Arquivo da categoria: Cidades

Deus pede: “cultive, pastoreie, seja jardineiro/a”

Deus pede: “cultive, pastoreie, seja jardineiro/a”

Por frei Gilvander Moreira[1]

Foto: Reprodução/Demaisnews

O 10º evento extremo no sul do Brasil, em um ano, está golpeando os povos do Rio Grande do Sul e toda a biodiversidade, com quase 1  milhão de pessoas atingidas e o número de mortos podendo ultrapassar 200. As imagens de destruição são apocalípticas e estarrecedoras. Primeiro, temos que expressar nossa imprescindível solidariedade ao povo gaúcho da forma mais efetiva possível e, segundo, temos que reconhecer que as sirenes da Emergência Climática estão rugindo como um leão, de forma estridente.

Feliz quem ouvir e se comprometer com as lutas populares e socioambientais necessárias para frear as retroescavadeiras e os tanques de guerra das mineradoras, as carretas, o agronegócio com monoculturas que desertificam os territórios, contaminam alimentos, terra, ar e águas com exagero de agrotóxicos e o desenvolvimento econômico que constrói oásis de luxo à custa de miséria, fome, morte e devastação socioambiental para a maioria. Basta deste sistema capitalista, brutal máquina de moer vidas e causador maior das implacáveis mudanças climáticas!

A humanidade está sendo encurralada no desfiladeiro de um apocalipse provocado pelo sistema capitalista, a elite, a classe dominante e grande parcela da classe trabalhadora que, alienada, movimenta a máquina de moer vidas, que é o atual modelo econômico com idolatria do mercado. Nossa única casa comum está sendo sacrificada no altar do ídolo mercado. Como um grande ser vivo, Gaia, a Terra está cotidianamente sendo apunhalada e submetida à tortura com queimaduras que a deixam sangrando. Devastar o ambiente é como arrancar a pele da mãe Terra e deixá-la sujeita às intempéries de poeira, calor, ácido…

Recentemente, em missão em Comunidades ribeirinhas da Prelazia de Itaituba, no Pará, e na Diocese de Humaitá, no sul do estado do Amazonas, vi e ouvi que as águas dos grandes rios Tapajós e Madeira estão contaminadas com mercúrio e vários outros metais pesados, segundo pesquisas da Universidade Federal do Amazonas. Mortandade de peixes e adoecimento de pessoas e animais é o que mais se ouve. Os ribeirinhos sofrendo as consequências de secas nunca vistas, calor escaldante e densas nuvens de fumaça exaladas pelo fogo que faz arder a floresta amazônica em muitos meses todo ano. Isso compromete a constituição dos rios aéreos imprescindíveis para fazer chover em outras regiões.

Neste contexto de eventos climáticos cada vez mais frequentes e letais, faz-se necessário resgatarmos a fina flor da mística bíblica que mostra a íntima relação do ser humano com a mãe terra, a irmã água, enfim, a natureza. Resgatemos esta relação antes que seja tarde.

Na Bíblia, no primeiro relato da criação (Gn 1,1-2,4a) se repete, inúmeras vezes, a palavra “terra” (12 vezes em Gn 1; 57 vezes em Gn 1-11). Isso é forte indício de que o texto foi escrito por um povo na época em que estava longe da terra, no exílio da Babilônia (587-538 antes da era cristã). Sentindo a falta de terra e de território, que era sinal da bênção de Deus, o povo resgata as origens revelando um grande encantamento e reverência pela terra. Sente-se filho da terra. Temos que recordar a ênfase dada na segunda versão sobre a criação (Gen 2,4b-25) sobre o “cultivar, pastorear, ser jardineiro”. Olhando a totalidade das duas versões da criação (Gen 1,1-2,4a e Gen 2,4b-25), temos que concluir que o espírito de Deus pede cuidado, pastoreio e manuseio responsável socioecológico e jamais incentiva a dominação e a devastação ambiental como, infelizmente, o modelo capitalista de desenvolvimento vem fazendo no Brasil e no mundo.

O primeiro relato da Criação (Gen 1,1-2,4a) mostra o ser humano profundamente ligado, interconectado, a todas as criaturas do universo. De uma forma poética, o relato bíblico insiste na fraternidade de fundo que existe entre todos os seres vivos que são uma beleza. Deus, ao criar, sempre se extasia diante de todas as criaturas e exclama: “Que beleza! Bom! Muito bom!” O poeta cantor e compositor das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), José Vicente, capta muito bem a mística que envolve, permeia e perpassa todo o relato da Criação: “Olha a glória de Deus brilhando …”, em todos/as e em tudo.

O segundo relato da Criação (Gen 2,4b-25) mostra o ser humano intimamente ligado com a terra e com as águas. “Não havia nenhuma vegetação, porque Javé Deus não tinha feito chover sobre a terra e não havia homem para cultivar o solo” (Gen 2,5). Dois seres imprescindíveis e interdependentes para que o mundo se transforme em um paraíso com sociobiodiversidade: água e ser humano. A água, junto com a terra, é a mãe da vida. Sem ela, tudo morre. Assassinar uma nascente, poluir um rio, deve ser considerado crime hediondo de lesa pátria. O ser humano é outro ser imprescindível, mas como cultivador, jamais como explorador e depredador.

Os povos da Bíblia construíram unidade no meio de muita pluralidade, a partir de suas experiências religiosas com o seu Deus, o Deus de Abrão, de Isaac e de Jacó, Deus também de Sara e Agar, de Rebeca e de Raquel. Mesmo integrando aos seus escritos textos de outros povos, os/as autores/ras da Bíblia sempre os adequava à sua experiência de fé e de convivência ética.

O gênero literário sapiencial, por exemplo, era internacionalmente conhecido na época bíblica e usado foi também pelos povos da Bíblia. É importante saber que o modo de pensar e agir oriental são diferentes do modo de pensar e agir ocidental capitalista. No pensamento oriental predomina a intuição e a preocupação ética – que fazer e como? -, por isso, nem toda a narrativa classificada como histórica o é de fato. Na compreensão dos/as autores/ras da Bíblia, o importante é a mensagem que eles e elas queriam passar aos leitores. Enquanto para o pensamento ocidental predomina a razão e o raciocínio argumentativo, para o/a historiador/a de nossos dias interessa a exatidão dos fatos, entre o escrito e o acontecido. Os/as autores/ras bíblicos se interessam mais pelo fato, como um todo, não pela exatidão dos seus detalhes, o importante é testemunhar sua experiência de vida que tem sido caminho de libertação e salvação.

A mobilização por solidariedade e pela reconstrução das condições de vida do povo gaúcho e de toda a biodiversidade não pode ser apenas quando as situações extremas de clima são evidentes como agora. Reconstruir como e onde? Reconstruir como era antes no mesmo lugar será insensato, pois outros eventos extremos acontecerão e poderão ser mais letais e destruidores. É preciso urgentemente combater o negacionismo climático e, sobretudo, o capitalismo, sistema perverso, que acelera a velocidade da devastação ambiental. Capitalismo mata mesmo! É importante lembrar também que as condições extremas de clima atingem de forma diferenciada as pessoas, os empobrecidos são os primeiros e os mais golpeados. Por isso, precisamos também de justiça climática!

Temos que denunciar que as bancadas do agronegócio, do boi, da bala e da Bíblia, no Congresso Nacional criaram bomba climática ao destruir a legislação ambiental, ao flexibilizar leis para criar capa de legalidade para desmatamentos criminosos. Estão com as mãos sujas de sangue todos que nos poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, no poder midiático e no poder econômico tomaram decisões políticas/econômicas e aprovaram legislações que pisoteavam no meio ambiente para abrir espaço para que o grande capital lucrasse e acumulasse capital à custa da trituração do meio ambiente.

A todas as pessoas pedimos que parem de maltratar mais a Mãe Terra, que está sendo torturada. A Terra é nossa mãe e é sagrada. As águas, os rios, os animais e as florestas estão pedindo socorro. A Natureza tem direitos. Continuar torturando a Terra é acelerar a chegada do apocalipse da humanidade e de milhões de outras espécies de seres vivos. Como jardineiros/as, cuidemos da Mãe Terra.

07/05/2024

Obs.: A videorreportagem no link, abaixo, versa sobre o assunto tratado, acima.

1 – Barragens do Rio Madeira devastam vida dos Povos e Floresta. E os Madeireiros? Ouça os Ribeirinhos!

2 – Amazônia pede SOCORRO! Ribeirinha: amor à Amazônia, seca, calor exagerado, nuvem de fumaça e doenças

3 – Garimpeiros tradicionais, Dep. Célia Xakriabá, Dep. Padre João: 32ª Romaria Trabalhadores Mariana/MG

4 – Barragem produz centenas de famílias sem-teto: Ocupação Irmã Dorothy, Salto da Divisa, MG, em terreno, lixão, da União, SPU: 240 famílias na luta por terra e moradia há 3 anos. Vídeo 3 – 20/04/24

5 – MPF, DPE/MG, Rede de Apoio e Juíza Federal Retomada Kamakã Mongoió, Brumadinho/MG. “Demarcação, JÁ!”

6 – “Demarcação, JÁ! Daqui não saímos!” Juíza federal na Retomada Kamakã Mongoió, Brumadinho/MG. Vídeo 4

 

[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. Autor de livros e artigos. E “cineasta amador” (videotuber) com mais de 6.000 vídeos de luta por direitos no youtube, canal “Frei Gilvander luta pela terra e por direitos”. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –     Facebook: Gilvander Moreira III

Como se formou o Pentateuco e tipos de leitura da Bíblia

Como se formou o Pentateuco e tipos de leitura da Bíblia. Por frei Gilvander Moreira[1]

Para compreendermos as formas e os gêneros literários no Primeiro Testamento da Bíblia, é importante conhecermos a Hipótese Documentária que possivelmente deu origem aos cinco primeiros livros da Bíblia para percebermos que um estudo sério da Bíblia exige conhecimento, pesquisa e dedicação para adentrarmos não apenas no texto em si, mas no contexto e pretexto das comunidades que estão por detrás dele. Como teriam se formado os cinco primeiros livros da Bíblia, o Pentateuco?

Já em 1753, Jean Astruc[2], assíduo e atento leitor da Bíblia, escreveu um livro sem colocá-lo sob a sua autoria, questionava que os cinco primeiros livros da Bíblia, fossem de Moisés, mas que ele teria se servido de fontes já existentes, para escrevê-los. O que colocava em risco a inspiração bíblica, pois se afirmava que Deus havia ditado aos ouvidos de Moisés estes cinco livros. Ele se deu conta de que Deus era chamado ora de Yaweh, ora de Elohim; percebera rupturas bruscas em alguns textos, repetições em outros, estilos diferentes etc. Tudo isso só poderia comprovar a diversidade de autores de textos de diferentes épocas e autores reunidos sob o título de um único livro. Já nesse tempo ele atribuía os textos a um autor que poderia ser chamado de Javista e outro de Eloísta. Era o estudo da Bíblia a partir de fontes.

O biblista alemão Julius Wellhausen (1844-1918) deu continuidade a estes estudos de Jean Astruc, na segunda metade do século XIX, foi um grande estudioso que identificou também outras fontes documentais que contribuíram para a formação do Pentateuco. Wellhausen afirma que a idade de ouro da religião de Israel foi o início da monarquia unida, com os reis Saul e Davi, quando teria nascido a primeira fonte da Hipótese Documentária do Pentateuco, a Javista. Eis as quatro fontes prováveis do Deuteronômio: a) Fonte Javista (J), escrita no Reino de Judá, ao Sul, por volta do séc. IX Antes da Era Cristã (a.E.C.), na perspectiva de Deus como Javé, solidário e libertador; b) Fonte Eloísta (E), escrita um século depois, no Reino de Israel, ao Norte, e foi influenciada pelos primeiros profetas (séc. VIII), na perspectiva de Deus como Criador e Justo; c) Fonte Deuteronomista (Dtr) que, em seu núcleo mais antigo, situa-se por volta do início do séc. VII na época da Reforma do rei Josias (640-609 a.E.C.). Ela tem um enfoque profético, que denuncia a monarquia como regime opressor; d) Fonte Sacerdotal[3] (P), uma obra do exílio ou do pós-exílio[4], com interesse pelo culto e da celebração da vida/fé em Deus, durante a caminhada de libertação. Muitas regras litúrgicas são apresentadas, como instrumentos, para o cultivo da fé em Deus libertador e não por ritualismo.

