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Nascido em 1938, doutorou-se em teologia pela Universidade de Munique. Foi professor de teologia sistemática e ecumênica com os Franciscanos em Petrópolis e depois professor de ética, filosofia da religião e de ecologia filosófica na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Conta-se entre um dos iniciadores da teologia da libertação. É assessor de movimentos populares. Conhecido como professor e conferencista no país e no estrangeiro nas áreas de teologia, filosofia, ética, espiritualidade e ecologia. Em 1985, foi condenado a um ano de silêncio obsequioso pelo ex-Santo Ofício, por suas teses no livro Igreja: carisma e poder (Record). Saiba mais: https://leonardoboff.org

A importância do fator religioso nas atuais eleições presidenciais

Que a religião possui uma força política poderosa confessa-o  Samuel P. Huntington em seu discutido livro O choque de civilizações (1977) que hoje,com a nova guerra-fria, se tornou novamente atual. Afirma ele: “No mundo moderno, a religião é uma força central, talvez a força central que mobiliza as pessoas…O que em última análise conta não é tanto a ideologia política nem os intersses econômicos, mas as convicções religiosas de fé, a família, o sangue e  doutrina; é por estas coisas que as pessoas combatem e estão dispostas a dar as suas vidas”(p.79; 47; 54).

Ele mesmo fazia pesada crítica à política externa norte-americana por nunca ter dado importância ao fator religioso. E teve que sentir na própria pele o terrorismo islâmico de fundo religioso.

Consideremos a situação do Brasil. Cito aqui a reflexão de uma pessoa inserida profundamente no meio popular com agudo sentido de observação. Vale a pena ouvir sua opinião pois pode ajudar na campanha para a derrotar a  quem está desmontando nosso país.

Afirma ele:”Temo que, apelando cada vez mais para o fator religioso, agitando o fantasma do comunismo = ateísmo e da perseguição religiosa, o negacionista e o “inimigo da vida”,  eventualmente possa ainda ameaçar de vencer a eleição”.

“Pois, é inelutável reconhecer: o povo em massa é religioso até o osso (supersticioso dirão os “intelectuais”, não importa).

Ele vende o corpo e a alma pela religião, entendida de modo indistinto como “essa coisa de Deus”, sobretudo o brasileiro, sincretista que é.

E esse apelo, não digo que seja bom, mas apenas que tem uma força tremenda e temo muito que possa ser decisiva no momento de decidir o voto”

“Infelizmente, essa questão tem pouco peso na campanha do Lula e de seus aliados. Diria quase a mesma coisa com respeito aos dois outros valores que Bolsonaro e toda a “nova direita” do mundo alardeia: Deus, Pátria e Família, a trilogia do Integralismo que a velha esquerda não quer ver nem pintada. E no entanto é por aí que a nova direita está mobilizando as massas no mundo e também no Brasil”.

“E note-se como é fácil para um candidato da nova direita como Bolsonaro apresentar à massa eleitoral essa tríade: ele rezando (Deus), com bandeira do Brasil (Pátria) e com Michelle ao lado (Família), três cenas de comoção garantida e atração irresistível para o povão. Quem pode ser contra a reza, a bandeira verde-amarela e uma esposa (sobretudo se é bem feminina)?”

“Os intelectuais podem falar o que quiserem contra esse populismo de direita. Mas que funciona, funciona. E é isso que importa à direita, e acho que deveria importar também à esquerda, sem ofensa à ética, pois dá perfeitamente para defender essas três bandeiras, outrora integristas, como valores morais, à condição, contudo, de não serem excludentes: dos sem religião, das outras pátrias e dos LGBT+respectivamente”.

“Mas mesmo que ganhe o Lula, o que as pesquisam indicam,  a questão das três bandeiras acima permanecerá. E os bolsonaristas continuarão a agitá-las, como as está agitando a nova direita em todo o mundo (veja Trump, Putin, Le Pen, Salvini et caterva). E é a “bandeira Deus”, sobre todas as outras, que ser vai mais politizada pela nova direita, e isso tanto mais quanto menos a velha esquerda digeriu essa questão e quanto menos atenção a própria Igreja, progressista ou liberacionista que seja, parece dar a mudança de Zeitgeist (do espírito do tempo), designado como pós-moderno”.

O grande desafio da campanha da coligação ao redor de Lula/Alckmin, que é também das Igrejas cristãs históricas, principalmente da Católica, é como atrair estas massas, manipuladas e ludibriadas pelas igrejas pentecostais, para os valores do Jesus histórico, muito mais humanitários e espirituais do que aqueles apresentados pelos “pastores e bispos” autoproclamados e verdadeiros lobos em pele de ovelha. Estes usam a lógica do  mercado, da propaganda e estilos que contradizem diretamente a mensagem bíblica e de Jesus, pois, utilizam-se diretamente da mentira, da calúnia, da fake news.

Vale mostrar a estes seguidores das Igrejas pentecostais, como Jesus dos evangelhos sempre esteve do lado os pobres, dos cegos, dos coxos, dos hansenianos, das mulheres doentes e os curava. Era extremamente sensível aos invisíveis e aos mais vulneráveis, homens ou mulheres, em fim, àqueles cujas vidas viviam ameaçadas. Vale muito mais o amor, a solidariedade, a verdade, e acolhida de todos sem discriminação,  como os de outra opção sexual, vendo nos negros, quilombolas e indígenas nossos irmãos e irmãs sofredores. Importa se solidarizar com eles  e estar junto com eles para  fazerem o seu próprio caminho. Esse comportamento vale muito mais que o “evangelho da prosperidade” de bens materiais que não podemos carregar para a eternidade e, no fundo, não preenchem nossos corações e não nos fazem felizes. Ao passo que os outros valores do Jesus histórico vão conosco como expressão de nosso amor ao próximo e a Deus e nos trazem paz no coração e uma felicidade que ninguém nos pode roubar.

