sereis quando vos caluniarem… Alegrai-vos, porque será grande a vossa recompensa nos Céus”.

A explicação de tudo encontra-se naquele “porquê”, pois revela onde os mansos encontrarão confiança, onde os pacíficos encontrarão alegria… Logo, “bem-aventurados”, não deve ser entendido como uma simples emoção, se bem que importante, mas como um auspício para se reerguer, não desanimar, não desistir e seguir em frente… pois Deus está conosco.

A questão, portanto, consiste em ver Deus, estar da sua parte, ser objeto das suas atenções; contemplar Deus, não no paraíso, mas, aqui e agora.

Enfim, eis o caminho que devemos percorrer para participar também da alegria indicada pelo Apocalipse, que todos nós podemos conseguir: “Caríssimos, considerai com que amor nos amou o Pai, para que sejamos chamados filhos de Deus. E nós o somos de fato… desde agora somos filhos de Deus, mas não se manifestou ainda o que havemos de ser” ”(1 Jo 3,1-2). Nós, diz o refrão do Salmo, em resposta à primeira leitura da Carta de João: “Somos a geração que busca a face do Senhor”. Não porque somos melhores que os outros, mas porque Deus quis assim.

Fonte: Vatican News

O que aprender de Thomas Muntzer, 500 anos após seu martírio?

Assista esta live que o grupo Kairós-Nós Também Somos Igreja, realizará como parte das suas atividades formativas permanentes.

A exposição estará a cargo de Alder Julio Ferreira Calado, e será transmitida pelo canal do grupo Kairós no YouTube.

Dia 6 de novembro às 19 hs.

Refletir, conhecer a história, a filosofia e a sociologia, são imprescindíveis para significar a vida!

Dimensão política na obra de José Comblin

O grupo Kairós-Nós Também Somos Igreja, promove debates como parte da sua atividade de formação permanente.

Assista aqui: https://www.youtube.com/watch?v=CM5iHW2sZxc

O sacerdote e missionário José Comblin deixou uma herança viva que anima e promove a construção do reino de Deus.

Foto: Padre José Comblin

Jesus e os homossexuais

Por Gedeon José de Oliveira

Homossexual não é um conceito!

O debate em torno do casamento de pessoas LGBTQI+, vem ganhando os espaços jurídicos, religiosos, familiares econômicos, isto é, o conjunto das instituições que compõe a política brasileira. O debate político é em torno dos direitos dessa parcela da população, quem vem sendo exterminada pela homofobia. A população LGBTQI+ é vítima constante de violência no Brasil. O Brasil lidera, já há alguns anos, o ranking de países com maior número de assassinatos de pessoas trans. Daí que o problema, específico desse grupo é político. É urgente políticas públicas sociais que venha atender os direitos dessa população.

Mediante contexto, boa parte da igreja católica se soma a uma parcela significativa de evangélicos pentecostais, em torno da negação dos direitos da população LGBTQI+, sob a alegação de incompatibilidade entre a religião e a condição sexual destes, ou pelo menos, da interpretação que alguns fazem da religião, de forma descontextualizada e equivocada. Por exemplo, o livro do gêneses, geralmente é apresentado como um problema teológico, ou seja, Deus fez homem e mulher com a finalidade da reprodução humana, de modo que a comunidade LGBTQI+, contraria esse princípio, justificando, portanto, as posturas contrárias de clérigos e pastores. Neste sentido, apresentaremos aqui três questões que aparecem no livro do Gênesis, mas não são consideradas em relação a temática.

O primeiro aspecto a ser observado, é que a matéria prima da qual adão foi feito é de barro. A palavra אָדָם :Adam, está conectada com duas outras palavras em hebraico: דַּם (dam) :sangue e אֲדָמָה: adamá, significa terra/solo. Adão significa barro. Em Jr, cap. 18, diz: somos como pote de barro, nas mãos do oleiro. Isto quer dizer que o barro é indeterminado, isto é, se faz e refaz. A pedra ao contrário, é determinada pela sua dureza. O homem ou a mulher, interpretado a partir do mito da criação, não constituem o fundamento da reprodução. A reprodução é um aspecto da criação, já que feito de barro, o homem pode ser mulher e a mulher pode ser homem, pois o caráter indeterminado do barro permite a dinâmica de um quanto do outro, sem perder suas diferenças.

