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Malcolm e Martin, lutadores da libertação negra

Universal Images Group/Getty Images

Malcolm X e Martin Luther King Jr. partiram de posições políticas muito diferentes, diz Ahmed Shawki em seu livro “Libertação Negra e Socialismo”. Mas nos meses anteriores ao assassinato de cada um, afirma ele, tiraram conclusões muito semelhantes sobre o caráter do sistema e as limitações das reformas sob o capitalismo estadunidense.

Fundamentalmente, eles entenderam que os Estados Unidos precisavam de uma profunda transformação estrutural para que a opressão racista fosse superada.

King passou a questionar a tática da não-violência diante da enorme truculência racista, tanto estatal como paraestatal. Tanto em seu país como no mundo. No discurso “Por que me oponho à guerra no Vietnã”, proferido em abril de 1967, ele afirmou:

A imprensa nos aplaudiu quando decidimos nos sentar em lanchonetes sem violência. Nos aplaudiu quando aceitávamos a repressão policial sem reagir nas passeatas. (…) Mas nos condenou quando dissemos aos soldados estadunidenses: “Não usem violência contra as crianças vietnamitas”.

Após o massacre de Selma e as mudanças na legislação eleitoral que restringiam o voto da população negra, King afirmou: “Entramos em uma era de revolução. Toda a estrutura da vida americana deve ser mudada”. Também disse que o maior provedor de violência no mundo hoje era “meu próprio governo”.

Em 1968, Martin Luther King Jr. foi assassinado em Memphis, Tennessee, três anos depois do mesmo ter acontecido com Malcolm X. Ambos foram eliminados no momento em que começavam a desafiar as próprias raízes da desigualdade econômica e racial construída na sociedade americana.

Por isso, conclui Shawki, quaisquer que fossem suas diferenças, ambos, de maneiras distintas, se destacam como grandes lutadores pela libertação negra.

 


Leia outros textos sobre o tema clicando aqui.

Desconstruindo Domenico Losurdo

Domenico Losurdo, um farsante na terra dos papagaios – Ensaios sobre o estalinismo e neo-estalinismo no Brasil (livro de Mário Maestri)

Apresentação de Gilson Dantas ao livro Domenico Losurdo: um farsante na Terra dos Papagaios, de Mário Maestri.

De longa data se fazia necessária uma obra que desconstruísse o particular neostalinismo de Domenico Losurdo que vem sendo difundido no Brasil sem qualquer crítica marxista radical a ele.

Mário Maestri levou adiante esse combate.

Em relativamente poucas linhas pôs a nu a farsa que contou com alguma aceitação acadêmica no nosso país e que procura situar Losurdo como um autor que teria alguma contribuição a dar ao marxismo revolucionário.

Há quem incense Losurdo, fundamentalmente para manter seu vínculo com Stálin e com sua concepção bizarra que considera Trotski um terrorista/golpista  e a China atual um exemplo de socialismo possível. O PCB de Jones Emanuel vai por essa linha. Tenta “redescobrir” Losurdo e atribuir a ele alguma respeitabilidade como historiador.

Em uma época de baixa luta de classes, Losurdo,  adotando uma linguagem interessada  e aparentemente de esquerda,  entrou de contrabando como um legitimador, na verdade,  de regimes burgueses como o de Putin ou de Xi Ji Ping.

Por outro lado, também sabemos que, de longa data e em alguns departamentos de Universidades brasileiras [tipo Unicamp], Losurdo vem tendo relativa aceitação especialmente por suas incursões críticas a filósofos tipo Heidegger, Nietzsche e autores mais especificamente da direita.  No entanto, pensamos que  faria bem, mesmo a esses professores que aproveitam essas digressões de Losurdo,  que levassem em conta o elemento central que Maestri levanta ao longo do seu livro. Até porque, aqui, na obra de Maestri, aparece o elemento, na nossa perspectiva,  mais essencial  para situar as reflexões de Losurdo no contexto mais realista.

Tentar localizar Losurdo no campo revolucionário de esquerda não passa de uma leitura superficial para uma época igualmente conservadora.

Nas palavras de Maestri: “Vivemos hoje uma nova onda conservadora e obscurantista – o neoestalinismo.  Ela pulula em forma desigual em diversos países do mundo, com forte virulência no Brasil.

