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Mensagem

Por José Tolentino Mendonça*

Poema lido pelo ator Tony Ramos em missa promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Cáritas Brasileira, com apoio do Verificado – iniciativa das Nações Unidas para o combate à desinformação sobre a COVID-19 – em Ação de Graças pelo Dia dos Pais, aos pés do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro

“Livra-nos, Senhor, deste vírus, mas também de todos os outros que se escondem dentro dele. 

Livra-nos do vírus do pânico disseminado, que em vez de construir sabedoria nos atira desamparados para o labirinto da angústia.

Livra-nos do vírus do desânimo que nos retira a fortaleza de alma com que melhor se enfrentam as horas difíceis. 

Livra-nos do vírus do pessimismo, pois não nos deixa ver que, se não pudermos abrir a porta, temos ainda possibilidade de abrir janelas. 

Livra-nos do vírus do isolamento interior que desagrega, pois o mundo continua a ser uma comunidade viva. 

Livra-nos do vírus do individualismo que faz crescer as muralhas, mas explode em nosso redor todas as pontes. 

Livra-nos do vírus da comunicação vazia em doses massivas, pois essa se sobrepõe à verdade das palavras que nos chegam do silêncio. Livra-nos do vírus da impotência, pois uma das coisas mais urgentes a aprender é o poder da nossa vulnerabilidade.

Livra-nos, Senhor, do vírus das noites sem fim, pois não deixas de recordar que Tu Mesmo nos colocaste como sentinelas da Aurora.”

*Cardeal, poeta e teólogo português

Fonte: Cáritas

(11-08-2020)

 

CNBB: neste sábado a oração pelas 500 mil vítimas brasileiras do novo coronavírus

Com a previsão de o país atingir 500 mil mortes no próximo sábado, a Conferência escolheu a data para manifestar solidariedade, esperança e consolo.

Com o mote de que “Toda vida importa“, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) realiza neste sábado, 19 de junho, um dia de sensibilização e orações em memória dos mortos pelo novo coronavírus. Com a previsão de o país atingir 500 mil mortes no próximo sábado, a Conferência escolheu a data para manifestar solidariedade, esperança e consolo.

Redes sociais

Durante a reunião do Conselho Permanente da CNBB, realizada na quarta e quinta-feira, 16 e 17 de junho, a iniciativa foi apresentada aos bispos. A proposta é que os prelados utilizem a identidade visual da ação como foto de perfil nas redes sociais, bem como a hastag #todavidaimporta nas publicações. Outra sugestão é que os sinos das Igrejas toquem às 15h de sábado.

Missa

No mesmo horário, o arcebispo de Belo Horizonte (MG) e presidente da CNBB, dom Walmor Oliveira de Azevedo, preside a Santa Missa na intenção das 500 mil vítimas da Covid-19 no Brasil. A celebração será no Santuário Nossa Senhora da Piedade, em Caeté (MG), com transmissão pelas redes sociais da CNBB e por emissoras de TV de inspiração católica, como TV Horizonte, TV Pai Eterno, Rádio e Rede Imaculada e TV Nazaré.

Oração

A CNBB também vai oferecer um vídeo de oração pelos 500 mil mortos na pandemia. Composta pelo bispo auxiliar do Rio de Janeiro (RJ) e secretário-geral da CNBB, dom Joel Portella Amado, a oração será narrada pelo jornalista Silvonei José, que atua em Vatican News. A sugestão é que as emissoras de TV utilizem o material ao final dos telejornais, como uma homenagem aos que se foram ou em outros programas. O vídeo também será distribuído nas redes sociais da CNBB e rádios católicas.

A oração lembra dos irmãos e irmãs que morreram em decorrência da pandemia do novo coronavírus, “muitas sem o mínimo necessário para o tratamento digno como ser humano”. O pedido é que Deus Pai acolha esses filhos e filhas e conceda-lhes a paz eterna. A prece também é que o povo brasileiro possa trabalhar por solidariedade, acolhimento, partilha, compreensão e resiliência. “Que a saudade seja estímulo à fraternidade!
E que a fé seja o sustento de nossa esperança!”.

Fonte: Vatican News

Papa à CNBB: promover a reconciliação do povo brasileiro

Por Bianca Fraccalvieri

Solidariedade, caridade e unidade: estes são os conceitos apontados pelo Papa Francisco ao enviar uma videomensagem aos bispos que participam da 58a Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, pela primeira vez realizada de forma virtual

No início da mensagem, o Pontífice não deixa de lado o bom humor, pedindo desculpa por falar em espanhol, bem sabendo que existe um idioma que brasileiros e argentinos dominam: o “portuñol”.

Assumindo logo um tom mais sério, o Papa afirma que, através dos bispos, se dirige a todo o povo brasileiro, “num momento em que este amado país enfrenta uma das provas mais difíceis da sua história”.

“Gostaria, em primeiro lugar, de expressar minha proximidade às centenas de milhares de famílias que choram a perda de um ente querido. Jovens e idosos, pais e mães, médicos e voluntários, ministros sagrados, ricos e pobres: a pandemia não excluiu ninguém no seu rastro de sofrimento. Penso em especial nos bispos que morreram vítimas da Covid.”

Francisco pede a Deus que conceda o descanso eterno aos mortos e consolação aos familiares, que muitas vezes nem puderam se despedir. “E este ir-se sem poder se despedir, ir-se na solidão mais despojada é uma das maiores dores de quem vai e de quem fica.”

Mas nossa fé em Cristo ressuscitado nos mostra que podemos superar este trágico momento e aqui se apresenta a importância da solidariedade, “a chorar com os que choram”. “E a caridade nos impulsiona como bispos a nos despojar. Não tenham medo de se despojar. Cada um sabe do quê.” A pandemia só será superada com a união e a CNBB deve ser una neste momento, “porque o povo que sofre é um”.

Fonte: Vatican News

(15-04-2021)

Testemunho e lições de uma geração de profetas: nota sobre o documento da CNBB, intitulado “Exigências cristãs de uma ordem política” de fevereiro de 1977, em plena Ditadura Civil-Militar

Uma das missões fundamentais dos grandes profetas – homens e mulheres -, sendo Jesus de Nazaré considerado Profeta por excelência, consiste no ensinamento pelo exercício da memória histórica, no empenho continuado em reacender a consciência crítica dos contemporâneos quanto a sua pertença e a fidelidade ao Deus dos oprimidos. Hoje, também, todos somos chamados a retomar esta missão.