Enfim, o Pentateuco atual (Gn, Ex, Lv, Nm e Dt), provavelmente, foi escrito na época do segundo Templo – após a volta do exílio babilônico a partir de 539 a.E.C.  muitos atribuem a redação à Reforma de Esdra (cf. Ne 8).

Há vários tipos de leituras da bíblia. Muitas pessoas têm a Bíblia em casa, poucas a leem e a conhecem por meio de uma leitura assídua ou mesmo do estudo da mesma. Há uma curiosidade e um interesse em conhecê-la por parte de muitas pessoas, outras têm sede e fome da Palavra de Deus na Bíblia, buscam-na de diversas formas: no aprofundamento pessoal, na participação de grupos de reflexão bíblica, em cursos bíblicos sistemáticos. Mesmo assim, percebe-se que muitas pessoas, por falta de conhecimento ou de uma orientação adequada, fazem leituras aleatórias, ingênuas, fundamentalistas ou literalistas; e são raras as pessoas que fazem a leitura libertadora dos textos bíblicos.

A leitura Aleatória é feita sem nenhuma iniciação ou orientação sobre a leitura da Bíblia. Abre-se o livro aleatoriamente e leem-se alguns versículos, pinçando-os, quando estes trazem uma mensagem compreensível, mas quando aparece um texto escabroso, ocorre o susto e o escândalo, porque a Bíblia fala em guerra, estupro, corrupção, homicídio e outros. Daí vêm, muitas vezes, o desinteresse e a desistência porque se entende a Bíblia como um livro chato, cansativo, que fala de coisas difíceis, incompreensíveis, estranhas, misteriosas, que parecem retratar a realidade atual, por isso, abandona a sua leitura. Outros sacralizam e absolutizam de tal forma o livro da Bíblia: ‘como se ele tivesse sido ditado palavra por palavra pelo Espírito Santo e não se chega a reconhecer que ela foi formulada em uma linguagem e uma fraseologia condicionada por sua época. Não dão atenção às formas literárias e às maneiras humanas de pensar, presentes nos textos bíblicos’[5]. Essas pessoas transformam a Bíblia em um amuleto, fetiche, um objeto de decoração, menos Palavra de Deus para suas vidas, não por má vontade, mas porque não sentem atração e nem interesse por ela. Já na leitura ingênua o uso da Bíblia é frequente, mas não avançam do primeiro nível de leitura, ficando sempre na superfície do texto.

Na Leitura Ingênua, as pessoas têm medo de estudar a Bíblia, porque perderiam a própria fé. Preferem continuar em uma leitura superficial, não passando de uma compreensão literal, nada aprofundando, quando são interpeladas por alguém, pelos filhos, netos ou por alguma criança, sobre a Bíblia, não sabem responder e dar razões para aquilo que elas mesmas acreditam, mas não encontram justificativas plausíveis. Certamente essas pessoas confundem a fé com a Bíblia, quando a fé é dom de Deus que precisa ser cultivada. Deus não retira o dom que ele deu à pessoa, contudo, ele precisa ser cultivado e desenvolvido por ela. Como uma postura existencial de abertura ao divino existente em nós, a fé é um dos talentos mais preciosos que recebemos do Deus da vida. Entre os meios para cultivar esse dom, está a leitura da Bíblia, ela se tornará sagrada, Palavra de Deus, quando a pessoa se dispor a ouvi-la e praticá-la, então sim, ela começará a falar ao coração. Da mesma forma é falha a leitura fundamentalista.

P.S. Sobre as Leituras Fundamentalista e Libertadora veremos no próximo texto.

16/04/2024

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 – Um Tom de resistência – Combatendo o fundamentalismo cristão na política

2 – Bíblia: privatizada ou lida de forma crítica libertadora? Por frei Gilvander, no Palavra Ética

3 – Deram-nos a Bíblia. “Fechem os olhos!” Roubaram nossa terra. Xukuru-Kariri, Brumadinho/MG. Vídeo 5

4 – Agir ético na Carta aos Efésios: Mês da Bíblia de 2023. Por frei Gilvander (Cinco vídeos reunidos)

5 – Andar no amor na Casa Comum: Carta aos Efésios segundo a biblista Elsa Tamez e CEBI-MG – Set/2022

6 – Toda a Criação respira Deus: Carta aos Efésios segundo o biblista NÉSTOR MIGUEZ e CEBI-MG, set 2022

7 – Chaves de leitura da Carta aos Efésios, segundo o biblista PEDRO LIMA VASCONCELOS e CEBI/MG –Set./22

8 – Estudo: Carta aos Efésios. Professor Francisco Orofino

9 – Carta aos Efésios: Agir ético faz a diferença! – Por frei Gilvander – Mês da Bíblia/2023 -02/07/2023

10 – Bíblia, Ética e Cidadania, com Frei Gilvander para CEBI Sudeste

11 – Contexto para o estudo do Livro de Josué – Mês da Bíblia 2022 – Por frei Gilvander – 30/8/2022

12 – CEBI: 43 anos de história! Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos lendo Bíblia com Opção pelos Pobres

 

 

[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. Autor de livros e artigos. E “cineasta amador” (videotuber) com mais de 6.000 vídeos de luta por direitos no youtube, canal “Frei Gilvander luta pela terra e por direitos”. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –     Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Cf. http://www.cs.umd.edu/-mvz/bible/dev-doc-hyp.pdf

[3] A fonte ou tradição Sacerdotal é identificada com a letra P, inicial da palavra “Priester” que significa sacerdote ou padre em alemão. Os textos bíblicos atribuídos a esta fonte são de cunho litúrgico e legislativo.

[4] A datação destas fontes é relativa, pois há uma grande discussão entre os biblistas. Uns defendem datas mais antigas para as fontes, para a fonte Javista, por exemplo. Outros defendem datas mais recentes.

[5] PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA. Interpretação da Bíblia na Igreja: São Paulo: Paulinas, 1994 p. 84.

Por pouco, nova ditadura, mas Ditadura Nunca Mais!

Por pouco, nova ditadura, mas Ditadura Nunca Mais! Por Gilvander Moreira[1]

Dia 08 de janeiro de 2024 aconteceram em várias capitais de estados do Brasil Atos Públicos em defesa da Democracia que, como flor sem defesa, precisa ser cuidada e construída cotidianamente, pois os arroubos tirânicos de extrema-direita continuam rondando. Em Minas Gerais, o Ministério Público realizou o Ato “8 de janeiro Nunca Mais”, um tributo ao Regime Democrático, caracterizando a tentativa de golpe ocorrida em Brasília dia 8 de janeiro de 2023 como “atos abomináveis, inaceitáveis e que devem ser punidos exemplarmente”. Em Brasília, no Congresso Nacional, aconteceu o Ato “Democracia Inabalada”, ato de reafirmação e celebração da Democracia brasileira, marcando um ano do fatídico dia da infâmia e da cólera: tentativa de golpe frustrado planejado pelo bolsonarismo, a extrema-direita inconformada com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para presidente do Brasil pela terceira vez.

É necessário recordar para manter na memória, para não esquecer e julgar, e para que não se repita. Na tarde de 8 de janeiro de 2023, a Praça dos Três Poderes em Brasília foi invadida por uma multidão ensandecida, com a cumplicidade da Polícia Militar do Distrito Federal que “escoltou a turba golpista”, deixando de cumprir sua missão constitucional de proteger a Praça dos Três Poderes e seus Prédios de ataques de vândalos. Arruaça e quebra-quebra no Congresso Nacional, no Palácio do Planalto e no Supremo Tribunal Federal (STF) foi o que o povo viu atônito, parte ao vivo por TVs e via internet.  Vidraças, poltronas, portas, obras de arte foram quebradas… Um rastro de destruição… Abjetos atos golpistas. Para além das depredações e dos prejuízos causados ao Patrimônio Público, a turba invasora afrontou e desrespeitou a vontade popular, pois rejeitou o resultado das eleições feitas por urnas eletrônicas comprovadamente seguras.

Entretanto, o presidente Lula, bem assessorado pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, e outros/as, não caiu na armadilha de decretar GLO, que é Garantia da Lei e da Ordem, remédio extremo que daria muitos poderes para os generais das Forças Armadas. Perspicaz, Lula decretou Intervenção na Segurança Pública do Distrito Federal que, sob o comando de Ricardo Cappelli, conseguiu controlar e asfixiar a tentativa de golpe ao entardecer de um dos mais tristes dias da história do Brasil, o 8 de janeiro de 2023, e encaminhar no dia seguinte a prisão de mais de 1.400 golpistas que estavam acampados em “incubadoras” golpistas ao lado do Quartel do Exército em Brasília. As instituições democráticas reagiram e impediu-se que a barbárie ocorrida em Brasília virasse um fogo incontrolável.

Os atos de barbárie que tiveram seu cume em 8 de janeiro de 2023, em Brasília, tratam-se do ápice do desdobramento de um processo golpista militar, empresarial e midiático iniciado em 2016, que retirou do poder a presidente eleita Dilma Rousseff, sem que ela tivesse cometido crime de responsabilidade, e instalaram um desgoverno de usurpadores e golpistas. O dia 8 de janeiro de 2023 aconteceu, porque foi permitido pelo STF e Ministério Público Federal o golpe de 2016, em seguida, a prisão sem provas de Lula para permitir a eleição em 2018 do Inominável. A elite brasileira, a grande imprensa e os chefes de igrejas (neo)pentecostais foram os arautos do plano macabro para colocar na presidência em 2018 um fascista de extrema-direita que, em quatro anos de desgoverno, deixou um rastro de destruição sob todos os aspectos.

Nos pronunciamentos e nas ações das autoridades do Governo Federal, do STF e Senado Federal ficou evidenciado que: os discursos de ódio e de intolerância foram o combustível para os atos golpistas; os golpistas não passaram e nunca passarão; todos/as que participaram dos atos golpistas diretamente, ou financiando, ou estimulando, ou sendo mentores intelectuais devem ser levado às barras do STF, julgados e condenados. Prisão, já, para quem participou, pagou, planejou e financiou!  “Sem anistia!”, eis o grito de luta do povo brasileiro que sabe o valor da democracia.

O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso afirmou: “8 de janeiro de 2023 não foi um ato isolado, foi o cume de processo golpista planejado, organizado e fomentado por discursos negacionistas, de ódio e de intolerância. Funcionários do STF relataram que após marretadas no Plenário do Supremo, muitos invasores se ajoelharam e rezaram com as mãos para o céu. Que desencontro espiritual é este?” De fato, estamos colhendo a tempestade semeada por 34 anos de pontificado de João Paulo II e Bento XVI que semearam movimentos espiritualistas, fundamentalistas e moralistas como se fosse o jeito cristão de ser e agir. A mercantilização da fé cristã por pretensos “pastores, bispos e apóstolos” que usam a fé do povo simples, abusam do nome de Deus para juntar dinheiro e, assim, em vez de ser cuidado como rebanho sofrido que acorre às igrejas com espadas de dores transpassando seus corações, esse povo é tosquiado por falsos pastores e falsos sacerdotes. Os políticos profissionais, os mais asquerosos, sabendo que ao longo da história passar-se por pessoa religiosa rende muito voto, aproveitaram do espiritualismo moralista construído no meio do povo religioso pelas “igrejas eletrônicas” e apresentaram o lema, isca sedutora, ao dizer “Brasil acima de tudo! Deus acima de todos! Deus, Pátria e Família”. Esse foi o lema de quase todos os ditadores e tiranos da história: Mussolini e Hitler, por exemplo. Falam em Deus, mas são idólatras; falam em Pátria, mas a destroem e falam em Família, mas massacram as famílias com políticas de morte.