Não conhece a mesma cobertura da grande imprensa e é destinada, sobretudo, a um público alvo mais restrito: a juventude militante de esquerda desinformada, com destaque para a de classe média, embalada agora pela descoberta de novo cavaleiro e profeta sem nódoa, de armadura prateada e capa preta, que chega das trevas para tudo resolver: José Stalin”.

Na verdade, o objetivo de Losurdo é, adotando uma tosca roupagem de esquerda, tratar de refazer a narrativa histórica, especialmente do papel de Trotski, para alimentar ilusões reacionárias que ele chama “sem utopias”, mas, de fato, na perspectiva do abandono da revolução socialista e do papel emancipador da classe trabalhadora.

É importante – para quem ouviu falar de Losurdo  –  que seja levada muito em conta a reconstituição histórica particular dele sobre a Revolução Russa e o marco histórico totalmente distorcido por ele.

Também neste ponto o livro de Maestri cumpre um papel importante, ao repor a narrativa histórica no seu lugar objetivo. Para quem não entrou em contacto com o específico stalinismo  de Losurdo, o livro de Maestri  também  igualmente assume  um importante papel:  o manejo das categorias do materialismo histórico aparece muito bem posto, no caso, a serviço da causa de desmistificar um falsificador, obcecado em reescrever a Revolução Russa em chave mistificadora.

Trazer Stálin para o século XXI como algo com qualquer mérito é a mais pura falsificação.

“Losurdo falsifica a história com um principal e grande objetivo: justificar a ação de Stalin e do estalinismo. Propõe, portanto, que o ‘Pai dos Povos’ e seus meninos, vendo a União Soviética sendo atacada bestialmente pelo proposto movimento golpista e terrorista de Trotski, se lançaram briosos na defesa do país, matando tantos quantos acreditavam fosse necessário, na esquerda, no centro, na direita, literalmente aos borbotões”.

E os stalinistas de todo matiz precisam de Losurdo, por um lado para preencher seu vazio e seu falso legado histórico stalinista, mas por outro para fazer frente à crescente influência de Trotski e suas ideias nos tempos atuais. É um pouco como aquele seriado do Netflix: para o stalinismo e para a direita é essencial apagar Trotski e seu papel histórico.

A esse respeito, recomendo um artigo que desenvolve mais sobre este elemento e que pode ser lido aqui.

Losurdo, “o neoestalinista, milita pelo enfraquecimento do princípio da centralidade dos trabalhadores na luta política. Em verdade, trata-se de proposta de mobilização pós-socialista, de literal abandono da revolução social”.

Ou, ainda, no argumento de Maestri:  “Telegraficamente, podemos dizer que o principal objetivo do neoestalinismo é combater a centralidade do proletariado na emancipação social e o próprio princípio de revolução social”.

Como argumenta Maestri, uma esquerda que acolhe Losurdo e que o toma como um interlocutor válido ou como um autor que  tenha algo de consequente a dizer, tem que se reavaliar.  “É urgente refundar a esquerda, pois, com esses inimigos aboletados em nossa trincheira, nos chamando hipocritamente de companheiros, a batalha está perdida, antes de começar”.

Do livro de Maestri, que recomendo a todo aquele/a que tenha qualquer ilusão com a obra de Domenico Losurdo e de seus seguidores no Brasil atual, se destaca uma bem delimitada posição de classe em relação ao stalinismo e seus seguidores atuais.

Todos eles são justificadores do amplo massacre promovido pela contrarrevolução stalinista na URSS e com os quais, a esquerda revolucionária não trava qualquer relação virtuosa.

Ou, nas palavras bem mais contundentes de Maestri: “Não convivo, dialogo, co-participo em atividades com estalinistas empedernidos, que sabem e abraçam o que propõem. Eles defendem e justificam o massacre pelos estalinismo de multidões de comunistas, nem sempre da Oposição de Esquerda [trotsquistas].

Nos últimos anos do Grande Terror (1934-38), Stalin mandou pra cova milhares de marxistas revolucionários. Alguns historiadores propõem, sem maiores provas, que Beria teria escapado do tradicional tiro na nuca por se adiantar, envenenando Stalin.