Ao revisitar memoráveis Documentos publicados pela CNBB (conferência nacional dos bispos do Brasil), em plenos tempos de chumbo, sinto-me remetido a um episódio bíblico, relativo à figura de Moisés. Certa vez, este foi procurado por um discípulo seu, Josué, a prestar-lhe queixa de que havia gente, que não pertencia ao seu grupo, e também estava a profetizar. A este, Moisés respondeu: “Tens tu ciúmes por mim? Quem dera que todo o povo do Senhor fosse profeta, e que o Senhor pusesse o seu espírito sobre ele!” (Nn 11:29). Isto me ocorreu a propósito da lembrança de parte significativa do atual episcopado brasileiro parecendo justificar-se de sua postura tímida, em relação aos bispos do tempo da ditadura civil-militar no Brasil, como se só a estes coubesse a missão de profetizar. Este continua sendo, mais do que um sonho, contínuo chamamento a todos os membros do Povo de Deus, isto é, a toda a humanidade. No entanto, entre o sonho e a realidade, convenhamos, há uma distância considerável. Ao longo de séculos de Cristianismo ou, antes, de Cristandade, muito pouco se tocaram positivamente acerca de tal chamamento, ao qual figuras individuais e pequenos grupos – aos quais Dom Helder costumava chamar de “minorias abraâmicas” – se tem apresentado como referência de testemunho, de acordo com sua dócil obediência ao quê o Sopro Fontal tem a dizer a cada uma e a cada um de nós. De todo modo, o exercício da Profecia nunca deixou de acontecer. Independentemente dos tempos e dos lugares sempre houve, há e haverá quem se disponha generosamente, mas sempre com pequenos e grandes riscos, a ousar o exercício da Profecia. Nos dias atuais, trata-se, reconheçamos, de artigo escasso.

 

Durante a ditadura civil-militar, no Brasil e no Cone Sul, entre os anos 60 e 80, não faltaram essas vozes proféticas, inclusive ao interno de Igrejas cristãs, também a Católica Romana. Durante aqueles tempos de chumbo, isto é, de muita perseguição, de muitas prisões, torturas, banimentos, assassinatos, essas vozes proféticas eram assumidas por presbíteros, pastores, leigas, leigos e outros segmentos cristãos. Nas linhas que seguem, restringimo-nos a considerar o exercício profético de uma memorável geração de bispos profetas, no Brasil, sem esquecermos que em outros países tais vozes também se fizeram presentes, tais como a do bispo argentino Eduardo Angelelli; Dom Leonidas Proaño, Bispo de Rio Bamba (Equador), Dom Samuel Ruiz, Bispo de Chiapas (México), entre outros. Especificamente no caso do Brasil, convém igualmente destacar alguns dos nomes de maior referência, tais como o de Dom Hélder Câmara, de  Dom Antônio Batista Fragoso, Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Ivo Lorscheiter, Dom Aloísio Lorscheider, Dom Cândido Padim, Dom José Maria Pires, Dom Adriano Hipólito, Dom Waldyr Calheiros, Dom Pedro Casaldáliga, Dom Tomás Balduíno, entre outros.

Durante os anos 70 e 80, várias destas vozes proféticas se fizeram ouvir, com bastante contundência por meio de vários documentos, estas vozes ousaram manifestar-se, a denunciarem e a anunciarem, na perspectiva do Reino de Deus e sua justiça. Dentre estes documentos memoráveis, podemos destacar: ’’Uma Igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização social’’ ( outubro 1971), “eu ouvi os clamores do meu povo”(CNBB, maio de 1973), aqui no entanto, nos restringimos ao Documento “exigências cristãs de uma ordem política” (1977).

Reunidos na 15ª assembleia geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil comemorando o 25º aniversário da fundação da mesma CNBB e os 10 anos da Profética Encíclica Social, Populorum Progressio, assinada pelo Papa Paulo VI, os bispos do Brasil cuidaram de fazer ouvir um grito profético de denúncia contra as desigualdades sociais, econômicas, políticas e culturais, então dominantes, e dispostos a anunciarem pistas promissoras de superação daquela ordem injusta.

Estamos diante de um pronunciamento de profundo alcance profético, bem fundamentado seja do ponto de vista social, político, econômico e cultural seja do ponto de vista teológico. Indica a qualidade intelectual desta geração de profetas.

Um contexto enormemente adverso – lembremo-nos de que se trata de um Documento datando de fevereiro de 1977 profundamente impregnado das indignações da grande maioria de nossa população especialmente os pobres e os presos políticos, os perseguidos, ameaçados e mulheres que se atrevem a resistir contra aquele tempo de chumbo. O Documento explicita seu caráter eminentemente, a luz da fé cristã. Ousa pronunciar sua palavra viva em defesa dos oprimidos, dos explorados, dos marginalizados ao tempo em que também ousa pronunciar-se contra aquele regime ditatorial. A coragem profética de seus autores contrasta com o quase silêncio de parte expressiva dos atuais Bispos do Brasil, e refletindo a timidez, omissão perante o atual regime, marcado por sucessivas ações de necropolítica, apoiada por proclamados cristãos, inclusive por católicos.

O documento acentua a consciência do dever missionário dos seus signatários, de trazerem sua palavra de denúncia àquela ordem estabelecida, fazendo questão de rebater interpretações segundo as quais os Bispos não deveriam interferir naquela ordem social, tendo que cuidar tão somente de questões estritamente religiosas. Como não raramente interpretam tantos Bispos Católicos na atualidade.