Logicamente, importa desfazer as calúnias, rebater as falsificações e, eventualmente, usar os meios disponíveis para incriminá-los juridicamente.

Vale sempre crer que um pouco de luz desfaz toda uma escuridão e que a verdade escreve a verdadeira página de nossa história.

O Brasil merece sair desta devastadora tempestade e ver o sol brilhar em nosso céu, devolvendo-nos esperança e alegria de viver.

(17/08/2022)

Elogio del padre: “quien no vive para servir no sirve para vivir”

Esbelto, de figura elegante, fumando siempre su cigarro de paja, fue un valiente explorador de nuevos caminos.

Cuando los colonos italianos no tuvieron más tierras para cultivar en la Sierra Gaúcha, emigraron en grupo hacia el interior de Santa Catarina, tierras llenas de bosques de pinos, a Concórdia, hoy sede de los frigoríficos de Sadia y, en los alrededore, de las empresas Perdigão y Seara.

No había nada, excepto algunos caboclos, mestizos de blanco e indio, sobrevivientes de la guerra del Contestado y grupos de indígenas kaigan, despreciados y siempre defendidos por él. Reinaban los pinos, soberbios, hasta donde se perdía la vista. Los colonos alemanes, polacos e italianos vinieron, organizados en caravanas, trayendo su profesor, su animador de rezos y una inmensa voluntad de trabajar y de vivir a partir de nada.

Había estudiado varios años con los jesuitas en São Leopoldo, en el Colegio Cristo Rey, en Rio Grande del Sur. Acumulaba un vasto saber humanístico: sabía algo de latín y de griego y leía en lenguas extranjeras. Vino para animar la vida de aquella “gente poverella”. Era maestro de escuela, figura de referencia y respetadísimo. Daba clases por la mañana y por la tarde. Por la noche enseñaba portugués a los colonos que solo hablaban italiano y alemán, cosa que estaba prohibida, pues era el tiempo de la Segunda Guerra Mundial. Además de eso, abrió una escuelita para los más inteligentes a fin de formarlos como contables para llevar la contabilidad de las bodegas y de las ventas de la región.

Como los adultos tenían especial dificultad para aprender, usaba un procedimiento creativo. Se hizo representante de una distribuidora de radios de Porto Alegre. Obligaba a cada familia a tener una radio en casa y así aprender el “brasilian”, oyendo programas en portugués. Montaba veletas y pequeñas dinamos donde había una cascada para poder recargar las baterías.

Como maestro de escuela era un Paulo Freire avant la lettre. Consiguió montar una biblioteca de más de dos mil libros. Obligaba a cada familia a llevarse un libro a casa, leerlo y el domingo, después del rezo del rosario en latín, se formaba un círculo sentados en la hierba, donde cada uno contaba en portugués lo que había leído y entendido. Nosotros, los pequeños, nos reíamos a más no poder del portugués torpe que hablaban.

A los alumnos no les enseñaba solo lo básico de toda escuela, sino todo lo que un colono debía saber: cómo medir tierras, cómo debía ser el ángulo del tejado del almacén, cómo calcular intereses, cómo cuidar de la mata ciliar y tratar los terrenos con gran declive.

En la escuela nos introducía en los rudimentos de la filología, enseñándonos palabras latinas y griegas. Los pequeños, sentados detrás del fogón a causa del frio gélido, debíamos recitar todo el alfabeto griego, alpha, beta, gama, delta, teta…

Más tarde, en el seminario, yo me llenaba de orgullo al mostrar a los otros e incluso a los profesores la filología de algunas palabras. A sus once hijos nos incitaba a leer mucho. Yo recitaba frases de Hegel y de Darwin, sin entenderlas, para dar la impresión de que sabía más que los otros. Siempre me preguntaba qué significaba esta frase de Parménides: “el ser es y el no-ser no es”. Y hasta hoy me lo sigo preguntando.

Pero era un maestro de escuela en el sentido clásico de la palabra, porque no se restringía a las cuatro paredes. Salía con los alumnos para contemplar la naturaleza, explicarles el nombre de las plantas, la importancia de las aguas y de los árboles  frutales nativos.

En aquella región interior, distantes de todo, hacía las funciones de farmacéutico. Salvó decenas de vidas usando la penicilina cuando le llamaban frecuentemente tarde en la noche. Estudiaba en un grueso libro de medicina los síntomas de las enfermedades y cómo tratarlas.

En aquellas tierras ignotas de nuestro país, había una persona preocupada por problemas políticos, culturales y hasta metafísicos, que se preguntaba por el destino del mundo. Creó hasta un pequeño círculo de amigos a los que les gustaba discutir “cosas serias”, más que nada para oírlo.

Sin nadie con quien intercambiar, leía los clásicos del pensamiento como Spinoza, Hegel, Darwin, Ortega y Gasset y Jaime Balmes. Pasaba largas horas por la noche pegado a la radio para escuchar programas extranjeros e informarse de cómo iba la Segunda Guerra Mundial.

Era crítico con la Iglesia de los curas, porque estos no respetaban a los protestantes alemanes, condenados ya al fuego eterno por no ser católicos. Muchos estudiantes miraban a aquellas bonitas niñas rubias luteranas y comentaban: “qué pena que estas niñas tan lindan vayan a ir al infierno”. Mi padre se oponía a eso y trataba con dureza a los que discriminaban a los “negriti” y a los “spuzzetti” (los “negritos” y los “apestosos”), hijos e hijas de caboclos. A nosotros, sus hijos e hijas, nos hacía sentar en la escuela al lado de ellos para aprender a respetarlos y a convivir con los diferentes.

Su piedad era interiorizada. Nos pasó un sentido espiritual y ético de vida: ser siempre honesto, no engañar nunca a nadie, decir siempre la verdad y confiar incondicionalmente en la divina Providencia.

Para que sus once hijos pudiesen estudiar y llegar a la universidad fue vendiendo todas las tierras que tenía o había heredado. Al final, se quedó sin casa propia.