Ninguém pede que torturados convivam com torturadores. Nem que antifascistas se abracem a fascistas. Ou que judeus afaguem nazistas. Não há razão para um comunista revolucionário, de qualquer orientação, faça o mesmo com um estalinista”.

Um requiem em grande estilo para o neostalinista Domenico Losurdo.

Solidariedade: Cuba recebe navios, envia médicos e faz remédio para coronavírus

Por Nara Lacerda
Nesta quinta-feira (19) o governo cubano confirmou que há sete casos de coronavírus  no país, todos em pessoas que foram ao exterior ou tiveram contato com viajantes.
Com controle rígido de entrada e saída e ações de vigilância extensas e consolidadas, as autoridades de saúde têm colocado em isolamento todas as suspeitas.
Em paralelo a isso, o país implementa ações de solidariedade a outras nações no combate à doença. Nesta semana, um navio britânico com viajantes infectados foi acolhido pelo governo cubano, após ser rejeitado em outras nações do Caribe e passar vários dias no mar.
Os governos do Reino Unido e da Irlanda do Norte tentavam acordos humanitários para que os doentes desembarcassem e fossem repatriados aos seus países de origem de avião. Cuba foi a única que aceitou o pedido e adotou de imediato as medidas sanitárias para atendimento de quem estava a bordo.
Em nota, o Ministério de Relações Exteriores de Cuba ressaltou que a crise global pede ações cooperativas entre as nações. “São tempos de solidariedade, de entender a saúde como um direito humano, de reforçar a cooperação internacional para enfrentar nossos desafios comuns, valores que são inerentes à prática humanística da Revolução e de nosso povo”, diz o texto.


Charge de Paulo Batista retrata a ação solidária de Cuba com outros países em tempos de coronavírus

As ações do solidariedade são tratadas pelo governo cubano como um princípio central. Em conversa com o Brasil de Fato, o cônsul do país no Brasil, embaixador Pedro Monzón, afirmou que não só no caso do coronavírus, mas em todas as situações extremas como terremotos, tempestades e grande tragédias físicas, Cuba considera que a medicina não é um fenômeno mercantil.
“O enfermo não é uma mercadoria. A saúde pública é um direito humano, não pode ser um fenômeno de mercado. É uma questão de princípios, seres humanos são seres humanos e tem direitos. Isso independe da política. São humanos. É um princípio fundamento da revolução. Não desprezamos o mercado, sabemos que o mercado tem que existir, mas a política não pode se mover em função do mercado”, afirma.
Em 15 de março, uma delegação técnica especializada cubana chegou à Venezuela para apoiar a estratégia de contenção do covid-19. Há médicos cubanos trabalhando em nações do mundo todo, inclusive na China. São profissionais com expertise em missões que já estiveram presentes em mais de 160 países. Em 56 anos, Cuba já mandou mais de 400 mil agentes de saúde para países estrangeiros.

Brasil não sinaliza para retorno de Cuba ao Mais Médicos

Fora do Brasil desde o início do governo de Jair Bolsonaro, Cuba não deve reverter a decisão de retirar seus médicos do programa Mais Médicos, tomada após uma série de manifestações do capitão reformado contra as equipes que atuavam em todo território nacional.
Pedro Mónzon afirma que seria preciso garantias de segurança absoluta e uma mudança política radical.
“Os médicos cubanos saíram do Brasil porque foram feitas declarações agressivas, que os colocaram em perigo. Questionou-se o prestígio dos médicos cubanos, o profissionalismo, até se dizia que eram escravos, terroristas e que formavam guerrilheiros. Um conjunto de de mentiras que não tinham nada a ver com solidariedade cubana, aponta.
Recentemente o governo brasileiro anunciou ampliação nas contrações de médicos para os postos de saúde e informou que os cubanos que ficaram no Brasil após a saída determinada pelo governo da ilha, poderiam participar. No entanto, só é possível a atuação de profissionais com registro e diploma revalidado. Exigência que não existia no Mais Médicos.
Pedro Monzón informou que o governo brasileiro não fez nenhum contato com Cuba para possível retomada da parceria.
“Até agora não houve. Sei que há estados que estão interessados, porque, por exemplo, li ontem que 20% dos municípios no Brasil não têm médicos e antes tinham médicos cubanos.Alguns dos nossos médicos deixaram o Brasil chorando, devido ao forte relacionamento que foi desenvolvido com a população. Eu gostaria que isso fosse possível naturalmente, honestamente, sinceramente, sem mentiras, sem agressão, que a relação pudesse ser reconstituída para o bem-estar de boa parte da população brasileira. Infelizmente não vejo, no momento, perspectiva desse acontecimento”, afirma.