Certos trechos do Documento merecem especial destaque. Um deles tem a ver com uma profética denúncia sobre quem os signatários entendem como marginalizados. A este respeito, vale a pena realçar a seguinte passagem:

A marginalização manifesta-se através de situações que favorecem aos beneficiários privilegiados do despojamento, da paciência e da miséria dos outros. Ser marginalizado é ser mantido fora, à margem; é receber um salário injusto, é ser privado de instrução, de atendimento médico, de crédito; é passar fome, é habitar em barracos sórdidos, é ser privado da terra por estruturas agrárias inadequadas e injustas. Ser marginalizado é, sobretudo, não poder libertar-se destas situações. Ser marginalizado é não poder participar livremente do processo de criatividade que forja a cultura original de seu povo. Ser marginalizado é não dispor de representatividade eficaz, para fazer chegar aos centros decisórios as próprias necessidades e aspirações; é ser contemplado, não como sujeito de direitos, mas como objeto de favores outorgados na medida necessária à redução das reivindicações; é 10 ser manipulado pela propaganda. Ser marginalizado é não ter possibilidade de participar. É ser privado do reconhecimento da dignidade que Deus conferiu ao homem. (n.23)

Por diversas razões, o citado trecho primoroso, constitui um atestado ilustrativo da densa qualidade da denúncia. Trata-se com efeito de um pronunciamento pertinente, bem fundamentado, didático, acompanhado de efeitos frutuosos. A forma objetiva como os signatários situam o cerne do desafio – a experiência de marginalização em que se sente mergulhada a grande maioria do povo brasileiro – constitui uma marca desse livro, do valor de tal pronunciamento. Por outro lado, não se limita à denúncia. Vai bem além. Cuida, igualmente, de fornecer pistas de superação de grande alcance social. A principal recomendação proposta pelos signatários do documento prende-se à necessidade de participação nos processos de mudança do conjunto do povo dos pobres. Muito acertado o acento posto no processo participativo das principais vítimas daquele regime, como condição necessária a busca constante de superação daquela ordem imperante. A certa altura, afirmam os bispos:

A correção destes males, que não são novos, é tarefa não só dos poderes públicos como de todas as instituições que possam contribuir para a educação do povo. A PARTICIPAÇÃO “Uma dupla aspiração do homem se exprime cada vez mais viva, na medida em que ele desenvolve sua informação e educação: aspiração à igualdade e aspiração à participação, duas formas de dignidade do homem e de sua liberdade” (Oct. Adv., n.° 24).

Mais adiante, ainda ressaltando a relevância da participação, os signatários entendem que:

Estimular a participação consciente e responsável no processo político, social, cultural e econômico é um dever primordial do Estado. Tal participação constitui um dos elementos essenciais do bem comum., e uma das formas fundamentais da aspiração nacional. A educação do povo é um pressuposto necessário para sua participação ativa e consciente na ordem política. Por sua missão divina, cabe à Igreja o direito e o dever de colaborar nesta tarefa. (n. 25)

Ao mesmo tempo, os Bispos estão atentos, à eficácia desta participação e o processo de mudança, com a necessidade de formação, inclusive política, dos agentes de transformação. Certeiro é, por conseguinte, o acento posto no processo formativo, no quadro de uma formação crítica e propositiva, realizada e protagonizada pelas principais forças e agentes de mudança, em especial das leigas e dos leigos. Por meio de distintos espaços formativos, comunitários, associativos também. Vale ressaltar o caráter de informação que preconiza: Para além de uma formação estritamente política os Bispos defendem a necessidade de uma formação integral, isto é de cada ser humano como um todo e de todos os seres humanos também. Nisto, o Documento aparece bem fundamentado no pensamento progressista, característico daquela época. Neste documento ocupa  um lugar especial a influência da Populorum Progressio, além de relevantes documentos do Concílio Vaticano II, como é o caso da Constituição pastoral Gaudium et spes, entre outros.

O incentivo aos leigos e leigas e a todo o povo de Deus não se resume ao processo participativo e formativo. Com estas dimensões estão conectadas também com um horizonte indicado no documento, relativo ao esforço de um verdadeiro desenvolvimento social, distinto do quê então já se entendia por desenvolvimento econômico. O desenvolvimento social preconizado alcança múltiplas dimensões da condição humana, para muito além da dimensão estritamente econômica:

O desenvolvimento que responde às exigências do bem comum é o desenvolvimento integral, não apenas econômico, mas social, cultural e religioso. A experiência demonstra que o desenvolvimento econômico não se traduz necessariamente em desenvolvimento social. O crescimento econômico a qualquer preço determina a concentração da renda em áreas geográficas limitadas e em estratos restritos da população, gerando assim, dentro da mesma Nação, contrastes de riqueza e de miséria que são por si próprios uma afronta à justiça e à eqüidade. A promoção do desenvolvimento constitui um imperativo moral que obriga a todos da mesma forma que as exigências do bem comum. Ninguém pode furtar-se a essa obrigação. O desafio do desenvolvimento impõe sacrifícios que, salvo em casos excepcionais, não são assumidos espontaneamente pela Nação. Nestas condições, um regime autoritário, que defere ao Poder Executivo maior iniciativa e rapidez de decisão, pode atender melhor às urgências do bem comum. Para que tal regime porém não sucumba ao risco de evoluir para regime totalitário, é indispensável que se preservem e respeitem a liberdade e a dignidade dos outros Poderes, do Legislativo e do Judiciário, no desempenho de suas funções constitucionais.  (n. 43-45)

Outro aspecto digno de registro tem a ver com a pergunta: considerando as significativas diferenças de opção política relativa aquele conjunto de membros da CNBB de então- tratava-se, pois, de um  episcopado politicamente heterogêneo, quanto às suas opções políticas e teológicas – a pergunta procede, em busca de compreendermos, como foi possível chegar-se a um documento tão incisivo, naquele contexto eclesial? Mais uma vez, podemos concluir que pela via ainda daqueles documentos expressasse mais propriamente um sentimento avaliativo de uma minoria dos membros da CNBB de então, fazia possível, Graças sobretudo ao testemunho evangélico de uma minoria, inclusive no quadro da direção daquele órgão convencimento pelo seu testemunho evangélico. Tão bem aí, podemos observar a relevância de um episcopado cortador de uma espiritualidade incarnada, de missionários têm profetas que moviam corações e mentes seja Graças ao seu exemplo, ao ser testemunho de entrega a causa do Reino de Deus e sua justiça.

Não se trata de qualquer mágica. O que sucede, é que, nessas ocasiões de  assembleias decisorias, inclusive em contextos concílares e sinodais. sempre há possições divergentes a serem coletivamente negociadas, até porque, como se sabe, Igreja Católica (e outras Igrejas cristãs) são compostas por negros com diferentes perspectivas políticas e mesmo de modelo de igreja, do quê é exemplo de que a Igreja Católica e as demais igrejas cristãs são, quase todas tem presença multinacional, classista, opções políticas distintas e por vezes antagonicas.

