Neste 2º Domingo do Advento, o evangelho lido nas comunidades, Mateus 3, 1 – 12 nos traz a figura de João Batista como quem primeiro anuncia e testemunha a vinda do reino de Deus, ou dos céus, como diz Mateus.
Para Mateus, quem começou o evangelho foi João Batista, profeta de Israel. João revela que a mensagem do reino é comum aos dois testamentos. Não há solução de continuidade. O fio condutor é o profetismo, a capacidade de ver os sinais do reino e fazer a vontade do Pai para que o reino e sua justiça sejam sempre a prioridade. Em Mateus, Jesus representa a verdadeira realização do Judaísmo: a plenitude da lei e dos profetas.
As palavras de João pedindo conversão e justiça (e não apenas ritos), são atuais. Ele pede arrependimento, conversão. Esse apelo: “Arrependei-vos, o reino dos céus está chegando” (Mt 3, 2). O original grego diz: “Mudem de mente(metanoiete), porque o reino divino acabou de chegar (em grego: eggiken). Alguns textos traduzem como “está perto ou próximo”. Só se for geograficamente porque em termos de tempo, conforme esse evangelho, já chegou. E só Mateus diz isso. Já chegou!
Afirmar que o reino já chegou, mesmo quando vivemos na realidade social e política, uma situação oposta ao projeto divino, é uma profecia corajosa. É subversiva em relação a todos os impérios e aos nossos costumes e convenções costumeiras. Naquele tempo, afirmar que o reino de Deus já chegou era negar o poder do império. E o evangelho afirma isso no tempo em que o Império Romano era mais poderoso e atuante.
Hoje, o que significa afirmar que o reino de Deus já chegou? Como podemos afirmar que esse reino chegou, se o mundo parece caminhar na direção contrária ao reino? Qualquer pessoa pode ver que, que tanto na Igreja Católica, como em Igrejas evangélicas e pentecostais, muitos ministros e grupos cristãos se fecham em uma forma de religião narcisista e auto-referencial, descomprometida com a profecia do reino como transformação do mundo.
Ao contrário disso, o reinado divino pede antes de tudo conversão, isso é, “voltar atrás” e regressar a uma relação de aliança de fidelidade e compromisso com Deus. Mais tarde, o próprio Jesus vai dizer: “Não é quem me diz: Senhor, Senhor, que entra no reino, mas quem, de fato, realiza a vontade do Pai”(7, 21). De qualquer modo, João acolhe a todos e não se considera ele mesmo como realização das profecias. Ele vê as profecias realizadas na pessoa do Cristo, que vem após ele.. Esse “virá após mim”(v. 11) significa que o Cristo o seguirá como discípulo. Jesus se insere na história como discípulo de um profeta e é acolhido pelo povo como profeta. Também nós, se somos verdadeiramente cristãos, temos de ser discípulos do profeta Jesus e viver o profetismo que nos é pedido.
Para revitalizar o profetismo, Joao Batista se coloca no deserto entre o rio Jordão e a terra prometida. É o lugar da antiga conquista da terra e do Êxodo. Foi pelo rio Jordão que, segundo a Bíblia, os hebreus entraram na terra prometida (Js 3, 14- 17). Então, o Jordão tem uma dimensão simbólica na história de Israel. Era como se, ao ser mergulhado/a naquele rio, (batizada), as pessoas e comunidades passassem de um império do mal (de Roma) ao reinado divino. A palavra usada para significar “banho” (miqweh) tem duplo sentido: banho e esperança. Daí que o batismo de João podia ter um sentido de anúncio do Reino futuro.
Hoje, podemos atualizar isso dizendo: Só se vive um cristianismo profético retomando uma espiritualidade sócio-político libertadora. Só assumindo as causas da libertação, podemos ser profetas como João Batista e como Jesus e, assim viver o Advento como tempo de retomada da expectativa do reino.
Assumir as causas da libertação, nós assumimos junto com todos os movimentos sociais e partidos de esquerda que lutam pela transformação do país e do mundo. No entanto, talvez alguém de vocês me perguntem se não há algum diferencial nessa profecia do reino que é a nossa, ou seja, a profecia propriamente cristã.
Não parece que Jesus tenha se preocupado com isso. Ele quis, ele mesmo se inserir no caminho da esperança e do movimento profético. No entanto, sem dúvida, há algo de próprio e de novo neste anúncio de João Batista sobre o batismo (mergulho) nessa vida nova. A vida nova que propomos para o mundo tem de começar por nós mesmos que devemos nela mergulhar (ser batizados).
Profetas como Isaías, Jeremias e Oséias apresentam a aliança do Senhor como um casamento de Deus com o seu povo. Agora, João diz que o povo rompeu com este casamento e Jesus é o Casamenteiro que vem reatar este casamento de Deus com o povo. No evangelho, João afirma que não precisará desatar as sandálias de Jesus porque Jesus representa Deus, o Esposo da humanidade. Por isso, João Batista fala do gesto de desatar as sandálias dizendo que não é digno de desatar as sandálias do Messias. É uma imagem que remete à cultura patriarcal da sociedade israelita antiga, mas comparar a aliança com Deus com a intimidade do casamento pode ser atual. Temos de redescobrir como viver uma fé profética, que se expressa no compromisso social e político transformador e, ao mesmo tempo, se renova na relação carinhosa e afetuosa da relação de intimidade com Deus.
