O fundamentalismo religioso, presente no Brasil e na América Latina, protagonizado pelas igrejas neopentecostais, inclusive em sua versão católica, segue fazendo profundos estragos nas esferas sócio-políticas e culturais. Há mais de meio século tendo descido dos Estados Unidos (cf. o célebre livro de autoria de Delcio Monteiro de Lima. “Os Demônios descem do Norte”. Editora Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1988), diversas igrejas foram criadas, desde então para difundirem, também, pela televisão, sua doutrina que, falando em nome de Deus, comove parcelas significativas da população.
Constituem alvo preferencial os segmentos mais vulneráveis pelas precárias condiçoes de vida, ao tempo que as convertem em presas fáceis para esquemas de arrecadações de dinheiro, por meio da cobrança de dízimo e ofertas a tais igrejas, vulpinamente controladas por pastores inescrupulosos, fortemente condenados pelos profetas (cf. Isaias, Jeremias, Amós, Oséias, Miquéias, entre outros).
Outro traço espalhado pelo neopentecostalismo (que alguns autores preferem chamar de pós-Pentecostalismo) se manifesta pela sua obsessão de tornar uma teocracia, uma corrente política obcecada pelo poder político, investindo sem cessar no comando direto dos três poderes (no executivo, no legislativo e no judiciário). Para tanto, suas principais lideranças não hesitam em apoiar o golpe midiático institucional de 2016 para a deposição da presidenta Dilma Roussef, resultando no governo golpista de Temer e no desgoverno de Bolsonaro, marcado pelo desmonte das políticas públicas, pelos crescentes ataques ambientais, pela desastrosa condução no enfrentamento da crise sanitária da Covid-19, pela sistemática perseguição aos povos originários, comunidades quilombolas e tradicionais, comunidade LGBTQIA, aos direito das mulheres, etc.
Mas o que isto tem a ver com a leitura popular da bíblia, método trabalhado pelo Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (CEBI)? O CEBI compõe uma extensa rede de instâncias do que se costuma chamar de “Igreja na Base” (as CEBs, CIMI, Pastorais sociais, serviços eclesiais tais como a Comissão Justiça e Paz, Comunidades Religiosas inseridas no meio popular, centros de defesa dos Direitos Humanos, além da Teologia da Libertação).
Note-se que, antes, durante e depois da fundação do CEBI, tem lugar uma significativa confluência de iniciativas e experiências ecumênicas, por parte de distintas Igrejas Cristãs, em especial os integrantes da Congregação Evangélica do Brasil, criada por diversos membros evangélicos, afastados de suas respectivas Igrejas, em razão de sua firme oposição ao golpe empresarial-militar implantado no Brasil, em 1964. Importa, igualmente, ressaltar a contribuição ecumênica que, a partir de 1982, a Igreja Católica Romana passaria a exercitar com outras Igrejas Cristãs, reunidas no CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs): Igreja Católica Romana, Igreja Católica Ortodoxa Siriana, Igreja Cristã Reformada, Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB), Igreja Metodista, Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) e Igreja presbiteriana Unida (IPU), envolvendo, além da Igreja Católica, relevantes parcerias, desde meados dos anos 60, com a participação de membros evangélicos.
Uma leitura atenta à realidade social, da qual partem os membros destas Igrejas cristãs, deve ser especialmente destacada nas linhas que seguem em virtude das fecundas experiências e iniciativas por elas protagonizadas, seja no campo de uma nova interpretação comum da Bíblia, seja em seu posicionamento e de seu compromisso com a causa libertadora dos oprimidos, seja ainda no campo da Educação Popular.
Neste sentido, começam a prosperar trabalhos investigativos e formativos com perspectiva ecumenica, tais como:
Desde meados dos anos 60, um grupo de teólogos e teólogas (José Comblin, Juan Luis Segundo, Segundo Galileia, Gustavo Gutierrez, Gilberto Gorgulho, Ana Flora, Anderson, entre outros) tomou a iniciativa de se reunir, a cada ano: primeiro em São Paulo em 1964; em 1965 estes teólogos realizaram seu encontro em Cuernavaca (México), acolhidos que foram por Ivan Illich; em 1966, reuniram-se no Chile, acolhidos por, Segundo Galileia; no ano seguinte, no Uruguai, na companhia de Juan Luis Segundo… E assim, esses teólogos e teólogas, sempre partindo de uma leitura concreta da realidade social, trataram de trabalhar temas bíblicos e a compartilhá-los, exercitando uma leitura popular da Bíblia, desde então;
Aquela iniciativa também inspirou, nos anos seguintes, a realização de Congressos Ecumênicos de teologia, organizados por teólogos e teólogas do terceiro mundo. É assim que se realizaram o I Congresso Internacional Ecumênico de Teologia, na Tanzânia; o II Congresso foi realizado em Gana; o III Congresso em Sri Lanka, enquanto o IV Congresso teve lugar em São Paulo em 1980. Em consequência, da realização destes Congressos, nasce a iniciativa de elaboração e publicação, por teólogos e teólogas de distintas Igrejas Cristãs, de comentários biblicos, com base numa leitura popular da Bíblia. Graças a cooperação entre a editora vozes (Petrópolis-RJ), da Editora Sinodal, em São Leopoldo – RS, vinculada a Igreja Luterana e a editora metodista, de São Paulo, foram publicados diversos textos bíblicos, dos quais uma meia dúzia, de autoria de José Comblin.
Outra densa experiência que também se revelou seminal como antecedente do CEBI foi a apresentada pelo CEI (Centro Evangelico de Informação), criado entre 1964 e 1965, por um conjunto de membros evangélicos que se afastaram de suas respectivas igrejas em virtude de sua discordância da posição dominante nestas igrejas com relação ao sentido do golpe civil-militar de 1964. Estes membros passaram a integrar a confederação evangélica do Brasil. Um de seus primeiros trabalhos foi o de criar um informativo de caráter crítico propositivo, e difundido pelo Brasil. Passou-se, desde então, a chamar-se Centro Ecumênico de Informação, a partir de 1968, quando acolheram militantes católicos ao seu empreendimento. Poucos anos depois, o CEI passa a denominar-se CEDI (Centro Ecumênico de Documentação e Informação), uma relevante fonte alternativa de informação e reflexão crítico-transformadora da realidade brasileira e latino-americana.
Com efeito, o CEDI, assim chamado desde 1974, passa a protagonizar uma sucessão de empreendimentos criativos de relevante alcance sócio-eclesial. Disto dão testemunho as seguintes experiências. A criação de um periódico de alcance nacional, intitulado CEDI, por meio do qual informações relevantes, seja no âmbito nacional, seja no âmbito internacional, eram divulgadas e sobretudo analisadas por intelectuais de reconhecida contribuição. O CEDI, de fato, tem um amplo reconhecimento, principalmente nas igrejas progressistas, tanto no meio evangélico, quanto no meio católico. Além do CEDI, outra importante contribuição que circulou, no Brasil e na América Latina, foi a revista “Tempo e Presença”, reunindo artigos de intelectuais cristãos, muito influenciados pela pedagogia freireana, e que trouxe ao debate trabalhos de grande contribuição à crítica e ao esforço organizativo das forças da Igreja na Base, tanto no que diz respeito ao seu compromisso interpretativo da realidade, quanto no seu empenho de semear alternativas de transformação desta realidade. Na animação de reverendas figuras como a do pastor Jether Pereira Ramalho, como já escreveu um de seus conhecedores, “uma presença no tempo”, e com a ajuda de tantos outros e outras, entre os quais, Carlos Mesters, Milton Schwants, Sebastião Armando Gameleira Soares, Francisco Orofino, Pastor Henrique Pereira (do qual recomendo recentíssimo vídeo feito com Padre Júlio Lancelotti (https://www.youtube.com/watch?v=bPzD1n2yBC0), Irmã Agostinha Vieira de Melo, Pastora Odja Barros, Marcelo Barros, Eduardo Hoornaert, José Oscar Beozzo, que contribuíram densamente para este projeto, a revista tempo e presença passa a ser considerada a principal revista ecuménica latino-americana.
O CEDI, pela sua própria natureza propositiva, constituiu-se em um sujeito coletivo que não mediu esforços para trabalhar em conjunto outras experiências similares, postura da qual brotaram parcerias significativas com vários outros organismos semelhantes, tais como o Centro Ecuménico de Salvador; o próprio CEBI, o Centro de Evangelização e Educação popular em São Paulo (CESEEP), Instituto Superior de Ensino das Religiões (ISER), Comisión de Estudios de la História de la Iglesia Latinoamricana (CEHILA), entre outros. O CEDI também se desdobra em outras iniciativas, tais como o periódico “Aconteceu”, bem como tantas outras iniciativas que ainda hoje perduram, com reconhecida contribuição no campo dos estudos sócio eclesiais, tais como o organismo chamado Koinonia.
Tais iniciativas convergiram principalmente para uma busca comum, de se fazer uma leitura da Bíblia do ponto de visto histórico, crítico, particularmente atenta à realidade brasileira e altino-americana. Nesse sentido começa a prosperar um frutuoso trabalho investigativo, com perspectiva ecumenica:
– Em consequencia inclusive dos 4 congressos ecumenicos internacionais de teologia, (o da Tanzânia, o de Gana, o de Sri LanKa, e o de São Paulo) em 1980, com inspiração nos quais nasceram um projeto ecumênico de CEBI e publicação de comentários bíblicos ecumênicos, no Brasil e na América Latina, com o apoio conjunto da editora Vozes (editora católica de Petrópolis – RJ), da editora Sinodal (editora de São Leopoldo – RS, vinculada à igreja luterana) e a editora da igreja metodista, em São Paulo.
Deste projeto ecumenico resultaram algumas desenas de comentários bíblicos ecumenicos, do Antigo e do Novo Testamento. Só de livro do teólogo José Comblin foram publicados 6, versando sobre Atos dos Apóstolos, I Carta aos Coríntios, Carta aos Filipenses, Carta ao Filemom, entre outros.
A partir de 1964, com a iniciativa do teólogo Leonardo Boff e outros teólogos da libertação, nasceu o projeto editorial assumido pela Editora Loiola, de São Paulo, com apoio explicito de uma centena de Bispos católicos latino americano, de publicação de cerca de cinco dezenas de livros (das quais só saíram em torno de 35 livros), versando sobre uma gama de temas da Teologia Cristã (Cristologia, Missiologia, Pneumatologia, entre outros)
Outro projeto relevante nascido ainda nos anos 80, na América Central, em El Salvador, conhecido como “Mysterium Liberationis”, do qual foram protagonistas duas grandes figuras da Teologia da Libertação: Jon Sobrino e Ignácio Ellacuría.
Ainda no âmbito da América Central vale ressaltar o alcance da proposta investigativa e formativa do Departamento Ecumênico de Investigación (DEI), que vem assegurando uma diversidade de iniciativas de pesquisa bem como a oferta de cursos de formação teológica, na perspectiva da teologia da libertação
Neste elenco de fecundas experiencias investigativas e formativas, cumpre destacar o extraordinário papel cumprido pela revista de investigação bíblica latino-americanas (RIBLA). É nesta dinâmica de estudos e pesquisas bíblicas latino-americanas que se deve reconhecer a contribuição especifica do CEBI.
Remontam a meados dos anos 70 os primeiros passos apontados na direção de uma iniciativa de articulação mais orgânica das mais diversas experiências ecumenicamente vivenciadas de estudos bíblicos animadas por várias lideranças de igrejas cristãs: pastores, presbíteros, religiosos, leigas e leigos, graças inclusive a uma profética geração de Bispos Católicos, comprometidos com a causa libertadora dos oprimidos: Dom Helder Câmara, Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Ivo Lorscheider, Dom Aluísio Lorscheiter, Dom Antônio Batista fragoso, Dom Pedro Casadáliga, Dom Tomás Balduino, Dom Cândido Padim, Dom José Maria Pires, Dom Mauro Morelle, entre outros.