Acerca especificamente deste Documento, importa assinalar a qualidade intelectual e pastoral dos dirigentes da CNBB, cuja postura evangélica se revestem de grande autoridade ( “Autorevolezza” ) junto aos demais membros da CNBB. Eis por quê outros documentos recebem o apoio de 200 considerável do respectivo episcopado. Por outro lado também tem a ver com o papel das leigas e dos leigos, que compõem maiorias expressivas dos diferentes setores das Pastorais Sociais, das Comunidades Eclesiais, das associações e movimentos Graças a sua capilaridade no campo das periferias urbanas.

Situação que, a despeito de exceções não tem continuidade durante as últimas décadas, em razão de um conjunto de fatores de retrocesso principalmente durante o pontificado do papa João Paulo II (a partir de 1979), seguido pelo do papa Bento XVI (a partir de 2005-2013). Juntos, por mais de três décadas, estiveram a protagonizar caminhadas de retrocesso, em relação a modelo de Igreja até então priorizado quanto às suas posições conservadoras, seja no tocante a realidade social, seja nos aspectos bastante ilustrativo de retrocesso, entre tantos outros. O que acontece, nos últimos tempos, ao processo formativo, aplicado em vários espaços eclesiásticos, principalmente nos seminários, salvo exceções, protagoniza um modelo de igreja incompatível com a sociedade moderna e principalmente com a Tradição de Jesus.

Outra palavra-chave constante do Documento compõe-se da expressão segurança nacional”, um dos principais esteios ideológicos daquele regime. Não foi por acaso o empenho do teólogo José Comblin em aprofundar, em meses e meses de pesquisa (inclusive nos Estados Unidos), este tema, que ele converteu em um livro que se tornou um clássico na literatura pertinente, A Ideologia da segurança nacional Cf.  (http://docvirt.com/Hotpage/Hotpage.aspx?bib=BibliotBNM&pagfis=5633&url=http://docvirt.com/docreader.net#). Marcante, igualmente, é a atitude dos bispos brasileiros, de denunciarem corajosamente os grande malefícios provocados à sociedade brasileira por esta infame ideologia. Afirmam eles:

A Igreja não contesta o direito de o Estado moderno elaborar uma política de segurança nacional. Tal política não colide com o ensinamento da Igreja quando a segurança leva, de fato, à verdadeira PAZ, como conseqüência positiva da colaboração entre os homens; quando a segurança define seus objetivos através do exercício de participação nacional; quando, enfim, a segurança vem a corresponder, plenamente, aos imperativos da ordem política e da ordem moral. Ligada à realização do bem comum, a segurança é, essencialmente, um imperativo moral de sobrevivência da Nação, que reclama a cooperação consciente de todos os cidadãos. Entretanto, 12 quando, em nome deste imperativo, o Estado restringe, arbitrariamente, os direitos fundamentais da pessoa, subverte o próprio fundamento da ordem moral e jurídica. A segurança não deve ser o privilégio de sistemas, classes e partidos; é uma responsabilidade do Estado a serviço de todos. Por isso não pode sacrificar direitos fundamentais para garantir interesses particulares. (Cf. 34- 36)

Que lições podemos extrair deste documento, em relação aos desafios atuais?

Uma primeira lição que somos chamados a recolher da leitura atenta deste documento, prende-se ao reconhecimento do crescentes retrocessos do caráter social das igrejas cristãs, não apenas no âmbito da Igreja Católica Romana o próprio processo de formação de pastores e presbíteros, além do mundo das leigos e leigas e religiosas e religiosos, sofreu recuos impressionantes, quando se trata de testemunhar uma posição profética frente aos marcantes retrocessos econômicos, políticos culturais e religiosos, principalmente nos últimos anos. Com o ascenso do bolsonarismo, tem contagiado significativamente setores das igrejas cristãs a partir mesmo do processo eleitoral. Com efeito, em apoio da candidatura do obscurantismo de Bolsonaro, constatou-se um amplo apoio de significativos contingentes de cristãos, protestantes e católicos, apesar de tantos sinais evidentes de mentira pela campanha eleitoral de 2018. Muitos sinais divulgados pela campanha do candidato Jair Bolsonaro eram bastante evidentes, suficientes para retratarem as características fundamentais de tal candidatura: apoiador da ditadura civil-militar, apoiador da tortura, comportamento misógino, antipatia para com os povos indígenas, atitudes homofóbicas e racistas, descompromisso com políticas ambientais assumidas por todos os governos precedentes, tudo feito “em nome de Deus”…

Como se percebe, o Documento se apresenta como de impactante atualidade, constituindo-se em um meio precioso para a reavaliação das posturas de todos nós, inclusive, de parte considerável do episcopado brasileiro. Desnecessário dizer que esta revisitação do Documento não substituem – antes, pelo contrário – a (re)leitura deste pronunciamento profético que recomendo a todos (cf. http://www.koinonia.org.br/protestantes/uploads/novidades/CEI_Documentos_074.pdf).

João Pessoa, 25 de novembro de 2020.

Terra de trabalho X terra de negócio

Apontamentos em torno do Documento da CNBB intitulado “Igreja e Problemas da Terra” resultante da 18a. Assembleia Geral da CNBB, de 14 de fevereiro de 1980

Neste 17 de abril de 2019, próximo passado, completaram-se 23 anos da chacina dos Carajás, da qual resultaram vítimas 19 camponeses e mais 69 pessoas feridas, em Eldorado dos Carajás – PA.