É evidente que é necessário e urgente regulamentar as redes sociais/virtuais, a internet e as big techs como fez ultimamente a Europa, a Austrália e o Canadá. Não dá para continuar mais a internet como “terra sem lei”. O Congresso Nacional ainda não regulamentou com sensatez a internet, porque está composto por uma maioria de centro, direita e de extrema-direita, a quem interessa deixar a porta aberta para a avalanche de fake news, de negacionismo e discursos que solapam as instituições democráticas.

A democracia exige vigilância constante e permanente, mas não pode ser reduzida a democracia formal e burguesa. Só votar é muito pouco, pior ainda sob a agressão de fake news e do poder econômico que compra voto de forma deslavada. A democracia verdadeira é um processo que se constrói com lutas permanentes por direitos humanos, sociais, trabalhistas, ambientais, previdenciários, direitos da natureza etc.

Só pode existir liberdade para as pessoas na democracia. Liberdade não é fazer o que quiser. Liberdade pessoal exige responsabilidade social, ambiental e geracional. Liberdade de expressão está garantida pela Constituição de 1988, mas liberdade de expressão não inclui autorização para se cometer crimes.

Todos os/as golpistas estão sendo julgados e, independente da condição social, se é civil ou militar, pobre ou empresário, político ou não, todos precisam ser responsabilizados dentro do devido processo legal, por questão de justiça e também para que a impunidade não estimule outras aventuras golpistas. Anistia será antessala de novas investidas golpistas. Por isso, SEM ANISTIA! Apaziguamento é inaceitável, pois implica fazer de conta que não aconteceram crimes brutais e pôr esparadrapo sobre ferida que precisa ser curada com justiça e jamais com anistia.

No Brasil o que existe não é apenas ‘polarização’, palavra do discurso pós-moderno que esconde a contradição existente em uma sociedade capitalista, onde a classe dominante segue insistindo em superexplorar a maioria do povo que integra a classe trabalhadora e camponesa.

Com união e mobilização o povo brasileiro e as instituições selaram um pacto de rotundo “Não ao fascismo”. Mas as ameaças continuam rodando. Se a tentativa de golpe tivesse sido vitoriosa, a “caça às bruxas”, a quem luta por direitos humanos, sociais e ambientais, estaria a todo vapor prendendo, torturando e matando de mil formas; a Amazônia seria reduzida em chamas em poucos anos, como vinha sendo devastada com a cumplicidade e incentivo do desgoverno federal do inominável. “A boiada continuaria passando”. O Brasil continuaria sendo pária no mundo e sendo dilapidado em seus bens naturais e humanos.

Apesar dessa vitória da democracia, reiteramos que não podemos nos contentar com apenas democracia formal e representativa. Temos que seguir lutando coletivamente por democracia plena, o que acontecerá quando implementarmos reforma agrária popular, reforma urbana, preservação ambiental, direitos humanos, direitos trabalhistas, direitos previdenciários, direitos das próximas gerações, direito da natureza, superação da idolatria do mercado, demarcação dos territórios dos Povos Indígenas e Tradicionais…, o que só será possível em uma sociedade socialista, para além do capitalismo, sistema que na fase atual gera fascismo e políticos de extrema-direita.

10/1/2024

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 – Ato Interreligioso em BH/MG em defesa da democracia, da vida, pela paz e contra golpistas/opressores

2 – Não às reformas dos golpistas: Lestão das CEBs, Volta Redonda/RJ, 21-23/4/17. 4a parte

3 – Contra o golpe de Estado, marcha e bloqueio da Linha Verde em BH pelas ocupações urbanas. 28/04/16

4 – Em Belo Horizonte, MG, 80.000 pessoas na luta contra o golpe: o que a Rede gLOBO esconde. 19/03/16

5 – Povo na luta em Belo Horizonte contra Golpe, por direitos e em defesa da democracia, dia 20/08/15

6 – Votar em Projeto de Vida ou de Morte? Na Democracia ou no fascismo?- Por frei Gilvander – 26/10/2022

 

 

[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –     Facebook: Gilvander Moreira III

Vi e ouvi na Palestina. Por que apoiar o Povo Palestino?

Vi e ouvi na Palestina. Por que apoiar o Povo Palestino? Por frei Gilvander Moreira[1]

Fotos Reprodução de Redes Virtuais

Com a brutalidade de dragão do Apocalipse, como Estado colonialista, racista e que submete a aparthaid há 76 anos o Povo Palestino, Israel segue aumentando os ataques e exterminando milhares de civis palestinos em Gaza. A cada minuto aumenta o número de mortos. O Ministério da Saúde da Palestina informou dia 30 de outubro último (2023), que, em Gaza,  são mais de 20 mil feridos e 10 mil palestinos assassinados, sendo que 73% dos mortos são crianças, mulheres e idosos. Já são mais de 3 mil crianças mortas e tem mais de 2 mil crianças desaparedidas.

Eu estive duas semanas na Palestina estudando arqueologia bíblica e geografia bíblica. Vi com meus olhos o tanto que o povo palestino vem sendo injustiçado e violentado pelo Estado de Israel há muitas décadas, de forma muito mais brutal agora com Israel, sob governo fascista de extrema-direita atrelada ao senhor da guerra tio Sam.

Após concluir o mestrado em Exegese Bíblica, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma, na Itália, sete padres colegas e eu fizemos uma viagem-estágio, de 05 a 20 de março de 2000, à “Terra Santa” (todas as terras são santas, mas …) de Israel-Palestina. Partilho aqui algumas impressões, “coisas” que vi e/ou escutei lá em Israel-Palestina e que me marcaram muito. O centro-sul de Israel-Palestina é quase só um deserto, uma desolação imensa. Ao constatar esse perfil geográfico, imediatamente me veio a consideração: “Mas esta é a terra que Deus prometeu aos nossos pais e mães?!!! Terra em que corre leite e mel?!!! Por que e para que brigar tanto pelo controle desta terra?” Entretanto, ao chegar às planícies da Galileia, no norte da Palestina, vi que ali a terra é muito fértil. Na Galileia se produz de tudo – é um paraíso terrestre, um grande celeiro agrícola. A Palestina tem sido disputada, há mais de 4 mil anos, em vista de ser uma região estratégica para a geopolítica do Oriente Médio – geograficamente é ponto de ligação entre três continentes: Europa, Ásia e África.

A Jerusalém Antiga é hoje um grande mercado religioso e … Se Jesus “torrou a paciência” e, com o sangue fervendo de indignação, “chutou o pau da barraca” lá na frente do Templo e arrematou: “Vocês estão fazendo da casa do meu Pai um covil de ladrões!” (cf. Lc 19,45; Mc 11,17), imaginem agora que toda a Jerusalém (e o mundo) é um grande mercado, onde em nome do deus capital se jogam toneladas de bombas em cima de crianças, mulheres, idosos e doentes em Gaza e em muitos outros lugares do mundo. As ruas da Jerusalém antiga são muito estreitas. Automóveis circulam somente em algumas ruas. Na maioria das vielas só podem passar uns pequenos tratores para transportar mercadorias e recolher resíduos. Os judeus, após 1948, construíram ao lado da Antiga Jerusalém, uma Jerusalém Nova, uma cidade de primeiríssimo mundo, muito luxuosa.

Em Israel, o serviço militar é obrigatório: três anos para os rapazes e dois anos para as moças. Israel tem um poderosíssimo arsenal bélico. Por exemplo, em Hebrom, onde a quase totalidade da população é palestina, em março de 2000, ainda viviam dois mil judeus. Estavam lá 500 soldados para dar “segurança” a esses judeus: um soldado para cada quatro judeus. Vi diversas pessoas judias andando em Jerusalém (e no caminho para Jericó) com um ou dois soldados com metralhadora nas mãos fazendo sua escolta. Cada família hebraica que vive em território palestinense tem direito à escolta de dois soldados judeus com metralhadora nas mãos, 24 horas por dia. Em Hebrom pudemos sentir a grande tensão que existe entre palestinos e israelenses. Existem barreiras do exército de Israel por todos os lados, o que configura apartheid o que Israel está fazendo há muitas décadas contra o Povo Palestino, que quando não é morto ou exilado ao terem seus territórios invadidos por Israel, tem que se submeter a revistas das forças do desgoverno de Israel armadas até os dentes.

Tivemos que passar no detector de metais diversas vezes, sobretudo quando tentamos entrar na mesquita de Omar, no Muro das Lamentações e no Túmulo dos Patriarcas em Hebrom. Um dos meus colegas não pôde entrar com um binóculo para ver melhor à distância. Mesmo sendo descendente de judeus perseguidos na Península Ibérica que foram forçados a migrar para o Brasil, eu, por ser parecido com palestino, fui vistoriado diversas vezes por soldados do exército de Israel.

No norte da Palestina, acima do lago da Galileia, nas Colinas de Golã (território que Israel tomou à força da Síria que o Hezbollah e o Povo Sírio reivindicam de volta), divisa com Líbano e Síria, vimos de perto como o exército israelense está armado até os dentes. Vimos três acampamentos do exército, cada um com mais de 30 tanques de guerra e caminhões lotados de armas.

Nas Colinas de Golã, ao lado do asfalto, há cercas de arame dos dois lados com placas penduradas de 15 em 15 metros dizendo: “Atenção, perigo! Terreno minado!” Nas Colinas de Golã estão fontes de águas de Israel-Palestina e as terras são muito férteis. É no Golã que estavam as “vacas de Basã” (cf. Am 4,1-4), pois lá era (e continua sendo) um grande celeiro agrícola. A degradação ambiental está secando fontes de águas do Rio Jordão, que são as Colinas de Golã, e consequentemente o lago da Galileia. O “Mar” Morto está baixando muito suas águas. Logo, como sem água não se pode viver, pois é imprescindível para a agricultura, para os animais e principalmente para os seres humanos, o controle das fontes das águas tornou-se questão de Segurança Nacional para Israel.

Israel controla militarmente a quase totalidade das águas da região. Quando diminuem as águas, os palestinos e os jordanianos são os primeiros a passarem sede, pois Israel fecha a “torneira” para eles (Algo equivalente também se faz no Brasil: água vira mercadoria, onde grandes empresas consomem um exagero de água para produzir mercadorias e deixam os pobres na beira do rio São Francisco sem água, favelas sem água, enquanto condomínios fechados esbanjam água.). A água não está sendo distribuída equitativamente para todos. Israel permite acesso à água somente para o abastecimento urbano nas cidades palestinas, mas ultimamente cortou acesso a água em Gaza, o que é crime de guerra. Mais da metade da agricultura de Israel é irrigada, mas os palestinos são proibidos de irrigar suas lavouras, algo semelhante à transposição do rio São Francisco para beneficiar hidronegócio de grandes empresas, enquanto o povo do semiárido continua sem água.

A presença marcante das práticas religiosas está por toda parte. Na Jerusalém Antiga, às 4 horas da manhã, os muçulmanos começam a rezar na grande Mesquita de Omar, construída no lugar do Templo judeu. No alto da Mesquita, os alto-falantes (em todas as mesquitas deles os alto-falantes estão presentes) fazem ecoar para toda a Jerusalém antiga a oração dos muçulmanos. Cinco vezes por dia pode-se escutá-los rezando. A poucos metros da Mesquita de Omar, no Muro das Lamentações, ao lado do ex-Templo judaico, os judeus mais conservadores rezam “inclinando a cabeça rumo ao muro”.

Vimos na Samaria, região central da Palestina, perto do monte Garizim, um grupo de crianças palestinas apedrejando o automóvel de um israelense, que, zombando das crianças, apontou um revólver para as mesmas. Dá para imaginar o ódio que existe de parte a parte. Todas as famílias palestinas já tiveram vários parentes assassinados pelo exército de Israel. O martírio do Povo Palestino não será em vão, será semente de ressurreição e irá garantir o reconhecimento pelas Nações do mundo de um Estado Palestino autônomo com território necessário para viver, conviver e trabalhar em paz com justiça.

Em 1.998, chegaram a Israel cerca de 63 mil judeus, vindos principalmente da ex-União Soviética, país que tinha acolhido uma grande multidão de judeus. Mas enquanto os judeus importam judeus da diáspora de todo o mundo, com o patrocínio econômico dos judeus dos Estados Unidos, os palestinos se multiplicam somente pelo processo reprodutivo natural. A Jerusalém antiga está cheia de muçulmanas, quase todas com uma criança nos braços, outra no ventre e 3, 4, 5 ou 6 ao redor de si. Entre os muçulmanos existe a poligamia. Todavia, na prática, é coisa de ricos, porque cada mulher tem que ter uma casa, conforme determina a Torá.