Aspectos característicos do CEBI:
Considerando a fecundidade ecumênica das experiências acima mencionadas, importa aí situar o surgimento do CEBI, desde o início, em diálogo fraterno e sororal com toda uma série de iniciativas protagonizadas pela igreja na base. O CEBI, dando sequência a estas iniciativas, foi oficializado em julho de 1979, perseguindo uma dezena de objetivos. Destes fala explicitamente um de seus fundadores, que segue sendo uma das mais reconhecidas referências, Frei Carlos Mesters, por ocasião da celebração, este ano, dos 43 anos do CEBI. Vale a pena recordar os objetivos que ele citou. Recomendamos conferir sua exposição: https://podcasts.apple.com/dk/podcast/03-03-frei-carlos-mesters-43-anos-do-cebi/id1557729371?i=1000571396170 .
Neste sentido, cumpre destacar, entre outros, os seguintes elementos:
Tal qual a plantinha que vai crescendo pouco a pouco, o CEBI passa a expandir-se por todo o país, por meio de diferentes iniciativas, todas voltadas para o exercício comunitário da leitura bíblica.
Vão sendo criadas coordenações regionais, estaduais, sempre trabalhando de modo coletivo, comunitário, buscando enraizar a proposta do CEBI:
Comunitários cuidam de organizar uma agenda de estudos bíblicos e de formação, oferecidos a um número crescente de pessoas e comunidades do povo dos pobres;
Em sua agenda organizativa, ocupam um lugar central um círculos bíblicos, sempre voltados a uma leitura orante da bíblia, com a porte de estudiosos e do conjunto de participantes dos círculos bíblicos;
Na dinâmica organizativa do CEBI, vão se criando, igualmente, espaços onde vão realizar-se assembleias e encontros periódicos, de modo a aprofundar os estudos bíblicos, em uma perspectiva de uma leitura popular da bíblia
neste sentido, vários encontros do âmbito regional ao âmbito nacional, foram realizados, animados pelas perspectivas coordenadorias com a contribuição de teólogos e teólogas, de modo a segmentar este exercício de leitura da palavra.
Aspectos do método do CEBI: principais características
Do próprio histórico do CEBI de seus núcleos fundadores, de seus protagonistas (mulheres e homens), já se pode encontrar o sentido ou o jeito de trabalhar do CEBI, seu método. Trata-se do método histórico crítico, que corresponde apenas a um dos diversos métodos de se trabalhar. Com efeito, desde o método histórico gramatical, o método devocional, o método critico histórico conceitual, o método histórico social decolonial, entre outros. Aqui, como acima mencionado, tratamos apenas de trazer alguns traços relevantes do método histórico crítico da leitura da Palavra.
Importa, nesta direção, salientar o que depois se veio chamar de “o triângulo hermenêutico”: de um lado, a leitura crítica da realidade, da vida comunitária dos participantes; de outro lado, o exercício de ler a bíblia, de forma contextualizada, isto é: indo além da mera letra, mas buscando contextualizar cada livro, como foi construído, em que tempo, em que contexto histórico, quais os personagens que aparecem, quais o seus principais traços, que conseguido o texto apresenta para os fiéis daquela época em que o texto foi produzido, que sentido o mesmo texto devidamente atualizada traz pra nós, nos dias de hoje? O terceiro ponto do “triângulo hermenêutico” consiste em exercitar, desta maneira, a leitura bíblica na dinamica da comunidade ali reunida, seja em círculos bíblicos ou em espaços similares.
Partir da realidade concreta, dela fazendo também uma leitura crítica inclusive com a ajuda de pessoas mais preparadas neste terreno, sempre evitando-se que esta pessoa tenha o monopólio da interpretação, à medida que sua interpretação é seguida do compartilhamento de outros sentidos apresentado pelos participantes, pelos leitores eleitores da bíblia, conforme o Espírito Santo inspira cada uma e cada um. É fundamental que se comece por uma análise crítica da realidade – o que Paulo fReire chamava de leitura de mundo como primeiro passo preparatório para um mergulho na Palavra de Deus. na Bíblia, desde que trabalhada como um espelho, isto é, de modo que a inspiração do Espírito contido naquele texto, se reflita como uma luz a iluminar os caminhos da história das comunidades. Feita esta leitura orante da bíblia, tomada como um instrumento da revelação de Deus, da vida e da histórica, para o que se deve continuar a escutar o que o mesmo Espírito Santo tem a dizer nos dias de hoje as diversas comunidades e ao povo de Deus. passasse a buscar recolher do contrato dos desafios da realidade concreta e a força da palavra volta a atenção no ambiente comunitário trata-se de retornar sempre ao chão da vida daquela comunidade. Eis, em breves palavras, as linhas mestras do método do CEBI, conhecido como Método histórico crítico, conceitual.
Que lições recolher nos dias de hoje desse jeito de ler a Palavra de Deus?
Num cenário histórico profundamente tensionado entre forças antagônicas, o método do CEBI se apresenta como uma vacina contra as tentativas várias de apropriação indébita da palavra de Deus, como uma ferramenta de interpretação como estratégia de acesso inescrupuloso do poder político. Com efeito, tendo em vista que é presente a influências da vertente neopentecostal (seja em sua versão protestante, seja pela sua versão Católica se apresenta uma poderosa ferramenta de manipulação de expressivas parcela de nossas gentes, a leitura popular da Bíblia como método histórico crítico do CEBI, transforma-se em uma frutuosa ferramenta partir das armadilhas que o fundamentalismo religiosos vem apresentando na realidade.
Neste momento em que a sociedade brasileira enfrenta a realidade desafiante do processo eleitoral em seu segundo e definitivo turno, resulta particularmente importante recorremos ao método histórico crítico como poderosa ferramenta de desmascaramento das técnicas de manipulação empregadas pelos fundamentalismo religiosos, especialmente por pastores, bispos inescrupulosos, que traem o núcleo libertador do Evangelho, tal como vivenciado pelo movimento de Jesus.
“A longo prazo, o futuro do cristianismo está no Extremo Oriente. Em primeiro lugar porque o futuro da humanidade está no Extrmeo Oriente, ou seja, na China, na ìndia, no Japão, na Coreia, no Vietnã, nas Filipinas e nos países da Península Indochinesa. Na frente estará a China. No século XXII, o Extremo Oriente terá ultrpassado a economia do bloco América-EUropa, dito o Ocidente, que predominou desde o século XVI.” (COMBLIN, José. O Espírito Santo e a Tradição de Jesus. São Bernardo do Campo, SP: Nhanduti, 2012, p. 437.)
Tradição de Jesus migra pra China
Missionários, aprendam o mandarim
Sectários católicos lançam semente
Do terror neofascista no Brasil
“Os novos movimentos sectários praticam uma chantagem constante e dispõem de um imenso poder político, econômico, cultural. Intimidam pela sua prepotência, pelo seu fanatismo. Paralisam a hierarquia que se sente pressionada sem poder resistir. Entram na hierarquia e ali praticam a mesma chantagem. Que peso do passado! Na Europa, o fascismo está invadindo o mundo político e daí passa para o mundo eclesiástico. A democracia está em decadência, eo o clero recupera os velhos reflexos dos tempos em que a Igreja mandava. Os movimentos são a presença do fascismo dentro da Igreja. A América Latica não escapa e sofre o domínio desses movimentos em vários países, na maioria. O que mais preocupa nesses movimentos extremistas é a sua riqueza cumulada em poucos anos e o seu afã de poder. Isto é tão antievangélico que assusta, e assusta o poder qie adquiriram dentro da Igreja, ou seja, dentro da instituição eclesiástica. João Paulo II permitiu que se transformassem em empresas com finalidade econômica com muitas práticas externas de religião,vividas como mecanismos sagrados que asseguram a salvação sem passar pelo evangelho. Pode ser o equivalente eclesiaástico das multinacionais financeiras da sociedade contemporânea, o que assusta mais ainda. Será que a hierarquia um dia vai abrir os olhos?” (COMBLIN, José. O Espírito Santo e a Tradição de Jesus. São Bernardo do Campo, SP: Nhanduti, 2012, p. 451).
Na oportunidade em que fazemos memória de José Comblin, este “profeta da Liberdade”, como o costumam chamar figuras como Marcelo Barros, Sebastião Armando Gameleira Soares, Mônica Muggler, entre outras, permitimo-nos prestar homenagem a algumas personalidades-chave nos estudos, nas pesquisas e em momentos luminosos do cotidiano de José Comblin, bem como das experiências missionárias nele inspiradas, em especial no Nordeste brasileiro. Nas pessoas de Eduardo Hoornaert, Mônica Muggler e João Batista Magalhães, homenageamos diversas outras. (2)
Trata-se, de um lado, de igualmente destacarmos aspectos de sua postura, de seu testemunho pessoal, vivenciado em meio dos pobres do Nordeste, o que se obtém por pesquisas mais diretamente voltadas a recolher testemunhos de numerosas pessoas anônimas e de referência que o acompanharam mais de perto – parte do que se faz presente na densa biografia escrita pela missionária Mônica Muggler, no livro intitulado “José Comblin, uma vida guiada pelo espírito” -, bem como, não menos importante, destacar sua enorme contribuição de pensador, de escritor. Este último traço constitui uma dimensão de enorme importância na trajetória missionária e pedagógica do Pe. José Comblin. Com efeito, durante seu tempo de missão e formação no Nordeste, sobretudo seu tempo de ação missionária e pedagógica na Paraíba, entre 1981 a 2008/2009, sua contribuição especificamente de produção teológica corresponde a culminância de sua produção, de sua contribuição mais aprimorada sobre a tradição de Jesus, campo em que recolhemos o melhor de sua produção bibliográfica, bem como o melhor que se pode ler no campo pneumatológico, de contribuição à Teologia da Libertação.
Uma das contribuições emblemáticas, ainda que pouco lembrada, tem a ver com sua ativa participação entre os membros de um primeiro grupo fundador da Teologia da Libertação. Com efeito, desde meados dos anos 60, seja a partir do Brasil, do Chile, do México, formou-se um grupo que se reunia periodicamente para tratar especificamente do processo de libertação na América Latina, principalmente do ponto de vista teológico, com bastante abertura interdisciplinar, recorrendo inclusive às ciências sociais. Deste grupo composto por cerca de uma dezena de teólogos, dentre os quais, Juan Luis Segundo (Uruguai), Gustavo Gutierrez (Perú), José Comblin, Ivan Ilich (México), Franz Hinkelammert(Honduras), Ignácio Ellacuría (San Salvador), Frei Gilberto Gorgulho (Brasil), Segundo Galilea (Chile), Henrique Claudio de Lima Vaz (Brasil), dentre outros, aos quais logo se associariam outros e outras, cada qual a partir do seu campo temático, tais como James Cone (EUA), Jon Sobrino (El Salvador), Frei Carlos Mesters (Brasil), Ana Flora Anderson (Brasil), Otto Maduro (Venezuela), Paulo Suess (Brasil), Lúcia Gera (Argentina), Juan Carlos Scannone (Argentina), François Houtard (Equador), Luiz Alberto Gomez de Souza (Brasil), Ronaldo Muñoz (Chile), Enrique Dussel (Argentina/México), Hugo Assman (Brasil), Eduardo Hoornaert (Brasil), José Oscar Beozzo (Brasil), Paulo Freire (Brasil), Leonardo Boff (Brasil), Clodovis Boff (Brasil), Libânio Christo (Brasil), Hugo Echegeraray (Perú), Frei Betto(Brasil), Pablo Richard (Chile/Costa Rica), Manfredo Oliveira (Brasil), Elsa Tamez (Costa Rica), Ivone Gebara (Brasil), Maria Clara Bingemer (Brasil), Victor Codina (Bolívia), Benedito Ferraro (Brasil), Jung Mo Sung (Brasil), Marcelo Barros (Brasil), Reginaldo Veloso (Brasil), Agenor Brighenti (Brasil), Luis Carlos Susin (Brasil), Sebastião Armando Gameleira Soares (Brasil), Agostinha Vieira de Melo (Brasil), Luís Carlos Araújo (Brasil), Francisco Aquino Júnior (Brasil), entre outros/as . Comblin era um dos mais assíduos participantes do primeiro grupo em distintas reuniões e encontros realizados, em diferentes países da América Latina. Trata-se, portanto, de um grupo propriamente fundador da Teologia da Libertação, que teve prosseguimento com a contribuição efetiva de teólogos e teólogas de gerações seguintes, já mencionados/as.