Justa e pertinente, a sessão de memória do trágico episódio, realizada na Camâra Federal, na manhã do dia 17 (ante-ontem). Com a participação de diversas representações : movimentos sociais, movimento sindical, parlamentares, e outras entidades da sociedade civil. Todas as falas expressaram o sentimento de indignação contra aquela barbárie, bem como a solidariedade com os que lutam por justiça social no campo e contra a impunidade de tantos crimes abomináveis. E não se cingiram ao passado, mas sobretudo cuidaram de sublinhar a linha de continuidade que a atual conjuntura sócio-política apresenta, com o desastrado Governo do obscurantismo, e seus sucessivos pacotes de maldade contra os “de baixo”. Das falas expressas cuidamos de destacar alguns pontos:

– as raízes da violência no campo não apenas persistem, como se têm agravado, com os malfeitos espalhados pelo atual Governo: extinção do Ministério do Trabalho; agravamento do desmonte das Leis de proteção aos Trabalhadores e Trabalhadoras; a destruição da Previdência Social;

– o claro descompromisso com a Reforma Agrária, substituindo-a pelas sucessivas medidas favoráveis à grilagem de terras, à invasão de territórios indígenas, de não demarcação das terras indígenas e quilombolas;

– a bizarra parceria com Governo dos Estados Unidos relativa à Base de Alcântara;

– a privatização obstinada do patrimônio nacional;

– as gritantes manifestações de subserviência à política corrosiva de Trump e das grandes transnacionais;

– o incentivo a políticas predatórias de exploração do petróleo e das grandes jazidas de interação;

– a perseguição e criminalização dos movimentos sociais populares sindicais; as implementação de políticas de desmonte da saúde, da educação, da previdência e de outras políticas estruturas da sociedade brasileira;

– reconhecimento da pequena produção agrícola como principal produtora de alimentos saudáveis e o reconhecimento dos assentamentos da Reforma Agrária, em suas múltiplas conquistas, inclusive no campo da agroecologia e das feiras agroecológicas, espalhadas pelo país.

 

Justamente neste contexto de desmonte criminoso de conquistas históricas da sociedade brasileira, vale a pena rememorarmos a excelência de um escrito luminoso, o documento da CNBB intitulado “Igreja e Problemas da Terra”, há quase quarenta anos. Dedicamos este texto a uma breve rememoração analítica  das linhas-mestras deste Documento emblemático, elaborado ainda sob o período de Ditadura Civil-Militar, no Brasil, quando ainda contávamos com uma geração excepcional de bispos-profetas, entre nós…

De que documento se trata? Trata-se de um reflexão profético-pastoral feita por bispos católicos, em nome da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a expressarem sua denúncia do modelo agrário então vigente, em especial das condições injustiças da organização fundiária então vigente, da posse e uso da terra, a partir das condições e da experiência de vida e de trabalho dos Trabalhadores e Trabalhadoras agrícolas. Denunciam o acumpliciamento do Estado com as grandes empresas atuando no campo. Um documento muito bem elaborado, inclusive quanto à sua metodologia e sólida documentação fundamentada em dados oficiais, especialmente no Censo agropecuário de 1975.

O Documento começa constatando a penúria de que eram vítimas parcelas significativas de trabalhadores do campo, por conta das profundas e crescentes desigualdades da estrutura fundiária reinante:

Após constatar e denunciar a grave situação de exploração em que vivem enormes parcelas de trabalhadores e trabalhadoras do campo, o Documento , ao expressar seu compromisso com a justiça social, afirma ser missão da Igreja manifestar solidariedade às vítimas de injustiças, e cita os dados oficiais, mostrando que 52,3% dos estabelecimentos rurais compõem-se de áreas com até 10 ha, mas correspondem a apenas 2,8% das unidades de produção agrícola, enquanto os estabelecimentos rurais com mais de 1000 ha pertencem a apenas 0,8% dos proprietários, injustiça que brada aos céus, por tamanha desigualdade.

E não se limita a fazer constatações: também cuida de indicar as raízes sócio-políticas de tal situação, quais os responsáveis principais desse drama humano e social. Mostra como o principal fator reside no próprio modelo político, à medida que implementa políticas econômicas que beneficiam os interesses dos setores empresariais, a exemplo do que se passava com os escandalosos incentivos fiscais, concedidos a grandes empresas, em função dos projetos agropecuários subvencionados pela SUDENE e pela SUDAM, e trata de pôr o dedo na ferida:

– num determinado período, a SUDAM aprova em torno de 336 projetos agropecuários para a região amazônica, para o que do total de 7 bilhões de cruzeiros, as grandes empresas contribuíram apenas com 2 bilhões de cruzeiros, enquanto o Poder público subsidiou em torno de 5 bilhões de cruzeiros, isto é, mais de 70%… Pior é que tais projetos não apresentaram a produtividade prometida, tendo alcançado índices de produtividade inferiores aos obtidos por pequenos produtores…

 

Em seus 112 números ou parágrafos, o Documento da CNBB, intitulado “Igreja e Problemas da Terra”, datado de 14 de fevereiro de 1980, vai se revelando, assim, uma radiografia emblemática, uma chave preciosa de leitura analítica da questão fundiária e respectiva política agrícola, reinantes no Brasil dentão. Documento elaborado dentro da conhecida metodologia do VER-JULGAR-AGIR, seguida pela Igreja Católica, desde os tempos da Ação Católica especializada (JAC< JEC< JIC, JOC, JUC). O primeiro passo deste procedimento metodológico – que no Documento se estende até ao número 55, compõe-se de um mergulho na leitura analítica da realidade do campo, no Brasil, mostrando as raízes de suas profundas e crescentes desigualdades sociais, bem como as condições sub-humanas enfrentadas pelos Trabalhadores e Trabalhadoras do campo – os sem-terra, os posseiros, os parceiros subordinados, os bóias-frias, os trabalhadores temporários ou sazonais, os volantes, os “clandestinos”, em contraste brutal com os privilégios do latifúndio, das empresas agropecuárias e agroindustriais, financiadas nabascamente pelo erário,  às custas e em detrimento dos direitos dos camponeses e camponesas, vivendo em condições precárias de trabalho, em grande parte vive sendo obrigados a viver como acampados em míseros barracos cobertos de lona preta.

Após iniciar focando a injusta repartição da terra, cuida de focar o perfil e a diversidade dos enormes segmentos da população rural do Brasil, vítimas dessas graves injustiças sociais. O Documento traz à tona as precárias condições de vida e de trabalho, não apenas dos camponeses sem-terra, como também de diferentes grupos indígenas, na Amazônica e em outras regiões, bem assim dos quilombolas, dos ribeirinhos, dos seringueiros, dos migrante, e de outros grupos humanos, espalhados pelo Brasil rural. De cada um desses grupos de trabalhadores rurais, o Documento trata de descrever e analisar as condições concretas dessas populações, assim como cuida de focar suas raízes históricas, principalmente sua evolução degradante, a partir dos anos 50. À medida que líamos tão rica análise, vinham-nos à memória outros textos que reafirmam a cruel realidade. Dentre estes, destaco dois: uma simples crônica, de autoria do Pe. Olímpio Torres, da Diocese de Pesqueira, publicada no Jornal Era Nova, de 12 de junho de 1953 (texto compartilhado pelo historiador Edson Silva). Nela, o autor denunciava, indignado, a expansão desgovernada da pecuária pelos melhores territórios da Serra do Ororubá, em Pesqueira – PE, à custa e em detrimento da rica produção agrícola até então predominante. Não por acaso, referia-se com ironia a tal situação, tratando  a pecuária como “sua majestade, o boi”. O segundo texto que povoava nossa mente, enquanto líamos o Documento da CNBB, tratava-se do livro de Victor Asselin, Grilagem: Corrupção e Violência Em Terras do Carajás, Petrópolis: Vozes, 1982.

