Neste dia em que você completaria cem anos do seu nascimento (22 de março de 1923), começo o dia lhe escrevendo essas linhas para lhe agradecer o tanto que aprendi de você e como o seu testemunho espiritual e teológico é atual e pode responder a muitos desafios que, hoje, enfrentamos no Brasil e no mundo. Todos/todas nós que tivemos a graça de conviver com você queremos sinalizar isso nas Igrejas e no mundo.
Pessoalmente, o conheci desde que você chegou ao Recife, convidado por Dom Helder Camara, em 1964, para ajudá-lo a organizar os estudos teológicos. Você ficou hospedado no Mosteiro de São Bento no qual, na época, eu era noviço. Você era, então, um padre jovem, tímido e com uma ironia fina que se manifestava no modo de sorrir e de reagir às pessoas que se aproximavam para conhecer um teólogo que já vinha da Europa com certa fama. Você respondia às perguntas com outras perguntas que sempre levava as pessoas a aprofundar mais o assunto.
Nos anos seguintes, fui seu aluno de teologia no Seminário de Camaragibe e mais tarde (1968) no Instituto Teológico do Recife (ITER). Com você aprendi não apenas a estudar os tratados teológicos, mas a procurar fazer Teologia, em diálogo com os estudos acadêmicos, mas principalmente a partir da inserção amorosa no mundo dos pobres. No terceiro ano de Teologia, estudava o tratado dos Sacramentos, quando você precisou viajar por um mês a Europa. No lugar de chamar um professor para substituí-lo, você escolheu um aluno da classe para coordenar as aulas sobre Sacramentos na sua ausência e o escolhido fui eu. A partir dali, descobri que tinha uma vocação para o estudo mais profundo da Bíblia e para fazer Teologia. Você me ajudou a descobrir que deveria ser teólogo das bases e não apenas da academia.
Em 1968, a pedido de Dom Helder, você escreveu um documento de subsídios teológicos preparatórios à 2ª Conferência Geral do Episcopado Latino-americano em Medellín. Este documento com propostas de profunda transformação política para o continente caiu nas mãos dos militares da ditadura e você foi expulso do Brasil. Dez anos depois, quando você pôde voltar, o reencontrei ainda mais ecumênico e ligado às bases. A partir de então, seus livros serão cada vez mais escritos em linguagem simples e dirigidos às pessoas de base e não apenas aos ambientes da teologia.
Nos primeiros anos deste século, no Mosteiro ecumênico e inserido em que vivi na Cidade de Goiás, tive a alegria de, a cada ano, receber você e Mônica para viverem conosco o Tríduo Pascal e celebrarmos juntos a Páscoa de um modo novo e profundamente inserido com os vizinhos mais pobres. E falamos que quando você achasse que seria o caso, quem sabe, poderia vir morar conosco. No entanto, a conjuntura levou a você e a mim para situações diferentes. Eu, por doença, voltei a morar em Recife. Por solidariedade, você e Mônica foram acompanhar mais de perto Dom Luis Cappio e a diocese da Barra na defesa do rio São Francisco e na vivência de uma ecoteologia das águas e da Terra da qual todos nós precisamos.
Em meio a um encontro que assessorava em Salvador, você partiu sem aviso prévio e o seu corpo foi plantado pelos irmãos e irmãs, junto ao túmulo do padre-mestre Ibiapina, no Santuário da Santa Fé em Solânia- PB. A sua mensagem profética de doutor da Igreja dos Pobres continua viva e atuante. Encoraja-nos na missão de renovar a Igreja no caminho do evangelho e transformar o mundo para acolher em seu seio o reinado divino.
As notícias da nossa Igreja Católica não são muito alvissareiras. As comunidades eclesiais de base resistem e cada vez mais se tornam comunidades humanas (ecumênicas) de base, enquanto a Igreja oficial continua falando em pequenas comunidades. O papa propõe um processo sinodal. A maioria das dioceses já mandou ao Vaticano o resultado de suas consultas às bases. A maioria dessas sínteses são vergonhosamente genéricas e sem quaisquer propostas concretas de mudanças. Apesar de todos os esforços do papa Francisco, o clero é cada vez mais clerical e avesso à Sinodalidade. A maioria das paróquias ressuscita devocionalismos barrocos da época da minha bisavó, enquanto o mundo sofre aumento descomunal da pobreza, agravamento da crise ecológica e várias guerras internacionais nos países pobres, para experimentarem as armas fabricadas nos países ricos.