O fundamentalismo religioso, presente no Brasil e na América Latina, protagonizado pelas igrejas neopentecostais, inclusive em sua versão católica, segue fazendo profundos estragos nas esferas sócio-políticas e culturais. Há mais de meio século tendo descido dos Estados Unidos (cf. o célebre livro de autoria de Delcio Monteiro de Lima. “Os Demônios descem do Norte”. Editora Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1988), diversas igrejas foram criadas, desde então para difundirem, também, pela televisão, sua doutrina que, falando em nome de Deus, comove parcelas significativas da população.
Constituem alvo preferencial os segmentos mais vulneráveis pelas precárias condiçoes de vida, ao tempo que as convertem em presas fáceis para esquemas de arrecadações de dinheiro, por meio da cobrança de dízimo e ofertas a tais igrejas, vulpinamente controladas por pastores inescrupulosos, fortemente condenados pelos profetas (cf. Isaias, Jeremias, Amós, Oséias, Miquéias, entre outros).
Outro traço espalhado pelo neopentecostalismo (que alguns autores preferem chamar de pós-Pentecostalismo) se manifesta pela sua obsessão de tornar uma teocracia, uma corrente política obcecada pelo poder político, investindo sem cessar no comando direto dos três poderes (no executivo, no legislativo e no judiciário). Para tanto, suas principais lideranças não hesitam em apoiar o golpe midiático institucional de 2016 para a deposição da presidenta Dilma Roussef, resultando no governo golpista de Temer e no desgoverno de Bolsonaro, marcado pelo desmonte das políticas públicas, pelos crescentes ataques ambientais, pela desastrosa condução no enfrentamento da crise sanitária da Covid-19, pela sistemática perseguição aos povos originários, comunidades quilombolas e tradicionais, comunidade LGBTQIA, aos direito das mulheres, etc.
Mas o que isto tem a ver com a leitura popular da bíblia, método trabalhado pelo Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (CEBI)? O CEBI compõe uma extensa rede de instâncias do que se costuma chamar de “Igreja na Base” (as CEBs, CIMI, Pastorais sociais, serviços eclesiais tais como a Comissão Justiça e Paz, Comunidades Religiosas inseridas no meio popular, centros de defesa dos Direitos Humanos, além da Teologia da Libertação).
Note-se que, antes, durante e depois da fundação do CEBI, tem lugar uma significativa confluência de iniciativas e experiências ecumênicas, por parte de distintas Igrejas Cristãs, em especial os integrantes da Congregação Evangélica do Brasil, criada por diversos membros evangélicos, afastados de suas respectivas Igrejas, em razão de sua firme oposição ao golpe empresarial-militar implantado no Brasil, em 1964. Importa, igualmente, ressaltar a contribuição ecumênica que, a partir de 1982, a Igreja Católica Romana passaria a exercitar com outras Igrejas Cristãs, reunidas no CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs): Igreja Católica Romana, Igreja Católica Ortodoxa Siriana, Igreja Cristã Reformada, Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB), Igreja Metodista, Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) e Igreja presbiteriana Unida (IPU), envolvendo, além da Igreja Católica, relevantes parcerias, desde meados dos anos 60, com a participação de membros evangélicos.
Uma leitura atenta à realidade social, da qual partem os membros destas Igrejas cristãs, deve ser especialmente destacada nas linhas que seguem em virtude das fecundas experiências e iniciativas por elas protagonizadas, seja no campo de uma nova interpretação comum da Bíblia, seja em seu posicionamento e de seu compromisso com a causa libertadora dos oprimidos, seja ainda no campo da Educação Popular.
Neste sentido, começam a prosperar trabalhos investigativos e formativos com perspectiva ecumenica, tais como:
Desde meados dos anos 60, um grupo de teólogos e teólogas (José Comblin, Juan Luis Segundo, Segundo Galileia, Gustavo Gutierrez, Gilberto Gorgulho, Ana Flora, Anderson, entre outros) tomou a iniciativa de se reunir, a cada ano: primeiro em São Paulo em 1964; em 1965 estes teólogos realizaram seu encontro em Cuernavaca (México), acolhidos que foram por Ivan Illich; em 1966, reuniram-se no Chile, acolhidos por, Segundo Galileia; no ano seguinte, no Uruguai, na companhia de Juan Luis Segundo… E assim, esses teólogos e teólogas, sempre partindo de uma leitura concreta da realidade social, trataram de trabalhar temas bíblicos e a compartilhá-los, exercitando uma leitura popular da Bíblia, desde então;
Aquela iniciativa também inspirou, nos anos seguintes, a realização de Congressos Ecumênicos de teologia, organizados por teólogos e teólogas do terceiro mundo. É assim que se realizaram o I Congresso Internacional Ecumênico de Teologia, na Tanzânia; o II Congresso foi realizado em Gana; o III Congresso em Sri Lanka, enquanto o IV Congresso teve lugar em São Paulo em 1980. Em consequência, da realização destes Congressos, nasce a iniciativa de elaboração e publicação, por teólogos e teólogas de distintas Igrejas Cristãs, de comentários biblicos, com base numa leitura popular da Bíblia. Graças a cooperação entre a editora vozes (Petrópolis-RJ), da Editora Sinodal, em São Leopoldo – RS, vinculada a Igreja Luterana e a editora metodista, de São Paulo, foram publicados diversos textos bíblicos, dos quais uma meia dúzia, de autoria de José Comblin.