Voltando ao Documento, ainda focando o momento do VER, isto é, da análise da realidade agrária brasileira, após apresentar dados oficiais apontando uma crescente concentração da terra, as expulsões de milhares de trabalhadores de suas terras de trabalho, o privilegiamento das empresas agropecuárias e agro-industriais, com projetos assegurados com recursos públicos, inclusive o Proálcool, a expansão desenfreada da agropecuária, do inadequado reflorestamento, ao tempo em que se estimulava o desmatamento em terras amazônicas, as invasões de territórios indígenas, o devastamento de reservas públicas, o aumento estúpido dos conflitos agrários, daí resultando centenas de vítimas, em sua imensa maioria, de camponeses sem-terra e seus aliados, o Documento também se debruça sobre os principais responsáveis por tal situação: com um reconhecimento de que, de algum modo, todos temos parcela de responsabilidade, ante o que se passa, devendo despertar para um esforço comum de alcançar as raízes deste mal. Aponta a cumplicidade dos organismos do Estado na produção de tais desigualdades, ao denunciar a concessão pelo Estado de verdadeiras fortunas do orçamento público ao desenvolvimento de projetos agropecuários que só agravam as desigualdades e as injustiças sociais, apontando responsabilidades de órgãos tais como a SUDENE, o DNOCS, a SUDAM, acusando-os de cumplicidade com os privilégios das grandes empresas agropecuárias e agro-industriais, denunciando ainda os profundos estragos da pesca predatória, feita com navios equipados com frigoríficos, a invadirem rios da Amazônica e a levarem danos e horrores à população ribeirinha e aos pescadores artesanais

Um outro segmento significativo da população vitimada pelas injustiças e pelas desigualdades sociais, é o que é formado pelos migrantes, Trata-se de um contingente numeroso, constantemente alvejado pela ausência ou pelas políticas econômicas em curso, responsáveis principais pelo desenraizamento cultural de parcelas expressivas de nossa população. Trata-se de um segmento resultante do êxodo forçado, das expulsões do campo, razão por que sentem obrigados a migrar para regiões urbanas periféricas, destinadas a engrossar o contingente de desempregados e de grupos vivendo as agruras mais doloridas, reinantes nas periferias de nossas cidades.

O passo metodológico seguinte percorrido pelo Documento, é o do JULGARE, isto é, concernente a um confronto dessa realidade com o que diz\ a Palavra de Deus, os profetas, os Evangelhos, os textos do Novo Testamento, a Patrística, em breve, a Doutrina Social da Igreja, incluindo as encíclicas sociais de João XXIII, de Paulo VI, de João Paulo II, além de relevantes textos conciliares, a exemplo da Gaudium et Spess e de outros textos relativos, por ex., à Conferência Episcopal Latino-Americana de Puebla. O Documento nos põe diante das exigências cristãs de uma verdadeira justiça social, capaz de mostrar as autenticas raízes das injustiças sociais: a avidez de lucros e de riquezas à custa e em detrimento dos trabalhadores mais pobres.

O último procedimento metodológico, o do AGIR, que corresponde aproximadamente a uma quarta parte do Documento, empenha-se em explicitar os compromissos da CNBB, em solidariedade de seguirem denunciando as raízes estruturais desses males sociais, ao tempo em que explicitam sua solidariedade com a causa libertadora dos oprimidos, em especial dos trabalhadores sem terra.

Essas rápidas considerações acerca do Documento-referência da CNBB, é claro, não podem e não devem substituir a leitura integral de “Igreja e Problemas da Terra “, cujo “link” se pode encontrar disponível em: https://pstrindade.files.wordpress.com/2015/01/cnbb-doc-17-igreja-e-problemas-da-terra.pdf

Como ilustração da força profética e do alcance analítico do referido Documento, permito-me citar alguns números do mesmo Documento, como um aperitivo à leitura integral do mesmo:

“O modelo político a serviço da grande empresa

  1. A política de incentivos fiscais é uma das causas fundamentais da expansão das grandes empresas agropecuárias à custa e em detrimento da agricultura familiar. Até julho de 1977, a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia havia aprovado 336 projetos agropecuários, nos quais seriam investidos 7 bilhões de cruzeiros. Dessa importância, apenas 2 bilhões correspondiam a recursos próprios das empresas, enquanto os restantes 5 bilhões, mais de 70% do total, eram provenientes dos chamados incentivos fiscais.
  2. A política de incentivos fiscais desvia dinheiro de todos para uso de uma minoria, não atendendo às exigências do bem comum. Esse dinheiro deixa de ser aplicado em obras de interesse público para ser desfrutado, como coisa própria, pela grande empresa. Embora se reconheça oficialmente que a maior parte da alimentação em nosso país provém dos pequenos produtores, até hoje não se promoveu uma política de incentivos fiscais ou de renda em seu favor. Essa política revela o Estado comprometido com os interesses dos grandes grupos econômicos.
  3. Essa orientação oficial estimulou a entrada da grande empresa no campo. Um vultoso programa oficial, o PROÁLCOOL, baseado em subsídios governamentais, já está aumentando a concentração da terra, a expulsão de lavradores, quando poderia ser uma oportunidade privilegiada para uma redistribuição de terras.
  4. A política de incentivos, na Amazônia, não aumentou a produtividade das grandes fazendas de gado, que apresentam uma taxa de utilização da terra inferior a dos pequenos produtores. Conclui-se daí que, por ora, os grandes grupos econômicos apenas visam beneficiar-se dos incentivos fiscais.
  5. Ainda na Amazônia, grandes empresas invadem os rios com navios pesqueiros equipados com frigoríficos. Desenvolvendo pesca predatória, levam à fome as populações ribeirinhas que completam sua dieta pobre com a pesca artesanal.