No caso específico do Padre José Comblin, tratava-se de uma das figuras mais assíduas a participarem dos vários encontros realizados, em distintos países da América Latina, inclusive em Cuernavaca, México, na companhia de Ivan Ilich e tantos outros. A contribuição de Comblin não se dava apenas em sua reconhecida contribuição presencial, mas igualmente na ininterrupta produção de livros e artigos propostos, por ocasião destes encontros. Em um deles, foi acolhida a proposta de publicação de textos específicos sobre temas bíblicos variados, na perspectivas da Teologia da Libertação. Um dos temas preferidos do Padre Comblin, porque fortemente ligado à sua formação teológica, dizia respeito aos Evangelhos. Outros se apresentaram para aprofundarem este tema. Tímido como era, embora tivesse muita vontade de assumir o aprofundamento, sob a perspectiva da Teologia da Libertação, de um dos Evangelhos, outros se apresentaram antes dele, de sorte que se contentou com assumir outro tema de sua preferência, algumas cartas paulinas, dentre tantas cartas que estavam sob sua mira de exegeta.
De outra feita, aí já em inícios dos anos 80 foi acordada a produção de algumas dezenas de textos de aprofundamento sobre um vasto temário assumido pela Teologia da Libertação. Esta iniciativa foi cunhada de “Teologia e Libertação”, proposta assumida pela Editora Loyola. Importa destacar que esta coleção começou a circular com a explícita aprovação de mais de uma centena de bispos latino-americanos, cuja lista chegou a constar nos primeiros volumes desta coleção, cujo total foi pensado para pouco mais de 50 livros, dos quais saíram pouco mais de 3 dezenas, dada a perseguição movida por Roma, e apoiada pela retirada de muitos dos bispos signatários daquela proposta. Nesta vasta coleção, o Padre José Comblin contribuiu com duas publicações: “Antropologia cristã”, “O Espírito Santo no mundo” . Reconhecidamente, Comblin se destacava como um dos primeiros a apresentar, no tempo mais breve possível, o resultado de suas pesquisas. Enquanto isto, não poucos retardavam a entrega de seus trabalhos, o que provocava certa impaciência no teólogo José Comblin.
Retornando às contribuições específicas de José Comblin, em sua experiência missionária no Nordeste, especialmente, desde a Paraíba, de fato, foi durante este período que ele logra oferecer o melhor de suas contribuições pneumatológicas, passando a realizar um projeto que já havia assinalado em um de seus livros, “O Espírito Santo no mundo” publicado pela Vozes em 1979. Neste pequeno livro, José Comblin antecipa cinco palavras-chave que assinalam a forma própria da ação do Espírito Santo no mundo, projeto que ele realizaria em seu tempo de ação missionária e pedagógica, no Nordeste, e especialmente durante seu tempo de vivência na Paraíba. Isto não significa que, quando viveu em Recife, durante sete anos, ou na Paraíba, durante vinte oito anos, ou quando viveu em Barra – BA, durante dois ou três anos – cerca de quarenta anos no Nordeste – , ele tenha aberto mão de viajar com frequência para trabalhos missionários, seja em Louvain, seja em Riobamba, seja na América Central, seja em outras regiões do Brasil, etc. Pe. José Comblin, como poucos, conseguiu responder generosamente a múltiplos convites, fora do Nordeste, o que não o impedia de trazer sua contribuição específica desde a Paraíba, desde o Nordeste.
É assim que, já em 1982, consegue trazer a lume seu denso ensaio pneumatológico, de mais de 400 páginas, intitulado “Tempo da ação”, publicado pela editora Vozes, em 1982. Quatro anos depois, precisamente em 1986, aparece outro alentado livro seu, intitulado “A força da palavra”, de cerca de 400 páginas, também editado pela Vozes. Estes livros foram cada qual requerendo semanas e semanas de reflexão, estudados minuciosamente pelo grupo Kairós, que passou a reunir-se semanalmente, inclusive nos dias atuais, quando o grupo está refletindo a cada quinta-feira o livro que o grupo estima como o seu testamento, livro póstumo, intitulado “O Espírito Santo e a tradição de Jesus”, publicado em 2012. Voltando à sequência de sua contribuição pneumatológica à Teologia da Libertação, surgiu em 1998, seu terceiro livro correspondente àquelas palavras-chave antecipadas em seu livro de 1978. Desta vez, José Comblin se debruçava sobre a liberdade, por meio de seu livro “Vocação para a Liberdade” editado por Paulus, 1998. Em 2002, um ano antes de completar seus 80 anos, e de vivenciar aquele momento de celebração especial de seus 80 anos, experiência bem expressa no livro “A esperança dos pobres vive”, eis que José Comblin enfrenta outra palavra-chave, “Povo de Deus”, editado também pela Paulus, em 2002, trazendo reflexões sempre percucientes acerca do povo de Deus, expressão secularmente ausente na Teologia Cristã dominante, especialmente a Católica, e recuperada pelo Concílio Vaticano II, não obstante suas limitações bem exemplificadas no mesmo livro. A quinta expressão-chave que o Pe. José desenvolve é expressa no livro “A vida com liberdade”, em que se busca caracterizar o sentido da vida cristã inspirada no Espírito Santo. Entre 1983 e 1986, voltando-se diretamente às experiências de formação missionária, no Nordeste, Comblin escreveu quatro livros correspondentes ao seu breve curso de teologia, a título de textos formativos de grande alcance teológico pedagógico, denominados “Jesus Cristo e sua missão”(Vozes, 1983), “O espírito Santo e sua missão” (Vozes, 1984), “A Igreja e sua missão (Vozes, 1985) e “A sabedoria cristã” (Vozes, 1986). Importa também destacar outros tão importantes, tais como “O caminho”, “A verdade”, “A Ideologia da Segurança Nacional o Poder Militar na América Latina” (Civilização Brasileira, 1978), “Um novo amanhecer da Igreja” (Vozes, 2002).
“A profecia na Igreja”, em que ele faz questão de dedicar um capítulo inteiro a 10 figuras de Bispos-Profetas latino-americanos, que ele considera Santos Padres da Igreja da América Latina.
Como se percebe, o legado de José Comblin tem um caráter compósito, isto é, só pode ser melhor compreendido quando apreciado em distintas dimensões, de modo a integrar ao mesmo tempo, sua contribuição de escritor fecundo, seu estilo de vida pessoal, sua atuação pedagógica no meio dos pobres, bem como os frutos recolhidos das e nas diversas experiências missionários inspiradas em sua pedagogia missionária. Em vão, se procura entender bem José Comblin, apenas por uma única destas dimensões.
Dos bem vividos 53 anos de José Comblin em território latino americano, 40 anos ele trabalhou como educador missionário no Nordeste, enquanto 28 na Paraíba. Portanto, mais da metade (em torno de 75%) de seu trabalho missionário na América Latina ele viveu no Nordeste (55% na Paraíba). Após ter passado de 1958 à 1962 em Campinas-SP, onde, a convite do Bispo Diocesano, trabalhou como professor do seminário e de um colégio religioso, como professor de ciências, e ainda tendo a experiência de trabalho como assistente da JOCS em Campinas, também em São Paulo, na faculdade de teologia dos Dominicanos, ocasião em que Frei Betto o conheceu, ele segue para Santiago, a convite do reitor da Universidade Católica daquela capital, para atuar como professor de teologia, justamente no período em que se realizava o Concílio Vaticano II (1962-1965). Foi justamente em 1965, a convite de Dom Helder Câmara, que Comblin chega ao Nordeste brasileiro, mais precisamente em Recife, para atuar como professor e diretor de estudos do Instituto de Teologia de Recife (ITR), cargo em que atuou de 1965 até 1972, quando é expulso do Brasil pela ditadura militar então imperante. Em seu exílio, Comblin retorna ao Chile, desta vez para a Diocese de Talca, acolhido que fora pelo amigo de Dom Helder, Dom Manoel la Rain e por Dom Carlos Gonçales. No Chile permanece até 1980, quando é expulso pela ditadura militar capitaneada por Pinochet. Entre outros motivos, pode estar aí presente a publicação do seu livro“A Ideologia da Segurança Nacional o Poder Militar na América Latina” (Civilização Brasileira, 1978) uns dos clássicos, nas Ciências Sociais NA AMERICA LATINA, SOBRE O TEMA. De 1981 a 2008/2009, José Comblin vive na Paraíba (no Seminário Rural, no avarzeado município de Pilões), em 1981 e em 1982. Com o fechamento daquela experiência de formação de jovens vocacionados ao sacerdócio, a serviço dos trabalhadores rurais, com os quais estavam comprometidos, proposta não acolhida por Roma, uma vez fechado aquele seminário rural, a experiência se abre, agora já em Serra Redonda, para a formação de missionário e missionárias leigos. Experiência que tem início uma vez acolhida por Dom José Maria Pires, então Arcebispo da Paraíba, a formação de jovens do meio rural, seja em sua versão masculina – em Serra Redonda-, seja em sua versão feminina, em Mogeiro. Uma experiência que depois se desdobraria em várias outras – uma dezena – de acordo com a vocação manifesta por jovens em formação. Daí resultam experiências fecundas, tais como a da criação da associação dos missionários e missionárias do campo, em meados da década de 90, bem como a fraternidade do discípulo amado, iniciado ainda em Serra Redonda e tendo continuidade no sítio catita Colônia Leopoldina – AL, experiência protagonizada por jovens com vocação contemplativa. Além destas, cumpre mencionar a experiência formativa protagonizada pelos membros da associação Árvore, sediada no município de Bayeux, no sítio São José, onde Comblin passou a residir desde aproximadamente 1994-1995. Antes disto, já havia nascido a experiência de jovens missionários vocacionados a peregrinação, tanto em estilo individual (é o caso de jovens como Antônio José, Valdo e outros), seja em sua versão coletiva, iniciada sob a coordenação do jovem Artur Peregrino, do movimento dos peregrinos e peregrinas do Nordeste, em 1986. Vale ainda mencionar as afinidades profundas, igualmente inspiradas pela pedagogia Combliniana, da Associação dos Missionários e Missionárias do Nordeste (AMINE), animada por leigos e leigas e por alguns presbíteros, a exemplo de Frei Roberto Eufrásio de Oliveira, exímio discípulo de José Comblin. Também importa acentuar o nascimento de umas experiências mais frutuosas, inspiradas especialmente na pedagogia combliniana: trata-se da criação, em Juazeiro-BA da primeira escola de formação missionária, que é seguida por outras espalhadas pelo Nordeste, mais precisamente, a escola missionária de Santa Fé (depois transferida para Mogeiro), a Escola de Formação Missionária de Floresta – PE, a Escola de Formação Missionárias de Esperantina -PI, a Escola de Formação Missionária de Barra-BA, a Escola de Formação Missionária de São Félix do Araguaia – MT. Ainda não é tudo. Outras experiências inspiradas na pedagogia combliniana também tem início, tais como a do grupo Kairós Nós Também Somos Igreja, experiencia iniciada em 1998, na residência do Pe. José Comblin, com reuniões incialmente mensais, realizadas na companhia deste teólogo, bem como mais recentemente a formação do Grupo José Comblin, com atuação mais forte nas redondezas de Café do Vento, município de Sobrado – PB, tendo no Pe. Hermínio Canova uma das referências mais atuantes.