Medicamentos

É na ilha também que se produz um medicamento eficaz para o tratamento dos efeitos respiratórios do covid-19. O Interferon Alfa 2B já foi solicitado por mais de dez países.
De acordo com o governo cubano, o país tem hoje medicamento pronto para os próximos seis meses e capacidade de produção que atende a demanda da própria ilha e pedidos que venham de outras nações.
Na China, uma fábrica criada em parceria com o país caribenho é responsável pela produção local. O processo também conta com profissionais cubanos. O Interferom Alfa 2B também é usado preventivamente em profissionais de saúde, que estão mais vulneráveis ao contágio.
Segundo Pedro Monzón, o Brasil também demonstrou interesse, mas a entrada no medicamento ainda não foi autorizada pela Anvisa.
Há outros 21 medicamentos fabricados no país e que fazem parte do protocolo de atendimento a pacientes. São antivirais, antirrítmicos e antibióticos, para o tratamento de complicações.
O bloqueio econômico sofrido pelo país parece ser o único empecilho para que Cuba conte com todo o material que é necessário no enfrentamento ao Coronavírus. 15% dos medicamentos fornecidos pela indústria estão ausentes das farmácias, por que o tempo dos ciclos de distribuição é elevado. Para coletivizar o acesso, o governo cubano garante o abastecimento do sistema de saúde em primeiro lugar.
Atualmente, cientistas cubanos trabalham também no estudo da capacidade viral de dois medicamentos para o tratamento do Covid-19.  Ambos estão na classe de peptídeos inibidores. Um deles, o CIGB 210, atua como antiviral no tratamento da Aids.  Já o CIGB 300 é usado para tratar alguns tipos de câncer.
De acordo com o governo cubano, o país atua com a China em um dos projetos de vacina que vêm sendo colocados em prática em todo o mundo. O método estudado é usado para a vacina terapêutica contra a hepatite B crônica no país e o projeto foi disponibilizado às autoridades sanitárias chinesas.
Cuba se prepara para o surto do coronavírus desde janeiro. Até agora, já houve acompanhamento de quase 25 mil pessoas no atendimento primário, o que inclui todos os indivíduos com origem em países de alto risco.

Edição: Leandro Melito

Fonte: Brasil de Fato
(19-03-2020)
 

6º Congresso do PT: em busca da ousadia perdida.

Cartaz do PT em 1980. Onde foi parar esta ousadia? 

Eis o que dizia o Partido dos Trabalhadores no seu manifesto de fundação, datado de 10 de fevereiro de 1980:

Os trabalhadores querem a independência nacional. Entendem que a Nação é o povo e, por isso, sabem que o país só será efetivamente independente quando o Estado for dirigido pelas massas trabalhadoras. É preciso que o Estado se torne a expressão da sociedade, o que só será possível quando se criarem condições de livre intervenção dos trabalhadores nas decisões dos seus rumos. Por isso, o PT pretende chegar ao governo e à direção do Estado para realizar uma política democrática, do ponto de vista dos trabalhadores, tanto no plano econômico quanto no plano social. O PT buscará conquistar a liberdade para que o povo possa construir uma sociedade igualitária, onde não haja explorados nem exploradores. O PT manifesta sua solidariedade à luta de todas as massas oprimidas do mundo

O texto atual é bem mais cauteloso

Eis o 13º e último dos pontos para mudar o PT alinhavados pelo vice-presidente do partido, deputado estadual Paulo Teixeira (SP), como propostas para serem discutidas no próximo congresso nacional petista, marcado para o início de junho:

Retomar o caminho republicano inspirado nos valores do socialismo democrático, fundados na igualdade, no controle público democrático do Estado e no pluralismo! A renovação programática do PT não pode temer a palavra socialismo, que deve andar junto com a palavra democracia. A atualização do programa do PT que ocorrerá no 6º Congresso precisa compreender que é tempo de enfrentar o fascismo com força, mas sem repetir os erros de conciliação que nos trouxeram até aqui. (…) O capitalismo deu errado: oito homens possuem a mesma riqueza que a metade mais pobre da população. Os índices de desigualdade social no mundo são parecidos com os do início do século XX, que gerou duas Guerras Mundiais e milhões de mortos. O PT precisa combater esse sistema desigual e através do socialismo e da democracia encontrar novos marcos programáticos para o futuro do país e do mundo.