Su alegría era sin limites cuando sus hijos e hijas venían de vacaciones, pues así podía discutir horas y horas con ellos. Y nos vencía a todos. Murió joven, a los 54 años, extenuado de tanto trabajo y de abnegado servicio en función de todos. Presentía que iba a morir, pues su corazón cansado se debilitaba día a día. Y solo tomaba como remedio maracugina.

Soñaba con conversar en el cielo con Platón y Aristóteles, discutir con San Agustín, oír a los maestros modernos y estar entre los sabios. Los hijos inscribieron su lema de vida sobre su tumba:

“De su boca oímos, de su vida aprendimos: quien no vive para servir no sirve para vivir”.

Murió de infarto el día 17 de julio de 1965, a la misma hora en que yo embarcaba  para estudiar en Europa. Allí, solo un mes después, supe de su travesía. Este maestro de escuela creativo, inquieto, servidor de todos y sabio, lejos de los centros, se cuestionaba sobre el sentido de la vida en esta tierra. El lector y la lectora seguramente ya han adivinado quién era: mi querido y añorado padre Mansueto, a quien en este día de los padres recuerdo con cariño y con infinita saudade, mi verdadero maestro.

Su hijo Leonardo Boff, teólogo, filósofo y escritor.

Traducción de Mª José Gavito Milano

Povos indígenas: nossos mestres e doutores

Com o assassinato recente do indigenista Bruno Pereira e o do jornalista  inglês Dom Phillips no vale do Jari amazônico e mais que tudo pelo abandono que sofreram por parte do atual governo, de viés genocida, por longo tempo, durante da pandemia do Covid-19 que, ao todo, deve ter custado a vida de cerca de mil indígenas, a questão dos povos originários ganhou as manchetes nacionais e internacionais.

Surpreendente, embora tardio, foi o pedido de desculpa do Papa Francisco em sua visita em julho ao Canadá, às famílias de crianças indígenas, arrancadas de seu meio e internadas em colégios católicos com muitas mortes. Eles não se contentaram com essa desculpa papal. Uma das lideranças corajosamente disse ao Papa:parem de nos fazer superar esta tragédia, queremos que nos entendam, que respeitem a nossa sabedoria ancestral, que favoreçam a nossa cura e nos deixem viver segundo as nossas tradições. Algo semelhante disseram indígenas bolivianos por ocasião da visita do Papa João Paulo II: a Bíblia que nos dão, entreguem-na aos europeus, pois eles precisam dela mais do que nós porque foram eles que de forma desumanizadora nos colonizaram e quase nos dizimaram.

Nunca pagamos a dívida centenária que temos para com os povos originários brasileiros, latino-americanos e caribenhos. Eles são os hóspedes originários destas terras que lhes estão sendo invadidas e roubadas em função da voracidade dos madeireiros, do ouro e da mineração.

O cuidado para com tudo o que existe e vive

Agora que estamos sob um alarme ecológico planetário, sem saber que soluções encontrar face ao crescente aquecimento do planeta, descobrimos, finalmente, como eles com sabedoria tratam a natureza, o cuidado para com as florestas e a Mãe Terra. Eles são nossos mestres e doutores no sentimento de pertença, de irmandade e de respeito por tudo o que existe e vive. Nutrem uma profunda concórdia entre eles e com a comunidade de vida, coisa que nós há séculos perdemos. Estamos sofrendo os danos irremissíveis de nossa devastação. Ainda não tiramos as lições que Gaia, a Pacha Mama e Mãe Terra nos está dando com a intrusão do Covid-19. Buscamos volver à ordem anterior, justamente aquela que propiciou a irrupção de inúmeros vírus, o último, a varíola do macaco. Elenquemos alguns valores de seu modo de estar neste mundo natural.

Integração sinfônica com a natureza.

O índio se sente parte da natureza e não um estranho dentro dela. Por isso, em seus mitos, seres humanos e outros seres vivos convivem,m e casam entre si. Intuíram o que sabemos pela ciência empírica que todos formamos uma cadeia única e sagrada de vida. Eles são exímios ecologistas. A Amazônia, por exemplo, não é terra intocável. Em milhares de anos, as dezenas de nações indígenas que ai vivem, interagiram sabiamente com ela. Quase 12% de toda floresta amazônica de terra firme foi manejada por eles, promovendo “ilhas de recursos”, desenvolvendo espécies vegetais úteis ou bosques com alta densidade de castanheiras e frutas de toda espécie. Elas foram plantadas e cuidadas para si e para aqueles que, por ventura, por ai passassem.

Os Yanomami sabem aproveitar 78% das espécies de árvores de seus territórios, tendo-se em conta a imensa biodiversidade da região, na ordem 1200 espécies por área do tamanho de um campo de futebol.

Para eles a Terra é Mãe do índio. Ela é viva e por isso produz todo tipo de seres vivos. Deve ser tratada com reverência e respeito que se deve às mães. Nunca se há de abater animais, peixes ou árvores por puro gosto, mas somente para atender necessidades humanas. Mesmo assim, quando se derrubam árvores ou se fazem caçadas e pescarias maiores, organizam-se ritos de desculpa para não violar a aliança de amizade entre todos os seres.

Essa relação sinfônica com a comunidade de vida é imprescindível para garantirmos o futuro comum da própria vida e o da espécie humana.

Sabedoria ancestral.

Conhecendo-se um pouco as diversas culturas indígenas, identificamos nelas profunda capacidade de observação da natureza com suas forças  e da vida com suas  vicissitude . A sabedoria deles se teceu  através da sintonia fina com o universo e  da escuta atenta da linguagem da Terra. Sabem melhor do que nós, casar céu com a terra, integrar vida e morte, compatibilizar trabalho e diversão, confraternizar ser humano com a  natureza. Nesse sentido eles são altamente civilizados embora sua tecnologia seja finíssima mas não contemporânea.