Pescadores artesanais de áreas costeiras são igualmente prejudicados por projetos turísticos e por dejetos industriais.

A questão das terras dos povos indígenas

  1. Nenhuma das comunidades indígenas, em contato com a sociedade nacional, escapou às investidas sobre suas terras.
  2. Apesar da vigência do Estatuto do índio, os conflitos em áreas indígenas se tornam cada vez mais violentos e generalizados. Tais conflitos se ligam aos seguintes fatores: não demarcação oficial de suas terras; invasão de seus territórios já demarcados; comercialização e apropriação pela FUNAI dos recursos de suas terras; preconceito de que o índio é um estorvo ao desenvolvimento; não reconhecimento de que suas terras lhes cabem, por direito, como povos; desconhecimento das exigências específicas do relacionamento do índio com a terra segundo sua cultura, seus usos, costumes e sua memória histórica; enfim, total marginalização do índio da própria política indigenista, no seu planejamento e na sua execução.

Migrações e violência no campo

  1. Há no país, milhões de migrantes, muitos dos quais obrigados a sair do seu lugar de origem, ao longo dos anos, devido principalmente à concentração da propriedade da terra, à extensão das pastagens e à transformação nas relações de trabalho na lavoura.

4 Sem contar os milhares de migrantes que, como extensão da migração interna, têm se dirigido aos, países vizinhos.

  1. Uma grande parte dos lavradores migrou para as grandes cidades à procura de uma oportunidade de trabalho, indo engrossar a massa marginalizada que vive em condições subumanas nas favelas, invasões e alagados, em loteamentos clandestinos, cortiços e nas senzalas modernas dos canteiros de obras da construção civil.

O desenraizamento do povo gera insegurança pelo rompimento dos vínculos sociais e, perda dos pontos de referência culturais, sociais e religiosos, levando à dispersão e à perda de identidade.

  1. Outra parte se dirige às regiões agrícolas pioneiras à procura de terras. Entretanto, com frequência, sua tentativa de fixar-se à terra choca-se contra uma série de barreiras: dificuldade para obter o título definitivo da terra, no caso de compra; a falta de apoio ou o próprio fracasso das companhias colonizadoras; nova expulsão da terra, ante a chegada de novos grileiros ou de reais ou pretensos proprietários.
  2. Em quase todas as unidades da Federação, sob formas distintas surgem conflitos entre, de um lado, grandes empresas nacionais e multinacionais, grileiros e fazendeiros e, de outro, posseiros e índios. Violências de toda ordem se cometem contra esses últimos para expulsá-los da terra. Nessas violências, já se comprovou amplamente, estão envolvidos desde jagunços e pistoleiros profissionais até forças policiais, oficiais de justiça e até juízes. Não raro observa-se a anomalia gravíssima da composição de forças de jagunços e policiais para executar sentenças de despejo.
  3. A situação tem-se agravado muito depressa. Tomando como referência a região de Conceição do Araguaia, no sul do Pará, podemos ter uma idéia da velocidade e amplitude da situação de conflito. No começo de 1979, havia 43 conflitos identificados e cadastrados. Seis meses depois, os conflitos já eram 55. No final do ano já eram mais de 80. No Estado do Maranhão, tradicionalmente conhecido como o Estado das terras livres, abertas à entrada de lavradores pobres, foram arrolados, em 1979, 128 conflitos, algumas vezes envolvendo centenas de famílias. Em três casos, pelo menos, o número de famílias envolvidas ultrapassa o milhar, sendo grande a concentração da violência nos vales do Mearim e do Pindaré.
  4. Estudos recentes mostraram que a cada três dias, em média, os grandes jornais do sudeste publicam uma notícia de conflito pela terra. Comprova-se que essas notícias correspondem a menos de 10% dos conflitos cadastrados pelo movimento sindical dos trabalhadores na agricultura. Um levantamento do número de vítimas que sofreram violências físicas, feito através de jornais, indica que mais de 50% delas morrem nesses confrontos.
  5. Isso mostra a extrema violência da luta pela terra em nosso país, com características de uma guerra de extermínio, em que as baixas mais pesadas estão do lado dos lavradores pobres. Esse processo se acentua na chamada Amazônia Legal, embora ocorra também em outras regiões.  “

Em síntese, estamos diante de um dos mais lúcidos e proféticos documentos produzidos pela CNBB, cujas ressonâncias se revelam de notória atualidade, quarenta anos depois…

 

João Pessoa, 19 de abril de 2019.

A CNBB virou comitê central de campanha?

A Dom Luciano Mendes de Almeida, o amigo verdadeiro  dos pobres.


Participo de movimentos na Igreja Católica, desde 1979. Primeiro, na Pastoral de Juventude, onde me tornei coordenador da região Leste 1 da Arquidiocese de São Paulo, na ocasião coordenada por Dom Paulo Evaristo Arns. Lá conheci Dom Luciano Mendes de Almeida e o vi, muitas vezes, ceder a sua cama para um mendigo dormir ou repartir o pão. Este homem foi durante os anos críticos do final da ditadura um exemplo de moderação, o que falta hoje entre os atuais bispos.

Durante cinco anos fui coordenador do projeto de formação política e comunicação da região Leste 1. Na década de 80, ajudei na campanha de Plínio de Arruda Sampaio a deputado federal e a governador, participei da campanha de Chico Whitacker para vereador e do Plenário Pro Participação Popular na Constituinte e na campanha contra a revisão da Constituição. Também fui um dos coordenadores da Juventude Universitária Católica.

Tenho dois filhos lindos consagrados à Nossa Senhora de Fátima e agradeço a intercessão de Nossa Senhora Aparecida por salvar a vida da minha filha, que com sete dias de existência passou por uma cirurgia cardíaca e mais quarenta e cinco dias na UTI. Por tudo isso e, ainda amar a vida,  sempre fui contra o aborto.

Nos últimos tempos, estou assistindo atônito e envergonhado o apoio ostensivo de bispos paulistas ao candidato à Presidente da República, José Serra. O pretexto de tal apoio seria a posição deste cidadão ser contrário ao aborto e defensor da vida. Oras, mesmo para defender esta causa santa não há a necessidade de tanto alarde e exploração mal intencionada do assunto, visto que os quatro principais candidatos têm posição contrária a esta prática.