Outra densa experiência que também se revelou seminal como antecedente do CEBI foi a apresentada pelo CEI (Centro Evangelico de Informação), criado entre 1964 e 1965, por um conjunto de membros evangélicos que se afastaram de suas respectivas igrejas em virtude de sua discordância da posição dominante nestas igrejas com relação ao sentido do golpe civil-militar de 1964. Estes membros passaram a integrar a confederação evangélica do Brasil. Um de seus primeiros trabalhos foi o de criar um informativo de caráter crítico propositivo, e difundido pelo Brasil. Passou-se, desde então, a chamar-se Centro Ecumênico de Informação, a partir de 1968, quando acolheram militantes católicos ao seu empreendimento. Poucos anos depois, o CEI passa a denominar-se CEDI (Centro Ecumênico de Documentação e Informação), uma relevante fonte alternativa de informação e reflexão crítico-transformadora da realidade brasileira e latino-americana.
Com efeito, o CEDI, assim chamado desde 1974, passa a protagonizar uma sucessão de empreendimentos criativos de relevante alcance sócio-eclesial. Disto dão testemunho as seguintes experiências. A criação de um periódico de alcance nacional, intitulado CEDI, por meio do qual informações relevantes, seja no âmbito nacional, seja no âmbito internacional, eram divulgadas e sobretudo analisadas por intelectuais de reconhecida contribuição. O CEDI, de fato, tem um amplo reconhecimento, principalmente nas igrejas progressistas, tanto no meio evangélico, quanto no meio católico. Além do CEDI, outra importante contribuição que circulou, no Brasil e na América Latina, foi a revista “Tempo e Presença”, reunindo artigos de intelectuais cristãos, muito influenciados pela pedagogia freireana, e que trouxe ao debate trabalhos de grande contribuição à crítica e ao esforço organizativo das forças da Igreja na Base, tanto no que diz respeito ao seu compromisso interpretativo da realidade, quanto no seu empenho de semear alternativas de transformação desta realidade. Na animação de reverendas figuras como a do pastor Jether Pereira Ramalho, como já escreveu um de seus conhecedores, “uma presença no tempo”, e com a ajuda de tantos outros e outras, entre os quais, Carlos Mesters, Milton Schwants, Sebastião Armando Gameleira Soares, Francisco Orofino, Pastor Henrique Pereira (do qual recomendo recentíssimo vídeo feito com Padre Júlio Lancelotti (https://www.youtube.com/watch?v=bPzD1n2yBC0), Irmã Agostinha Vieira de Melo, Pastora Odja Barros, Marcelo Barros, Eduardo Hoornaert, José Oscar Beozzo, que contribuíram densamente para este projeto, a revista tempo e presença passa a ser considerada a principal revista ecuménica latino-americana.
O CEDI, pela sua própria natureza propositiva, constituiu-se em um sujeito coletivo que não mediu esforços para trabalhar em conjunto outras experiências similares, postura da qual brotaram parcerias significativas com vários outros organismos semelhantes, tais como o Centro Ecuménico de Salvador; o próprio CEBI, o Centro de Evangelização e Educação popular em São Paulo (CESEEP), Instituto Superior de Ensino das Religiões (ISER), Comisión de Estudios de la História de la Iglesia Latinoamricana (CEHILA), entre outros. O CEDI também se desdobra em outras iniciativas, tais como o periódico “Aconteceu”, bem como tantas outras iniciativas que ainda hoje perduram, com reconhecida contribuição no campo dos estudos sócio eclesiais, tais como o organismo chamado Koinonia.
Tais iniciativas convergiram principalmente para uma busca comum, de se fazer uma leitura da Bíblia do ponto de visto histórico, crítico, particularmente atenta à realidade brasileira e altino-americana. Nesse sentido começa a prosperar um frutuoso trabalho investigativo, com perspectiva ecumenica:
– Em consequencia inclusive dos 4 congressos ecumenicos internacionais de teologia, (o da Tanzânia, o de Gana, o de Sri LanKa, e o de São Paulo) em 1980, com inspiração nos quais nasceram um projeto ecumênico de CEBI e publicação de comentários bíblicos ecumênicos, no Brasil e na América Latina, com o apoio conjunto da editora Vozes (editora católica de Petrópolis – RJ), da editora Sinodal (editora de São Leopoldo – RS, vinculada à igreja luterana) e a editora da igreja metodista, em São Paulo.
Deste projeto ecumenico resultaram algumas desenas de comentários bíblicos ecumenicos, do Antigo e do Novo Testamento. Só de livro do teólogo José Comblin foram publicados 6, versando sobre Atos dos Apóstolos, I Carta aos Coríntios, Carta aos Filipenses, Carta ao Filemom, entre outros.
A partir de 1964, com a iniciativa do teólogo Leonardo Boff e outros teólogos da libertação, nasceu o projeto editorial assumido pela Editora Loiola, de São Paulo, com apoio explicito de uma centena de Bispos católicos latino americano, de publicação de cerca de cinco dezenas de livros (das quais só saíram em torno de 35 livros), versando sobre uma gama de temas da Teologia Cristã (Cristologia, Missiologia, Pneumatologia, entre outros)
Outro projeto relevante nascido ainda nos anos 80, na América Central, em El Salvador, conhecido como “Mysterium Liberationis”, do qual foram protagonistas duas grandes figuras da Teologia da Libertação: Jon Sobrino e Ignácio Ellacuría.