Nestas experiências, José Comblin esteve diuturnamente envolvido, durante este período, ministrando aulas, assessorando formadores e formadoras, atuando como um grande conselheiro, doando-se a causa missionária do segmento de Jesus. Aqui, convém fazer referência a um momento muito especial que foi a celebração comunitária dos seus 80 anos, comemorada por algumas centenas de pessoas vindas de várias partes da América Latina, do Brasil, especialmente do Nordeste, mas também do Canadá, dos EUA, da Europa. Este episódio tem um registro muito especial, com a publicação do livro “A esperança dos pobres vive”, no qual se encontram dezenas de testemunhos e de reflexões compartilhadas por missionários e missionárias por toda a América Latina, terra de missão especial escolhida por José Comblin.
Seus trabalhos prosseguiam vivamente, para além dos seus 80 anos. Em um dos episódios marcantes deste período seu no Nordeste é o que envolveu fortemente a figura de um franciscano, Bispo da Diocese de Barra-BA, Dom Frei Luis Cappio. Em resposta ao projeto governamental de transposição das águas do Rio São Francisco para Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, Dom Cappio, juntamente com o apoio, a adesão e a participação de diversos grupos e movimentos eclesiais e da sociedade civil, houve por bem manifestar forte resistência, por duas vezes. Em 2007, quando estavam sendo realizados os trabalhos do projeto de transposição para a região de Cabrobó, Dom Capio, respondeu com um jejum -outros o chamaram de greve de fome- por 11 dias. Entre estas numerosas pessoas que vieram em apoio e solidariedade ao testemunho profético de Dom Luis Capio, estava Padre José Comblin. 2 anos depois não surtindo efeito sua atitude profética perante a disposição governamental de prosseguir o projeto de transposição, Dom Luis Cappio volta a oferecer-se como testemunho profético de resistência pela salvação do rio e dos povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores, agricultores que viviam do rio. Desta vez Dom Luis Cappio passa 22 dias em jejum, às margens do São Francisco, em Sobradinho, na Bahia, contando mais uma vez com o testemunho solidário de diversos grupos pastorais, de movimentos populares, de pessoas de referência, a exemplo, mais uma vez do Pe. José Comblin. Tanto o teólogo quanto o Bispo passaram a ter um relacionamento denso, fraterno, de compromisso com a causa dos pobres. Aqueles e aquelas que lá estiveram, ao lado da Igreja em que o Bispo se hospedou, durante o período de longo jejum, podiam ver a certa distância, Dom Cappio e José Comblin, sob a sombra generosa de uma árvore, a conversarem, a trocarem ideias. Foi por esta ocasião que Dom Cappio solicita a José Comblin, já à altura dos seus 85 anos, convidando-o para ir morar em sua Diocese, na Barra. Convite que é aceito e que faz Comblin, naquela idade, deixar a Paraíba e ir morar em Barra, na Bahia. Foi aí que ele viveu, sempre trabalhando, em companhia também de Dom Cappio, da Missionária Mônica Muggler e de tantos outros e outras missionários iria passar seus últimos anos, tendo sido chamado à casa do Pai, em sua grande viagem definitiva, em 27 de março de 2011, quando se encontrava perto de Salvador para um compromisso missionário.
Importa lembrar como sua Páscoa mexeu profundamente com centenas e milhares de pessoas, de grupos, de associações, de movimentos eclesiais e populares espalhados na América Latina e para além de nosso continente, disto é prova o número grandioso de mensagens enviadas, em memória do Pe. José Comblin. (cf. https://revistaconsciencia.com/a-pascoa-do-pe-jose-comblin-22-03-1923-27-03-2011/).
Ainda acerca destas numerosas mensagens de pesar ou antes, de saudades, e sobretudo de agradecimento pela frutuosa vida do Pe. José, cumpre lembrar uma amostra destas mensagens enviadas em meu e-mail e que recolhi e compartilhei. Cada uma destas experiências inspiradas na pedagogia do Pe. José Comblin e por ele animadas, com assiduidade, com perseverança e com entusiasmo missionário, seria preciso fazer importantes considerações, pontuando seus traços característicos, sua missão específica, seus protagonistas, sua metodologia de ação, entre outros pontos, o que exigiria um outro espaço de registro e de análise. Mas, importa destacar, com bastante ênfase, que uma compreensão mais próxima do caráter missionário e pedagógico testemunhado por José Comblin, exige de nós irmos além destas experiências, buscando implementá-las com dois outros aspectos de sua trajetória existencial como missionário e como pedagogo.
José Comblin tem, como poucos, um profundo legado que dificilmente se pode compreender sem buscar decifrá-lo, em sua integridade, isto é, sem que o entendamos como portador de um legado com o compósito, ou seja, não há como compreender melhor este teólogo, este missionário e profeta da liberdade (como costumam chamá-lo figuras como a de Marcelo Barros, Mônica Muggler, Sebastião Armando Gameleira e outros), para além dos seus escritos, por mais importantes e fundamentais que estes também o sejam. Uma melhor compreensão do seu legado deve ser buscada para além dos seus livros e artigos (cerca de 70 livros e mais de 400 artigos). Este cuidado torna-se tanto mais relevante quando se percebe, ainda que de forma sutil, alguma tentativa de domesticá-lo. Risco também presente em outras figuras de referência Na tentativa de se apresentar o perfil destas personalidades dotadas de reconhecido potencial revolucionário (a exemplo do que aconteceu/acontece a Francisco de Assis e outras), cuida-se de superestimar sua dimensão de intelectual, em detrimento em outras dimensões não menos relevantes de seu perfil, todas a serem entendidas em suas interconexões.l Apenas para um exemplo ilustrativo: por mais relevantes e profundos que sejam – e os são! – seus escritos, este caminho perderia força, se não o conectamos ao seu testemunho de vida pessoal (manifesto não apenas em sua biografia, tal como a escrita por Mônica Muggler, e os exemplos de vida de Comblin relatados por numerosas pessoas simples e anônimas que o conheceram), bem como pelo olhar atento e avaliativo e prospectivo em tantas experiências comunitárias por ele semeadas ou nele inspiradas. Neste sentido, resulta relevante a pesquisa sobre ele, que vem sendo conduzida por Elenilson Delmiro dos Santos, atendo-se especialmente aos relatos de pessoas simples que o conheceram ou com ele conviveram.
Esta constitui por certo uma dimensão fundamental do seu legado, mas ainda assim insuficiente para dar conta, de modo menos incompleto, da inteireza do seu legado. Para tanto, urge complementar a compreensão do seu legado escrito com pelo menos outras duas dimensões: a de analisar com cuidado e atenção, o testemunho pessoal que Comblin apresenta, ao longo de sua vida, desde o ambiente familiar, passando pela sua ligação religiosa de criança junto com seu irmão André e os demais irmãos, acompanhados de perto pela sua mãe, D. Alice e pelo seu pai Firmo. Passa pela experiência de estudos na escola fundamental e no ensino médio. Passa também pela sua entrada no seminário, aos 17 anos. Passa pela sua entrega aos estudos durante dez anos, desde a graduação à sua pós-graduação (doutorado), aqui destacando grande influência que teve do seu Orientador de tese Lucien Cerfaux, bem como de professores tais como Gustave Thils (Cf.sua categoria de “Realidades terrestres”) e Roger Aubert. Passa pela sua experiência de formador junto aos jovens componentes daquela experiência, passa pela sua experiência de vigário. Passa, não menos, pela sua decisão de ser um missionário no terceiro mundo, especialmente, na América Latina, aonde chegou com 35 anos. Passa pela sua experiência de vida inicialmente em Campinas. Passa pela sua primeira experiência no Chile, entre 1962 a 1965, período em que se realizava o Concílio Vaticano II. Passa pela sua chegada, a convite de Dom Helder, a Recife, em 1965, para ser um dos principais assessores de Dom Helder, com quem contribuiu de maneira profícua, em vários momentos, principalmente, oferecendo-lhe a pedido do próprio Dom Helder, preciosos subsídios, inclusive para a realização da Conferência Episcopal Latino-Americana em Medellín, realizada na Colômbia, em 1968. Passa pela sua fecunda contribuição como diretor de estudos do Instituto de Teologia de Recife (ITER). Passa pela sua experiência docente no Seminário Regional Nordeste II e no próprio ITER. Passa pela sua contribuição, acatando múltiplos convites para palestras, assessoria, artigos sobre vários temas. Passa pelo seu envolvimento profético a serviço da causa dos pobres, que lhe rendeu a expulsão do Brasil, pela ditadura militar, em 1972. Passa pelo retorno ao Chile, onde passaria seu exílio fecundo, desta vez, em Talca, a convite de Dom Manuel Larraín e de Dom Carlos González. Passa pelo seu empenho em dar sequência ao trabalho da Teologia da Enxada que havia inspirado, junto com o protagonismo de jovens seminaristas, em 1969, tanto em Tacaimbó- PE quanto em Salgado de São Fèlix – PB. O trabalho realizado em Talca busca dar sequência, dentro da inspiração da Teologia da Enxada, a este trabalho, que o leva a, juntamente com uma preciosa equipe da qual faziam parte seu grande amigo Enrique Correa, sacerdote, e o Diácono Agustín Dial, buscando implantar o seminário campesino, que respondeu à necessidade de formação de padres a serviço dos camponeses. Passa pelo seu retorno ao Brasil depois de sua expulsão do Chile, pela ditadura de Pinochet, vindo residir definitivamente no Brasil, desta vez na Paraíba e, em seus dois, três últimos anos, em Barra – BA.
Outra dimensão a ser tomada em conta, de modo complementar, às demais, diz respeito ao conjunto de experiências missionárias protagonizadas por leigos e leigas e sob sua inspiração pedagógica e teológica. Trata-se de mais de uma dezena de experiências missionárias vivenciadas na Paraíba e em Barra, tais como a criação do Seminário Rural (dando continuidade à experiência do Seminário Campesino, em Talca, que por sua vez corresponde a um sequenciamento do Espírito da Teologia da Enxada), O Centro de Formação Missionária (em sua versão masculina, em Serra Redonda – PB) e em sua versão feminina, vivenciada em Mogeiro), à associação dos missionários e missionárias do campo, à associação dos missionários e missionárias do Nordeste (AMINE), à fraternidade do discípulo amado, o curso da Associação Árvore, às escolas de formação missionária (em Juazeiro – BA, desde 1989, a de Santa Fé – PB, depois transferida para Mogeiro e recentemente de volta a Santa Fé, a de Floresta – PE, a de Esperantina – PI, a de Barra – BA, a de São Félix do Araguaia – MT), a experiência de peregrinação, seja em sua expressão individual (Antônio José, Valdo) seja em sua dimensão coletiva, a partir da criação sob a coordenação de Arthur Peregrino, do movimento de peregrinos e peregrinas do Nordeste, desde 1986, o grupo Kairós – Nós também somos Igreja, criado desde a residência do Padre José Comblin, em 1998, quando do lançamento do livro Vocação para a Liberdade, grupo que até hoje segue estudando as obras de Comblin e de outros teólogos e teólogas contemporâneos, o grupo José Comblin, em torno das comunidades de Café do Vento, município de Sobrado – PB, com a coordenação fecunda do padre Hermínio Canova. Estas experiências constituem sinais visíveis da semente ou das sementes lançadas por este profeta da liberdade.