Dizem que corre entre os palestinos a seguinte afirmação: “Nós venceremos os judeus na cama, não com armas, mas com amor”. O povo palestino é empobrecido, assim como o povo negro brasileiro. Os Palestinos são pessoas muito simpáticas e acolhedoras. Existem diversos campos de refugiados palestinos. Uma mulher cristã de Belém desabafou conosco sobre o turismo comercial religioso: “Os peregrinos-turistas vêm aqui preocupados em ver pedras mortas (ruínas antigas), mas não se lembram das pedras vivas que somos nós cristãos, muçulmanos e judeus, na terra de Jesus, e que estamos sendo massacrados juntos com os Palestinos pelo exército de Israel. Não conhecem a nossa história de luta pelo território.”

Uma das características de Israel-Palestina: as cidades e/ou bairros dos judeus são ricos e luxuosos, com grande segurança militar, muros altos com cerca de arame farpado, enquanto as cidades e/ou bairros palestinos são pobres e com nenhuma segurança militar. Enquanto Israel mantem hospitais de luxo, bombardeia os poucos e pobres hospitais que existem na Faixa de Gaza, desrespeitando de forma cruel e impiedosa as leis internacionais que instruem a preservação de hospitais, igrejas e edificações históricas, impedindo ainda os corredores humanitários.

No dia 22 de março de 2000, o Papa João Paulo II celebrou uma missa em Belém, na Palestina. Foi uma missa bonita. Os palestinos gostaram. O Papa disse: “O mundo não pode mais ignorar o sofrimento do povo palestino!” O Papa exortou judeus e palestinos a encontrarem um caminho de paz, justiça e convivência respeitosa. O papa Francisco está se empenhando em contribuir para o cessar fogo de Israel e que se chegue a negociações de paz que inclua o reconhecimento do Estado Palestino e que os territórios invadidos por Israel sejam devolvidos ao Povo Palestino.

Em quase todas as cidades da Israel-Palestina existe uma cidade nova ao lado das ruínas de uma cidade antiga, que foi destruída várias vezes. Na parte nova de Jerusalém, cidade de Primeiro Mundo, onde está a sede do Parlamento de Israel e a sede do Governo, os judeus construíram um grande museu chamado Yad Vashem, como memorial do Holocausto da Segunda Grande Guerra. Lá plantaram 18 mil árvores com o nome de 18 mil pessoas que salvaram judeus dos campos de concentração nazistas. Lá estão também, dentro de uma grande sala, três velas acesas que, com ajuda de espelhos refletores, se multiplicam em 1.500.000 velas-estrelas. Ao entrar nesta sala se tem a impressão de estar no meio de uma noite escura com o céu estrelado. Cada “estrela” recorda uma das 1.500.000 crianças judias assassinadas nos campos de concentração de Hitler. Impressionante é escutar uma voz que vai dizendo o nome de todas as crianças judias vítimas do nazismo e ao sair da sala encontrarmos diversas fotografias das crianças martirizadas. É muito comovente, mas imediatamente uma voz dentro de mim me dizia, quando ali estive: “O mais dramático e grave é que o holocausto não é somente uma questão do passado, pois 2/3 da humanidade continua sendo assassinada antes do tempo pelo mundo afora”. Pior, Israel, após a Segunda Grande Guerra, nos últimos 76 anos já matou mais de 170 mil palestinos e nas últimas semanas está perpetrando com brutalidade parecida que a de Hitler o holocausto do Povo Palestino em Gaza! O holocausto se repete, agora, perpetrado pelo Estado terrorista de Israel. Vítimas do holocausto feito com requintes de crueldade pelos nazistas, judeus sionistas agora fazem holocausto do Povo Palestino. Israel transformou Gaza no maior campo de concentração, de extermínio em massa.

Enfim, alerto aos judeus sionistas e a quem os apoia: quem mata nossos irmãos palestinos morrerá politicamente em breve, pois a história não os perdoará, como Hitler e os nazistas foram jogados na lata de lixo da história e todos os violentos e opressores da história foram vencidos, vocês também que insistem na brutalidade, serão vencidos e serão jogados na lata de lixo da história. E os palestinos mortos ressurgirão e serão milhões cada vez mais humanos e fortes. Que a luz e a força divina nos guiem sempre na luta pela paz com justiça. Viva a luta do povo Palestino!

02/11/2023

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 – Israel, por que matas teus irmãos e irmãs Palestinos/as? Por Paz c Justiça entre Judeus e Palestinos

2 – Vi e ouvi na Palestina! Por q e para q apoiar o Povo Palestino? Cessar fogo, JÁ! Por frei Gilvander

3 – Frei Gilvander sobre o genocídio do Povo Palestino: “Governo de Israel fascista, racista e genocida”

4 – Massacre e genocídio que Israel faz há 76 no meio do Povo Palestino: Pare o genocídio! PAZ, JÁ!

5 – HAMAS: O QUE QUER A ORGANIZAÇÃO EM GUERRA CONTRA ISRAEL? – OSAMA HAMDAN – PROGRAMA 20 MINUTOS

6 – A luta contra o apartheid do Estado de Israel e a solidariedade internacional

7 – A HISTÓRIA DO HAMAS E DA RESISTÊNCIA PALESTINA – 20 MINUTOS ANÁLISE, POR BRENO ALTMAN

 

 

 

 

[1]Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –     Facebook: Gilvander Moreira III

 

Por que e para que matas teu irmão palestino?

Por Paz com Justiça entre os Povos Judeus e Palestinos!

Ignorando a resolução da Assembleia Geral da ONU e as convenções de Direito Internacional Humanitário, Israel aumentou os ataques e está exterminando milhares de civis em Gaza. A cada minuto aumenta o número de mortos. O Ministério da Saúde da Palestina informou dia 30 de outubro último (2023), que, em Gaza, são mais de 20 mil feridos e 10 mil palestinos assassinados, sendo que 73% dos mortos são crianças, mulheres e idosos.

O palestino Ahmed Shehada, presidente do Instituto Brasil Palestina, denuncia:

“Não é uma guerra, é um massacre, um apartheid, um genocídio o que Israel está fazendo conosco, Povo Palestino. Os hospitais de Gaza entraram em colapso. Desde o dia 7 de outubro de 2023, Israel jogou mais de 15 mil toneladas de bomba em Gaza.

Há evidências de ataques a hospitais, ambulâncias e escolas, assassinatos de funcionários da ONU e Cruz Vermelha, despejo de toneladas de bombas e mísseis, incluindo utilização de fósforo branco, arma química proibida pela legislação internacional, além do bloqueio total da entrada de alimentos, água e combustível, com corte de energia elétrica e até de internet; destruição de hospitais, escolas, igrejas; impedimento até mesmo da entrada de ajuda humanitária.

Os repórteres também estão sendo assassinados, pois Israel não quer que o mundo tenha acesso às imagens que comprovam o genocídio. Elementos estes que configuram claramente a prática de proteção coletiva.”

Estou muito indignado com o massacre e o genocídio que o desgoverno de Israel está fazendo com o povo palestino. Parece que os judeus de extrema direita não aprenderam nada com o holocausto sofrido pelos povos judeus, ciganos… pelo nazismo de Hitler. Óbvio que não podemos condenar todos os judeus, pois o judaísmo é um movimento extremamente plural. Judeus humanistas deixaram um imenso legado à humanidade, tais como Karl Marx, Albert Einstein, Sigmund Freud, Rosa Luxemburgo e muitos outros.

De forma impactante deixada por escrito pouco antes de ser morta sob os escombros em Gaza, a premiada romancista e poetisa palestina Heba Abu Nada: “…somos pessoas Justas e do lado da Verdade”.

Em 1920, ainda com o território geográfico sob a administração britânica, o cientista Albert Einstein escreveu uma carta a um árabe, com uma proposta secreta, na qual dizia: “nós, árabes e judeus, devemos escolher um conjunto de pessoas, um conselho, em que haja sempre paridade absoluta de um lado e de outro, para fazermos um caminho em conjunto pela autonomia e para termos esta terra para nós judeus e árabes.”

O Povo Palestino não é terrorista, é um povo de uma humanidade extraordinária, povo heróico. Não nos calemos diante do massacre dos palestinos pelo governo racista, colonial, terrorista e genocida de Israel, que começou 76 anos a matar palestinos e invadiu o território deles, quando não existia o Hamas e havia outra desculpa para matar e expulsar os palestinos de seu território.

Tem direito de defesa quem é atacado e violentado. Se o Estado de Israel ataca, violentamente, mata 170 mil palestinos nos últimos 76 anos, invade suas terras, expulsa palestinos, mata mais de 3 mil crianças em 23 dias de bombardeio, Israel está sendo Estado terrorista e não tem direito de defesa. Quem tem direito de defesa são os violentados, os palestinos.

O Jornal Nacional da TV Globo, como mídia comercial e coorporativista ocidental, diariamente está fazendo propaganda pró-Israel disfarçada de notícia isenta. A mesma TV Globo que cresceu lambendo as botas dos generais da ditadura militar, civil e empresarial, agora passa pano para o Estado genocida de Israel.

Foca em “220” israelenses sequestrados (?), não sabemos quantos são de fato, e omite que o governo nazifascista de Israel mantém presos/sequestrados milhares de palestinos, inclusive crianças de 12 anos e adolescentes, e que em 76 anos mataram mais de 170 mil palestinos, invadiram o território dos palestinos, cortaram o acesso à água, torturaram e mataram de muitas formas.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse a pura verdade e o mínimo que precisa ser dito e defendido: O Hamas não fez o que fez por acaso. A ocorrência do Hamas em 7 de outubro último (2023), criada pela postura colonial e de apartheid do governo de Israel, é uma resposta desesperada à matança do povo palestino.

Exigimos cessar fogo e negociação JÁ para que se chore de fato o Estado Palestino e se respeitem todos os direitos do histórico Povo Palestino. Com o apoio dos Estados Unidos e a cumplicidade dos governos europeus, o desgoverno de Israel, de extrema-direita, está fazendo o GENOCÍDIO do Povo Palestino em Gaza.

Além dos réus principais – os judeus sionistas, os governos de Israel e dos EUA – outros atores devem ser arrolados como cúmplices e julgados: a mídia comercial nacional e internacional, com seu papel de máquina de guerra do sionismo, a manipular os fatos e o esforço explicar o genocídio contra um povo; os governos do mundo inteiro que foram – são – coniventes com esse massacre covarde, que tentam chamar de guerra, mas que nunca foi uma guerra: o que há é o cerco de um território onde apenas um exército fortemente armado e com apoio da maior potência militar do mundo – Estados Unidos – praticou durante várias semanas um genocídio, com requintes de crueldade.

É evidente que não podemos condenar todo e qualquer judeu como responsável pela matança de palestinianos, algo que ocorre há muitas décadas. Como sinal de luz, ética e esperança, tanto em Israel como em muitos países, existem judeus humanistas se manifestando contra o genocídio que o desgoverno de Israel está perpetrando contra o Povo Palestino. O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu e a classe dominante de Israel são os maiores responsáveis.

Urge construirmos um mundo de justiça e paz. Judeus e palestinos, pessoas de boa vontade de todas as partes do mundo, todos nós, estamos convocados para ouvir o clamor dos oprimidos e recriar o mundo com instituições éticas e com relações sociais justas. Manifestações de civis eclodem em muitos países do mundo atônitos e revoltados contra este novo holocausto que está em curso.O Governo brasileiro, liderado pelo presidente Lula, precisa se posicionar de forma contundente contra o Estado de Israel, que é colonialista, genocida e praticando holocausto contra o povo palestino.

Aliás, o Brasil e os demais países precisam cancelar todos os acordos comerciais e suspender as relações diplomáticas com Israel até que aconteça um cessar fogo e se encaminhem negociações que levem à Paz com Justiça, o que inclua necessariamente o reconhecimento do Estado Palestino e que sejam devolvidas ao Povo Palestino todos os territórios invadidos por Israel.