Ainda no âmbito da América Central vale ressaltar o alcance da proposta investigativa e formativa do Departamento Ecumênico de Investigación (DEI), que vem assegurando uma diversidade de iniciativas de pesquisa bem como a oferta de cursos de formação teológica, na perspectiva da teologia da libertação
Neste elenco de fecundas experiencias investigativas e formativas, cumpre destacar o extraordinário papel cumprido pela revista de investigação bíblica latino-americanas (RIBLA). É nesta dinâmica de estudos e pesquisas bíblicas latino-americanas que se deve reconhecer a contribuição especifica do CEBI.
Remontam a meados dos anos 70 os primeiros passos apontados na direção de uma iniciativa de articulação mais orgânica das mais diversas experiências ecumenicamente vivenciadas de estudos bíblicos animadas por várias lideranças de igrejas cristãs: pastores, presbíteros, religiosos, leigas e leigos, graças inclusive a uma profética geração de Bispos Católicos, comprometidos com a causa libertadora dos oprimidos: Dom Helder Câmara, Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Ivo Lorscheider, Dom Aluísio Lorscheiter, Dom Antônio Batista fragoso, Dom Pedro Casadáliga, Dom Tomás Balduino, Dom Cândido Padim, Dom José Maria Pires, Dom Mauro Morelle, entre outros.
Aspectos característicos do CEBI:
Considerando a fecundidade ecumênica das experiências acima mencionadas, importa aí situar o surgimento do CEBI, desde o início, em diálogo fraterno e sororal com toda uma série de iniciativas protagonizadas pela igreja na base. O CEBI, dando sequência a estas iniciativas, foi oficializado em julho de 1979, perseguindo uma dezena de objetivos. Destes fala explicitamente um de seus fundadores, que segue sendo uma das mais reconhecidas referências, Frei Carlos Mesters, por ocasião da celebração, este ano, dos 43 anos do CEBI. Vale a pena recordar os objetivos que ele citou. Recomendamos conferir sua exposição: https://podcasts.apple.com/dk/podcast/03-03-frei-carlos-mesters-43-anos-do-cebi/id1557729371?i=1000571396170 .
Neste sentido, cumpre destacar, entre outros, os seguintes elementos:
Tal qual a plantinha que vai crescendo pouco a pouco, o CEBI passa a expandir-se por todo o país, por meio de diferentes iniciativas, todas voltadas para o exercício comunitário da leitura bíblica.
Vão sendo criadas coordenações regionais, estaduais, sempre trabalhando de modo coletivo, comunitário, buscando enraizar a proposta do CEBI:
Comunitários cuidam de organizar uma agenda de estudos bíblicos e de formação, oferecidos a um número crescente de pessoas e comunidades do povo dos pobres;
Em sua agenda organizativa, ocupam um lugar central um círculos bíblicos, sempre voltados a uma leitura orante da bíblia, com a porte de estudiosos e do conjunto de participantes dos círculos bíblicos;
Na dinâmica organizativa do CEBI, vão se criando, igualmente, espaços onde vão realizar-se assembleias e encontros periódicos, de modo a aprofundar os estudos bíblicos, em uma perspectiva de uma leitura popular da bíblia
neste sentido, vários encontros do âmbito regional ao âmbito nacional, foram realizados, animados pelas perspectivas coordenadorias com a contribuição de teólogos e teólogas, de modo a segmentar este exercício de leitura da palavra.
Aspectos do método do CEBI: principais características
Do próprio histórico do CEBI de seus núcleos fundadores, de seus protagonistas (mulheres e homens), já se pode encontrar o sentido ou o jeito de trabalhar do CEBI, seu método. Trata-se do método histórico crítico, que corresponde apenas a um dos diversos métodos de se trabalhar. Com efeito, desde o método histórico gramatical, o método devocional, o método critico histórico conceitual, o método histórico social decolonial, entre outros. Aqui, como acima mencionado, tratamos apenas de trazer alguns traços relevantes do método histórico crítico da leitura da Palavra.
Importa, nesta direção, salientar o que depois se veio chamar de “o triângulo hermenêutico”: de um lado, a leitura crítica da realidade, da vida comunitária dos participantes; de outro lado, o exercício de ler a bíblia, de forma contextualizada, isto é: indo além da mera letra, mas buscando contextualizar cada livro, como foi construído, em que tempo, em que contexto histórico, quais os personagens que aparecem, quais o seus principais traços, que conseguido o texto apresenta para os fiéis daquela época em que o texto foi produzido, que sentido o mesmo texto devidamente atualizada traz pra nós, nos dias de hoje? O terceiro ponto do “triângulo hermenêutico” consiste em exercitar, desta maneira, a leitura bíblica na dinamica da comunidade ali reunida, seja em círculos bíblicos ou em espaços similares.
Partir da realidade concreta, dela fazendo também uma leitura crítica inclusive com a ajuda de pessoas mais preparadas neste terreno, sempre evitando-se que esta pessoa tenha o monopólio da interpretação, à medida que sua interpretação é seguida do compartilhamento de outros sentidos apresentado pelos participantes, pelos leitores eleitores da bíblia, conforme o Espírito Santo inspira cada uma e cada um. É fundamental que se comece por uma análise crítica da realidade – o que Paulo fReire chamava de leitura de mundo como primeiro passo preparatório para um mergulho na Palavra de Deus. na Bíblia, desde que trabalhada como um espelho, isto é, de modo que a inspiração do Espírito contido naquele texto, se reflita como uma luz a iluminar os caminhos da história das comunidades. Feita esta leitura orante da bíblia, tomada como um instrumento da revelação de Deus, da vida e da histórica, para o que se deve continuar a escutar o que o mesmo Espírito Santo tem a dizer nos dias de hoje as diversas comunidades e ao povo de Deus. passasse a buscar recolher do contrato dos desafios da realidade concreta e a força da palavra volta a atenção no ambiente comunitário trata-se de retornar sempre ao chão da vida daquela comunidade. Eis, em breves palavras, as linhas mestras do método do CEBI, conhecido como Método histórico crítico, conceitual.
