“A longo prazo, o futuro do cristianismo está no Extremo Oriente. Em primeiro lugar porque o futuro da humanidade está no Extrmeo Oriente, ou seja, na China, na ìndia, no Japão, na Coreia, no Vietnã, nas Filipinas e nos países da Península Indochinesa. Na frente estará a China. No século XXII, o Extremo Oriente terá ultrpassado a economia do bloco América-EUropa, dito o Ocidente, que predominou desde o século XVI.” (COMBLIN, José. O Espírito Santo e a Tradição de Jesus. São Bernardo do Campo, SP: Nhanduti, 2012, p. 437.)
Tradição de Jesus migra pra China
Missionários, aprendam o mandarim
Sectários católicos lançam semente
Do terror neofascista no Brasil
“Os novos movimentos sectários praticam uma chantagem constante e dispõem de um imenso poder político, econômico, cultural. Intimidam pela sua prepotência, pelo seu fanatismo. Paralisam a hierarquia que se sente pressionada sem poder resistir. Entram na hierarquia e ali praticam a mesma chantagem. Que peso do passado! Na Europa, o fascismo está invadindo o mundo político e daí passa para o mundo eclesiástico. A democracia está em decadência, eo o clero recupera os velhos reflexos dos tempos em que a Igreja mandava. Os movimentos são a presença do fascismo dentro da Igreja. A América Latica não escapa e sofre o domínio desses movimentos em vários países, na maioria. O que mais preocupa nesses movimentos extremistas é a sua riqueza cumulada em poucos anos e o seu afã de poder. Isto é tão antievangélico que assusta, e assusta o poder qie adquiriram dentro da Igreja, ou seja, dentro da instituição eclesiástica. João Paulo II permitiu que se transformassem em empresas com finalidade econômica com muitas práticas externas de religião,vividas como mecanismos sagrados que asseguram a salvação sem passar pelo evangelho. Pode ser o equivalente eclesiaástico das multinacionais financeiras da sociedade contemporânea, o que assusta mais ainda. Será que a hierarquia um dia vai abrir os olhos?” (COMBLIN, José. O Espírito Santo e a Tradição de Jesus. São Bernardo do Campo, SP: Nhanduti, 2012, p. 451).
Há anos, não nos encontramos. Uma das últimas vezes foi no Congresso da SOTER em Belo Horizonte já há seis anos. Lembro-me que você sempre me agradece o eketé que, nas reuniões, sempre ponho na cabeça, em comunhão com as comunidades afro-brasileiras.
Nós nos conhecemos no início dos anos 80, em um curso para bispos que você veio assessorar em Itaici, no interior de São Paulo e ao qual fui convidado como assessor da Pastoral da Terra. Até hoje, uso aqueles conteúdos maravilhosos que você nos passou. Depois, por alguns anos, na mesma década, nos encontrávamos uma vez por ano no convento dos franciscanos em Petrópolis para os encontros dos autores da coleção Teologia e Libertação. E eu sempre me aproximava de você como de um grande mestre, mas guardando as distâncias necessárias.
Já nos anos 90, uma vez, fui assessorar um encontro de comunidades de base da Argentina que se encontravam na tríplice fronteira. E minha surpresa foi que quando desci do avião no pequeno aeroporto de Iguazu, a primeira pessoa que estava me esperando era você que me contou: Tinha acabado a sua parte de assessoria e tinha vindo ao aeroporto para embarcar, mas ficara feliz porque os voos coincidiram e você poderia ainda me ver e saudar. Tomamos um café juntos e depois nos despedimos.
Sempre gosto quando o vejo reagir às pessoas que o chamam de “pai da Teologia da Libertação” e sei que você sempre se colocou na linha da produção comunitária e de uma responsabilidade coletiva.
Compreendi o seu grande esforço para dialogar com o Vaticano. Não li o seu livro escrito em comum com o cardeal Muller. Não li não porque o tenha rejeitado, ou me negado a ler. Ao contrário, só não tive de oportunidade de encontrá-lo. De todo modo, confesso que tive medo.
Algumas notícias de jornal e declarações muito simplistas contra o marxismo me recordaram de uma história que vivi ainda nos anos 80. Eu morava em Goiás e a arquidiocese de Goiânia, ainda em seus tempos de abertura (antes do atual arcebispo), me convidou para dar algumas aulas de Bíblia no então seminário arquidiocesano. E eu aceitei. Um dia, subia as escadas do seminário e me encontrei com o querido e saudoso frei Mateus Rocha que descia os mesmos degraus. Que surpresa nos encontrarmos ali. Só que Mateus me olhou com cara meio de espanto e meio de estranheza. E eu reagi quase agressivamente:
– Por que você está estranhando de me encontrar aqui? Você também não está?