Intuitivamente, atinaram com a vocação fundamental de nossa efêmera passagem por esse mundo que é captar a majestade do universo, saborear a beleza da Terra e tirar do anonimato aquele Ser que faz ser todos os seres, chamando-o por mil nomes Palop, Tupã, Ñmandu e outros.  Tudo existe para brilhar. E o ser humano existe para dançar e festejar esse brilho.

Essa sabedoria precisa ser resgatada por nossa cultura secularista e desrespeitosa das várias formas de vida. Sem ela dificilmente pômos limites ao poder que poderá destruir o nosso ridente Planeta vivo

Atitude de veneração e de respeito.

Para os povos  indígenas, bem  como para alguns contemporâneos, como o recém falecido James Lovelock, o formulador da teoria da Terra como Gaia, tudo é vivo e tudo vem carregado de mensagens que importa decifrar. A árvore não é apenas uma árvore. Ela se comunica por seus odores. Possui braços que são seus ramos, tem mil línguas que são suas folhas, une o  Céu com a Terra por suas raízes e  pela copa. Eles conseguem, naturalmente, captar o fio que liga e re-liga todas as coisas entre si e com a Divindade. Quando  dançam e tomam as beberagens rituais fazem uma experiência de encontro como Divino e com o mundo dos anciãos e dos sábios que estão vivos no outro lado da vida. Para eles, o invisível é parte do visível. Essa lição importa aprender deles.

A liberdade, a essência da vida indígena.

Nos dias atuais a falta de liberdade nos atormenta. A complexidade da vida, a sofisticação das relações sociais geram sentimento de prisão e de angústia. Os povos indígenas nos dão o testemunho de uma incomensurável liberdade. Baste-nos o depoimento dos grandes indigenistas, os irmãos Orlando e Cláudio Villas Boas: “O índio é totalmente livre, sem precisar de dar satisfação de seus atos a quem quer que seja… Se uma pessoa der um grito no centro de São Paulo, uma rádio-patrulha poderá levá-lo preso. Se um índio der um tremendo berro no meio da aldeia, ninguém olhará para ele, nem irá perguntar por que ele gritou. O índio é um homem livre”. Essa liberdade é tão apresentada pela extraordinária liderança Krenak e por seus escritos, Ailton Krenak.

A autoridade, o poder como serviço e despojamento.

A liberdade vivida pelos indígenas confere uma  marca singular à  autoridade de seus caciques. Estes nunca têm poder de mando sobre os demais. Sua função é de animação e de articulação das coisas comuns, sempre respeitando o dom supremo da liberdade individual. Especialmente, entre os Guarani se vive esse alto sentido da autoridade, cujo atributo essencial é a generosidade. O cacique deve dar tudo o que lhe pedem e não deve guardar nada para si. Em algumas tabas se pode reconhecer o chefe na pessoa de quem traz ornamentos  mais pobres, pois, o resto foi tudo doado.  Nós ocidentais definimos o poder sob sua forma autoritária:“a capacidade de conseguir  com que o outro faça aquilo que eu quero”. Em razão desta concepção, as sociedades são dilaceradas permanentemente por conflitos de autoridade.

Imaginemos o seguinte cenário: caso o cristianismo, se tivesse encarnado na cultura social guarani e não naquela greco-romana, teríamos então padres pobres, bispos miseráveis e o papa um verdadeiro mendigo. Mas sua marca registrada seria a generosidade e o serviço humilde a todos. Então, sim, poderiam ser testemunhas d’Aquele que disse:”estou entre vós como quem serve”. Os indígenas teriam captado essa mensagem como co-natural à sua cultura  e, quem sabe, livremente aderido à fé cristã.

Como se depreende, em tantas coisas, reafirmo, os indígenas podem ser nossos mestres e nossos doutores, como se dizia dos pobres na Igreja dos primórdios.

(01/08/2022)

O confronto bolsonarista “o Bem contra o Mal”: um erro filosófico, um antagonismo falso e uma proposta absurda

O confronto que o  PL e o presidente a ele filiado  propõem como estratégia política de campanha eleitoral, representa um irremissível erro filosófico. É maniqueísmo que falsamente imagina haver um princípio dualista, de um lado somente o mal  e do outro somente o bem e sempre se confrontando. Eles, os fanatizados, se apresentam como os portadores  do bem. Os outros, do mal.

Reflitamos: Toda realidade humana pessoal e social carregam, misturadas e juntas, as dimensões de bem e as dimensões de mal. Essa é a condição concreta da realidade histórica: a convivência, junta e misturada, de ambas as dimensões. Cada  um dá primazia a uma destas dimensões, ou o bem ou o mal,embora não consiga,como uma sombra, se libertar totalmente dela,mas posso mantê-la sob vigilância. Aqui surge o caráter ético da opção e de suas práticas, seja da dimensão do bem  seja daquela  do mal.

Quando um grupo fanatizado e seu líder optam pelo ódio, pelo espírito de vingança, pela mentira, pela violência, pela magnificação da ditadura e da tortura ,uso do fake news, estes decididamente não podem reivindicar “nós somos homens do bem”. Eles optaram pelo mal, admitemos, sem conseguir sufocar o bem  que é inerente à nossa natureza pessoal e social. Pois é isso que,inequivocamente, está ocorrendo com o atual presidente e seus seguidores, rubros de ódio e engolfados de raiva. Querem o mal para seus adversários pensando fazer o bem ao país. Na verdade,invertem a realidade cometendo um erro filosófico.