Quanto ao chamamento que o Espírito pode estar suscitando entre aqueles e aquelas que se dispõem a prezar este legado abençoado de José Comblin, valha-nos de exemplo a imagem utilizada por Dom Flávio Cappio, bispo de Barra – BA, por ocasião de um retiro por ele pregado, com a presença e participação do padre José, em Mogeiro – PB, poucos dias antes de sua grande viagem. Naquela oportunidade, Dom Frei Luiz Cappio fazia menção de uma imagem pedagógica bastante rica: a de que a discípula, o discípulo de Jesus de Nazaré não devia ficar limitado a contemplar, sob tantos aspectos e detalhes, o dedo do Nazareno, mas buscar a direção para a qual Ele aponta. De modo semelhante ou analógico, cumpre-nos, em vez de nos cingirmos a uma contemplação individual de Comblin, prestar atenção à direção para onde aponta o seu dedo profético e libertador. Neste sentido alegra-nos poder acompanhar a continuidade viva deste processo. Para citar apenas um exemplo ilustrativo, lembramos a participação de jovens teólogas feministas, provenientes de experiências comblinianas, em especial das escolas de formação missionária e do CEBI, a exemplo de Elinaide Carvalho, Glória Carneiro, Jéssica da Silva, Jardene (cf. https://teologianordeste.net/).
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1 Transcrição (Eliana Calado, Gabriel Luar Calado, Heloíse Calado) da exposição ampliada feita a partir da comunicação oral, apresentada por ocasião da mesa “José Comblin: Missão e Formação no Nordeste” apresentada quando da II Jornada José Comblin, promovida pelo Centro de Pesquisa e Documentação José Comblin, da UNICAP, Recife, 11/06/2021. O texto reflete, portanto, um tom de oralidade.
2 Um tributo especial a Eduardo Hoornaert se deve pela estreita proximidade e pelo acompanhamento que vem exercitando com José Comblin, pelo menos desde 1958, quando, ambos belgas chegaram ao Brasil. Desde então, Eduardo tem se dedicado seja pela convivência com Comblin, ambos integrando (junto com outras figuras) a equipe de assessoria de Dom Helder Câmara, seja em várias experiências de estudos e encontros teológicos, seja sobretudo pelo incansável empenho em estudar seus escritos (cf. www.eduardohoornaert.blogspot.com). À missionária Mônica Muggler devemos, graças ao sistemático acompanhamento, desde meados dos anos 80, da vida missionária de José Comblin, a excelente biografia que escreveu sob o título “José Comblin: Uma Vida Guiada pelo Espírito”. A João Batista Magalhães devemos o testemunho de quem segue José Comblin, desde os inícios da Teologia da Enxada, na segunda metade dos anos 60, tendo participado vivamente das várias experiências missionárias e de formação de Comblin pelo Nordeste, sendo ele relevante referência da Fraternidade do Discípulo Amado. Associados – associadas a estes, também homenageamos: Raimundo Nonato Queiroz (“In Memoriam”), Ir. Maria Emília Ferreira (“In Memoriam”), Ir. Agostinha Vieira de Melo (“In Memoriam”), Marcelo Barros, Ivone Gebara, Luís Barros, Pastor Luciano Batista de Sousa, Pator Paulo Cesar Pereira, Joselita Tessarotto, Dom Antônio Batista Fragoso (“In Memoriam”), Frei Hugo Fragoso (“In Memoriam”), Humberto Plummen (“In Memoriam”) e tantas outras figuras que nos têm ajudado a conhecer melhor José Comblin, seja como um “intelectual orgânico” a serviço dos pobres, seja como um missionário profeta, seja como um semeador de experiências libertárias..
Hoje, na Itália e em outros países, se celebra a solenidade da Ascensão do Senhor. A passagem evangélica de hoje – a conclusão do Evangelho de Marcos – nos apresenta o último encontro do Ressuscitado com os discípulos, antes subir para sentar-se à direita do Pai. Como de costume, nós sabemos como são tristes as cenas de despedida, dão àqueles que ficam um sentimento de desânimo, de abandono. Ao contrário de tudo isto, com os discípulos, isto não acontece. Apesar da separação do Senhor, eles não se mostram desconsolados, ao contrário, mostram-se alegres e prontos para partirem como missionários para o mundo.
Por que será que os discípulos não ficam tristes? Por que nós também devemos nos alegrar ao vermos Jesus subir ao Céu?
A Ascensão completa a missão de Jesus no meio de nós. Com efeito, se foi por nós que Jesus desceu do Céu, é sempre por nós que para lá Ele também subiu. Após haver encarnado nossa humanidade e tê-la redimido – Deus, o Filho de Deus, desce e se faz homem, assume a nossa humanidade e a redime – agora sobre ao Céu levando consigo nossa carne. É o primeiro ser humano que entra no Céu, porque Jesus é homem, verdadeiro homem, é Deus, verdadeiro Deus. A nossa carne está no Céu e isto nos causa alegria. À direita do Pai, está sentado definitivamente um corpo humano, pela primeira vez, o corpo de Jesus, e, neste mistério, cada um de nós contempla seu próprio destino futuro. Não se trata propriamente de um abandono, Jesus permanece para sempre com Seus discípulos, conosco. Permanece na oração, porque Ele, enquanto homem, ora ao Pai, e, enquanto Deus, homem e Deus, lhes mostra as feridas, as feridas com as quais nos redimiu. A oração de Jesus aí está, em nossa carne: é um de nós, Deus homem, e ora por nós. E isto nos deve dar uma segurança, mais do que isso, uma alegria, uma grande alegria! E o segundo motivo de alegria é a promessa de Jesus. Ele nos disse: “Eu lhes enviarei o Espírito Santo”. E aí, com o Espírito Santo, cumpre-se aquele mandamento que Ele dá justamente por ocasião da despedida: “Vão ao mundo para anunciarem o Evangelho”. E será a força do Espírito Santo que nos leva ao mundo, a transmitir o Evangelho. É o Espírito Santo daquele dia, que Jesus prometeu, e, em seguida, nove dias depois virá na festa de Pentecostes. Foi justamente o Espírito Santo que tornou possível que todos nós hoje aqui estejamos. Uma grande alegria! Jesus subiu ao Céu: o primeiro ser humano diante do Pai. Subiu marcado pelas feridas, que foram o preço de nossa salvação, e ora por nós. Em seguida, ELe nos envia o Espírito Santo, nos promete o Espírito Santo, para irmos a evangelizar. Daí, a alegria de hoje, daí, a alegria deste dia da Ascensão.
Irmãos e irmãs, nesta festa da Ascensão, enquanto contemplamos o Céu, para onde Cristo subiu e está sentado à direita do Pai, peçamos a Maria, Rainha do Céu, que nos ajude a sermos no mundo testemunhas corajosas do Ressuscitado nas situações concretas da vida.
Permitam-me compartilhar estas duas preciosidades:
1 – O texto mais recente, escrito por Eduardo Hoornaert, nos provoca profundamente, deixando-nos ante uma irrupção joelina, a nos interpelar e atiçar nosso ardor missionário, na perspectiva do Movimento de Jesus, chamando-nos a experienciar caminhos de “Pentecostalidade”.
2 – Um item do livro de José Comblin, “O Espírito Santo e a Tradição de Jesus”, da página 269 a 276, que vem sendo objeto de nossa reflexão semanal, no Grupo Kairós. Segue em anexo.
Com vocês, na esperança e na ação.
Alder
O pentecostalismo em perspectiva histórica.
Por Eduardo Hoornaert.
A descoberta do caráter pentecostal das origens cristãs vem a postular a construção de narrativas próprias. Como sabemos que a mensagem cristã se propaga mais por meio de narrativas que de doutrinas, surge diante de nós a seguinte pergunta: quais as narrativas, entre muitas que tratam das origens do cristianismo, capazes de abarcar a multiplicidade de formas pentecostais em que o cristianismo se reveste hoje? Trato aqui especificamente de três narrativas das origens, uma primeira centrada em Nazaré, uma segunda em Jerusalém e uma terceira em Corinto. Prossigo chamando a atenção para a particularidade da expressão ‘Espírito Santo’ e para a necessidade de se estudar a ‘tradição’. Termino dizendo algo sobre ‘pentecostalidade’.
Um Sopro ‘do Senhor’ em Nazaré.
O Evangelho de Lucas conta que Jesus, ao retornar à sua aldeia natal depois da experiência no Sul do país (na região do Jordão) com João Batista, vai, como de costume, à sinagoga no sábado. Como já é rabi, habilitado a ler e explicar a Bíblia, o servente lhe entrega um rolo que contém as profecias de Isaías. Ele escolhe dois trechos (Isaías 61, 1-2 e 58, 6):
Um Sopro do Senhor sobre mim.
Por Ele fiquei encarregado
De trazer uma boa mensagem aos pobres.
Ele me enviou, e por isso proclamo
liberdade aos presos, visão aos cegos, libertação aos oprimidos.
Proclamo publicamente um Ano de Favores (Lc 4, vv. 16-18).
Jesus entrega o rolo ao servente e se senta. Na sinagoga, todos os olhos o fixam. Ele começa: ‘como vocês veem, hoje essa Escritura se realiza’ (vv. 20-21). Eis a primeira manifestação do Sopro de Deus na vida de Jesus. Os aldeões se sentem atingidos, pois compreendem a alusão: ‘aqui – em Nazaré – não há boa mensagem para os pobres, nem liberdade para os presos, nem recuperação de visão para os cegos, nem libertação dos oprimidos, nem Ano de Favores’. ‘Vocês preferem seguir a Lei, não escutam o ‘vento’ que vem de Deus’. Para ainda agravar as coisas, Jesus dá dois exemplos de como a Escritura de Isaías se realiza: nos tempos de Elias, havia muitas viúvas em Israel e as pessoas passavam fome, por todo o país. Mesmo assim, não é para nenhuma (das viúvas de Israel) que Elias foi enviado, mas para uma viúva de Sarepta de Sidon (v. 25). Havia muitos leprosos em Israel. Mesmo assim, nenhum deles foi curado (por Eliseu), mas sim o sírio Naaman (v. 27). O sopro de Deus não considera um ‘povo eleito’ privilegiado.
É demais: todos na sinagoga se enchem de furor ao ouvir essas palavras (v. 28). Um violento sentimento de ódio se ampara da multidão, uma histeria coletiva. Eles o conduzem ao declive de uma colina sobre a qual a cidade está construída, para lançá-lo no precipício. Mas ele passa por meio deles e se afasta.
Jesus não é um ‘dos nossos’? ‘Então, que nos defenda, nos ampare, já que tem esses poderes todos’. Os aldeões vêm em Jesus um curandeiro milagreiro, como tantos outros que andam pelas aldeias da Galileia. Não percebem a ação do Sopro de Deus.
Na versão de Marcos se percebe a mesma perplexidade, por parte dos aldeões. Muitos dos que o escutam ficam confusos edizem: ‘Donde ele tira tudo isso? Donde lhe vem essa sabedoria? E os gestos fortes (milagres, gestos de poder) operados por suas mãos? Ele não é o carpinteiro, o filho de Maria, irmão de Tiago, José, Judas e Simão? Suas irmãs não vivem entre nós? Enfim, ficaram sem saber o que pensar (Mc 6, 1-6).
Mas, como na versão de Lucas, Jesus não recua. Ele vai em cima: um profeta só é desprezado em sua terra natal, em sua família, em sua casa. O Sopro de Deus nele provoca uma subversão dos valores que a aldeia cultiva: a família, a ordem, a convivência silenciosa com os que não conseguem se enquadrar na sociedade: doentes, mendigos, cegos, surdos, doidos. Jesus sente repulsa com o comportamento de seus antigos companheiros na aldeia: não pôde fazer aí nenhum milagre. E Marcos conclui: Jesus estranha a desconfiança dos aldeões.
Aparece aqui um homem que se distancia de seus ex-vizinhos aldeões. Para ele, o fato de provir de uma aldeia esquecida do mundo, dentro de uma família normal de camponeses, conhecido por serviços manuais, não lhe impede sentir o Sopro de Deus passando por sua vida. Pelo contrário, o ocultamento social demonstra quem é Deus e como Ele age no mundo.
Um Sopro de Deus em Jerusalém.