E ele com cabeça baixa me respondeu como se ainda estivesse matutando com seus botões:
– Pois é… Se eles aceitaram a mim e a você como professores deste seminário, ou nós, ou eles mudamos e o meu medo é que não tenha sido eles, porque a instituição não se converte….
Querido irmão e mestre Gustavo,
Na altura dos seus 93, você já está acima dessas discussões e para além dessas questões. Que Deus, energia de Paz e de Libertação o fortaleça e sustente sempre. Parabéns e abraço do irmão Marcelo Barros
(que escreve essas linhas sempre com o seu eketé afro).
Em função das próximas eleições municipais, faz-se mais uma reflexão sobre a relevância da fé cristã face à política, seja social, seja partidária.
A fé não é um ato ao lado de outros. Mas é uma atitude que engloba todos os atos, toda a pessoa, o sentimento, a inteligência, a vontade e as opções de vida. E uma experiência originária de encontro com o Mistério que chamamos Deus vivo e com Jesus ressuscitado. Esse encontro muda a vida e a forma de ver todas as coisas. Pela atitude de fé vemos que tudo está ligado e religado a Deus, como Aquele Pai/Mãe que tudo criou, tudo acompanha e tudo atrái para que todos possam viver com espírito fraterno, com cuidado de uns para com outros e da natureza; Esse amor social constitui a mensagem central da nova encíclica do Papa Francisco Fratelli tutti. A fé não é só boa para a eternidade mas também para este mundo.
Neste sentido, a fé engloba também a política com P maiúsculo (política social) e com p minúsculo (política partidária). Sempre se pode perguntar: em que medida a política, seja social, seja partidária, é instrumento para a realização dos bens do Reino como o amor social, a fraternidade sem fronteiras, a justiça pessoal e social, a solidariedade e a tolerância; em que medida a política cria as condições para as pessoas abrirem-se à cooperação e não se entre-devorarem pela competição mas à comunhão uns com os outros e com Deus. Essa é chamada pela recente encíclica do Papa Francisco Fratelli tutti “a Política Melhor” que inclui o coração e até a ternura e a gentileza como de forma surpreendente vem dito lá.
A fé como uma bicicleta
A fé não fica apenas como experiência pessoal de encontro com Deus e com Cristo no Espírito. Ela se traduz concretamente na vida. Ela é como uma bicicleta, possui duas rodas mediante as quais se torna concreta: a roda da religião e a roda da política.
A roda da religião se realiza pela meditação, pela oração, pelas celebrações, pela leitura da Bíblia, também a popular, pelas romarias, pelos sacramentos, numa palavra, pelo culto.
Muitos reduzem a religião somente a essa roda. Especialmente as redes de tv católicas. Essas são, geralmente, de um cristianismo meramente devocional, de missas, santos, rosários e de ética familiar. Quase nunca se fala de justiça social, do drama dos milhões de desempregados, do grito dos oprimidos e do grito da Terra. Neste campo precisa-se de um compromisso, de assumir um lado, para escapar do cinismo face à realidade com tantas iniquidades. Por esse tipo de cristianismo fica difícil entender por que Jesus foi preso, torturado, julgado e condenado à morte de cruz. Esse tipo de cristianismo é cômodo. Jesus teria morrido de velho e cercado de seguidores.
Mais grave é o tipo de fé proclamada pelas igrejas neopentecostais com suas televisões e programas multitudinários. Aí não se escuta nunca a mensagem do Reino de amor, de justiça, de fraternidade e de perdão. Nunca se ouve a palavra fundamental do Jesus histórico:”Felizes os pobres porque vosso é o Reino de Deus…ai de vós ricos, porque já tendes a vossa consolação”(Lc 6,20.24). Em seu lugar volta-se a um tipo de leitura do Antigo Testamento (raramente a tradição profética) onde se ressaltam os bens materiais. Pregam não o evangelho do Reino, mas o evangelho da Prosperidade material. Logicamente, a maioria é pobre e precisa de uma infraestrutura material básica. É a fome real que martiriza milhões de fiéis. Mas “não só de pão vive o homem” disse o Mestre. O ser humano tem no fundo outro tipo de fome: fome de reconhecimento negado às mulheres, aos mais humildes, aos negros, aos homoafetivos, aos LGBT, fome de beleza, de transcendência, ínsita na natureza humana, por fim, fome de um Deus vivo que é de ternura e de amor aos mais invisíveis. Tudo isso, essência da mensagem do Jesus histórico, não se ouve nas palavra dos pastores. Estes, a maioria deles, são lobos em pele de ovelha, pois exploram em proveito próprio a fé singela dos mais humildes. E o pior são politicamente conservadores e até reacionários, agem como se partidos fossem, normalmente, apoiando políticos de conduta duvidosa, interferem, como é o caso atual no Brasil, na agenda do governo, apontando nomes para os altos cargos. Não respeitam a Constituição que prescreve a laicidade do estado. O atual presidente, outrora católico, por conveniência se aproveita destas igrejas neopentecostais como base de apoio de seu governo de viés reacionário, autoritário e fascistoide.