Do lado nosso, no Recife e propomos para o Brasil todo um Mutirão da Profecia. Por todo o país se organizam grupos cristãos com gente de várias Igrejas que, no dia 7 de setembro, junto ao Grito dos Excluídos, expressarão de forma atualizada um novo “Pacto das Catacumbas” como compromissso de vivermos a fé como Igreja dos Pobres, em comunhão com a mãe-Terra e junto aos povos originários, comunidades negras e todo o mundo dos empobrecidos/as.
Muito obrigado por nos ter sempre inspirado a vivermos este caminho. Interceda por nós e nos abençoe. Abraço do irmão Marcelo Barros.
Esta fecha me obliga a mirar no sólo lo sucedido durante la última dictadura, sino también antes. La violencia deja marcas que es forzoso mirar una y otra vez.
Separar mi historia, lo que me tocó vivir en Argentina antes y después del 24 de marzo de 1976, se hizo para mí una lectura frecuente. Casi cotidiana.
Llegué a pensar que un día podría olvidar lo sucedido. No alimento más esa expectativa. Lo que hice y hago es mirar una y otra vez a la historia pasada, mirando al presente y al futuro.
Separar mi historia vivida de lo que me quisieron hacer creer o lo que pude llegar a creer erróneamente, es lo que me ha ido trayendo cada vez más a un estado saludable.
Lo malo era la confusión. No saber qué es lo que había pasado. Eso era espantoso. Pasé años leyendo, escuchando, preguntando, hablando, reviviendo, resignificando.
Ahora puedo mirar y miro aquello desde aquí. Y ya es una mirada solidaria. Comunitaria. Muchas personas pasaron por lo que pasé, y me nutro de ese vínculo colectivo.
Miro entonces hacia atrás para venir a lo que nació de la superación y enfrentamiento de lo que se impuso a la población argentina un día como hoy.
De tanto mirar y escuchar, me escuché y me escucho. Hay menos ruido ahora. Distingo mejor lo sucedido de lo que se plantó como mentiras impuestas.
Comprendí y comprendo cosas que no me obligo a compartir. Mi historia personal atravesó ese tiempo anormal y obscuro y no me obligo a volver a revivirlo.
Me basta haber limpiado mi mirada. Me gané eso, a fuerza de mirar y mirar sin cesar hacia la ignominia, y escuchar. Escuchar una y otra vez a quienes pasaron también por aquello.
Y es fuerza decirlo, escuchar y escucharme también en otras historias de violencia anteriores y posteriores.
Basura es basura. Nacieron flores después de la lluvia. Esto es lo que veo ahora. A veces. Otras veces no. El agua siempre me limpia, de todas maneras.
Comunidade Quilombola Família Araújo, de Betim, MG: exemplo inspirador. Por Frei Gilvander Moreira [1]
Celebração e Festa da conquista da 1a Comunidade Quilombola de Betim, MG: a Comunidade Quilombola Família Araújo, dia 19/03/23. Fotos: Alenice Baeta
Dia 19 de março de 2023, dia de São José, entrará para a história como um dia histórico na Comunidade Quilombola Família Araújo, de Betim, MG, situada à Rua Hum, 77, no Jardim Brasília, atrás do Hospital Regional do SUS. Reunimos mais de 100 lideranças populares para celebrarmos e festejarmos a conquista da 1ª Comunidade Quilombola da cidade de Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte, MG, que se apresentou como Comunidade Quilombola e já conquistou o Certificado de autorreconhecimento expedido pela Fundação Cultural Palmares (FCP ) do Governo Federal.