Que lições recolher nos dias de hoje desse jeito de ler a Palavra de Deus?
Num cenário histórico profundamente tensionado entre forças antagônicas, o método do CEBI se apresenta como uma vacina contra as tentativas várias de apropriação indébita da palavra de Deus, como uma ferramenta de interpretação como estratégia de acesso inescrupuloso do poder político. Com efeito, tendo em vista que é presente a influências da vertente neopentecostal (seja em sua versão protestante, seja pela sua versão Católica se apresenta uma poderosa ferramenta de manipulação de expressivas parcela de nossas gentes, a leitura popular da Bíblia como método histórico crítico do CEBI, transforma-se em uma frutuosa ferramenta partir das armadilhas que o fundamentalismo religiosos vem apresentando na realidade.
Neste momento em que a sociedade brasileira enfrenta a realidade desafiante do processo eleitoral em seu segundo e definitivo turno, resulta particularmente importante recorremos ao método histórico crítico como poderosa ferramenta de desmascaramento das técnicas de manipulação empregadas pelos fundamentalismo religiosos, especialmente por pastores, bispos inescrupulosos, que traem o núcleo libertador do Evangelho, tal como vivenciado pelo movimento de Jesus.
O título deste artigo o lema do #CursodeVerão deste ano de 2022. Educação e Trabalho serão os temas dos próximos anos. Organizado pelo #Ceseep e neste ano, por conta da #pandemia, será realizado de forma on-line e com todas-de-conversa e algumas atividades de mística e culturais nas comunidades por todo o Brasil.
Saúde, Educação e Trabalho se constituem nos grandes desafios para os milhares de jovens e leigos que estão participando desde a última sexta-feira. O curso vai até o próximo dia 16. Neste domingo (09), participo do curso através de uma roda-de-conversa lá na #Agrovila do #AssentamentoReunidas, em #Promissão, organizada pela Lurdinha e pelo Pe. Severino, da CPT da região, além de outros voluntários.
O tema deste ano se justifica. Estamos mergulhados na mais grave crise de nossa história, com vidas sendo ceifadas como nunca. Mais de um ano após o início da pandemia da #Covid-19, o Brasil já passou de 630 mil mortos. Este número assustador pode continuar subindo aceleradamente, por conta das dezenas de milhares de pessoas que são contaminadas a cada dia.
O número de mortos já ultrapassa o de nascimentos. Será a morte vencendo a vida?
O Curso de Verão quer enfrentar este desafio, descobrindo e compartilhando as saídas construídas por comunidades, movimentos sociais, ambientais, culturais e políticos, entidades científicas e pessoas conscientes e comprometidas, aqui e ao redor do mundo. A situação é complexa, difícil, por vezes desesperadora, como vivenciam dolorosamente nossas famílias e instituições e como apontam os estudos e vozes abalizadas:
“O Brasil experimenta o aprofundamento de uma grave crise sanitária, econômica, ética, social e política, intensificada pela pandemia, que nos desafia, expondo a desigualdade estrutural enraizada na sociedade brasileira. Embora todos sofram com a pandemia, suas consequências são mais devastadoras na vida dos pobres e fragilizados”. (CNBB, Mensagem da 58ª. Assembleia Geral da CNBB ao povo brasileiro. Brasília, 16 de abril 2021, p. 1).
Sobressaem nesta crise global, três aspectos, que serão tratados pelo Curso de Verão, em sequência, nos próximos anos:
frente à pandemia e à morte, SAÚDE (2022);
frente ao obscurantismo e ao negacionismo, EDUCAÇÃO (2023);
frente à fome e ao desemprego, TRABALHO (2024).
O propósito é de se construir NOVA SOCIEDADE, com saúde, educação e trabalho para TODAS AS PESSOAS, dentro de um PROJETO ambientalmente SUSTENTÁVEL, economicamente JUSTO e socialmente IGUALITÁRIO, acolhedor da rica diversidade étnica, cultural, linguística e religiosa de nosso país, no respeito às diferenças todas e no socorro imediato aos mais vulneráveis. Queremos aprender de nossos povos originários. Eles trazem
do seu passado e de sua resistência milenar um modo diferente de se organizar e de conviver harmonicamente entre si e com a natureza. Temos muito o que aprender com eles e com a sabedoria popular.
Num primeiro momento, o curso oferecerá elementos de análise da realidade e os fundamentos que justificam escolhas entre distintos projetos de sociedade. Num segundo momento, teremos a bíblia e os conhecimentos das tradições de religiões não cristãs, como luzes para uma leitura da realidade e para discernir compromissos frente às mudanças necessárias, para que todas as pessoas vivam dignamente. Outro importante momento do curso é a troca de experiências concretas de pessoas, grupos, comunidades e igrejas, sobre as formas de sobrevivência em relação à saúde neste tempo de pandemia.
A metodologia do curso seguirá os princípios da Educação Popular, com destaque para a troca de saberes e de experiências como ponto de partida; para o aprofundamento de conteúdos e compromisso ao retornar às práticas locais. Além da Educação Popular, o curso tem como pilares estruturantes o ecumenismo e o diálogo inter-religioso, a arte, o cuidado com as pessoas e com nossa Casa comum e o mutirão.