A segunda história é mais traumatizante. Mais decisiva também. Ela começa com os versículos 46 a 50 do capítulo 14 do Evangelho de Marcos: Quando os emissários do Grande Sacerdote puseram as mãos sobre Jesus e o prenderam, todos os seus discípulos o abandonaram e fugiram (Mc14, 46-50). Todos abandonam Jesus naquela fatídica semana que antecede a tradicional Festa da Páscoa judaica, por volta do ano 30, e que culmina com sua morte. Os discípulos deixam Jesus morrer só.Ele morre como um criminoso, executado segundo as leis estabelecidas. Seu corpo é jogado numa fossa comum. O Evangelho de João conta que o próprio Jesus previu esse desenlace: Vocês se dispersarão, cada um de seu lado, e me deixarão só (Jo 16, 32). Simão Pedro, que ainda teima em acompanhar de longe o drama, não aguenta nem umas palavras de suspeita por parte de uma servente do Grande Sacerdote: Não o conheço, não sei de que você está falando (Mc 14, 68). E acaba fugindo também. Retorna à região do lago de Genesaré, na companhia de alguns companheiros pescadores, igualmente ex-discípulos de Jesus. Ali resolve voltar à pescaria: ‘eu vou à pesca’. ‘Vamos como você’ dizem os outros (Jo 21, 3).
Mas nenhum deles consegue esquecer Jesus. Nem Simão, nem seu irmão André, nem Tiago e João, os filhos de Zebedeu. Mas o projeto acabou. Foi bonito, mas acabou. O que eles, pescadores iletrados, vão argumentar diante das mais altas autoridades, que tinham declarado que Jesus era um criminoso? Contudo, a memória persiste, inesquecível, fascinante. A figura de Jesus não os deixa em paz. A memória dele é alimentada a cada sábado por leituras feitas na sinagoga: leituras de Isaías, dos Salmos, dos Profetas, que falam em ‘servo sofridor’, ‘servo de Ihwh’, ‘elevado por Deus’, ‘feito Senhor’. Será Jesus um eleito de Deus enviado ao mundo? Martela a cabeça de Simão a palavra de Jesus, três vezes repetida: Simão, filho de João, se me amas, apascenta minhas ovelhas (Jo 21, 15-17). A situação angustiante dura meses, talvez mais de um ano. Voltar a Jerusalém? Nem pensar.
Até que aparece, no ano litúrgico judeu, uma festa tradicional, celebrada em outubro, que até supera a festa da Páscoa em termos de popularidade: o Sukkôt (que significa: tendas, cabanas), em que se misturam as mais variadas memórias: a colheita dos frutos do campo, a vida em tendas dos hebreus fugitivos do Egito, a chegada ao Monte Sinai após ‘cinquenta dias’ de caminhada após a escapada, ocasião em que Moisés recebe a Torá (Ex 15, 1).
No Sukkôt, Jerusalém se enche de peregrinos, muitos vindos de longe. O grupo dos apóstolos galileus pondera: ‘podemos nos aventurar, pois ficaremos despercebidos no meio de tanta gente. Aí podemos visitar os irmãos de Jerusalém’. Irmãos que ficaram na cidade hostil e se recolhem numa casa particular, com medo dos ‘judeus’.
Então acontece a famosa virada, descrita por Lucas em seus ‘Atos dos Apóstolos’, escritos por volta do ano 120 dC: Estavam todos reunidos no mesmo lugar, quando, de repente, um estrondo. Parecia a passagem de um vento violento a invadir a casa onde se encontravam. Eles viram uma espécie de línguas de fogo se repartir e se pousar sobre cada um. Nesse momento, todos, cheios do Sopro Santo, falavam o que o Sopro lhes dava a dizer, em línguas estrangeiras (Atos 2, 1-4).
Muita gente, ao ouvir o estrondo, corre ao local. Gente proveniente da diáspora judaica, falando línguas diferentes (todas de raiz semita), enquanto os apóstolos só falam o aramaico. Abre-se a porta, os apóstolos comentam o ocorrido, e todos entendem o que eles dizem. ’Como é, pois, que os ouvimos falar, cada um de nós, no próprio idioma em que nascemos? Partos, medos e elamitas, habitantes da Mesopotâmia, da Judéia e da Capadócia, do Ponto e da Ásia, da Frígia e da Panfília, do Egito e das regiões da Líbia próximas de Cirene; romanos que aqui residem, tanto judeus como prosélitos, cretenses e árabes, nós os ouvimos apregoar em nossas próprias línguas as maravilhas de Deus’. (Atos 2, 8-11). No versículo 14 se conta que Pedro se levantou com os onze e, com voz firme, se dirigiu à multidão presente. Uma fala contundente, acusadora mesmo: Esse mesmo Jesus, que vocês crucificaram, Deus, ele mesmo, o fez Senhor e Cristo (o termo, em aramaico, significa: ‘ungido’) (v. 36). E termina perguntando: O que fazer? Ele mesmo responde: Pensar de outro modo (em grego: metanoein, daí metanoia) (v. 37). Mais adiante, em 3, 19, Lucas escreve que precisa também agir de outro modo (em grego: epistrefein). Um pensar e um agir ‘diferente’.
O resultado é excepcional: dos 120 aderentes ao novo movimento, assinalados em Atos 1, 15, se pula de vez para 3 mil depois do discurso de Pedro em Pentecostes (2, 41) e para 5 mil logo depois (4, 4). Aderiram, no Senhor, multidões de homens e mulheres (5, 14); A multidão dos crentes era um só coração e uma só alma (4, 32); O número dos discípulos multiplicava-se enormemente em Jerusalém (6, 7). Sabemos que Lucas gosta de exagerar, mas, mesmo assim, se trata de uma considerável multidão (11, 24), que passa a ser chamada igreja, uma palavra grega equivalente a ‘sinagoga’ ou ‘assembleia’: As igrejas cresciam em número, de dia em dia (16, 5).
Não dá para negar o impulso do momento e a inquietação que o movimento, desde Pentecostes, provoca no seio do judaísmo ortodoxo. Aparece algo diferente da religião dos burocratas do templo, dos fariseus e saduceus, dos letrados e dos sacerdotes. Um Sopro Santo passa por camponeses, pescadores e publicanos, mulheres e crianças, ignorantes e pecadores. E isso inquieta os judeus bem pensantes.
No dia de Pentecostes, um Sopro Santo desce em ‘línguas de fogo’, confere força aos apóstolos no sentido de afirmar em praça pública a novidade de Jesus, um novo jeito de viver, fraternidade, acolhimento, atenção aos pequenos e rejeitados deste mundo, entusiasmo entre as camadas mais pobres, nas cidades e nos campos por onde o movimento se espalha. Pentecostes é irrupção avassaladora de Deus na vida. Não se trata de doutrina, código moral ou celebração ritual. Trata-se de um impacto contagiante que conduz a uma nova experiência de vida.
Hoje dizemos: a espiritualidade cristã é fundamentalmente pentecostal. Por meio dela, o movimento de Jesus aparece como experiência de vida, não como doutrina, rito ou pura liturgia. Os exageros de Lucas na apresentação do número de aderentes ao movimento de Jesus, que lemos nos Atos dos Apóstolos, são sintomáticos da exaltação com que os próprios militantes devem ter contado sua experiência. A mesma exaltação que percebemos em certos episódios dos Atos, como a narrativa do naufrágio de Paulo e dos diversos discursos que o acompanham (At 27, 13-44), a conversão às portas de Damasco (At 9, 1-22) e o discurso de Paulo no Areópago ateniense (At 17, 19-34). Tudo isso vem a significar: o judaísmo formal, hipócrita, sacerdotal e legalista não tem mais nada a oferecer. Nós somos o Novo Israel! (Pedro nos Atos 2, 14-36).
O judaísmo oficial rejeita o pentecostalismo, não consegue compreender o momento. Isso leva a um infeliz confronto entre as comunidades de seguidores de Jesus e o judaísmo oficial: as primeiras não se sentem mais ao abrigo nas instituições do rabinismo judaico tradicional e criam um novo rabinismo, expondo-se à eventualidade de uma intervenção por parte de lideranças organizadas dispostas a ‘pôr ordem na casa’.
Pentecostes é uma experiência de ordem mística. Mas não num sentido neo-platônico. A admiração que sentem os que se deixam atrair pelo movimento não se deve atribuir unicamente a pretensos fenômenos extraordinários (com os relatados em Atos, capítulo 2), mas também ao fato que as pessoas percebem, nos seguidores de Jesus, um novo jeito de se viver, um clima de fraternidade e acolhimento, uma atenção aos pequenos e rejeitados deste mundo. Lucas focaliza isso em diversos momentos. Isso deixa profunda impressão entre as camadas mais pobres da sociedade judaica, nas cidades e nos campos. Esse é o grande sinal do Sopro de Deus. Elenco aqui, de passagem, alguns desses sinais, colhidos em textos do Novo Testamento e da Tradição do segundo século: a atenção especial dada aos que sofrem e são rejeitados (1 Pedro 4, 12-13 e mais tarde a Carta a Diogneto), sobretudo os peregrinos e forasteiros (1 Pedro 2, 11), que são numerosos na periferia do sistema romano, a regra Entre vocês tem que ser diferente, quem quiser ser o maior se faça o menor (Lc 22, 26), a opção pelos pobres (Tiago, 2, 1-9), um ‘lar’ para quem não tem casa (as Cartas de Pedro), a elaboração de uma teologia de eleição dos excluídos nos planos de Deus (1 Pedro 2, 4-10; Tiago, 2, 5), a recusa de uma aliança com o pensamento filosófico da época (Justino, Ireneu), o martírio (Policarpo, Inácio de Antioquia), o amor e perdão ao inimigo, a não-violência ativa, a fé na ressurreição da carne como resposta à petulância das autoridades judaicas (At 2, 22-36), um novo relacionamento entre homem e mulher, a introdução do conceito de ‘adultério masculino’, desconhecido na cultura do império romano e mesmo no judaísmo (O Pastor de Hermas), a recusa do serviço militar como sendo contrário à ideia da única soberania de Deus (Tertuliano); a recusa do aborto e do abandono de crianças recém-nascidas, em nome do imperativo do respeito pela vida pessoal (Carta a Diogneto), a não-participação em jogos de circo e teatros (onde a dignidade do corpo humano é tripudiada), a comunidade eclesial de base (Paulo); etc.
Podemos alargar ainda mais o horizonte e enxergar paralelos entre essa experiência pentecostal judaica e o que acontece em diversas religiões pelo mundo afora. Por isso se pode dizer que o pentecostalismo, de certo modo, excede o cristianismo e se relaciona com momentos de inspiração, reavivamento (revival), reanimação, experiências extraordinárias de entusiasmo e de fé que encontramos em muitas religiões. Voltarei a esse ponto. De modo que não é tanto o caso concreto do Pentecostes judaico que retém nossa atenção, mas sim sua redundância histórica.
Conhecemos o resto da história. Depois de Pentecostes, o movimento de Jesus se espalha rapidamente pelo mundo. A perda do templo e da cidade de Jerusalém, por sucessivos golpes políticos, entre 70 dC e 135 dC, é um desastre para os judeus ortodoxos, mas não para o jovem movimento. Com a eliminação de Jerusalém enquanto centro religioso, as famílias sacerdotais hereditárias e a alta classe judaica se arruínam definitivamente. Mas ao mesmo tempo surge, entre 70 e 200 dC, um judaísmo rabínico que existe até hoje e que oferece sustento ao jovem movimento. O rabino toma o lugar do sacerdote. Em vez de ser o homem do templo, ele é o homem ‘do livro’, o ‘mestre’ (rav), conhecedor das letras da Torá e mais tarde do Talmud, o ‘sábio’ (chacham) da comunidade. Não é ‘líder’, nem detém poder além do poder da palavra que interpreta. Pois, na sinagoga, a Palavra de Deus reina soberana. O rabino não recebe pagamento por seu ensinamento, pois a palavra de Deus é gratuita. Ele tem de arranjar uma profissão para se sustentar. Enfim, o rabino é o homem do raciocínio, da palavra, não do rito. Não corresponde ao clérigo no cristianismo. É um leigo, sem maiores poderes do que os demais participantes da sinagoga.