Na parte da manhã realizamos uma inesquecível celebração de ação de graças inter-religiosa ao Deus da vida, aos ancestrais e todos os bons espíritos que guiaram nossa luta pelo território. A palavra foi compartilhada e várias pessoas do Quilombo Família Araújo e muitos da Rede de Apoio resgataram a maravilha que está sendo a conquista do território, exorcizando a brutal ameaça de despejo apoiado pela Comunidade durante os últimos anos. Alegria irradiava em todos os rostos. A fraternidade flui. Todos/as irmanados/as na luta pelos direitos quilombolas. Foi servida uma saborosa feijoada no almoço comunitário preparada em mutirão, a partir da receita da matriarca Dona Zulmira. Na parte da tarde uma vibrante roda de samba embalou todos/as que festejavam. Houve também um momento solene em que três lideranças das Comunidades Quilombolas de Belo Horizonte (Quilombo Mangueiras, Quilombo Souza e Quilombo Manzo) entregaram “oficialmente” à Comunidade o Certificado de autodefinição expedido pela Fundação Cultural Palmares (FCP), reconhecendo a Comunidade Tradicional como Quilombola . “Quilombo Reconhece Quilombo!” Esta lema assumiu a todos/as presentes uma mística libertadora com partilha de palavra, gestos, sabores e cânticos quilombolas.
O Sr. José Preto, de saudosa memória, patriarca da Comunidade Quilombola Família Araújo, após peregrinar por vários municípios trabalhando com sua família em serviço braçal, trabalhou na limpeza urbana da cidade de Betim por quase 40 anos. Dona Zulmira, a matriarca do Quilombo Araújo, mulher de uma sabedoria incrível e de uma fé inabalável, diante das brutais ameaças de despejo, sempre dizia “daqui só saio para ir para o cemitério em um caixão ”.
Há quase 40 anos, um ex-prefeito de Betim, autorizou verbalmente o sr. Zé Preto a construir uma humilde casa no terreno, que era ermo e longe do centro da cidade. Entretanto, nos últimos 40 anos, a cidade foi se expandindo e a região se tornou muito valorizada pelo mercado imobiliário. O Hospital Regional do SUS [2]foi construído ao lado da Comunidade e a pressão dos especuladores imobiliários tem animado de forma vertiginosa. Com isso, nos últimos cinco anos, a “Família Araújo” passou por uma brutal “sexta-feira da paixão”, pois o atual prefeito de Betim, Vitório Mediolli, que governa para atender os interesses dos empresários, subjugando o povo empobrecido cada vez mais, entrou com um processo de reintegração de posse que, em meados do ano de 2022, já tinha transitado em julgado com uma decisão absolutamente inconstitucional e injusta, inclusive com anuência do Ministério Público de Minas Gerais. Ao lado da casa da matriarca dona Zulmira e do patriarca Zé Preto, os filhos e filhas construíram outras seis casas dignas e adequadas para morar, com preocupação ecológica. Quintais bem cuidados, com plantações de árvores frutíferas, hortaliças,
As sete famílias Araújo, hoje, compondo a Comunidade Quilombola Família Araújo, aflitas com a pressão infernal pelo despejo feito pela prefeitura de Betim, que insistia diariamente para eles saírem das casas, com ameaças de que os tratores poderiam chegar a qualquer momento para demolir as casas, buscaram socorro na vizinha Comunidade do Beco Fagundes, no Jardim Teresópolis, onde estava em uma grande Rede de Apoio resistindo às investidas brutais também do prefeito Medioli para demolir mais de 100 moradias, jogar as famílias na rua, para construir shopping, teleférico e cascata de água artificial, ou seja, roubar o território e as moradias das famílias humildes para repassar o terreno para os empresários lucrar. Inadmissível aceitar uma violência como esta.
Ao ver sete famílias, todos os membros negros, morando em sete casas lado a lado, com quintais produtivos e puxar a história da família, foi fácil concluir e dizer que estávamos diante de uma Comunidade Quilombola típica e tradicional, mas que não tinha informação sobre seus direitos e que, portanto, ainda não tinha se autodeclarado como Comunidade Quilombola Tradicional, como lhe era de direito. Os advogados populares Dr. Ailton Matias e Dr.
A comunidade estava sofrendo um processo cruel de violação em seus direitos mais profundos, tendo a sua memória ancestral e sua história invizibilizadas e apagadas com este processo injusto de despejo e de desterritorialização. Chamamos, assim, a historiadora Ana Cláudia Gomes e Patrícia Brito, que, com experiência na defesa dos bens culturais e patrimoniais históricos e arqueológicos, e iniciamos uma série de reuniões e estudos que desaguou em um Documento técnico com mais de 100 páginas em que são demonstradas todas as características de uma Comunidade Quilombola.