Mesmo no formato online, em que os conteúdos relacionados ao tema serão apresentados em videoconferências para todas as pessoas participantes (cursistas e voluntárixs), o curso oferecerá momentos de vivência de mística e de arte, bem como a possibilidade de reflexão dos conteúdos em pequenos grupos, nas Rodas de Conversa. Haverá também momento de partilha de projetos e experiências acerca de diferentes maneiras de se cuidar da saúde, com pessoas convidadas para as Mesas Temáticas, num dos dias, no horário das Rodas de Conversa.
O curso é oferecido a lideranças de comunidades e movimentos sociais, com prioridade para jovens e leigos, e propõe que as pessoas se organizem em seus locais de origem, para acompanhar o curso em grupos, de modo que os temas e experiências sejam acessíveis ao maior número possível de pessoas das comunidades, grupos religiosos e movimentos sociais.
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*Sociólogo, ex-deputado estadual por três mandatos e ex-Secretário de Serviços de São Paulo na gestão Haddad. Hoje, Secretário de Movimentos Sociais e Setoriais do PT/SP
Fonte: CESEEP – Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular
Há anos, não nos encontramos. Uma das últimas vezes foi no Congresso da SOTER em Belo Horizonte já há seis anos. Lembro-me que você sempre me agradece o eketé que, nas reuniões, sempre ponho na cabeça, em comunhão com as comunidades afro-brasileiras.
Nós nos conhecemos no início dos anos 80, em um curso para bispos que você veio assessorar em Itaici, no interior de São Paulo e ao qual fui convidado como assessor da Pastoral da Terra. Até hoje, uso aqueles conteúdos maravilhosos que você nos passou. Depois, por alguns anos, na mesma década, nos encontrávamos uma vez por ano no convento dos franciscanos em Petrópolis para os encontros dos autores da coleção Teologia e Libertação. E eu sempre me aproximava de você como de um grande mestre, mas guardando as distâncias necessárias.
Já nos anos 90, uma vez, fui assessorar um encontro de comunidades de base da Argentina que se encontravam na tríplice fronteira. E minha surpresa foi que quando desci do avião no pequeno aeroporto de Iguazu, a primeira pessoa que estava me esperando era você que me contou: Tinha acabado a sua parte de assessoria e tinha vindo ao aeroporto para embarcar, mas ficara feliz porque os voos coincidiram e você poderia ainda me ver e saudar. Tomamos um café juntos e depois nos despedimos.
Sempre gosto quando o vejo reagir às pessoas que o chamam de “pai da Teologia da Libertação” e sei que você sempre se colocou na linha da produção comunitária e de uma responsabilidade coletiva.
Compreendi o seu grande esforço para dialogar com o Vaticano. Não li o seu livro escrito em comum com o cardeal Muller. Não li não porque o tenha rejeitado, ou me negado a ler. Ao contrário, só não tive de oportunidade de encontrá-lo. De todo modo, confesso que tive medo.
Algumas notícias de jornal e declarações muito simplistas contra o marxismo me recordaram de uma história que vivi ainda nos anos 80. Eu morava em Goiás e a arquidiocese de Goiânia, ainda em seus tempos de abertura (antes do atual arcebispo), me convidou para dar algumas aulas de Bíblia no então seminário arquidiocesano. E eu aceitei. Um dia, subia as escadas do seminário e me encontrei com o querido e saudoso frei Mateus Rocha que descia os mesmos degraus. Que surpresa nos encontrarmos ali. Só que Mateus me olhou com cara meio de espanto e meio de estranheza. E eu reagi quase agressivamente:
– Por que você está estranhando de me encontrar aqui? Você também não está?
E ele com cabeça baixa me respondeu como se ainda estivesse matutando com seus botões:
– Pois é… Se eles aceitaram a mim e a você como professores deste seminário, ou nós, ou eles mudamos e o meu medo é que não tenha sido eles, porque a instituição não se converte….
Querido irmão e mestre Gustavo,
Na altura dos seus 93, você já está acima dessas discussões e para além dessas questões. Que Deus, energia de Paz e de Libertação o fortaleça e sustente sempre. Parabéns e abraço do irmão Marcelo Barros
(que escreve essas linhas sempre com o seu eketé afro).
“Quem crê em qualquer coisa ou não sabe exatamente em que crer, ou não crê em nada de forma profunda”, ensinava um professor de Bíblia. Assim, ele comentava a conclusão da 1ª carta atribuída ao apóstolo João: “Filhinhos/as, cuidado com os ídolos” (1 Jo 5, 21). De fato, no século XVI, em Genebra, o reformador João Calvino repetia sempre: “O ser humano é uma permanente fábrica de ídolos”.
O termo ídolo vem do grego e significa imagem falsa, que não corresponde ao original. Nestes tempos de publicidade, pessoas famosas pagam agências e profissionais para cuidar de sua imagem. Quem retoca a aparência física e faz cirurgia plástica para mudar algum defeito no rosto não deixa de ser ele ou ela mesma. No entanto, quem se apresenta de modo falso ou diz de si mesmo competências e capacidades que não possui comete o que a lei chama “falsidade ideológica”.