Resumo da opereta:

  • o PT praticou vergonhosamente a política de conciliação de classes durante os 13 anos e 4 meses durante os quais a burguesia lhe concedeu permissão para gerenciar o capitalismo brasileiro; 
  • agora que os poderosos dispensaram sua colaboração com um pontapé nos fundilhos, deverá discutir uma retomada das bandeiras anticapitalistas, o que seria seu primeiro passo na direção certa em muitos e muitos anos.

Alguém ainda ousa dizê-lo em reunião do PT?

Espero, contudo, que o faça com verdadeira disposição de luta, expressa num discurso muito mais afirmativo do que esse que vocês leem acima. 


O redator estava visivelmente pisando em ovos, como que pedindo desculpas pela mudança de rumo proposta e fazendo questão de escrever democracia cada vez que escrevia socialismo, qual uma atenuante obrigatória. [Antigamente tínhamos total clareza quanto ao fato de que a democracia de uma sociedade de classes jamais será uma verdadeira democracia e não hesitávamos em proclamar esta verdade em alto e bom som, utilizando sempre a expressão democracia burguesa…]

Isto para não falar na patética menção ao caminho republicano, que faria o PT continuar patinando sem sair do lugar até o final dos tempos. Salta aos olhos e clama aos céus que o caminho a ser retomado é o revolucionário


Ou seja, o parágrafo de 2017 é muito pior que o de 37 anos atrás, embora melhor do que a prática recente do PT. Mas, se quiser recuperar a credibilidade, o partido terá de curar-se dessa paúra crônica de dizer algo que possa assustar os pequenos e grandes burgueses.

Ficou meio hilária, p. ex., a recomendação aos companheiros, de que deixem de temer a palavra socialismo, como se fosse a única palavra deletada do dicionário petista. E revolução? E marxismo? E anarquismo? E comunismo? E a expressão marxista exploração do homem pelo homem? E a frase lapidar de Prodhon, a propriedade é o roubo?

Torço para que os companheiros petistas  se deem conta de que o tempo das tergiversações, das papas na língua e dos panos quentes acabou. Ou reencontram a ousadia perdida ou serão varridos do mapa pelos novos ousados. É simples assim.

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Manifesto Ecossocialista de Pernambuco