A humanidade não pode deixar impune o massacre de um povo que está sendo visto, televisado nas redes sociais e canais alternativos, para todo o planeta.Se nada for feito, a destruição covarde, vil, cruel do povo palestino será a destruição da própria humanidade, ou do que restou de humano em todos nós.É urgente cessar o genocídio contra a população palestina, que em Gaza forma mais de dois milhões de pessoas, sobretudo crianças, mulheres e idosos.É urgente julgar e punir todos os envolvidos diretamente e indiretamente nesse genocídio cometido no maior campo de concentração a céu aberto.

Defendemos a paz e que Israel pare de matar inocentes! Queremos o reconhecimento do Estado da Palestina e que todos os crimes de guerra de Israel sejam julgados pela ONU e pelos tribunais internacionais.

Termino alertando aos judeus sionistas: matar seus irmãos palestinos será em um futuro próximo matar vocês mesmos, pois como Hitler e os nazistas foram jogados na lata de lixo da história e todos os violentos e opressores da história foram vencidos, vocês também que insistem na brutalidade ,serão vencidos e serão jogados na lata do lixo da história.

E os palestinos mortos ressurgirão e serão milhões cada vez mais humanos e fortes. Que a luz e a força divina nos guiem sempre na luta pela paz com justiça. Viva a luta do povo palestino!

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, verso sobre o assunto tratado, acima.

1 – Frei Gilvander sobre o genocídio do Povo Palestino: “Governo de Israel fascista, racista e genocida”
https://www.youtube.com/watch?v=Zr_z00-n5yg

2 – Massacre e genocídio que Israel faz há 76 no meio do Povo Palestino: Pare o genocídio! PAZ, JÁ!
https://www.youtube.com/watch?v=oLpNR77eleA

3 – HAMAS: O QUE QUER A ORGANIZAÇÃO EM GUERRA CONTRA ISRAEL? – OSAMA HAMDAN – PROGRAMA 20 MINUTOS
https://www.youtube.com/watch?v=pWSYzDPYA4g

4 – A luta contra o apartheid do Estado de Israel e a solidariedade internacional
https://www.youtube.com/watch?v=JIg7Rxaurls

5 – A HISTÓRIA DO HAMAS E DA RESISTÊNCIA PALESTINA – 20 MINUTOS ANÁLISE, POR BRENO ALTMAN
https://www.youtube.com/watch?v=jMR-ZsMIgPU

Luta e Resistência Indígena na RMBH cresce e fortalece

Luta e Resistência Indígena na RMBH cresce e fortalece. Por frei Gilvander Moreira[1]

Retomada Terra Mãe, em Betim, MG, com algumas lideranças, jovens e crianças indígenas Warao. Setembro de 2023. Foto: Alenice Baeta, CEDEFES. 

Nos últimos anos, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) aconteceram seis Retomadas Indígenas: 1) Retomada Kamakã, em Esmeraldas; 2) Retomada Pataxó, em São Joaquim de Bicas; 3) Retomada Katurama, em São Joaquim de Bicas; 4) Retomada Kamakã Mongoió, em Brumadinho; 5) Retomada Xukuru-Kariri, em Brumadinho; e 6) Retomada Terra Mãe, do Povo Indígena Warao, de refugiados da Venezuela, que aconteceu no início de setembro de 2023, na cidade de Betim.

Na Retomada Terra Mãe, do Povo Warao, dezenas de famílias de parentes indígenas, além de outras etnias, com centenas de famílias sem-terra e sem-teto, ocuparam um grande terreno, mais de 100.000 metros quadrados (mais de dez hectares, o que equivale a mais de dez campos de futebol), propriedade que estava abandonada, ociosa, sendo espaço para depósito de lixo e entulho; propriedade que não cumpria sua função social em Betim, cidade com uma brutal desigualdade socioeconômica e com uma das maiores presenças de povos periferizados de toda a RMBH.

No terreno da Retomada Terra Mãe houve uma ocupação em 2011, que foi despejada com brutal pressão da polícia militar doze anos atrás. Na ocasião, o juiz da Vara Agrária de Minas Gerais mandou arquivar o processo, porque a parte autora não demonstrou interesse em continuar o processo. Diz-se que o terreno é espólio de herança. O fato é que estava abandonado muitas décadas antes de 2011, houve o despejo e o terreno continuou abandonado. Como a Constituição Federal de 1988 exige que toda propriedade cumpra sua função social, uma propriedade que não cumpre sua função social deixa de existir, como interpretam muitos juristas e constitucionalistas. Ou seja, a CF/88 não protege propriedade que não cumpre sua função social.

Sobre a Retomada Terra Mãe em meados de setembro agora (2023), um juiz de 1ª instância, da 1ª Vara Cível da Comarca de Betim, mandou reintegrar na posse quem não exercia a posse. Pior, com uma decisão que viola e desrespeita a decisão de nove ministros do Supremo Tribunal Federal que, no final da pandemia da covid-19, na ADPF 828, determinou que todos os Tribunais Estaduais e Federais criassem Comissões de Conflitos Fundiários que fizessem visita técnica in loco, audiência de conciliação e buscassem alternativas dignas e prévias que evitassem despejos que implicassem em jogar famílias ao relento nas ruas. Há também decisão do ministro Alexandre de Moraes que obriga o poder público a fazer políticas públicas que resolvam a situação de milhares de irmãos e irmãs que estão em situação de rua em centenas de cidades brasileiras.

Para nossa surpresa, um desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais não acatou um Agravo de instrumento da Defensoria Pública de MG, que exigia a suspensão da liminar de reintegração sobre a Retomada Terra Mãe, mas diante da manifestação da FUNAI[2], que manifestou interesse no processo e de arguição da Defensoria Pública da União e do Ministério Público Federal requerendo que a competência para julgar o caso deve ser da Justiça Federal, diante da realidade de que se trata de Retomada Indígena e quem julga sobre questões relativas aos indígenas é a Justiça Federal, suspendeu a reintegração até que seja julgado de quem será a competência jurídica, se da justiça estadual ou da justiça federal.

Dia 27 de setembro de 2023, os povos da Retomada Terra Mãe bloquearam a BR 262 em Betim, MG, próximo ao local da Retomada, em protesto contra o anúncio já feito pela Polícia Militar de que faria o despejo na madrugada seguinte, dia 28 de setembro último (2023). A Polícia Militar de MG foi truculenta. Atirou no povo, jogou bombas de gás lacrimogêneo no meio da multidão que bloqueava a BR. Várias pessoas foram feridas. Idosos, mães e crianças também foram atacados com gás lacrimogênio. O direito de manifestação foi violentado pela PM de MG. E mais: fiscalização sobre a BR 262 é competência da Polícia Rodoviária Federal (PRF), que não apareceu. Estranhamente e usurpando sua competência, quem apareceu em um piscar de olhos foi a PM de MG, que chegou com brutalidade absurda. Um sargento chegou imbicando um revólver no rosto de uma liderança indígena. Entretanto, os povos indígenas e sem-teto não arredaram o pé e continuaram a manifestação protestando contra o despejo iminente. Fizeram a PM recuar e reocuparam novamente a BR 262, o que causou mais de 15 Km de congestionamento. O povo dizia de cabeça erguida que jamais aceitará despejo e gritava: “Se o despejo vier, a BR vai parar! Bloquearemos a BR quantas vezes forem necessárias!”

No Censo do IBGE, de 2022, em Belo Horizonte e Região Metropolitana, 6.476 pessoas se autodeclararam INDÍGENAS. Em Belo Horizonte, 2.692; em Contagem, 796; em Betim, 761; Ribeirão das Neves, 362; São Joaquim de Bicas, 356; Santa Luzia, 211; Ibirité, 140; Esmeraldas, 137; Sabará, 117; Sete Lagoas, 117; Brumadinho, 113; Vespasiano, 112; Nova Lima, 81; Lagoa Santa, 78; Juatuba, 76; Igarapé, 67; Pedro Leopoldo, 49; São José da Lapa, 37; Matozinhos, 26; Rio Acima, 18; Mateus Leme, 27; Sarzedo, 15; Jaboticatubas, 13; Capim Branco, 13; Itatiaiuçu, 13; Mário Campos, 11; Itaguara, 09; Caeté, 08; Florestal, 08; Confins, 05; Raposos, 05; Rio Manso, 01; Baldin, 1; Taquaraçu de Minas, 01.

No ano de 2007, uma pesquisa do Centro de Documentação Eloy Ferreira (CEDEFES)[3], estimava a existência aproximada de sete mil indígenas em Belo Horizonte e RMBH. Cumpre evidenciar que o Censo do IBGE, de 2022, certamente mostra uma subnotificação, porque segundo vários/as recenseadores/as me disseram não era em todas as casas que o sistema abrir para perguntar se tinha outras pessoas indígenas, ou quilombolas, ou … Alguns recenseadores me disseram: “Quando o sistema abria em uma casa para anotarmos a existência naquela casa de outras pessoas indígenas, nas próximas casas, o sistema não abria mais. Com certeza o número de indígenas, de quilombolas etc. é muito maior do que o que foi anotado. Parece que tinha a estruturação no programa para não mostrar toda a verdade e viabilizar subnotificação, o que causa danos na formatação de políticas públicas. Não podemos esquecer que o Censo do IBGE, em 2022, aconteceu no desgoverno de Bolsonaro. Precisa verificar os pontos falhos do Censo em 2022.” Portanto, podemos inferir que ao redor de cada uma das 6.476 pessoas que se autodeclaram como indígenas na RMBH deve existir um número bem maior. Podemos deduzir que possivelmente o número de indígenas em Belo Horizonte e RMBH seja no mínimo duas ou três vezes mais do que o atestado pelo Censo do IBGE, ou seja, podemos estimar que exista acima de 13 mil indígenas em Belo Horizonte e RMBH. Em Betim, onde o Censo atestou a presença de 761 indígenas deve ter mais de 1.600 mil. Imaginemos o número de brasileiros que estão em todas as cidades que de fato são indígenas, mas que ainda não se autodeclararam por muitos motivos. Enfim, o número de indígenas desterritorializados e em contexto urbano deve ser maior do que o último censo do IBGE atestou.

O Brasil é muito mais indígena que muitos imaginam. Viva a luta indígena!

 

04/10/2023.

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 – Povo Indígena Warao da Venezuela na Ocupação/Retomada TERRA MÃE, Betim/MG: “Não aceitamos despejo!”

2 – Terra Mãe, nova Ocupação de Povo indígena Warao e centenas de sem-teto, em Betim/MG. Despejo, NÃO!

3 – Respeito à decisão do STF na ADPF 828! Povo indígena Warao não aceita despejo na Ocupação TERRA MÃE

4 – 300 famílias na Ocupação/Retomada TERRA MÃE, em Betim/MG: Povo indígena Warao e centenas de sem-teto

5 – Ocupação TERRA MÃE: E decisão do STF p não despejar sem alternativa prévia? Povo indígena e sem-teto

6 – “Novo nascimento na Retomada/Ocupação TERRA MÃE, Betim/MG.” “PM matou 2 Sem Teto Bandeira Vermelha”

7 – Leo Péricles/UP, Poliana/MLB e Isa/MNDH na RETOMADA/OCUPAÇÃO TERRA MÃE, BETIM/MG: “Negociação, SIM!”

8 – Betim/MG: “Não arredamos o pé da luta pela moradia. PM violenta conosco. RETOMADA/OCUPAÇÃO TERRA MÃE

9 – Povo REOCUPOU a BR em Betim/MG após repressão da PM/MG: RETOMADA TERRA MÃE na luta contra despejo.v3

10 – Povo fez PM recuar e bloqueou de novo BR em Betim/MG: luta por moradia da Ocupação Terra Mãe. Víd 2

11- PM de MG reprime com truculência Bloqueio da BR em Betim/MG: luta por moradia da Ocupação Terra Mãe

[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –     Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Fundação Nacional dos Povos Indígenas.