Os fanáticos bolsonaristas e seu líder,com características desviantes por sua falta completa de empatia,pela brutalização de suas comunicações e pela perda da dignidade inerente ao cargo que ocupa, propõe um falso antagonismo. Qual é o verdadeiro antagonismo: é entre a defesa da vida, a partir daqueles mais vulneráveis ou a completa falta de cuidado dela, especialmente neste momento sob a pandemia do Covid-19? É a transparência na coisa pública ou um orçamento secreto, sem critérios técnicos e faltos de toda equidade na distribuições dos bilhões de reais? É a busca do equilíbrio e da paz social ou o empenho de acirrar conflitos, destruir a reputação de autoridades e de políticos com falsas acusações, dossiês forjados? É defender o pacto social codificado na Constituição e nas leis ou atacá-lo sistematicamente e desrespeitar toda e qualquer norma. É ameaçar com uma ruptura institucional, rompendo o equilíbrio dos três  poderes e difamando especialmente um deles,  o STF? É armar o povo com todo tipo de armas (armas são para matar,seja agredindo seja se defendendo) ao invés de ensinar a amar, propiciar o diálogo, a conciliação e o ganha-ganha? E poderíamos aduzir mais dados do antagonismo como a malévola destruição do processo educativo, a desmontagem da cultura e o incentivo à discriminação e o ódio contra negros, indígenas,mulheres e de pessoas de outra opção sexual ao invés de propiciar a convivência pacífica e a acolhida das diferenças? Pois  o grupo fanatizado dos bolsonaristas e de seu líder promovem  exaltam este falso e odioso antagonismo. Existe em toda política oposição mas não  pode se transformar numa contraposição, a transformação do adversário em inimigo.E o fazem cotidianamente.

Por fim temos a ver com uma proposta absurda, destituída de qualquer sentido humano e humanístico. Nenhuma sociedade historicamente conhecida prosperou e se consolidou sobre a exclusão, o ódio, a perseguição, a injustiça, a mentira e a afirmação da morte. Formular tal proposta repugna à inteligência que se rege pela busca da verdade e afronta a consciência dos valores éticos e morais. Ela pode pela violência e repressão ser imposta por certo tempo mas não possui sanidade interior de poder se firmar.

Esta proposta absurda  do confronto entre o bem  e o mal  como mote eleitoral pelo PL e pelo o presidente,buscando por tal estratégia busca a reeleição, está fadada ao franco fracasso. No fundo esta proposta é suicidária. Como dizia um conhecido escritor brasileiro citando Shakespeare: eles tomam o veneno pensando que o outro vá morrer envenenado. Eles estão se envenenando.

Esta eleição de 2022 possui um claro caráter plebiscitário: ou optamos pela vida da natureza e pela vida das grandes maiorias humilhadas,ofendidas, famintas e desempregadas  ou optamos pelo poder que castiga, covardemente marginaliza, destrói a democracia e o Estado democrático de direito, depreda a natureza, aliena os bens públicos e prolonga a dependência para impor um autoritarismo fascistoide, obtuso, anti-vida, anti-cultura e anti-povo e sempre dependente de um poder maior e exterior. A seguir esse rumo transformará o nosso país em pária, no qual as grandes maiorias viverão na exclusão, na marginalização e na pobreza senão na aviltante miséria.

Cumpre reconstruir o que foi destruído e aproveitar a ocasião para, de fato, realizar o sonho de nossos melhores de concluir a refundação do Brasil, expressão de uma civilização biocentrada nos trópicos. Por sua magnitude e abundância de bens de vida poderá ser a fonte de água doce para saciar as sedes de milhões e a mesa posta para as fomes do mundo inteiro.

(27/07/2022)

Situación del mundo: ¿crisis civilizacional, drama o tragedia?

Síganme en este pensamiento: ¿alguien puede decir hacia dónde vamos? Ni el Dalai Lama, ni el Papa Francisco ni ninguna autoridad lo podrá decir. Sin embargo tenemos tres advertencias serias: una del Papa Francisco en su última encíclica, Fratelli tutti de 2020: «Estamos en el mismo barco: o nos salvamos todos o no se salva nadie» (n.32).

Otra también de la mayor autoridad, la Carta de la Tierra de 2003: «la humanidad debe elegir su futuro y la elección es esta: formar una sociedad global para cuidar la Tierra y cuidarnos unos a otros o arriesgarnos a la destrucción de nosotros mismos y de la diversidad de la vida» (Preámbulo). La tercera viene del Secretario General de la ONU António Guterres a mediados de julio de este año de 2022 en una conferencia en Berlín sobre el cambio climático: «Nosotros tenemos esta elección: acción colectiva o suicidio colectivo. En nuestras manos está». La mayoría no se siente en el mismo barco ni cultiva el cuidado y no elabora acciones colectivas.

Consideremos algunos fenómenos: Brasil está atravesado por una ola de odio, de mentiras y de violencia contra una gama inmensa de personas, cobardemente despreciadas y difamadas, ola incentivada por el presidente que elogia la tortura, las dictaduras, viola constantemente la Constitución. Sin ninguna prueba  cuestiona la seguridad de las urnas. Convoca a todos los embajadores para hablar mal de nuestras instituciones jurídicas y da a entender que, si no es reelegido, dará un golpe de estado. Comete un crimen de lesa patria, motivo para impugnar su candidatura. Y no nos referimos al hambre y al desempleo de millones de personas que campea en el país. Además los incendios en la Amazonia y en el Pantanal.

La situación ecológica del mundo no es menos preocupante: en pleno verano europeo el clima ha llegado a los 40 grados o más. Hay incendios prácticamente en todos los países del mundo. Son los eventos extremos agravados por el calentamiento global. En el presente año en nuestro país hemos tenido grandes inundaciones en el sur de Bahía, norte de Minas, del Río Tocantins y del Amazonas y trágicos deslizamientos de laderas en Petrópolis y Angra dos Reis, con innumerables víctimas, y simultáneamente sequía prolongada en el sur.