A sociedade mundial conjuga hoje um conjunto de crises que pode nos levar a pensar mesmo numa crise de civilização. Crise social: cerca de 1 bilhão de seres humanos passam fome hoje no mundo e o narcotráfico e a insegurança pública são um problema grave em praticamente todos os grandes centros do planeta. Crise econômica: experiências liberais ortodoxas e de modelos mistos, como estados sociais, ao longo do século 20, mostraram seu caráter estruturalmente excludente, incapazes de proporcionar um mínimo de dignidade humana ao conjunto da população mundial. Crise política e ética: a ditadura da economia de mercado definindo a sorte da sociedade mundial e presidindo as macro-relações de poder mostraram com nitidez que a corrupção, a imoralidade e a não-transparência são partes essenciais da ética do sistema capitalista.
Estas crises combinam-se no século 21 com uma grave crise ambiental. Se ao longo do século 20 as crises sociais, políticas, econômicas, e mesmo as guerras resultantes destas crises, tinham na retomada do crescimento econômico capitalista uma porta de saída, no século 21 a natureza já deu sinais claros de que não mais se submeterá à exploração anárquica do capital. O equilíbrio ambiental exige planejamento no uso dos recursos naturais do planeta. Sem planejamento não há desaceleração do aquecimento global, não há o fim dos desmatamentos e respeito aos nossos biomas. Sem planejamento, respeitando os limites da natureza, as catástrofes supostamente ambientais seguirão. Tudo isto combinado com fome, guerras urbanas, instabilidade política e flagrantes retrocessos no processo civilizatório.
É nesta perspectiva que nós, militantes socialistas, lançamos o Movimento Ecossocialista de Pernambuco. Compreendemos a luta ecológica como uma disputa política por um novo projeto de sociedade. Políticas sociais e política econômica subordinadas a uma ética solidária e coletiva. Participação popular no processo decisório como direito político coletivo a ser protegido e desenvolvido. Planejamento estratégico democrático do desenvolvimento social, buscando a construção de um processo histórico-pedagógico de massas que compatibilize de forma equilibrada os princípios de igualdade, liberdade e democracia, ao mesmo tempo buscando atender de forma satisfatória às dimensões de sustentabilidade econômica, social e ambiental.
Neste sentido, buscaremos propor, realizar e interagir de forma propositiva com todas as iniciativas que se coadunem com nossos objetivos estratégicos, em Pernambuco, no Brasil e em escala mundial, fazendo assim parte desta grande rede de organizações, pessoas e idéias que já desenvolvem alguma forma de luta política em torno desta plataforma.
Em Pernambuco, nascemos com o firme propósito de discutir em patamar distinto os rumos do desenvolvimento de nosso estado. Para tanto, faz-se necessário a mobilização social em torno da criação de uma Lei de Responsabilidade Socioambiental, que proteja na forma de políticas públicas os nossos biomas e nossos ecossistemas. No plano imediato, colocamo-nos frontalmente contra o aterro dos manguezais de Suape; em defesa do uso de energias limpas e renováveis, portanto, contra a instalação de usinas nucleares no Estado; em defesa de nossas bacias hidrográficas; em defesa da reforma agrária e da reforma urbana.
Somos Ecossocialistas!

Porque a corrupção é sistêmica ao estado mental capitalista e captura também as esquerdas

por Evandro Vieira Ouriques

A corrupção é sistêmica ao ‘estado mental capitalista’ e também captura as esquerdas. Porque?

Porque o ‘estado mental capitalista’ apregoa como sua grande vantagem que ‘qualquer um’ pode ser ‘rico’ e que ser ‘rico’ é ‘a melhor coisa do mundo’ e o ‘objetivo supremo de um ser humano’.

Mas observem por favor: é ‘qualquer um” que pode ser ‘rico’; não ‘todos’. É assim que ‘todos’ são ensinados (pela pedagogia da opressão, pela concentração da propriedade de mídia, pela publicidade, etc.) a fazer o que puderem para ser este ‘qualquer um’, porque não ser este ‘qualquer um’ seria ser ‘infeliz’, um ‘derrotado’.

Então, grande parte de ‘todos’ faz exatamente isto, procurando -o tempo todo- esconder tal fato. Quando alguém ou um grupo quer derrubar outro alguém ou outro grupo faz vazar informações sobre a ‘corrupção’ do ‘outro’.

Por isso só há uma saída: uma nova visão de política, que seja psicopolítica; ou seja, na qual cada um faça continuamente uma revisão dos estados mentais de maneira a suprimir memórias psíquicas e valores comprometidos com o processo descrito acima.

A começar, por exemplo, pela eliminação dos estados mentais ‘desenvolvimentistas’, uma vez que são fatos concretos:

1. que a maior parte do que se considera ‘belo’ e ‘desejável’ é construído com o sangue e o sofrimento dos ‘perdedores;
2. e, que não existem recursos naturais para produzir os bens e serviços considerados ‘ricos’, ‘desenvolvidos’, ‘desejáveis’ para ‘todos’.

Este é o erro de apoiar o ‘desenvolvimentismo’. Pois é alimentar a ‘corrupção’. E, lembro, que este gravíssimo erro estratégico está sendo cometido também pelas esquerdas na tentativa de instauração do que seria o ‘socialismo’, entendido como a distribuição de tal ‘riqueza’ para todos, uma vez que é impossível fazer isto, como acabei de dizer, pois não existem recursos naturais suficientes para tal.

O que entendemos geralmente como ‘riqueza’ é o que a Europa produziu a partir do século XVI com os recursos saqueados através da colonização. Ou seja, o que é vivenciado como sendo ‘belo’ e ‘bom’, ‘elegante’ e ‘chic’ -e que as esquerdas querem distribuir para todos- é construído na maior parte das vezes com o sangue e o sofrimento dos ‘outros’, destes ‘outros’ mesmos que tantas vezes assim admiram a estética de seu próprio opressor; e a desejam, e fazem de tudo para tê-la, perpetuando assim o mesmo horror.