[3] BAETA, Alenice M. Indígenas nas Cidades; memórias ‘esquecidas’ e direitos violados. In: ECODEBATE, 2021.  Cf. https://www.cedefes.org.br/indigenas-nas-cidades-memorias-esquecidas-e-direitos-violados-artigo-de-alenice-baeta/

 

Palavras ao receber da Câmara Municipal do Recife o título de Cidadão honorário da cidade

Minhas palavras ao receber da Câmara Municipal de Recife o título de Cidadão honorário da cidade:

Recife, 26 de setembro de 2023

 

Queridas irmãs, queridos irmãos,

 

Talvez alguém possa dizer que esse tipo de cerimônia é mera  formalidade social. De fato, é ato simbólico e como tal é importante. É, antes de tudo, sinal de amizade e carinho por parte dessa Câmara Municipal que, a partir da proposta da querida amiga e vereadora Liana Cirne, me oferece esse título de cidadão honorário do Recife. Fico comovido com esse gesto de Liana e de todos vocês e só posso agradecer. Presente de amizade é gratuito. Nem precisamos ter certeza de merecê-lo. Trata-se apenas de receber, curtir e agradecer. Essa é minha primeira reação: agradecer comovido. E renovar o meu compromisso de exercer essa cidadania que me é oferecida no trabalho e na luta, para que todas as pessoas que moram nessa cidade possam ser reconhecidas como cidadãs de pleno direito.

 

Aí vem um segundo sentido simbólico. Cidadania é essencialmente termo coletivo. Não tem sentido ser cidadão sozinho. Os planetas de um só homem só existem no Pequeno Príncipe do St Exupery e para serem criticados como não reais. Nenhum ser humano é uma ilha. Cidadania só pode ser vivida na relação e naquilo que, na encíclica Fratelli Tutti, o papa Francisco chama de “amizade social”.

Comumente, as câmaras municipais dão títulos como esse a empresários poderosos que investem na cidade, a autoridades sociais e políticas ou religiosas, que influenciam na organização da sociedade. Eu sou apenas um monge, filho de família de operários de fábrica de Camaragibe e que está chegando quase aos 80 anos com apenas uma conquista: boa rede de amizade e a teimosia de propor um mutirão da profecia e da esperança. E o único título de honra do qual não abro mão é o de irmão e companheiro, que assessora movimentos populares como o MST, acompanha comunidades indígenas e negras, assim como pastorais sociais e comunidades eclesiais de base.

 

Nesse mesmo auditório, há mais de 55 anos no dia 11 de setembro de 1967, nosso querido profeta e saudoso mestre Dom Helder Camara recebia dessa Câmara esse mesmo título. Naquela ocasião, ele pronunciava um discurso, no qual se propunha a fazer balanço e prestação de contas do seu trabalho na arquidiocese de Olinda e Recife, em seus então três anos e meio de pastoreio. (O discurso que pronunciou naquela ocasião está escrito na 291ª circular e publicado no tomo I do Volume IV das Circulares – Circulares pós-conciliares).

Nesse discurso, feito aqui na Câmara, Dom Helder dizia que tinha consciência de que muitos o criticavam por parecer mais líder social do que religioso. E explicava que era a própria espiritualidade e o seguimento de Jesus que o faziam assumir as causas sociais e a consagrar a vida à transformação do mundo.

 

Hoje, 56 anos depois, invoco a herança que eu e vocês aqui do Recife recebemos de Dom Helder como pastor e me coloco como alguém que busca sempre recordar às Igrejas cristãs, às diversas religiões  e à sociedade que a fé e a espiritualidade só podem ser vividas de forma profunda no compromisso social e político a serviço das comunidades mais empobrecidas e excluídas dos seus direitos de cidadania.

Que esse nosso encontro na casa de José Mariano e sob o seu patrocínio, possa fortalecer o papel que a Câmara Municipal pode exercer na promoção da cidadania, dos direitos dos cidadãos e cidadãs,  na parceria do poder publico com cidadãs e cidadãos comprometidos com as causas que atualizam a luta de José Mariano contra a escravidão e pela integração social de todos e todas na plena cidadania da nossa cidade.

Exatamente por isso, ao receber esse título tão importante que, hoje, vocês me dão, peço que simbolicamente sejam inscritos nesse título, como cidadãos honorários, como eu, os nomes dos irmãos e irmãs da imensa multidão, a qual são negados todos os direitos, como o da cidadania. E entre esses, crucificados do mundo, há os companheiros e companheiras, militantes do povo organizado, com os quais, desde minha juventude, em nome de Jesus, consagro minha vida e minha esperança: os irmãos e irmãs do MST, aqui representados pelo grupo que veio me presentear com sua participação e ao qual me junto na luta pela Reforma Agrária e pela justiça no campo.

Recebo esse título, porque confio que vocês aceitem que eu o partilhe, simbolicamente, com nossos irmãos e irmãs indígenas que vivem nessa cidade e que estão aqui representados pela Cacica Kyalonan e o Pajé Juruna do povo Karaxu Wanassu. Essa comunidade originária está reunida na ocupação heróica em Monjope, que se situa em Igarassu, fora do município do Recife, mas acolhe irmãos e irmãs indígenas que viviam pelas ruas da nossa cidade, sem nenhum reconhecimento de seus direitos humanos e comunitários.

Também partilho esse título, especialmente com as comunidades negras com suas culturas e suas expressões religiosas. Como cristão, agradeço a Deus os 115 anos de vida da Umbanda em nossas terras e reverencio em nome de todos os irmãos e irmãs da Umbanda, do Candomblé e da Jurema Sagrada os irmãos e irmãs que vieram aqui para essa cerimônia.

E em nossas cidades se começam a reconhecer os direitos da natureza, os direitos da Mãe-Terra e os direitos dos rios e das matas. Desde 2018, o município de Bonito, aqui em Pernambuco, é o primeiro do país a reconhecer o Direito da Natureza, direito do rio Bonito,  de suas cachoeiras e serras. Imaginem se essa Câmara puder levar à frente essa discussão no Recife com relação aos rios Capibaribe, Beberibe e Tejipió…

Será também que a cidadania pode tomar a fisionomia humana da nossa cidade que tem imensa multidão de filhos e filhas ainda nas ruas e nas calçadas de dezenas de prédios e edifícios abandonados e muitos deles em direção à ruína? Que alegria termos aqui nossa irmã Karina, representando a Pastoral do povo da rua.

 

Só podemos agradecer à prefeitura do Recife a criação do RECENTRO com o seu programa de revitalização do centro de nossa cidade. Ficamos contentes em saber desse programa e o acolhemos com confiança. Esperamos que, mesmo se as soluções que tocam as estruturas nunca são imediatas, quem tem fome não pode guardar o estômago para amanhã. Recife precisa do nosso cuidado hoje e agora. Sem dúvida, as pessoas responsáveis pelo programa RECENTRO e a prefeitura sabem que o centro da nossa cidade nunca será verdadeiramente revitalizado apenas a partir de projetos de grandes redes hoteleiras e investimentos privados de corporações que são as mesmas que provocaram o seu esvaziamento.

A cidade de Havana em Cuba tornou o seu centro histórico restaurado exemplo de revitalização para o mundo todo porque devolveu o centro a moradores e moradoras comuns e até pobres. E no convívio das famílias e da vizinhança a cidade ressuscita. Que os retratos fantasmas que o cineasta nosso conterrâneo Kleber Mendonça Filho está levando em seu filme para o Óscar desse ano possa deixar de ser verdade e ele não precise fazer um segundo filme: retratos do Recife Zumbi. (Pior que os fantasmas que só assustam, os zumbis matam e mutilam as pessoas e a vida).

Se a cidadania é comunitária, demo-nos as mãos e unamos nossos corações para sermos, em nossa cidade, promotores de cidadania, ao mesmo tempo recifense e planetária.

Somos cidadãos do Recife, se garantimos que a nossa cidade continua merecedora dos lindos poemas de gigantes como Manuel Bandeira, Antônio Maria, Ascênsio Ferreira, Carlos Pena Filho e outros importantes. Hoje, temos os poemas da querida Cida Pedrosa e muitos poetas e poetisas de periferia que precisamos valorizar.

E como poesia é arte de dar beleza à vida, faço aqui menção de dois recifenses ilustres:  a nossa querida irmã e amiga Dona Leda Alves, que como secretária de cultura da cidade, fez tanto pela nossa cidade. E, claro, nosso grande Paulo Freire.

Comumente, o recifense Paulo Freire é reconhecido pelo mundo inteiro como educador e pensador da vida. É menos conhecido como poeta. Eu me identifico muito com um poema que ele fez, em 1969, quando estava no exílio no Chile. Quero concluir essa minha fala com esse poema que Paulo Freire dedicou à nossa cidade do Recife e que parece celebração litúrgica na qual envolvo vocês todos e todas comigo:

 

Recife Sempre,  

poema de Paulo Freire

Cidade bonita, cidade discreta

Difícil cidade, cidade mulher.

Nunca te dás de uma vez.

Só aos pouquinhos te entregas

Hoje um olhar, amanhã um sorriso.

Cidade manhosa, cidade mulher.

Podias chamar-te Maria, Maria da Graça

Maria da Penha, Maria Betânia, Maria Dolores.

 

De Santiago te escrevo, Recife,

Para falar de ti a ti,

Para dizer-te que te quero

Profundamente, que te quero.

Cinco anos faz que te deixei –

Manhã cedo – tinha medo de olhar-te,

Tinha medo de ferir-te

Tinha medo de magoar-te.

Manhã cedo – palavras não dizia.

Como dizer palavra se partia?

 

Tinha medo de ouvir-me,

Tinha medo de olhar-me,

Tinha medo de ferir-me,

Manhã cedo – as ruas atravessando

O aeroporto se aproximando,

O momento exato chegando,

Mil lembranças de ti me tomando

No meu silêncio necessário.

 

De Santiago te escrevo,

Para falar de ti a ti,

Para dizer-te de minha saudade, Recife,

Saudade mansa – paciente saudade,

Saudade bem-comportada.

 

Recife, sempre Recife,

de ruas de nomes tão doces,

Rua da União, que Manuel Bandeira tinha “medo que

se passasse a chamar rua Fulano de tal”

e que hoje eu temo que venha a se chamar

Rua Coronel Fulano de Tal.

 

Rua das ceroulas, Rua da Aurora

Rua da amizade, Rua dos Sete Pecados.

Recife sempre.

Teus homens do povo, queimados do sol

gritando nas ruas, ritmadamente:

Chora menino pra comprar pitomba! (…)

 

Doce de banana e goiaba!

Faz tanto tempo!

 

Para nós, meninos da mesma rua,

aquele homem que andava apressado

quase correndo – gritando, gritando:

Doce e banana e goiaba!

Aquele homem era um brinquedo também.

Doce de banana e goiaba!

Em cada esquina, um de nós dizia:

Quero banana, doce de banana!

Sorrindo já com a resposta que viria.

Sem parar, sem olhar para trás,

sem olhar para o lado,

apressado, quase correndo,

o homem-brinquedo assim respondia:

“Só tenho goiaba

– Grito banana porque é meu hábito”.

Doce de banana e goiaba!

Doce de banana e goiaba!

Continuava gritando,

andando apressado, sem olhar para trás,

sem olhar para o lado, o nosso homem-brinquedo.

 

Foi preciso que o tempo passasse,

que muitas chuvas chovessem,

que muito sol se pusesse,

que muitas marés subissem e baixassem,

que muitos meninos nascessem,

que muitos homens morressem,

que muitas madrugadas viessem,

que muitas árvores florescessem,

que muitas Marias amassem,

que muito campo secasse,

que muita dor existisse,

que muitos olhos tristonhos eu visse,

para que entendesse

que aquele homem-brinquedo

era o irmão esmagado

era o irmão explorado

era o irmão ofendido

o irmão oprimido

proibido de ser.

 

Recife, onde tive fome

Onde tive dor

Sem saber por que

Onde hoje ainda

Milhares de Paulos

Sem saber por que

Têm a mesma fome

Têm a mesma dor,

Raiva de ti não posso ter.

 

No ventre ainda, ajudando a mãe

a pedir esmolas, a receber migalhas.