Ao lado deles, há um grupo de católicos saudosistas do passado, conservadores que se opõem até ao Papa, ao Sínodo Pan-Amazônico, usando de verdadeiras mentiras, fake news e outros ataques por seus youtubers. Podem ser católicos conservadores, mas nunca cristãos na herança de Jesus, pois nessa herança não cabe o ódio, a mentira e a calúnia que eles propagam.
A fé possui uma segunda roda, da política; é o seu lado prático. A fé se expressa pela prática da justiça, da solidariedade, da denúncia das opressões, pelo protesto e pela prática da solidariedade sem fronteiras, do amor social e da fraternidade universal,como enfatiza o Papa na Fratelli tutti (n.6). Como se vê, política aqui é sinônimo de ética. Temos que aprender a nos equilibrar em cima das duas rodas para poder andar corretamente.
Entre aqueles que vivem uma ética de solidariedade, de respeito e de busca da verdade, estão muitos que se confessam ateus. Admiram a figura de Jesus por sua profunda humanidade e coragem ao denunciar as mazelas sociais de seu tempo e, por isso, de sofrer perseguições e ser crucificado. Bem enfatiza o Papa Francisco: prefiro estes ateus éticos do que cristãos indiferentes ao sofrimento humano e às clamorosas injustiças mundiais. Quem busca a justiça e a verdade está na direção do caminho que termina em Deus, pois sua verdadeira realidade é de amor e de verdade. Mais valem tais valores que as muitas orações se nelas não está presente a justiça, a verdade e o amor. Quem é surdo diante dos padecimentos humanos, não tem nada a dizer a Deus e suas orações não são ouvidas por Ele.
Para as Escrituras judaico-cristãs a roda da política (ética) emerge mais importante que a roda da religião institucional (culto, cf. Mt 7,21-22; 9,13; 12,7; 21,28-31; Gl 5,6; Tg 2,14 e os profetas do AT). Sem a ética, a fé é vazia e inoperante. São as práticas e não as prédicas que contam para Deus. Não adianta dizer “Senhor, Senhor”e com isso organizar toda uma celebração e uma aeróbica religiosa; mais importante é fazer a vontade do Pai que é amor, misericórdia, justiça e perdão, coisas todas práticas, portanto, eticas (cf. Mt 7,21).
Por ética em política se entende a dimensão de responsabilidade, a vontade de construir relações de participação e não de exclusão em todos os âmbitos da vida social. É ser transparente e abominar a corrupção. Hoje os problemas, como a fome, o desemprego, a deterioração geral das condições de vida e a exclusão de grandes maiorias, são de natureza social e política, portanto, ética. Então a fé deve mostrar sua força de mobilização e de transformação (Fratelli tutti n.166)
Política social (P) e política partidária (p)
Como acenamos acima, há dois tipos de política: uma escrita com P maiúsculo e outra com p minúscula: a Política social (P) e a política partidária (p).
Política social (P): é tudo o que diz respeito ao bem comum da sociedade; ou então é a participação das pessoas na vida social. Assim por exemplo a organização da saúde, da rede escolar, dos transportes, a abertura e a manutenção de ruas, de água e esgoto etc tem a ver com política social, bem como lutar para conseguir um posto de saúde no bairro, se unir para trazer a linha de ônibus até no alto do morro: tudo isso é Política social. Definindo de forma breve podemos dizer: política social ou Política com P maiúsculo significa a busca comum do bem comum.
Política partidária (p): significa a luta pelo poder de estado, para conquistar o governo municipal, estadual e federal. Os partidos políticos existem em função de se chegar ao poder de estado, seja para mudá-lo (processo libertário), seja para exercê-lo assim como se encontra constituído (governar o status quo existente). O partido,como a palavra já o diz, é parte e parcela da sociedade não toda sociedade. Cada partido tem por trás interesses de grupos ou de classes que elaboram um projeto, visando toda a sociedade. Se chegarem ao poder de estado (governo) vão comandar as políticas públicas conforme o seu programa e sua visão particular dos problemas.
Com referência à política partidária, é importante a pessoa de fé considerar os seguintes pontos:
Qual é o programa do partido?