Hay 17 focos de guerra en el mundo, el más visible de todos en Ucrania atacada por Rusia con alto poder de destrucción. La decisión de los países occidentales, englobados en la OTAN, que tiene como principal actor a Estados Unidos, al establecer “un nuevo compromiso estratégico” y pasar de un pacto defensivo a un pacto ofensivo, ha sido gravísima. Declara ipsis litteris a Rusia como enemigo presente, y más adelante a China. No se trata de un concurrente o adversario, sino de enemigo, al que en la perspectiva del jurista de Hitler Carl Schmitt, cabe combatir y destruir usando todos los medios, inclusive los militares y, en el límite, los nucleares. Como señaló el reconocido economista ecologista Jeffrey Sachs, reforzado por Noam Chomsky: si ocurriera eso, sería el fin de la  especie. Esto sería la gran tragedia.

Tal vez la amenaza más grave nos viene del ya citado calentamiento global acelerado. Con el esfuerzo conjugado de todo los países hasta 2030 se debería limitar el calentamiento a 1,5 grados Celsius. Ahora constamos que se ha acelerado; con la entrada masiva de metano debido al deshielo de los cascos polares y del permafrost se ha anticipado al 2027. El último informe en tres volúmenes del Panel Intergubernamental del Cambio Climático (conocido por el acrónimo inglés IPCC) publicado hace pocos meses advertía que podría llegar mucho antes. Existe el peligro, apuntado ya anteriormente por la Academia Norteamericana de Ciencias, de un “salto abrupto”, que puede elevar la temperatura 2,7 o más grados Celsius. La conclusión a la que llega el IPCC es «que los impactos en todo el mundo son una amenaza para la humanidad». Gran parte de los organismos vivos no consigue adaptarse y acaba desapareciendo.

De igual manera, multitudes humanas pueden sufrir terriblemente y también morir antes de tiempo. Tal evento puede ocurrir en los próximos 3-4 años. No parece que los analistas y planificadores estén tomando en cuenta esta eventualidad.

De ahí se entiende que algunos científicos del clima, sean tecnofatalistas y escépticos. Afirman que con los miles de millones de toneladas de CO2 y de otros gases de efecto invernadero ya acumulados en la atmósfera (en la que permanecen cerca de 100 años) no estamos en condiciones de impedir el calentamiento global. Hemos llegado demasiado tarde. Los eventos extremos vendrán fatalmente, cada vez más frecuentes y dañinos, devastando partes de los biomas terrestres y de las costas marítimas. Por el hecho de disponer de ciencia y de tecnología podemos solo mitigar los efectos nocivos pero no evitarlos. Es una crisis de nuestro tipo de civilización que se construyó sobre la depredación de los recursos naturales.

A este cuadro dramático hay que añadir la Sobrecarga de la Tierra: consumimos más de lo que ella nos puede ofrecer, pues necesitamos más de una Tierra y media (1,7) para cubrir las demandas del consumo humano, especialmente el suntuoso de las clases opulentas.

Ante este escenario innegablemente dramático, ¿qué pensar? ¿que tal vez ha llegado nuestro turno de ser excluidos de la faz de la Tierra? Dada la voracidad del proceso productivista mundializado que no conoce moderación, cada año están desapareciendo,según el biologo E.Wilson, cerca de 100 mil especies de organismos vivos. Aquí cabe recoger las palabras del eminente naturalista francés Théodore Monod, que hemos citado algunas veces: «somos capaces de una conducta insensata y demente; a partir de ahora podemos temer todo, inclusive la aniquilación de la raza humana: sería el justo precio de nuestras locuras y de nuestra crueldad». Esta opinión es compartida por otras notables personalidades como Toynbee, Lovelock, Rees, Jacquard, y Chomsky entre otros.

No podemos saber cómo será nuestro futuro. Pero no puede ser una prolongación del presente. La naturaleza de la lógica capitalista no cambiará, si no, tendría que renunciar a ser lo que  es y quiere ser: acumular ilimitadamente sin cuidar las externalidades.

Como mostró Hans Jonas en su libro El Principio Responsabilidad, el factor miedo y pavor puede ser decisivo. Al darse cuenta de que puede desaparecer, el ser humano hará todo para sobrevivir, como los navíos antiguos que, en peligro de naufragar, tiraban toda la carga al mar. Habría introducir cambios radicales especialmente en el modo de producción y en el consumo frugal y  solidario.

Existe todavía el principio de lo imponderable y de lo inesperado de la mecánica cuántica. La evolución no es lineal. En momentos de alta complejidad y de gran caos puede dar un salto hacia un nuevo orden y conquistar otro equilibrio. En nuestro caso no es imposible. Pero se hará seguramente con el sacrificio de muchas vidas también humanas. Es nuestro drama.

Finalmente, tenemos la esperanza teologal, el legado judeocristiano, que debe ser entendido también como una emergencia del proceso evolutivo y no como algo exógeno. Ella afirma el principio de la vida y del Dios vivo y dador de vida que creó todo por amor. Él podrá crear condiciones para que los seres humanos cambien hacia otro rumbo de su destino y así puedan salvarse. Pero “chi lo sa”? A nosotros nos cabe el esperanzarse de Paulo Freire, es decir, crear las condiciones para la utopía viable, la esperanza, de que lo inesperado sucederá y que la vida siempre tendrá futuro y está destinada a cambiar para seguir y seguir brillando.

(22/07/2022)

Só o amor vence o ódio anti-vida do bolsonarismo

Foi eleito presidente do Brasil um figura sinistra, claramente possuída pela pulsão de morte e de ódio. Parece ter sofrido uma lobotomia pois estão estranhamente ausentes nele quaisquer sentimentos de empatia face às milhões de famílias enlutadas pela ação mortal do Covid-19 de quem se fez aliado, pois o minimizou, ridicularizou e combateu, sendo responsável por grande parte dos mais de 600 mil de vítimas. Fez da distorção da realidade, da fake news e da mentira método de governo. Semeou ódio e espírito de vingança entre seus seguidores e apoiou práticas criminosas com referência à Amazônia e discriminatórias à população indígena, negra, quilombola, de outra condição sexual e, em geral, aos pobres e marginalizados.