O segundo aspecto, é que no livro do Gênesis o mais importante é a dimensão que antecede o pegado ou a queda. A serpente seduz Eva e Adão, para se alimentarem da árvore do conhecimento, pois “Deus bem sabe que, no dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão, e sereis como deuses, conhecedores do bem e do mal” (Gn 3, 5)” (certamente Deus proibiu comer da árvore, porque não queria concorrência). De repente Deus, caminhando no paraíso, pergunta por Adão, cuja resposta consiste em estar escondido. Escondido por DESCOBRIR que estava nu, escondido por DESCOBRIR que a nudez de Eva o provocava. Adão e Eva sempre estiveram no paraíso, mas não sabiam que estavam nus e nem sabiam que estavam no paraíso. Através do CONHECIMENTO, Adão e Eva, descobrem-se a si mesmo e descobrem um ao outro. Descobrem que estão no paraíso. O conhecimento é essa potência que faz com o sujeito se situe em um lugar e tome posição. Certamente, Adão e Eva, decidiram não mais ficar no paraíso, de modo a assumirem as consequências de viverem juntos como casal. A leitura de que Adão e Eva foram expulsos do paraíso, é uma leitura ao lado da perspectiva de que eles decidiram sair do paraíso, graças ao conhecimento que agora possuem. A abordagem do gênesis desde o pecado “original” é um instrumento histórico de dominação religiosa, que a igreja usa para determinar o modo de vida dos fiéis. Daí a defesa de um estado laico, para que a religião com suas doutrinas, não alienem a população.

O terceiro e último aspecto, são as consequências da visão reprodutiva do homem e da mulher. Ao acentuar o aspecto reprodutivo, se reduz o humano ao puro aspecto biológico. Essa visão desencadeia uma violência sem precedente, pois retira da vida seu aspecto divino, isto é, separa o humano, cuja matéria prima é o barro moldado por Deus, do biológico. “A vida, uma vez cindida, gera uma zona anômala” (AGAMBEN, 2004, p. 86).  Na zona anômala a vida é reduzida a pura biologia. Desprovida da transcendência quanto da imanência, a vida se desloca para o campo da legalidade da lei, onde confinada aos espaços jurídicos, determina quem vive e quem morre.  Quando se defende a tese da reprodução, se está retirando do humano sua transcendência. Porque a aliança entre a religião e a política, assassinaram Jesus? Porque não descobriram (não entenderam) o divino em Jesus. Para tanto, Jesus foi julgado e condenado por todas as instâncias. Quem não consegue ver no outro o divino, o reduz a pura biologia, e por extensão, reduz o outro a genitália, isto é, a um animal qualquer. Assim, como o fazendeiro controla seu rebanho através da castração de alguns, clérigos e pastores, usam a bíblia e o nome de Deus, para controlar a vida das pessoas, de modo que assassinar alguém da comunidade LGBTQI+, presta um serviço a deus. A comunidade LGBTQI+ não precisa da autorização da igreja, de religiosos ou de quem quer que seja, para existir. Simplesmente existem como pessoas, de modo que nada neste mundo vai impedir que o AMOR morra.

Concluindo, defendemos totalmente a tese de Giorgio Aganbem, que objetiva “construir um conceito de forma-de-vida, uma vida que se liga tão estreitamente à sua forma que resulta inseparável a ela” (Agamben, 2011, p. 07). Em outras palavras, Aganbem, propõe pensar a vida no seu modo de viver, abrindo a possibilidade de acolhermos a vida no modo em que o outro vive sua vida. Aceitar a comunidade LGBTQI+ pelo seu modo de vida, e não pela teoria da vida que está na religião ou em qualquer outro lugar. Aceitar o modo de vida da mulher enquanto mulher e não análoga ao homem. Aceitar a vida dos afrodescendentes desde seu universo religioso e cultural e não comparando com os brancos ocidentais. A vida, não é um conceito, a vida é de quem a vive, numa unidade irredutível as partes.

 

BIBLIOGRAFIA.

AGAMBEN, Giorgio.  A Linguagem e a Morte. Um seminário sobre o lugar da negatividade. Belo Horizonte: editora UFMG, 2006.

___________. Estado de exceção. Homo Sacer, II, I. São Paulo: Boitempo. 2004.

___________. O que resta de auschwitz: o arquivo e a testemunha. São Paulo: Boitempo. 2008.

___________. Il regno e la gloria. Per una genealogia teologica dell’economia e del governo. Homo sacer. Vol 2/2, Neri Pozza, 2007c — (Tradução: O reino e a glória: Por uma genealogia teológica da economia e do governo [Homo Sacer, II, 2]. São Paulo: Boitempo Editorial, 2011.)