Em seguida aconteceu Assembleia na qual a Comunidade se autodeclarou na presença do advogado da Federação Quilombola de Minas Gerais N’Golo, Dr. Matheus Mendonça. Reuniões com a Defensoria Pública de Minas (DPE-MG), a Defensoria Pública da União (DPU) e com o Ministério Público Federal (MPF) e reivindicação à Fundação Cultural Palmares (FCP) foi o caminho trilhado para conquistarmos a Certificação da Fundação Palmares . Informamos ao juiz de 1ª instância, que tinha determinado o despejo, e, diante da autodeclaração da “Família Araújo” como Comunidade Quilombola, imediatamente ele abriu a mão do processo, pois tinha se tornado “incompetente juridicamente” e remeteu os autos à Justiça Federal, que agora terá que esperar o INCRA [3]titular da comunidade. O Quilombo Araújo poderá inclusive requerer indenização por danos morais e materiais, porque o terror feito pela prefeitura de Betim para despejá-los levou a enormes prejuízos materiais e morais.
Na luta coletiva conquistamos judicialmente, dia 5 de maio de 2022, a suspensão do despejo e da demolição das casas da COMUNIDADE TRADICIONAL QUILOMBOLA FAMÍLIA ARAÚJO. Conquistamos também o envio dos autos (processo) para a JUSTIÇA FEDERAL, a partir da Ação CIVIL COLETIVA – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE – da Defensoria Pública de MG, da lavra da Dra. Ana Cláudia Alexandre, defensora pública da área de Conflitos Agrários e socioambientais, que peticionou alegando que “a área de 1.851,02m² se trata de área ocupada pela Comunidade Tradicional Quilombola. Exigimos o procedimento administrativo de REURBs.” Escreveu o juiz: “trata-se de ação em que se discute se a área cuja reintegração de posse é pretendida constituiria comunidade quilombola, portanto, afeta a competência da JUSTIÇA FEDERAL. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou que o julgamento de conflitos sobre posse de terra que envolve comunidades quilombolas cabe à Justiça Federal. Ressoa evidente que as demandas judiciais as quais envolvem a posse dessas áreas repercutem, de todo o modo, no processo demarcatório de responsabilidade da autarquia federal agrária. Logo é inarredável o interesse federal em tais demandas, razão pela qual deve ser assegurada a competência da Justiça Federal para o seu processamento e julgamento, sob supervisão do art. 109, I, da Constituição Federal. Declino da competência para o conhecimento, processo e julgamento do presente feito para a SUBSECÇÃO DA JUSTIÇA FEDERAL DE CONTAGEM/MG, para onde determino redistribuição do processo, em caráter de urgência. E que a União seja arrolada no polo passivo do processo.”
O processo judicial que autorizava o Município de Betim a despejar e demolir as casas da Comunidade Quilombola Família Araújo não levou em consideração o caráter coletivo do litigio, nem a condição de pessoas envolvidas – crianças, adolescentes e idosos – o que torna nulo todo o processo, vez que em nenhum momento a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais foi intimada para atuar no processo, conforme determinado a Lei. A decisão de mandar despejar e demolir as casas foi, ainda, proferida sem serem apreciadas provas fundamentais que os membros da Comunidade Quilombola Família Araújo somente obtiveram após o “trânsito em julgado” do processo originário, tais como: a) Termo de doação da área entregue à Família Araújo no ano 2000 pelo então prefeito da cidade Jésus Lima; b) Processo Administrativo, originário do ano de 2002 e não finalizado, que buscava o reassentamento prévio de todas as famílias da comunidade; c) uma autodeclaração enquanto Comunidade Quilombola Família Araújo realizada em fevereiro de 2022.
Gratidão a todos/as que estão se somando nesta luta justa, legítima e necessária. Com luta e com garra conquistamos direitos. Só perde quem não luta de forma coletiva por direitos. Quem luta coletivamente conquista direitos. Esta vitória da Comunidade Quilombola Araújo, de Betim, MG, gera esperança para muitas outras Comunidades injustiçadas no campo e na cidade e encorajará muita gente a seguir na luta por direitos e por tudo o que é justo.
Comunidade Quilombola Família Araújo, um exemplo inspirador, em Betim, MG.
21/03/2023
Obs .: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.
1 – 1ª Comunidade Quilombola de Betim, MG: Quilombo Família Araújo: exemplo inspirador. Fé na luta!
2 – Viva a cultura popular! 1ª Comunidade Quilombola de Betim, MG: Quilombo Família Araújo. Que beleza!