Esta triste figura que não possui um centro, conseguiu trazer à toma as várias sombras que acompanham a nossa sociedade, desde o genocídio indígena, da colonização, do escravismo e da dominação das  elites opulentas que sempre ocuparam o estado e seus aparelhos em benefício próprio e à custa do bem estar das  grandes maiorias. Liberou a dimensão dia-bólica (que divide) que habita nos porões escuros da psiqué pessoal e coletiva, a ponto de escantear a dimensão sim-bòlica (a que une), aquela que nos faz verdadeiramente humanos e sociáveis. O assassinato por razões políticas em  Foz do Iguaçu por um bolsonarista, não exime de responsabilidade moral o presidente, pois ele deu  a senha para o uso da violência.

A essa onda de ódio que está tomando várias nações no mundo mas de forma exponencial entre nós fez com que o eminente intelectual norte-americano Noam Chomsky, casado com uma brasileira, dissesse recentemente: ”O Brasil é uma espécie de caso especial; raramente vi um país onde elementos da elite têm tanto desprezo e ódio pelos pobres e pelo povo trabalhador”.

A esse ódio devemos contrapor o amor, a amorosidade, na linguagem de Paulo Freire: promover aqueles valores que ele,seus filhos  e seus seguidores jamais poderão usar: como o amor, a solidariedade, a fraternidade, o cuidado de uns para com os outros e para com a natureza, o direito de cada um de possuir um pedacinho de Terra, a Casa Comum, que Deus destinou a todos, uma moradia decente, o cultivo da compaixão para com os sofredores, o respeito,  a compreensão, a renúncia a todo espírito de vingança, a transparência dos atos governamentais e o direito de ser feliz . Todos estes valores são negados teorica e praticamente pela verdadeira seita bolsonarista.

Abordarei o tema do amor não no sentido ético/moral,  filosófico e    teológico. Basear-me-ei somente em sua base biológica, tão bem formulada pelos cientistas Humberto Maturana e James D.Watson que junto com Francis Crick em 1953 descoficou o código genético.

O biólogo chileno Humberto Maturana, em seus estudos sobre a autopoiesis, vale dizer, sobre a auto-orgnização da matéria da qual resulta a vida,  mostrou como o amor irrompe de dentro do processo evolucionário. Na natureza, afirma ele, se verificam dois tipos de conexões (ele chama de acoplamentos) dos seres com o meio e entre si: um necessário, ligado à própria subsistência e outro espontâneo, vinculado a relações gratuitas, por afinidades eletivas  e por puro prazer, no fluir do próprio viver.

Quando esta última ocorre, mesmo em estágios primitivos da evolução há bilhões de anos, ai surge a primeira manifestação do amor como fenômeno cósmico e biológico. Na medida em que o universo se inflaciona e se complexifica, essa conexão espontânea e amorosa tende a incrementar-se. No nível humano, ganha força, faz-se um projeto consciente de vida  e se torna o móvel principal das ações humanas (Cf.A árvore da vida: a base biológica do entendimento humano,1955).

O amor se orienta sempre pelo outro. Significa uma aventura abraâmica, a de deixar a sua própria realidade e ir ao encontro do outro, homem ou mulher, e estabelecer uma relação de afetividade, de aliança vital e de amor.

Whatson, em seu volumoso livro DNA:o segredo da vida (2005) afirma explicitamente:

No  DNA, o manual de instruções da vida humana, o amor pertence à essência do ser humano.Embora eu não seja religioso não deixo de ver elementos profundamente verdadeiros,  escritos por São Paulo na sua primeira Carta aos Coríntio (13,1-13):’ainda que eu falasse  línguas, a dos homens e as dos anjos…ainda que tivesse o dom da profecia, o conhecimento de todo os mistérios e de toda a ciência…se não tivesse o amor nada seria”. Continua Whatson: “Paulo, no meu entendimento, revelou com clareza a essência de nossa humanidade; o amor, esse impulso que nos faz ter cuidado com o outro, foi o que permitiu a nossa sobrevivência e sucesso no planeta; é esse impulso, creio, que salvaguardará nosso futuro…tão fundamental é o amor à natureza humana, estou certo de que a capacidade de amar  está inscrita em nosso DNA; um Paulo secular como eu diria que o amor é a maior dádiva de nossos genes à humanidade”(p.413-414).

Como se depreende, quem faz tais afirmações são cientistas da maior seriedade e de reconhecimento internacional. O amor pertence à nossa natureza essencial. Agindo contra ele, como o faz o presidente e o bolsonarismo, se colocam na contramão da humanidade e da lógica do universo. Daí sua maldade e perversidade.

A sociedade brasileira não pode se construir sobre esta barbárie e anti-humanismo. O  povo deverá  rejeitar sua reeleição, não só por razões ético-morais-políticas e de bom senso, mas também por razões científicas.

De sua boca ouvi e de seu exemplo aprendi o que meu pai legou a toda família: “Quem não vive para servir, não serve para viver”. O atual presidente não serve o povo brasileiro, pior,  nega aquela única energia que cresce e se renova quanto mais é vivida e doada: o amor. Amor, repito, negado ao povo brasileiro, à natureza e à Mãe Terra.

(14/07/2022)

“Uma guerra mundial em pedaços”

No dia 29 de junho do corrente ano de 2022 aconteceu a Cúpula de Madrid dos países que compõem a Organização do Tratado  do Atlântico Norte  (Nato) à qual pertence como ator  principal os USA. Aliás a relação entre estes países europeus e os USA é de humilhante subordinação.

Nesta Cúpula se estabeleceu um “Novo Compromisso Estratégico” que de certa forma vai além dos limites europeus e recobre todo mundo. Para reforçar esta estratégia globalista se fizeram presentes também o Japão, a Coreia do Sul, a Austrália e a Nova Zelândia. Ai declarou-se algo extremamente perigoso e provocador de uma eventual terceira guerra mundial. Reafirmou-se  a Rússia como o inimigo direto e a China como inimigo potencial de amanhã. A Nato não se apresenta apenas defensiva, passou a ser ofensiva.