É nesse novo modelo que o cristianismo nascente (do século II) se inspira, como verificamos em figuras como Hermas, Marcião, Valentino e Justino. Um cristianismo de mestres e discípulos, não de sacerdotes e fieis.
Com a destruição de Jerusalém como centro religioso, o movimento de Jesus mergulha, por assim dizer, no anonimato. Doravante aparecem textos menores, provenientes do mundo anônimo das comunidades como cartas, evangelhos apócrifos, atos dos apóstolos (igualmente apócrifos), apocalipses, visões, enfim, uma vasta literatura até hoje pouco conhecida. Essa literatura revela um movimento ligado à vida nas famílias, onde se aprende a falar menos e escutar mais, lutar para ganhar o pão de cada dia, preparar os alimentos, suportar o incômodo da convivência em ter familiares, respeitar a liberdade do outro (da outra), educar os filhos, socorrer o irmão necessitado. O movimento fica mais pragmático e procura harmonizar as exigências radicais de Jesus com a cotidianidade da vida. Repetitivos e lentos, os textos que nos chegam desse período não contêm grandes novidades, mas traduzem a seu modo a novidade cristã.
É desse modo que o pentecostalismo cristão entra na história.
Um Sopro de Deus em Corinto.
Há uma terceira narrativa que conta a irrupção do Sopro de Deus nos inícios do movimento cristão. Trata-se, inclusive, da primeira narrativa em termos cronológicos, pois é anterior aos evangelhos de Marcos (dos anos 70), de Lucas (dos anos 80-90) e dos Atos dos Apóstolos (dos anos 120), que acabamos de ler. Escrita apenas 20 anos após a morte de Jesus, no início dos anos 50, essa narrativa, escrita por Paulo Apóstolo, nos introduz numa reunião típica dos inícios do movimento de Jesus (1Cor 14), na cidade grega de Corinto. Ali nos surpreende o ambiente barulhento e agitado. Há pessoas que ‘falam em línguas’, emitem sons sem sentido aparente, que – mesmo assim – são acolhidos com exaltação. Os participantes parecem convencidos que esses sons expressam uma língua misteriosa de contato direto com Deus. Alguns entram em transe, outros gritam e gesticulam.
Em diversos tópicos de suas cartas, Paulo utiliza o termo ‘grito’ e, diante da importância por ele atribuída a esse vocábulo, vale a pena se perguntar o que pode significar um grito que emerge de um ambiente extático. O sacerdote psicólogo alemão Eugen Drewerman explica que gritos extáticos não são falsificações, mas formas naturais de transmissão de grandes temas e de verdades permanentes presentes nas camadas profundas da psique humana(Drewermann, E., Psychanalyse et Exégèse, 2, Seuil, Paris, 2001, p. 18).
Paulo faz questão de afirmar, sem constrangimento, que ele também ‘fala em línguas’, e mesmo melhor que qualquer um: Eu falo em línguas mais que qualquer um de vocês (1Cor 14, 18). Mas há um limite. Ele repete, o tempo todo, que o êxtase – por bom e louvável que seja – tem de obedecer ao regulamento superior da profecia (vv. 22-26) e que, sem profecia, não há encontro cristão. O que isso significa? Em meio à exaltação não se pode esquecer que os participantes têm o direito de entender o que se quer dizer. Não basta gritar e gesticular. Falar ‘em línguas’ é bom, argumenta Paulo, mas que tudo seja acompanhado de palavras que encorajem as pessoas (v. 31), fortaleçam o grupo (v. 12), ajudem os outros. Na assembleia, prefiro dizer cinco palavras inteligíveis para instruir os outros, que dez mil palavras em línguas (v. 19). Os momentos privilegiados do êxtase postulam uma adequada explicação. Se Deus se revela numa fala em línguas de uma forma que nem o próprio falante, nem os demais participantes entendam ao certo o significado, é preciso que alguém do grupo diga alguma palavra ‘inteligível’. Se todos começam a falar sem que haja quem explique (no texto original: ‘se comporte em profeta’), os de fora vão pensar que os cristãos são malucos (v. 23). A ‘profecia’ faz com que o êxtase se torne capaz de convencer os de fora: Imaginem que todos profetizam (explicam ‘línguas’). Entra então uma pessoa de fora. Ela é logo questionada por todos e o que seu coração oculta se torna patente. Então ela cai com a face na terra e adora Deus, gritando: ‘Sim, é verdade, Deus está no meio de vocês’ (1Cor 14, 24-25). Tudo que acontece durante o encontro, seja canto, ensino, revelação, fala ou gesto (v. 26), merece ser devidamente explicado: todos podem se expressar, mas um por um, para instruir a todos e encorajar a todos (v. 31). Pois Deus não é um Deus da desordem, mas da paz (v. 33). A insistência de Paulo no sentido que tudo se faça em ordem (v. 40) e que a êxtase seja acompanhada de uma palavra explicativa (exortativa, profética) assegura aos os grupos paulinos – a médio e longo prazo – a sobrevivência em comparação a outros grupos, liderados por apóstolos talvez mais entusiasmados, mais eloquentes, mais versados na oratória ou mais extasiados, mas que não têm o devido cuidado em controlar os possíveis excessos extáticos.
O clima extático, no capítulo 14 da Carta aos Coríntios, revela algo que não se encontra nos evangelhos: o modo ‘entusiasta’ em que a mensagem de Jesus é recebida no mundo mais amplo da diáspora judaica, fora da Palestina. O fariseu ‘encantado’ de Tarso (Atos 9, 1-9), arrasta consigo os ouvintes/leitores para o universo extático que ele mesmo vive. Daí gritos como ‘Jesus ressuscitou!’, Ele subiu ao céu!’, ‘Ele está sentado ao lado de Deus Pai!’, ‘nós vamos ressuscitar com ele!’. Um encantamento que faz com que esses grupos extáticos tomem distância diante dos preceitos da Lei, lutem pela abertura do movimento de Jesus a não-judeus e nunca percam a esperança no Reino de Deus que já cresce – qual planta selecionada, adubada, capinada e cuidadosamente cultivada – no seio de pequenos grupos espalhados pelo mundo.
O Espírito Santo.
O que dizer da expressão ‘Espírito Santo’, que hoje substitui o ‘Sopro Santo’ dos textos semitas? Sabemos que traduções sempre correm o perigo de se tornar ‘traições’. Sabemos que o leitor de um texto traduzido sempre tem de prestar atenção a possíveis armadilhas nele contidas, capazes de deturpar o sentido de uma expressão, ou pelo menos dificultar sua compreensão. Quando o ruah hebraico passa ao pneuma grego e quando esse, por sua vez, passa para o spiritus latim e nosso espírito português, anda-se a passos tão largos que a deturpação do sentido original é quase inevitável. Com a passagem de ‘ruah’ para ‘pneuma’, operada pelos ‘Setenta’ de Alexandria no século III aC, abandona-se o universo semita e penetra-se num universo de significados gregos. O termo perde em vigor, abandona os desertos do Levante e as finezas das expressões semitas e ganha ares mediterrâneos, helenísticos, mais suaves. E quando esse ‘pneuma’, por sua vez, passa para ‘spiritus’, na tradução latina feita por São Jerônimo no século IV dC (a ‘Vulgata’), modos romanos de se praticar a religião invadem a leitura das Escrituras e trazem um forte ingrediente de espiritualismo neo-platônico.
Pois o ruah dos primeiros textos bíblicos é forte, impetuoso e repentino. Deus age no mundo ‘soprando’. Em Gênesis 2, 7, o sopro de Deus insufla uma vida tão poderosa nas inertes narinas do Adão, que este se espalha rapidamente pela terra inteira, como relatam os primeiros capítulos do livro Gênesis com manifesta satisfação. Uma vida tão potente que os primeiros patriarcas alcançam idades incríveis. Matusalém chega aos 969 anos (Gn 5, 27) em meio de filhos, netos e bisnetos a não saber mais o número. O Adão é ao mesmo tempo ‘inspirado’ e frágil. É respirando que ele demonstra estar vivo, mas, de outro lado, ele não é mais que um sopro que passa e não volta mais (Sl 78, 39).
Mas não é só no Adão que o sopro de Deus se mostra poderoso. No princípio dos princípios, antes mesmo da luz, o sopro de Deus já movimenta o universo:
Terra vazia solidão
Escuridão sobre os abismos
Sopro de Deus
Movimentos sobre as águas (Gn 1, 2).
Movimentos também sobre os imensos desertos do Levante. Enfim, o ruah hebraico tem um amplo leque de significados, desde vento, ar respirado, fôlego de vida, até elementos mais psicológicos como ímpeto, dinamismo, ardor e vontade. Depois do dilúvio, recordando seu amigo Noé, Deus sopra sobre a terra e as águas um vento de paz (Gn 8, 1). O sopro de Deus apazigua as águas do dilúvio, abre passagem para os hebreus no Mar Vermelho, traz alimentos ao deserto, restaura ossos ressecados em povo vivo (Ez 37, 1-14). Um sopro de Ihwh deposita Ezequiel no meio de um vale repleto de ossos secos, e lhe manda dizer aos ossos: Vejam, eu lhes envio um Sopro. Vivam. Eu lhes dou nervos, carne e pele, eu lhes dou meu sopro. Vivam! (Ez 37, 6). E é esse mesmo Sopro Santo que nos traz Jesus: Um Sopro Santo virá sobre ti e uma força do Muito Alto te cobrirá com sua sombra (Lc 1, 35), diz o Anjo a Maria.
O Sopro de Deus anima os primeiros cristãos. Em meio a dificuldades, o Sopro se revela uma ‘força drástica’ (como escreve Paulo), ou seja, uma força que intervém nas horas do perigo. Ora, o perigo é a aliança dos líderes da igreja com os poderes deste mundo. Perigo grande aparece no século IV, quando o próprio Imperador Constantino convida os líderes cristãos a se reunir em Niceia, sua residência de verão, situada na Ásia Menor. Aí já dá para perceber o perigo. Os bispos começam a ter medo do Espírito Santo, como revela o Credo de Niceia, que evita pôr o Espírito em relevo e só lhe concede um lugar no fim do Credo. Nas entrelinhas desse Credo se esconde o receio de uma igreja por demais profética. Aliás, já no início do século III, Tertuliano tinha escrito com todas as letras que a igreja emergente expulsou os profetas, afugentou o Espírito (prophetiam expullit, Paracletum fugavit). A igreja católica herdou esse temor mal confessado do Espírito Santo e evitou se referir a ele ao longo de muitos séculos.
Mas, como sempre acontecem novidades na história, aparece uma defesa do Espírito Santo, muitos séculos após Niceia, onde menos se espera: na filosofia moderna, entre descrentes e críticos da religião. Diante da vitória da Revolução Francesa em Paris, o filósofo alemão Hegel elabora, na sua ‘Fenomenologia do Espírito’ (1807), uma teoria acerca da importância fundamental do que ele chama de ‘Espírito verdadeiro’, na construção da história humana. Outros filósofos da época, Kant e Diderot, o acompanham. Tomando emprestada de Diderot a imagem do tecelão, Hegel escreve que o Espírito ‘tece sua rede’ em silêncio, com paciência e perseverança. Diderot ainda usa outra imagem, a de um tecido totalmente impregnado por algum líquido. Quando um corpo social se encontra totalmente impregnado de ideias novas, a revolução factual é fácil. Ela pode até acontecer sem derramamento de sangue. Escrevo o termo ‘Espírito’ com maiúscula, pois se trata aqui deveras do Espírito Santo. O velho sistema cai por si mesmo, como um vestido que não serve mais. No silêncio de inúmeras ações inovadoras, realizadas no dia-a-dia da vida, o Espírito vai abrindo espaço para que – no momento apropriado – sua dinâmica se manifeste e provoque uma efetiva mudança na sociedade como um todo. Segundo Hegel, a revolução factual é uma decorrência natural da reforma espiritual. Kant diz mais ou menos o mesmo quando usa a imagem de um motor que unifica e propulsiona os mais diversos elementos que se encontram dispersos na realidade da vida. A pessoa ‘espiritualmente unificada’ não se deixa distrair, ela só se interessa pelo ‘Espírito’, ou seja, pelo que realmente importa.