É por isso que venho dizendo desde o início dos anos 70 que precisamos ir além da ‘esquerda’ e da ‘direita’, do ‘capitalismo’ e do ‘socialismo’, na medida em que a crise ecológica, ou seja a crise da relação entre Cultura e Natureza, evidenciou que o problema é muito mais complexo do que o da acumulação de capital, uma vez que desde então estamos, ou deveríamos estar, conscientes de que o que está em risco não é uma classe, mas a própria espécie humana. O que demanda para sua compreensão uma outra Teoria Social e uma outra estratégia de ação política. A Psicopolítica da Teoria Social e a Gestão da Mente são minha contribuição para isso.

Espero ter sido claro, com amor, e a a alegria da gratidão, e.

Teologia da Libertação e Socialismo: ética e espírito a serviço da vida, por Gilvander Luis Moreira

Antonio Julio de Menezes Neto, prof. Dr. da FAE[2]/UFMG me enviou os manuscritos do livro dele A Ética da Teologia da Libertação e o Espírito do Socialismo no MST (Ed. UFMG, Belo Horizonte, 2012). Junto veio um bilhete que dizia: “Gilvander, sabendo que tem muito de você no livro, convido-lhe para apresentar esse novo livro nosso.” Li os manuscritos com carinho e atenção. E fiz a apresentação que segue, abaixo.

Primeiro, o livro acordou em mim minha história pessoal, pois é um alento a quem sofreu (ou sofre) e muitas vezes não sabe porque sofre. Sou o que sou e faço o que faço, em grande parte, porque nasci em uma família sem-terra. Na minha infância senti o que é pertencer à classe dos camponeses empobrecidos. Comecei a sentir injustiça quando, junto com minha família, ao tocar roça à meia, via o patrão-fazendeiro levar 50% da nossa safra e quase a outra metade também para pagar a dívida que tínhamos acumulado do plantio à colheita. Dentro de mim gritava: “isso não é justo. Deus não quer isso.” O fazendeiro ficar com quase toda nossa produção só porque dizia ser o dono da terra?! O suor derramado era muito para ficar só com um pouquinho da produção.

A indignação diante da injustiça social me levou a entrar para o seminário, querendo ser padre. O curso de filosofia na UFPR[3], com forte cunho marxista, fortaleceu minha vocação. O filósofo Karl Marx me ajudou a compreender porque os pobres sofrem tanto e a descobrir pistas de lutas para superação da pobreza. Aí passei a ser discípulo do camponês Jesus de Nazaré e do intelectual orgânico Karl Marx. O ensinamento e práxis do Galileu aquece meu coração com uma utopia: lutar para construir o reino de Deus a partir dos pobres, aqui e agora. A filosofia de Marx é óculos e colírio que me fazem ver de forma crítica a opressão que recai sobre os pobres na sociedade capitalista. Por coração (paixão), sou cristão; por cabeça (razão), sou marxista. Ideal cristão e marxista: a convivência social deve ser justa e solidária. Ninguém pode ser excluído e nem marginalizado.

Marx disse: “A religião é ópio do povo”. Interpretoses sobre esta afirmação tem distanciado e gerado uma montanha de preconceitos mútuos entre cristãos e socialistas. O livro de Antonio Julio ajuda muito na superação de tais preconceitos. Convem recordar que a afirmação de Marx não tem valor ontológico como se Marx quisesse dizer “toda e qualquer religião, independentemente do seu perfil, é intrinsecamente alienadora.” Marx jamais quis afirmar isso. Ele teve a coragem de denunciar as religiões históricas que andam de braços dados com os poderes opressores.

Antonio Julio, corretamente, pondera: “Marx realiza uma crítica concreta, baseada em estudos acerca de relações sociais e econômicas históricas e, não, uma crítica abstrata da religião.”