Introduziu-se a perversa categoria do “inimigo” a quem deve-se enfrentar e derrotar. Isso nos  remete ao jurista  nazi-fascista de Hitler Carl Schmitt (1888-1985). Em seu O Conceito do Político (1932, Vozes 1992) diz: “a essência da existência política de um povo é sua capacidade de definir o amigo e o inimigo”(p.76). Definindo o inimigo,combatê-lo,”tratá-lo como mau e feio e derrotá-lo”, isso  instaura a identidade de um povo.

Novamente a Europa se faz vítima de seu próprio paradigma da vontade de poder e do poder como dominação sobre os outros inclusive sobre a natureza e a vida. Este paradigma fez com que só no século XX se fizessem duas grandes guerras com 100 milhões de vítimas. Parece que ela não aprendeu nada da história e muito menos da lição que o Covid-19 está duramente dando pois caiu como um raio sobre o sistema e seus mantras.

Sabe-se hoje que por detrás da guerra que ocorre na Ucrânia está se dando o confronto entre os USA e a Rússia/China  no sentido de quem detém o domínio geopolítico do mundo. Até agora vigorava um mundo unipolar com a predominância completa dos USA sobre o curso da história não obstante as derrotas sofridas em várias intervenções militares,sempre brutais e destruidoras de antigas culturas.

O nosso mestre em geopolítica Luiz Alberto Moniz Bandeira (1935-2017) em seu minucioso livro A desordem mundial: o espectro da total dominação (Civilização Brasileira,RJ 2016) apontou, claro, os três mantras fundamentais do Pentágono e da política externa norte-americana: (1)um  mundo- um império (USA); (2) full spectrum dominance: dominar todo o espectro da realidade, na terra, no mar e no ar com cerca de 800 bases militares distribuídas no mundo inteiro;(3) desestabilizar todos os governos dos países que resistem ou se opõem a esta estratégia. Não mais via golpe de estado com tanques na rua, mas mediante a difamação da política, como o mundo do sujo e do corrupto, destruição da fama das lideranças políticas e uma articulação político-midiático-jurídica para afastar os chefes de estado resistentes. Efetivamente isso ocorreu em Honduras, na Bolívia e no Brasil com o golpe desta natureza contra Dilma Rousseff em 2016 e posteriormente com a injusta prisão de Lula. Agora o Novo Compromisso Estratégico da Nato obedece a esta orientação,imposta pelos USA, valendo para  todos sob a pretexto de segurança e estabilidade do mundo.

Ocorre que o império norte-americano está à deriva por mais que ainda se apele ao seu excepcionalismo e ao “destino manifesto”  segundo o qual os USA seriam o novo povo de Deus que irá levar para as nações a democracia, a liberdade e os direitos (sempre entendidos dentro do codigo capitalista).  No entanto, a Rússia se refez da erosão do império soviético, armou-se com armas nucleares potentes, com  misseis inatacáveis e disputa um forte espaço no processo de globalização. Irrompeu a China com projetos novos como o camino da seda e como uma potência econômica tão potente a ponto de, dentro de pouco,  ultrapassar a norte-americana. Paralelamente a isso surgiu no Sul Global, um grupo de países do BRICS do qual o Brasil participa. Em outras palavras, já não há um mundo unipolar, mas multipolar.

Este fato exaspera a arrogância dos norte-americanos especialmente os supremacistas neocons que afirmam ser necessário continuar a guerra na Ucrânia para sangrar e eventualmente  arrasar a Rússia e neutralizar a China para confrontá-la numa fase posterior. Desta forma – esta é a pretensão neocon – se voltaria ao mundo unipolar.

Eis aqui postos os elementos que podem gerar uma terceira guerra mundial que será suicida. O Papa Francisco em sua intuição clara tem falado repetidas vezes que estamos já dentro da “terceira guerra mundial em pedaços”. Por esta razão conclama em tom quase desesperado (mas sempre pessoalmente esperançoso) de que “estamos todos no mesmo barco; ou nos salvamos todos ou ninguém se salva”(Fratelli tutti n.32).Não denuncia outra coisa e com frequência o  eminente intelectual Noam Chomsky. Enfaticamente afirma que há suficiente loucos no Pentágono e na Rússia que querem essa guerra que pode colocar um fim à espécie humana.É a razão tornada irracional e enlouquecida.

Desta forma se reforça o letal paradigma do dominus(senhor e dono) da modernidade e se debilita a alternativa do frater (irmão e irmã),proposto pelo Papa Francisco em sua encíclica Fratelli tutti, inspirado no melhor homem do Ocidente, Francisco de Assis. Ou nos confraternizamos todos entre nós e com a natureza ou então estamos,nas palavras do secretário da ONU António Guterrez, cavando a nossa própria sepultura.

Por que se optou pela vontade de poder e não pela vontade de viver dos pacifistas Albert Schweitzer, Leon Tolstói e Mahatma Gandhi? Por que a Europa que produziu tantos sábios e santos e santas escolheu  este caminho que pode devastar todo o planeta até fazê-lo inabitável? Acolheu como orientador o mais perigoso dos arquétipos, segundo C.G.Jung, aquele do poder,capaz de nos auto-destruir? Deixo aberta esta questão que Martin Heidegger levou sem resposta à sepultura.Pesaroso deixou escrito para ser publicado na pós-morte:”Só um Deus nos poderá salvar”.

Pois é nesse Deus vivo e fonte de vida que colocamos nossa esperança. Isso ultrapassa os limites da ciência e da razão instrumental-analítica. É o salto da fé que também representa uma virtualidade presente no processo global cosmogênico.A alternativa a esta esperança são as trevas. Mas a luz tem mais direito que a trevas. Nessa luz cremos e esperamos.

(10/07/2022)