Estamos aqui, no final do século XVIII, época da Revolução Francesa, diante de um inesperado reencontro entre a intelectualidade ocidental e o espírito profundo da Bíblia, que desde as narrativas patriarcais usa a imagem do espírito (ruah, sopro) para significar ações silenciosas, cotidianas, unificadoras e impulsionadoras, capazes de mudar o mundo. O âmago da revolução, portanto, não reside no movimento violento e estrondoso das armas (embora essas sejam por vezes indispensáveis para confirmar o processo), mas na ação silenciosa e tenaz do Espírito no íntimo das pessoas. O reencontro entre Bíblia e pensamento moderno, operado por Hegel e consortes, põe fim à leitura platônica da obra do espírito, que durante longos séculos predominou na literatura cristã. No pensamento platônico, como sabemos, a ‘espiritualidade’ não tem nada a ver com a vida dos corpos com seus problemas ‘materiais’. Mas, inesperadamente, filósofos modernos da envergadura de Hegel, Kant e Diderot fornecem aos cristãos de hoje uma senha de acesso aos documentos de sua própria tradição. O mesmo se diga de um filósofo do século XX, o marxista Ernst Bloch, que, em seu ‘Princípio Esperança’ (‘Das Prinzip Hoffnung‘, Frankfurt am Main, Suhrkamp, 1949) escreve que Jesus ‘incorpora’ o Espírito Santo, vive o ‘sonho diurno’ de um ‘mundo diferente’, e assim acumula energias em prol da mudança, em contraste com o conformismo inerente às religiões hierarquizadas.
A tradição.
Essas pinceladas apelam para a seguinte reflexão: ao longo desses dois mil anos de história cristã, o Pentecostes foi vivido nos mais variados contextos e teve nomes e protagonistas diferentes. Isso nos traz a seguinte reflexão: ao querer falar do pentecostalismo, não se pula direto do segundo capítulo dos Atos dos Apóstolos aos nossos dias. Há de se passar pela ‘tradição’. Uma tradição nos deu um Paulo de Tarso, um Bento de Núrsia, um Joaquim di Fiori, um Francisco de Assis, um Lutero, um Calvino, um Zwingli, um Inácio de Loyola, um Domingos de Guzmán, um Armínio, um John Wesley, uma Hildegarde de Bingen, um Mestre Eckhart, uma Teresa de Ávila, um João da Cruz, um Antônio Conselheiro. Uma tradição tão diversificada que o estudioso pentecostal Samuel Pereira Valério, numa entrevista que captei na Internet, declara: existem profundas diferenças entre os grupos que se dizem pentecostais. No que se costuma chamar ‘pentecostalismo’ (em singular) atuam na realidade complexos e diferenciados cruzamentos entre arminianos, calvinistas, batistas, presbiterianos, metodistas, quakers. Há como detectar mesmo mútuas influências entre grupos pentecostais e participantes de movimentos carismáticos católicos.
Ao escrever estas linhas, sinto-me de repente como navegando numa imensidão oceânica. Enxergo no horizonte longínquo a imagem da ‘Iluminação’ de Buda, recordo a Visita do Anjo Gabriel a Maomé, relembro o Livro dos Aforismos de Confúcio, entrevejo a Satyagraha de Gandhi. Imagens e mais imagens da atuação de ‘Sopros de Deus’ sobre a vastidão do mundo. Aí me volta a frase de Jesus: O vento sopra onde quer, você entende sua voz sem saber donde vem nem para onde vai. Assim vai todo homem nascido do Sopro (Jo 3, 8).Um Sopro de Deus em Nazaré, Jerusalém e Corinto, mas também em Nepal, em Meca, na China, no Brasil.
Não posso deixar de dizer aqui, dentro do tema ‘tradição’, umas palavras sobre o catolicismo, religião em que nasci e me criei. Durante longos séculos, o catolicismo foi a instituição mais poderosa das sociedades ocidentais, com seu papado no topo, suas dioceses espalhadas pelo mundo, suas paróquias a marcar as horas, os dias, as semanas, os anos e os momentos das vidas das pessoas, ou seja, a acompanhá-las do nascimento à morte, por meio de ritos, pregações, sacramentos, regras de conduta, principalmente pela criação de um impressionante imaginário. Igrejas no centro das aldeias, e no meio das cidades a catedral. Mitras, batinas, estolas. A época gloriosa do catolicismo se situa na Idade Média, quando – ao lado de retumbantes sucessos – se cometeram erros gigantescos. A hierárquica eclesiástica da época incorreu no erro fatal de construir uma cristandade sem praticamente nenhuma referência à irrupção do Espírito de Deus no mundo. Um impressionante imaginário de poder e glória ocultou a ação do Espírito.
Esse desvio gigantesco deixa hoje não poucos católicos perplexos. Cresce o número dos que se dão conta que resgatar o sentido original do cristianismo é coisa difícil para os católicos. Difícil abandonar a postura psicológica, a mentalidade de quem foi educado dentro da ideia de uma instituição eclesiástica eterna e imutável, na ilusão de uma sociedade ‘cristã’ transmitida por ‘osmose’, pela simples transmissão da cultura na sucessão das gerações.
Esse catolicismo ‘sem Espírito’ facilitou o surgimento da atual religião, mundial e exclusivista, do mercado. Se, durante séculos, se disse: ‘extra ecclesiam nulla salus’ (fora da igreja não há salvação), agora se diz ‘there is no alternative’ à religião do mercado. O mercado regula tudo, como um Deus. Distribui, equilibra, põe ordem nas coisas. Na realidade cria ricos extremamente ricos e pobres extremamente pobres. Por causa do background católico absolutista, foi relativamente fácil, para os pregadores da religião do mercado, convencer as pessoas do poder absoluto do mercado. Na vida cotidiana, as regras não sofreram muita alteração e muitos nem sentiram a transição.
A ‘pentecostalidade’.
Como tencionei mostrar neste texto, a atual apropriação política do pentecostalismo não esgota nem de longe as potencialidades desse modo de se confessar o cristianismo. Existe, no pentecostalismo, muita riqueza que escapa a essa apropriação.
Eis o ponto que chamou a atenção de alguns dos bispos católicos que participaram do Concílio Vaticano II, realizado em Roma entre 1962 e 1965. Ali despontou, embora de modo velado, sem nome nem qualificação, o tema do pentecostalismo. Aliás, foi no contexto desse despertar que nasceu o neologismo ‘pentecostalidade’.
Isso se deu por ocasião de uma discussão, na Aula Conciliar, sobre o ‘carisma’ (veja o verbete ‘Carisma’ no ‘Dicionário do Concílio Vaticano II’, editado por Paulinas e Paulus, São Paulo, 2015 [cuja coordenação coube, em parte, a Wagner Sanchez Lopes], pp. 78-80). Apresentaram-se duas posturas frente ao ‘carisma, dom do Espírito Santo’. Uma, defendida pelo Cardeal italiano Rufini, representou a doutrina clássica: o carisma é um dom ‘extraordinário’, a ser exercido em submissão à autoridade eclesiástica. Outra, representada pelo Cardeal belga Suenens, sustentou que o carisma é um dom ‘ordinário’ do Espírito Santo, ou seja, livre e independente de ordenamentos eclesiásticos, embora sempre ‘ordenado ao bem da comunidade’. Enfim, uma adaptação da frase de São Paulo que já comentei acima: A cada qual se concede a manifestação do Espírito, sempre ordenado ao bem da comunidade (1Cor 12, 7). A Assembleia se posicionou do lado de Suenens e o tema da liberdade no Espírito apareceu em dois documentos conciliares: ‘Lumen Gentium’ (4, 7 e 12) e ‘De Ecclesia’. Mas, pelo resto, houve pouco interesse. O assunto passou quase despercebido, sem comentários. Como já escrevi, o termo ‘pentecostalismo’ nem chegou a ser mencionado. Acontece que o frade dominicano Yves Congar, um dos melhores teólogos participantes do Concílio, demonstrou interesse pelo tema e chegou a lançar o termo pentecostalidade (Dicionário, p. 80). Isso em diversos comentários seus, que aparecem no verbete acima mencionado do Dicionário do Concílio Vaticano II e particularmente no livro ‘A Palavra e o Espírito’, traduzido em português e editado pela Loyola, São Paulo, em 1989. A tese de Congar: uma pentecostalidade permeia toda a tradição cristã. O Espírito de Deus, que se revelou em Jerusalém a discípulos amedrontados, continua se revelando. Ele toma sempre a iniciativa, mas não segura o discípulo pela mão, não obriga, não dirige. Respeita nossa liberdade. Ele ‘sopra’.
Para terminar escrevo algumas orientações de leitura que me parecem condizer com uma compreensão ‘pentecostal’ do cristianismo:
* Aprender a ler a Bíblia segundo o modo em que os antigos judeus a leram, ou seja, seguir o modo ‘midrash’ dos antigos rabinos: contar as histórias com forte ingrediente imaginativo.
* Abandonar uma leitura exclusivamente linear dos textos a favor de uma leitura mais condizente com as circunstâncias concretas da vida vivida. Isso implica em ver nos textos disponíveis peças de um ‘quebra-cabeça’ a ser montado pelo leitor atual. Operação delicada, decerto, que consiste, por exemplo, em retirar o tema pascal do foco e focar o tema pentecostal, ou seja, relacionar a narrativa sobre a ressurreição de Jesus ao evento pentecostal e não ao evento pascal. Pois a ‘semana santa’ é a semana da derrota (aparente) do movimento. Ela termina com o abandono dos discípulos, que deixam Jesus só. Pentecostes, pelo contrário, realça a recuperação da coragem por parte desses discípulos, após meses (ou anos? quem sabe?) de insegurança, abatimento e vontade de abandonar o projeto de Jesus.
* Recolocar narrativas esparsas, como se fossem peças do um quebra-cabeça, numa grande narrativa de recuperação do movimento de Jesus após o trauma da crucifixão, como fiz na apresentação do item 2 deste texto, ao ler a narrativa da paixão de Jesus e do abandono dos discípulos numa perspectiva pentecostal. Quer me parecer que essa narrativa esteja mais próxima do realmente vivido. Mas, claro, é assunto para discussão.
* Termino com o versículo 46 do segundo capítulo dos Atos dos Apóstolos:
(após Pentecostes) cada dia, com constância e unanimidade, eles se dirigiam ao Templo, dividiam o pão em suas casas e se alimentavam com alegria e de coração simples. O povo inteiro os olhava com simpatia. Não importa que o templo seja budista ou umbandista, católico ou pentecostal. O que importa é que se divida o pão com os que não o têm.
Recomendo a leitura do artigo ‘Hermenêutica Bíblica: refazendo caminhos’, de José Ademar Kaefer (jademarkaefer@gmail.com), publicado na revista Estudos de Religião, vol. 28, n.1. São Bernardo do Campo: UMESP, 2014, p.115-134. O artigo aborda alguns temas que só abordei por cima neste meu texto, como, por exemplo, o das tradições orais na transmissão da Bíblia, ou o método ‘midrash’ dos antigos rabinos, etc. Kaefer se diz devedor de biblistas pioneiros na América Latina e cita Milton Schwantes, Severino Croatto, Gilberto Gorgulho, José Comblin, Carlos Mesters, Jorge Pixley e Ana Flora Anderson.
2. O Espírito Santo e a Tradição de Jesus, por José Comblin ( pp 269 – 276)