Pior ainda: a receber descaso de olhares frios.

Recife, raiva de ti não posso ter.

 

Recife, cidade minha,

Já homem feito, teus cárceres experimentei.

Neles, fui objeto, Fui coisa, Fui estranheza.

Quarta feira. 4 horas da tarde.

O portão de ferro se abria.

Hoje é dia de visita. Sem fila.

 

Recife, cidade minha,

Em ti vivi infância triste

Adolescência amarga em ti vivi.

Não me entendem, se não te entendem

Minha gulodice de amor

Minhas esperanças de lutar

Minha confiança nos homens

Tudo isto se forjou em ti

Na infância triste, na adolescência amarga

O que penso, o que digo

O que escrevo, o que faço

Tudo está marcado por ti.

 

Sou ainda o menino

que teve fome, que teve dor

Sem saber porque,

só uma diferença existe

entre o menino de ontem

e o menino de hoje, que ainda sou:

Sei agora por que tive fome

Agora eu sei por que tive dor.

 

Recife, cidade minha.

Se alguém me ama, que a ti me ame

Se alguém me quer, que a ti te queira.

Se alguém me busca, que em ti me encontre

Nas tuas noites, nos teus dias

Nas tuas ruas, nos teus rios

No teu mar, no teu sol

Na tua gente, no teu calor

Nos teus morros, nos teus córregos

Na tua inquietação, no teu silêncio

Na amorosidade de quem lutou e de quem luta.

De quem se expôs e de quem se expõe

De quem morreu e de quem pode morrer

Buscando apenas, cada vez mais,

Que menos meninos tenham fome e tenham dor

Sem saber por que.

Por isto disse: Não me entendem se não te entendem.

O que penso,  que digo,

O que escrevo, o que faço,

tudo está marcado por ti.

Recife, cidade minha,

Te quero muito, te quero muito.  (Santiago, fevereiro de 1969).

Bíblia sagrada, se bem interpretada!

Bíblia sagrada, se bem interpretada! Por frei Gilvander Moreira[1]

Fundamentos
A Bíblia é também uma obra literária, uma “biblioteca” de 73 livros, a católica. “Toda obra literária é uma obra aberta“, afirmava Humberto Eco, grande pensador e escritor italiano, autor de muitos livros imprescindíveis, tais como: Os limites da interpretação, O Nome da rosa, O Fascismo eterno, Em que creem os que não creem, Migração e intolerância etc. Saber interpretar é preciso.

A Bíblia continua sendo o livro best seller, mais lido do mundo, mas lamentavelmente muitas pessoas que se dizem cristãs, sejam católicas, evangélicas ou (neo)pentecostais fazem interpretações de passagens bíblicas que são interpretoses, ou seja, falsas interpretações que reduzem textos bíblicos a autoajuda e amuletos para justificar a ideologia da prosperidade, tranquilizar a consciência com ações pontuais assistenciais e filantrópicas, enquanto permanecem enroscadas em relações sociais que reproduzem cotidianamente as injustiças e as violências do sistema capitalista que, como máquina de moer vidas, está nos levando ao abismo já impondo à humanidade indícios sérios de que estamos sendo empurrados para a extinção da humanidade. A emergência climática com eventos extremos cada vez mais frequentes e letais está se multiplicando e só não percebe quem está em bolhas de privilégios gozando os lucros da brutal devastação ambiental à custa de muito sangue de humanos e bilhões de outros seres vivos que estão sendo mortos e dizimados ou quem está cegado pela ideologia dominante que insiste na mentira alardeando que é possível continuar o progresso capitalista para acumulação de capital e luxo para 1% da população explorando de forma impiedosa os bens naturais com medidas paliativas “mitigadoras” que são só verniz, mais “veneno” do mesmo.

Neste contexto de povo muito religioso e em meio a brutais injustiças socioeconômicas e políticas que seguem sendo implementadas, a questão religiosa se tornou uma gravíssima questão política que ninguém pode mais ignorar. Precisa ser enfrentada por todos/as que se dedicam a construir uma sociedade para além do sistema do capital, uma sociedade socialista, justa economicamente, democrática politicamente, plural culturalmente e com responsabilidade ambiental e geracional.

Resgatar critérios para uma justa e sensata interpretação dos textos sagrados, sejam da Bíblia, do Alcorão, dos textos sagrados das Religiões de Matriz Ancestral Africana ou dos Povos Originários se tornou necessidade vital. Urge ajudar as pessoas sedentas da Palavra de Deus a captarem a mensagem e apreciarem a riqueza da diversidade de formas e gêneros literários presentes nos textos bíblicos, no Alcorão e nos textos sagrados de todas as outras religiões. Conhecendo-os terão mais condições de fazerem uma correta e sensata interpretação dos textos sagrados e, sobretudo, uma compreensão melhor da mensagem que os autores e as autoras da Bíblia e dos outros textos sagrados quiseram passar para suas leitoras e seus leitores, de ontem e de hoje.

É importante que o texto bíblico ou qualquer outro texto tido como sagrado seja lido levando em conta sua forma e seu gênero literário. É importante pressupor que a tradição oral está na base de formação dos textos sagrados. Todo texto bíblico ou não bíblico tem sempre um contexto vital (Sitz im Leben[2]) – circunstâncias – onde se formou. É iluminador analisar como o texto sagrado se formou e as dificuldades pelas quais passou até ser inserido e reconhecido como inspirado. Os diversos gêneros literários são veículos para comunicar determinada mensagem. Portanto, conhecê-los é imprescindível para uma sensata interpretação dos textos.

Na Bíblia e em todos os outros textos considerados inspirados existe uma série de gêneros menores que mostram a diversidade de gêneros e sua riqueza, como, por exemplo: um provérbio (dos escritos sapienciais), uma lista (historiográfico), um enigma (Jz 14,14), uma saga etiológica (Gn 49,1-28), um cântico de louvor (1Sm 2,1-11), um cântico de vitória em uma batalha (Jz 5), um texto jurídico (Lv 18,1-23), um oráculo (profético), um texto apocalíptico (Ap 12,1-17) etc.

Muitas pessoas pensam que a Bíblia, o Alcorão ou outro livro sagrado são livros ‘caídos’ do céu. Pensam que a Bíblia foi toda ditada pelo Espírito Santo diretamente aos seus autores/as, e eles e elas escreveram somente aquilo que ouviram de Deus. Não conseguem fazer uma leitura mediada a partir da realidade humana contextualizada no tempo, em que ela foi escrita, nas condições culturais da época. Sem dúvida que a Bíblia é um livro inspirado, pela ação do Espírito Santo, mas não de forma mágica e automática que tenha sido como muitas pessoas pensam. Sem dúvida que o Espírito Santo é o inspirador das Sagradas Escrituras, revelou-se a nós, por meio de pessoas à maneira humana, por isso, o intérprete deve investigar com atenção o que os hagiógrafos (escritores dos textos sagrados) queriam manifestar por meio de suas palavras[3].

O conceito de revelação de Deus[4] não se encontra definido na Bíblia e não existem termos apropriados para falar dela, a não ser a expressão privilegiada de “Palavra de Deus ou do Senhor”, muito frequente, sobretudo, na boca dos profetas[5]. A revelação é um conceito biblicamente complexo que compreende ações, gestos e palavras, cuja mensagem faz parte da livre iniciativa de Deus na sua relação amorosa com o ser humano com toda a biodiversidade. Tanto na tradição judaica quanto cristã, todas as páginas da Bíblia são consideradas Palavra de Deus. Diz a homilia aos Hebreus, que Deus falou muitas vezes e de muitos modos nos tempos passados: “Muitas vezes e de modos diversos falou Deus, outrora, aos Pais pelos profetas; agora, nestes dias que são os últimos, falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, e pelo qual fez os séculos. É ele o resplendor de sua glória e a expressão de sua substância; sustenta o universo com o poder de sua palavra; e depois de ter realizado a purificação dos pecados, sentou-se nas alturas à direita da Majestade, tão superior aos anjos, quanto o nome que herdou excede o deles” (Hebreus 1,1-4).

A livre iniciativa de Deus revela-se no fato de falar-nos outrora pelos profetas e hoje por meio do seu Filho, Jesus. Esta iniciativa nasce do seu mistério de amor gratuito, que deseja se encontrar com o ser humano, não por meio de técnicas ascéticas, ou contemplativas, ou ainda místicas. Mas por meio da sua Palavra, viva e eficaz (Cf. Is 55,10-11), que chega de pessoa a pessoa, ele a interpela, e espera dela uma resposta. É uma revelação pública, dirigida “aos pais” e a “nós” por meio da criação, da sua ação na história, por meio dos oráculos proféticos, e nos últimos tempos por meio de Jesus Cristo, na sua realidade histórica visível e insuperável de Deus, seu Pai.

Como é que Deus se revelou outrora? De muitos modos, como fala o texto, por meio da experiência fundante de Israel vivida no êxodo para se libertar das garras do imperialismo dos faraós no Egito, para torná-lo conhecido, em vista da libertação/salvação de seu povo, por meio da releitura da própria história à luz da fé de Israel e pela palavra profética. Portanto, a Bíblia é sagrada, mas se mal interpretada pode ser usada, sim, para difundir atitudes nada sagradas, que são na prática opressoras. Logo, textos sagrados, sim, são uma bênção, se interpretados de forma sensata e libertadora.

19/09/2023.

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 – Agir ético na Carta aos Efésios: Mês da Bíblia de 2023. Por frei Gilvander (Cinco vídeos reunidos)

2 – Andar no amor na Casa Comum: Carta aos Efésios segundo a biblista Elsa Tamez e CEBI-MG – Set/2022

3 – Toda a Criação respira Deus: Carta aos Efésios segundo o biblista NÉSTOR MIGUEZ e CEBI-MG, set 2022

4 – Chaves de leitura da Carta aos Efésios, segundo o biblista PEDRO LIMA VASCONCELOS e CEBI/MG –Set./22

5 – Estudo: Carta aos Efésios. Professor Francisco Orofino

6 – Carta aos Efésios: Agir ético faz a diferença! – Por frei Gilvander – Mês da Bíblia/2023 -02/07/2023

[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Expressão da língua alemã que signica “situação na vida”.

[3] CONCILIO VATICANO II. Constituição Dogmática sobre a Revelação Divina. Dei Verbum, São Paulo: Paulinas, 2005, p.16.

[4] MAGGIONE, B. Nuovo Dizionario di Teologia Biblica. Torino: Edizione Paoline, 1988. p.1361-1376.

[5] Cf. Is 1,10; 28,14; 38,4; 66,5; Jr 1,2.4.11.13; 2,1.4.31; 18,1; Ez 1,3;6,13; 7,1.; 12,1.8.17.21.25.26; 38,1; Os 1,1; 4,1; Jl 1,1; Am 8,11.12; Jn 1,1; 3,1; 3,3; Mq 1,1; 2,7; 4,2; Sf 1,1; 2,7.8; Ag 1,1.3.12; 2,1.5.10.20; Zc 1,1.6.7.13; 7,4.8; 8,18.

Plano Diretor da RMBH para quem?

Plano Diretor da RMBH para quem? Por frei Gilvander Moreira[1]

Ferramenta constitucional para o planejamento metropolitano, prevista no artigo 46, inciso III da Constituição do Estado de Minas Gerais de 1989, o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI) da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), MG, foi feito, de 2009 a 2011, com intensa participação popular, envolvendo pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Por ser bom para o povo e democrático, este PDDI da RMBH não foi aprovado e não virou lei na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Composta de 34 cidades, a RMBH é a terceira maior região metropolitana do país, já com seis milhões de habitantes e intenso processo de conurbação. Nos últimos 12 anos, as desigualdades socioeconômicas e as injustiças socioambientais na RMBH se agravaram muito. Por iniciativa do atual desgovernador de Minas Gerais, parece que buscando segurança jurídica para o famigerado projeto de Rodoanel na RMBH, o desgovernador Zema contratou uma empresa do Paraná para fazer a atualização do PDDI da RMBH, que não foi colocado em prática por ter sido arquivado pela ALMG. De 31 de julho a 24 de agosto deste ano de 2023, estão acontecendo 17 audiências públicas, uma para cada dois municípios. Na última semana, cinco “audiências públicas” foram feitas em cinco cidades da RMBH: Brumadinho, Vespasiano, Contagem, Pedro Leopoldo e Lagoa Santa.