Recentemente, a Regional Sul-1 da CNBB lançou um manifesto anti-Dilma, acusando-a de defender o aborto. A complacência da CNBB fez com que setores conservadores  usassem a autoridade eclesiástica para cercear o direito ao voto dos católicos e, além dos mais, permitiu que se espalhassem boatos maldosos e caluniosos contra uma pessoa.

Esta campanha foi organizada pela Opus Dei, que funciona como um partido clandestino dentro da Igreja Católica contra o PT e Dilma e a favor de Serra. Esse grupo tem como premissa à defesa da vida. Para eles, a Opus Dei, o ato de viver se resume a nascer. Desse modo, para a Opus Dei reduzir a miséria e melhorar as condições de vida de milhões de brasileiros não é promover a vida. Assim como, para eles, também não é promover a vida dar condições para o povo comer carne e ter emprego.

Esta concepção restrita da defesa da vida esconde a intenção da Opus Dei de usar a religião para fins políticos eleitorais e transformar o altar em local de comício para dominar o Brasil.  A Opus Dei é uma organização católica de extrema direita que não aceita pobres entre seus membros e que apoiou a ditadura fascista na Espanha e em muitas outras partes do mundo, inclusive no Brasil. Além dos tentáculos econômicos poderosos que levaram a práticas de lavagem de dinheiro no Banco Ambrosiano – caso da Máfia da P2 -, domina Faculdades na Espanha e tem representantes em diversos veículos da mídia, inclusive da brasileira

Por tudo isso, não é possível tolerar que falsos democratas e amantes de ditaduras façam da defesa da vida um pretexto para atacar da forma mais vil um ser humano, lançando sobre uma mulher um leque de grosserias e inverdades.

Essa cabala, aliás, age como o arcebispo de Recife ao excomungar uma menina de 9 anos de idade que foi violentada e daria luz a uma criança. Ocorre que se tivesse o bebê ela poderia falecer durante o parto, visto que fisicamente não tem condições de ter uma criança. Essa menina que já havia sofrido enorme violência ao ser estuprada foi excomungada pelo religioso, assim como toda a equipe médica. Este drama humano mostra a hipocrisia de uma Igreja mais preocupada  em punir do que em amar ao próximo. Se a menina morresse, não seria também atentar contra a vida? Quantas mulheres não passam por essa difícil situação e não encontram uma só palavra de amor.  Provavelmente só ouvem rancor e ódio, além de sentir o preconceito.

Quem age contra uma criança excomungando-a também age inquisitoriamente contra uma mulher, cujo único pecado é amar os pobres e querer continuar o trabalho do atual presidente que está gerando a prosperidade para os brasileiros e concretizando a vida em abundância, ou seja, concretizar o ideal bíblico da terra onde corre leite e mel. Isto a Opus Dei, uma organização elitista, voltada para os ricos, não perdoa. Por isso, odeiam tanto o Lula e o PT.

Por último, há uma diferença entre o Cristo que carrego dentro de mim e o desta gente. A Opus Dei e setores elitistas da Igreja são os continuadores dos fariseus, doutores da lei, que segundo Jesus Cristo usavam a religião como arma de dominação sobre os mais pobres. Eles se esquecem que Jesus vivia no meio dos mais pobres e humildes, nasceu na manjedoura e não em berço de ouro. Por que será que um simples pescador foi o sucessor de Cristo? E não se esqueçam de que as mulheres, as mais oprimidas naquele tempo, ficaram com Jesus até o fim,  entre elas estava uma prostituta, Maria Madalena. Ah, não foram os sumos sacerdotes e os fariseus que condenaram Jesus a morrer na cruz?

Enfim, coberto de cinzas, para expressar a minha vergonha como católico praticante, pergunto que religião é esta que semeia o ódio e não o amor, como manda Jesus?

Observação: Se quiserem me excomungar, como ameaçou o padre da Canção Nova (ele pensa que estamos na Idade Média), excomunguem. Ao menos, saberei que estou seguindo os passos de outros santos, como São Francisco que sofreu processo de  heresia pelo Papado na Idade Média, por pedir uma Igreja simples e despojada de bens materiais.

* Emílio Carlos Rodriguez Lopez, mestre em História Social pela Universidade de São Paulo

Nota de solidariedade aos povos Guarani-Kaiowá

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

“O Senhor disse: ‘Eu vi a opressão do meu povo, ouvi os gritos de aflição
diante dos opressores e tomei conhecimento de seus sofrimentos’” (cf. Ex 3,7)

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB acompanha com preocupação a dramática situação enfrentada pelo povo Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, vítima de violência, resultado de flagrante desrespeito aos seus direitos.

Obrigado a uma concentração demográfica nas poucas e pequenas terras demarcadas, o povo Guarani-Kaiowá se constitui de dezenas de comunidades vivendo, há anos, em acampamentos improvisados à beira de rodovias daquele Estado.

Repudiamos as ameaças que pesam sobre as comunidades indígenas Y’poí, (localizada no município de Paranhos) e Ita’y Ka’aguyrusu (no município de Douradina). São ataques a mão armada numa brutal intimidação aos habitantes dessas comunidades que se veem não só cerceadas no seu direito de ir e vir como também privadas de bens essenciais à vida como água, comida, educação e saúde.

Essa situação exige uma solução rápida, urgente e eficaz. Por isso, a CNBB dirige um veemente apelo ao Governo para que faça cumprir os dispositivos da Constituição Federal de demarcar as áreas tradicionalmente ocupadas pelos Guarani-Kaiowá. Tal medida é o caminho para reverter o deplorável quadro de violência naquela região e, assim, garantir a vida deste povo que honra o país com sua cultura e seus costumes.

Pedimos a Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, que interceda junto de seu Filho Jesus Cristo para que a paz se restabeleça nessa região e que o povo Guarani-Kaiowá realize seu desejo de uma terra sem males.

Brasília, 22 de setembro de 2010

Dom Geraldo Lyrio Rocha
Arcebispo de Mariana
Presidente da CNBB

Dom Luiz Soares Vieira
Arcebispo de Manaus
Vice-Presidente da CNBB

Dom Dimas Lara Barbosa
Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro
Secretário Geral da CNBB