Nas religiões, o termo ídolo designa imagens não adequadas de Deus. Faz parte da cultura humana fazer imagens físicas ou mentais de tudo aquilo com o qual as pessoas se relacionam. Desde tempos muito antigos, os povos adoravam ao mistério divino nos astros. Outros adoravam animais como o crocodilho do rio Nilo, a serpente na Babilônia, a águia em Roma. Muitas culturas veem Deus nos antepassados. A Bíblia rejeita o bezerro de ouro dos hebreus, mas aceita a serpente de bronze. Esta era uma imagem de Deus que servia para curar as pessoas. A outra as afastava do caminho da unidade e da libertação. Cinco séculos antes de Jesus, na Índia, Buda advertia: “Não confunda a lua com o dedo que aponta a lua”.
Em todas as épocas, o nome de Deus foi tema de conflito. Até hoje, sempre que podem, impérios usam o nome de Deus para se legitimar. Na Alemanha dos anos 30, Adolf Hitler começou o Nazismo afirmando: “Deus acima de todos”. Muitos grupos e Igrejas cristãs ficaram contentes por ter, finalmente, um presidente que falava em nome de Deus. Ao contrário, pastores como Dietrich Bonhoeffer e outros denunciaram isso. Foram presos e condenados à morte como ateus. Hoje, eles têm seus nomes no livro dos/das mártires da Igreja, porque deram as suas vidas para que o opressor não instrumentalizasse o nome de Deus a seu proveito.
Hoje, o nome de Deus está nas cédulas de dólar, nas paredes de bancos, nas fachadas de casas de negócio e até em casas de assassinos que, mentindo e servindo aos piores interesses da elite, se apoderam do poder. A eles é preciso dizer Não! E em nome de Deus denunciar a desonestidade de quem usa o nome de Deus para o mal.
No século VI, Gregório, o bispo de Roma, ensinava: “Existem dois tipos de idolatria: o primeiro é adorar deuses falsos e o outro é pior e mais perigoso: adorar o Deus verdadeiro de maneira falsa”. Isso acontece quando se propaga um deus cruel, insensível ao sofrimento dos pobres e com obsessão em problemas sexuais, como se o corpo e o prazer não tivessem sido criados por Ele.
Há quem use o nome de Deus para consolar uma mãe que chora a perda de um filho ou filha, arrancada da vida em plena infância ou juventude. As pessoas costumam dizer: “Deus quis assim”, ou “foi a vontade de Deus”. A mãe poderia perguntar: Que Deus é esse que quer a morte de crianças inocentes?
Alguém compra um carro novo e coloca no vidro um adesivo: “Este carro foi Jesus quem me deu”. Faz isso imaginando estar sendo grato a Jesus. Será? “Que Deus é este que a um de seus filhos dá um presente de consumo capitalista e à maioria das pessoas não dá nem o que comer?”. Depois de um grave acidente aéreo, um passageiro que chegou atrasado e não embarcou no tal voo da morte, afirmou: “Deus me salvou!”. Salvou a ele e deixou morrer mais de cem pessoas…
A Bíblia é muito sábia ao insistir no mandamento que a tradição cristã traduziu como: “Não pronuncie o nome de Deus”. Em cada celebração pascal, na renovação do batismo, a comunidade cristã é convidada a dizer em que Deus crê. Entretanto, para isso, deve antes deixar claro em qual Deus não crê. É isso que significa atualmente o que, em outros tempos, se denominava renunciar ao demônio e a suas obras.
Devemos rejeitar as falsas imagens de um Deus que serve para enriquecer Igrejas. Se Deus é Amor e Pai de todos não pode gostar de pastores que, em plena pandemia, querem Igrejas abertas para arrecadar o dízimo dos pobres. Deus não pode servir para disfarçar a maldade de governantes que destilam ao mundo o seu ódio à humanidade, enquanto gritam: “Deus acima de todos”.
Em 1943, de uma prisão nazista, em uma carta ao cunhado, enquanto esperava ser executado, o mártir Dietrich Bonhoeffer, pastor e teólogo luterano e grande opositor do Nazismo, escreveu:
“Deus nos faz viver neste mundo, sem nos servirmos de sua presença. Durante todo o tempo, vivemos diante de Deus e com Deus, mas como se Deus não existisse. Não devemos nos utilizar dele como uma hipótese de trabalho. Desde que criou o mundo, ele deu a suas criaturas e ao ser humano a autonomia de existir. Aceitou se retirar e fica feliz quando nos vê como seres que podem viver e prosseguir por conta própria sem, para tudo, se esconder em seu manto”.
Neste 5º domingo da Quaresma (ano B) o evangelho lido pelas comunidades, João 12, 20 a 33 nos traz mais um anúncio da Páscoa. Jesus fala de sua cruz ao afirmar: “Quando eu for elevado da terra, atrairei todos a mim”(v 32) e o evangelho explica que ele dizia isso se referindo à sua morte.
O evangelho começa dizendo que alguns gregos, portanto, estrangeiros, pagãos (não se tratava de judeus helenistas) tinham vindo a Jerusalém para a festa da Páscoa. Por não serem judeus, eles não podiam entrar no templo. Eles procuram Filipe e Filipe procura André. São dois discípulos de nomes gregos, que moravam em Betsaida, cidade grega na Galileia. E eles pedem: “Queremos ver Jesus”. Para o evangelho de João, ver Jesus é fazer a experiência pessoal da relação com ele.
Certamente este relato responde às dificuldades da comunidade joanina no final do século I integrar as pessoas de cultura hebraica e as de cultura greco-romana ou helenista. André fala com Jesus sobre o desejo dos gregos, mas conforme o texto, Jesus responde aos discípulos e não diretamente aos gregos. A acolhida e evangelização dos pagãos compete à comunidade. São os discípulos que devem transmitir aos outros a palavra de Jesus e esta palavra é a cruz, vista não apenas como sofrimento e castigo, mas como Páscoa ou seja “elevação do Humano”, “glorificação de Deus”.