Começou bem mal. Com escassa divulgação, a participação popular está sendo irrisória. Em Brumadinho, apenas três pessoas usaram o microfone para dar alguma sugestão. Ninguém das cinco Comunidades Quilombolas e das duas Retomadas Indígenas (Aldeia Arapowã Kakyá do Povo Xukuru-Kariri e Aldeia Kamakã Mongoió do povo Kamakã e outros povos) de Brumadinho participaram, o que significa que não houve consulta às Comunidades e Povos Tradicionais; grave erro. Pelo município de Nova Lima, ninguém do povo estava presente. Em Vespasiano, só três pessoas usaram o microfone. Ninguém de Santa Luzia participou. Longe demais para ir participar. Em Contagem, a audiência pública iniciou com 45 minutos de atraso, autoridades falaram outros 45 minutos e uma pessoa da empresa do Paraná apresentou um diagnóstico preliminar em outros 45 minutos, o que tem sido feito em todas as “audiências”. Resultado: metade do povo que lotava um salão foi embora antes de poder falar ou ouvir a participação popular. Em Pedro Leopoldo e Lagoa Santa, também, pouquíssimas pessoas participaram, em um auditório praticamente vazio. Se continuar nesta toada, confirmará nossa suspeita de que as audiências públicas foram planejadas apenas para dar o verniz de que houve participação popular. Sem divulgação intensa e envolvimento dos Movimentos Sociais Populares, serão arremedos de audiências públicas.

Outro grave problema, melhor dizendo, outra grave injustiça, é o jeito como foi feito o “diagnóstico preliminar” e está sendo apresentado. Diz-se que está no site da Agência Metropolitana de Minas Gerais um diagnóstico de mais de 630 páginas, e se apresenta uma “síntese” em 45 minutos. De forma sutil se prioriza e dá um desmedido tempo para se falar de problemas de mobilidade, dando a entender que é um jeito de tornar palatável e justificável a construção do Rodoanel na RMBH, melhor dizendo, Rodominério, infraestrutura para as mineradoras continuarem ampliando mineração em Belo Horizonte e na RMBH, o que é insuportável. Alegando análise técnica, mas sendo na prática um tecnicismo político, pois se abordam os problemas basicamente através de porcentagem, o que esconde a brutal violência que está por trás das porcentagens. Por exemplo, não basta dizer que 85% das Pessoas em Situação de Rua da RMBH estão em Belo Horizonte. É preciso dizer que são mais de 12 mil pessoas, número maior que a população de muitas cidades da RMBH e maior do que 400 cidades de Minas Gerais. Número que vem crescendo muito. Não há nem uma palavra no “diagnóstico preliminar” que mostra que nenhum passageiro na RMBH é transportado através de trens. Existe apenas um trem da Vale para turista que vai de Belo Horizonte para Vitória, Espírito Santo. Não mostra que até 50 anos atrás, 1970, existia transporte de passageiros através de trens entre todas as 34 cidades da RMBH.

Em Belo Horizonte, segundo o Projeto Manuelzão, mais de 200 córregos e rios foram sepultados para construir sobre eles ruas e avenidas. Não é por acaso que em todo início de ano, com as chuvas, surgem inundações em Belo Horizonte. Se o caminho das águas é obstruído, óbvio que a força das águas se manifestará. Somente nos últimos 15 anos a prefeitura de Belo Horizonte demoliu mais de 40 mil moradias para “construir moradias para automóveis”: alargar avenidas, construir viadutos e estacionamentos. Até quando se respeitará mais a dignidade dos automóveis que a dignidade humana?

Nas cinco “Audiências Públicas” da 1ª semana, as lideranças populares foram enfáticas e denunciaram com veemência que a causa maior das injustiças que campeiam na RMBH está sendo o conluio entre o poder público estadual e o municipal para favorecer as grandes mineradoras. Mineração que já carcomeu a Serra do Curral de forma brutal. Em voo aéreo se vê a RMBH toda esburacada com dezenas de crateras de mineração e 32 barragens de rejeitos tóxicos da mineração com riscos graves de romper. Técnicos dizem que todas as barragens vão se romper; só não se sabe o dia e a hora, pois são gigantes montes de rejeitos minerários sem estruturas de contenção seguras. Está sendo violada a lei Mar de Lama, que exige que as mineradoras resolvam os riscos gravíssimos das barragens com descaracterização. Vários mananciais de abastecimento público de Belo Horizonte e RMBH já foram dizimados pela mineração devastadora e muitos outros estão sendo sacrificados no altar do ídolo capital da mineradora Vale S/A e outras mineradoras. Foi sacrificado o rio Paraopeba, que respondia por 50% do abastecimento público de Belo Horizonte e RMBH. Neste contexto brutal de insegurança hídrica e de emergência climática, reivindicamos por responsabilidade social, ecológica, geracional, que o PDDI da RMBH exija a redução drástica da mineração em Belo Horizonte e RMBH, o que exige excluir e proibir a construção do Rodoanel na RMBH, pois não resolverá a injustiça de mobilidade reinante e será na prática um rodominério, obra faraônica, ecocida, hidrocida, eleitoreira, autoritária, estrada da morte, dragão do Apocalipse.

O projeto do Rodoanel está eivado de ilegalidades e injustiças: a) sem participação popular, pois as “audiências públicas” realizadas durante a pandemia da covid-19, a toque de caixa, foram farsas de audiências públicas; b) O leilão e a assinatura do contrato com uma empresa multinacional ligada à extrema direita na Itália foram feitos SEM Consulta Prévia, Livre, Informada, Consentida e de Boa-Fé, conforme prescreve o Tratado Internacional da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) da ONU[2]; c) Não foi feito o licenciamento ambiental antes do leilão e da assinatura do contrato. E se o licenciamento ambiental com os necessários estudos de impactos ambientais assegurar que é inviável a construção do Rodoanel? Em cláusula leonina do contrato para caso de necessidade de romper o contrato, o Governo de Minas Gerais garante pagar uma multa de cinco bilhões de reais, o que, segundo juristas, fere a Lei de Responsabilidade Fiscal; d) E os direitos das mais de 15 mil famílias que serão desapropriadas e terão suas casas demolidas recebendo uma indenização que não cobrirá mais do que 30% do valor justo pelo terreno e construções? Sendo mais de 95% das propriedades sem escritura e sem registro de propriedade, mas só com “Contrato de Compra e Venda”, a indenização será menor e mais injusta ainda. Isso agravará brutalmente a injustiça urbana e metropolitana na RMBH, porque aumentará muito o déficit habitacional; e) E a brutal devastação de muitos mananciais, áreas de proteção ambiental, sítios históricos e arqueológicos e as mais de 45 Comunidades Quilombolas, centenas de Terreiros, outros Povos Tradicionais (ciganos, carroceiros …) da RMBH e milhares de famílias de agricultores familiares que há mais de cem anos produzem alimento no chamado “cinturão verde” da RMBH? Enfim, se o Rodoanel for construído na RMBH, continuaremos marchando rumo ao abismo de desertificação da RMBH, conurbação desenfreada, extinção de muitos mananciais necessários para o abastecimento público. Fome e sede imperarão na RMBH!

Pelo tamanho e importância da metrópole, o desenvolvimento do Plano Diretor Metropolitano (PDDI) deve ser um processo que fortaleça a institucionalidade da RMBH e o histórico de planejamento que a Região Metropolitana desenvolveu, principalmente ao longo dos últimos 20 anos, o processo participativo, para além dos ritos previstos como audiências públicas, é fundamental para garantir a governança metropolitana. A Agência Metropolitana tem papel fundamental neste processo. Os interesses metropolitanos devem ser priorizados, bem como todo o escopo de diagnóstico já produzido no PDDI há 10 anos. Plano Diretor este produzido em um ambiente que envolveu milhares de pessoas no processo participativo e que ficou engavetado e não foi aprovado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, frisamos.

Garantir preservação ambiental, frear drasticamente a mineração devastadora, apostar nos meios multimodais de mobilidade e implementar políticas públicas de moradia popular adequada são questões imprescindíveis na atualização do PDDI da RMBH, o que implica em abortar o famigerado rodoanel, que, se construído, será de fato Rodominério, infraestrutura para se ampliar mineração em Belo Horizonte  e Região Metropolitana de Belo Horizonte, o que não é mais suportável. Urge decretarmos Mineração Zero em Belo Horizonte e RMBH. Do contrário, estaremos construindo a desertificação da RMBH com a exaustão hídrica e o sufocamento da agricultura familiar. Sem água e alimento não há como viver.

Para impedir a agudização das injustiças socioambientais, econômicas e políticas reinantes em Belo Horizonte e RMBH propomos que se conste do PDDI da RMBH a exclusão do projeto do Rodoanel/RODOMINÉRIO e que existem propostas alternativas à construção do Rodoanel, entre as quais destacamos: a) Ampliação do Metrô de Belo Horizonte para as várias cidades da RMBH; b) Resgate do transporte de passageiros/as através de trens entre as 34 cidades da RMBH e Belo Horizonte. Existem estudos avançados inclusive no âmbito da própria Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade (SEINFRA) do Governo de Minas Gerais e na Comissão de Ferrovias da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) que corroboram estas alternativas; c) Melhoria do transporte público de ônibus em Belo Horizonte e RMBH; d) Revitalização e ampliação do Anel Rodoviário de Belo Horizonte, o que é viável tecnicamente e será muito menos oneroso e não trará as brutais violações aos direitos socioambientais, históricos e arqueológicos de Belo Horizonte a 13 municípios da RMBH. Sobre esse ponto, deve-se observar que o anteprojeto detalhado de reforma do Anel Rodoviário foi realizado pelo Governo de Minas Gerais e está pronto desde 2016, tendo sido realizado pela empresa Tectran, do grupo Systra. Esse projeto poderá ser atualizado, se necessário, e realizado com a verba acima citada, proveniente da tragédia-crime de Brumadinho. Esse anteprojeto foi total e injustificadamente desconsiderado pelo Estado, que optou pelo nocivo projeto do Rodoanel[3].

Todas essas propostas, por óbvio, devem ser submetidas à Consulta Prévia, Livre, Informada, Consentida e de Boa-fé de Povos e Comunidades Tradicionais que sejam impactadas por elas. A apresentação de propostas alternativas cumpre o propósito de demonstrar que existem caminhos menos danosos ao meio ambiente, às pessoas e ao patrimônio histórico e cultural da Região Metropolitana de Belo Horizonte, que devem ser estudados e divulgados antes da implantação de uma grande obra que somente irá beneficiar as mineradoras.

Portanto, o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI) da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), MG, precisa ser feito com Participação Popular, ouvindo, acolhendo e incluindo no PDDI da RMBH diretrizes que de fato serão para o bem do povo e do ambiente e não do grande capital (FIEMG e mineradoras).

08/08/2023

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

 1 – Frei Gilvander: “Não pode ser PDDI p FIEMG, mineradoras e Zema lucrarem, mas p bem do povo/ambiente”

2 – Povo se revolta e diz como deve ser o Plano Diretor da RMBH (PDDI) de BH/MG: “PDDI para FIEMG, NÃO!

3 – Irmã Idalina em Audiência Pública Plano Diretor da RMBH (PDDI): Povo de Brumadinho/MG está adoecido

4 – Audiência Pública Plano Diretor da RMBH (PDDI). “Rodoanel vai demolir mais de 15 mil casas na RMBH!”

5 – Frei Gilvander em Audiência Pública discussão Plano Diretor da RMBH (PDDI). “Fora, mineradoras!” V.2

6 – Plano Diretor da RMBH (PDDI) em discussão: QUE PLANO DIRETOR da RMBH QUEREMOS e será JUSTO? vídeo 1

 

[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Organização das Nações Unidas.

[3] https://www.transparencia.mg.gov.br/component/transparenciamg/convenios-entrada-orgaos/2015/01-01-2015/31-12-2015/23/3999_2015/20150729