Como o povo entra neste programa? se foi discutido nas bases; se atende aos reclamos reais e urgentes do povo; se prevê a participação popular, mediante seus movimentos e organismos; se estes foram ouvidos na sua concepção, implementação e controle.
Quem são os candidatos que representam o programa? Que biografia têm, se sempre mantiveram uma ligação orgânica com as bases, se são verdadeiramente aliados e representantes das causas da justiça e da transformação social com mais justiça e direitos ou se querem manter as relações sociais assim como são, com as contradições e até iniquidades que encerram.
Nos dias atuais, face à ascensão do pensamento conservador e facistóide no Brasil e outros países do mundo, faz-se necessária a participação de cristãos conscientes e engajados para recuperar a democracia que está sob risco de demolição, os direitos pessoais e sociais e também os direitos da natureza, devastada pela cobiça do capital brasileiro e mundial, responsáveis, entre outros, pelas grandes queimadas da Amazônia e do Pantanal.
Bastam estes simples critérios para se perceber o perfil do partido e dos candidatos, de direita (se querem manter inalterada a relação de forças que favorece os que estão no poder),de esquerda (se visam mudanças substanciais para superar estruturas perversas que marginalizam as grandes maiorias) ou de centro (os partidos que se equilibram entre a esquerda e a direita, procurando sempre vantagens para si e para os grupos que representam).
Para os cristãos, impõe-se analisar até que ponto tais programas se afinam com o projeto de Jesus e dos apóstolos, como ajudam na libertação dos oprimidos e marginalizados e em que sentido abrem espaço à participação de todos. Mas releva enfatizar: a decisão partidária é assunto de cada consciência e um cristão sabe que direção tomar.
Dada a conjuntura de exclusão social devido à lógica do neoliberalismo, da financeirização da economia e do mercado, a fé aponta para uma política partidária que deve revelar uma dimensão popular e libertária, de baixo para cima e de dentro para fora como o Papa Francisco tem proclamado aos movimentos sociais populares e na encíclica Fratelli tutti (n.141-151). Essa política pretende outro tipo de democracia: não apenas a democracia representativa/delegatícia mas uma democracia participativa pela qual o povo com suas organizações ajuda a discutir, a decidir e a encaminhar as questões sociais.
Por fim, releva inaugurar uma democracia socio-ecológica que incorpore como cidadãos com direitos a serem respeitados: a Terra, os ecossistemas e os seres da criação com os quais mantemos relações de interdependência. Somos todos “tutti fratelli” segundo as duas encíclicas do Papa Francisco, “Laudato Sì: sobre o cuidado da Casa Comum” e a recente de 2020 Fratelli tutti.
A política partidária, tem a ver com o poder que para ser forte quer sempre mais poder. Nisso há um risco, o risco do totalitarismo da política, de politizar todas as questões, de ver somente a dimensão política da vida. Contra isso devemos dizer que tudo é político, mas a política não é tudo. A vida humana, pessoal e social, comparece com outras dimensões, como a afetiva, a estética,a lúdica e a religiosa.
Conclusão: a memória perigosa de Jesus
Os cristãos podem e devem participar da política em todos os níveis, em P maiúsculo e em p minúsculo. Sua atuação se inspira no sonho de Jesus que implica um impulso de transformação das relações sociais e ecológicas, corajosamente apresentadas na encíclica Fratelli tutti. Nunca, entretanto, deve esquecer que somos herdeiros da memória perigosa e libertária de Jesus. Por causa de seu compromisso com o projeto do Reino de amor, justiça, de intimidade filial com o Pai e especificamente, de sua compaixão pelos humilhados e ofendidos, foi levado à morte na cruz. Se ressuscitou foi para, em nome do Deus da vida, animar a insurreição contra uma política social e partidária que penaliza os mais pobres, elimina os profetas, persegue os pregadores de uma justiça maior e reforçar a todos que querem uma sociedade nova com uma relação de fraternidade e de cuidado para com a natureza, para com todos os seres, amados como irmãos e irmãs e para com o Deus de ternura e de bondade.
Nascido em 1938, doutorou-se em teologia pela Universidade de Munique. Foi professor de teologia sistemática e ecumênica com os Franciscanos em Petrópolis e depois professor de ética, filosofia da religião e de ecologia filosófica na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Conta-se entre um dos iniciadores da teologia da libertação. É assessor de movimentos populares. Conhecido como professor e conferencista no país e no estrangeiro nas áreas de teologia, filosofia, ética, espiritualidade e ecologia. Em 1985, foi condenado a um ano de silêncio obsequioso pelo ex-Santo Ofício, por suas teses no livro Igreja: carisma e poder (Record).