De fato, Jesus diz: “Chegou a hora de se manifestar a glória deste Homem” (v 23). A glória significa aí o sinal visível da presença divina nele. A missão não é ensinar doutrina ou transmitir leis. É devolver ao ser humano a sua dignidade de pessoa sagrada, revelar a glória de Deus no humano.
No século II, Irineu, pastor da Igreja de Lyon afirmava: “A glória de Deus é o ser humano viver”. E em 1980, Dom Oscar Romero, cuja memória do martírio celebraremos nesta quarta-feira, 24, retomava esta palavra aplicando-a a nós: “A glória de Deus é a libertação dos oprimidos”. Como seria bom que esse pessoal que briga para que o governo declare religião como atividade essencial pudesse aceitar essas palavras de Jesus e da mais profunda tradição cristã: a glória de Deus não é o culto, não é a religião. É cuidar da vida e da saúde e devolver às pessoas a condição de serem pessoas sagradas, “cuja vida é preciosa aos olhos de Deus” (Sl 116).
Esse foi o principal assunto do conflito doloroso entre Jesus e os discípulos no evangelho de Marcos e que aparece nos quatro evangelhos. Eles nunca aceitaram o que Jesus deixa claro aqui: só é possível encontrar Jesus a partir da sua opção de se doar na cruz. Ou se descobre Jesus na culminação do processo de doação de si mesmo ou o modo de ver Jesus é sempre superficial ou mesmo falso. Só a partir da cruz é possível ver Jesus e aderir a Jesus. E isso não é fácil para o próprio Jesus. Ele conta a parábola do grão de trigo. Essa é uma das raras imagens agrícolas do quarto evangelho. Para compreendê-la é importante ter em vista duas coisas:
1º – para as sociedades antigas, o grão é fundamental. E uma das maiores revoluções humanas foi ser capaz de domesticar o grão, no nosso caso aqui se fala do trigo. É o que permite as pessoas viverem. O grão de trigo é o símbolo do que hoje nós chamamos “segurança alimentar”. E Jesus se compara com isso.
2º – Em todas as sociedades antigas, o cultivo dos cereais era competência das mulheres. Exigia conhecer os ciclos das estações, as fases da luta, a meteorologia, uma série de segredos que na sociedade era transmitida pelas mulheres. Nesta semana em que acabamos de celebrar o dia internacional da mulher, não deixa de ser importante salientar que Jesus usa um trabalho feminino como parábola principal da missão dos discípulos e discípulas. É verdade que até hoje nas Igrejas a coordenação dos trabalhos está nas mãos dos homens, mas o cultivo depende muito das mulheres que são maioria na coordenação de grupos e na missão da Igreja nas bases.
A integração de pessoas de tradição judaica e de outras origens no Cristianismo do primeiro século nos faz lembrar hoje a imperiosa necessidade que todas as forças progressistas do país sentem e afirmam de se chegar a uma unidade ou frente ampla pela democracia e pelo restabelecimento do estado de direito e da justiça. Todos percebem a importância e urgência desta unidade de todos/as que querem a transformação do mundo. A dificuldade está na hora de ceder espaço para o outro e renunciar a projetos de protagonismo pessoal em função do bem comum. No evangelho de hoje, Jesus diz à comunidade que esse projeto de unidade só será possível se quem o deseja aceitar a cruz. Como grãos de trigo que aceitam cair por terra para germinarem e poderem florescer. Que, ao menos a nós, cristãos e cristãs, essa palavra da Páscoa nos chame a essa conversão. Nas celebrações deste domingo, as Igrejas tomam como primeira leitura um texto do profeta Jeremias que diz como palavra de Deus:
“Eis que virão dias, diz o Senhor, em que concluirei com a Israel e Judá (os dois reinos divididos) uma nova aliança. Não será como a aliança que fiz com seus pais, quando os tomei pela mão para retirá-los da terra do Egito, e que eles violaram… Nesta aliança nova, imprimirei minha lei em suas entranhas, e a inscreverei em seus corações. Serei seu Deus e eles serão meu povo” (Jr 31 – 33).
Geralmente, a tradição cristã interpretou essa palavra como se fosse uma promessa da aliança trazida séculos depois por Jesus. No entanto, o profeta falava do seu tempo e propunha em nome de Deus uma aliança que o próprio Judaísmo deveria possibilitar ao se abrir a outras culturas e aceitar a universalidade da salvação. Hoje, este desafio da abertura à pluralidade continua atual tanto para as religiões como para os processos sociais que defendem a justiça eco-social e a Vida.
Deixo vocês com a música do Gilberto Gil que, como vocês verão tem muito a ver com o evangelho de hoje:
Drão!
O amor da gente é como um grão
Uma semente de ilusão
Tem que morrer pra germinar
Plantar nalgum lugar
Ressuscitar no chão
Nossa semeadura
Quem poderá fazer aquele amor morrer
Nossa caminhadura
Dura caminhada
Pela noite escura
Drão!
Não pense na separação, Não despedace o coração
O verdadeiro amor é vão, Estende-se infinito
Imenso monolito, Nossa arquitetura
Quem poderá fazer aquele amor morrer
Nossa caminhadura, Cama de tatame
Pela vida afora, Drão!
Os meninos são todos sãos, Os pecados são todos meus