Um cozinheiro dos frades carmelitas em Houston, Texas, nos Estados Unidos, me disse, em agosto de 1997: “Sou latino-americano, mas participei da guerra do Vitnã defendendo os Estados Unidos e Deus.” Ele retirou do bolso uma nota de dólar, me mostrou e disse: “está escrito aqui “we trust in God” (“nós acreditamos em Deus”). Lá no Viatnã era a guerra entre o mundo ateu e o mundo crente, a guerra entre Deus e o demônio. Estávamos lá defendendo não apenas os Estados Unidos, mas Deus. Queríamos evitar que os ateus comunistas e o mal tomassem conta do mundo.” Ao ouvir isso, boqueaberto, entendi que ao se declarar teoricamente ateu o “socialismo real” traiu Karl Marx, pois entregou um argumento de ouro aos capitalistas que, ateus na prática, se sentem defensores de Deus na terra, mas na realidade são arautos de um ídolo: o deus capital/mercado. O livro de Antonio Júlio A Ética da Teologia da Libertação e o Espírito do Socialismo no MST que sugiro a leitura ajuda a evitar que massacres em nome de Deus, como a Guerra do Vietnã, se repitam.

O livro pressupõe Ética como uma categoria análoga, que não tem conceito único. Entende ética como um jeito de conviver que encarna a regra de ouro: “Não faça aos outros aquilo que não quer que lhe seja feito” (Mateus 7,12). Quatro pontos, vivenciados pelas CEBs e pelo MST, são imprescindíveis para um agir ético segundo a Teologia da Libertação e o espírito do socialismo: Pensar e agir: a partir do empobrecido, de forma coletiva e participativa, a partir de toda a biodiversidade, superarando assim o antropocentrismo, e a partir de um modelo econômico justo e sustentável ecologicamente.
Karl Marx dizia que “o lugar social determina o lugar epistemológico”, ou seja, nossos olhos, em última instância, não estão no nosso rosto, mas nos nossos pés. Pensar e agir a partir do empobrecido – pobre, mulher, negro, indígena, criança, idoso, deficiente físico e/ou mental, homossexual, governado, divorciada, mãe Terra, irmã água, biodiversidade, outra religião/igreja etc – do enfraquecido, do pequeno – é encarnar a regra de ouro.

O livro recorda Paulo Freire, Francisco Julião, Mariátegui, padre Camilo Torres e tantos outros que entenderam a íntima relação que há entre Cristianismo e Socialismo, como Rosa Luxemburgo, que, ao analisar a religião dos primeiros cristãos, conclui: “na prática os primeiros apóstolos cristãos eram fervorosos “comunistas”.”
As entrevistas realizadas para o livro de Antonio Julio revelam a complexidade das relações entre cristianismo e socialismo. Demonstram também que ainda persistem preconceitos de ambos os lados: tanto entre militantes socialistas do MST quanto entre cristãos com sensibilidade social. Se tivesse sido entrevistado camponesas/ses da base do MST é provável que seria verificada uma insidência maior da fé cristã, segundo a Teologia da Libertação, como motivadora de engajamento nas lutas propostas pelo MST. Intuo que entre os militantes do MST predomina o espírito socialista, mas entre as camponesas/es da base do MST ainda predomina a fé cristã e uma ética inspirada na Bíblia, interpretada de um jeito popular, militante e transformador.

Arrisco dizer que se as necessidades materiais são o que dá mais liga para a coesão entre os Sem Terra em uma ocupação até a conquista da terra, o cultivo dos valores de uma fé libertadora, segundo a Teologia da Libertação, têm mais fôlego para sustentar a perseverança em um projeto socialista. Motivações filosóficas e sociológicas na linha do marxismo são imprescindíveis, mas insuficientes. Ainda em 1968, um comunista disse “no Brasil e na América Latina, com um povo eminentemente religioso é impossível fazer revolução socialista sem a Bíblia.” Acrescento, hoje: sem uma fé libertadora no Deus da vida, que combina a fina flor da filosofia de Marx com a fina flor de uma Teologia da Libertação atualizada.
De fato, a fé, em si mesma, é algo ambíguo, pode libertar ou oprimir. No fundo não basta ter fé. Depende que tipo de fé se cultiva. A questão central não é ter ou não ter fé, mas que tipo de fé ter? Importa incorporar uma fé libertadora como instrumento que pode levar à conscientização do valor da vida, a não submissão às condições de opressão. Trata-se de ter a fé de Jesus de Nazaré e não apenas ter fé em Jesus.

Em seis capítulos bem encadeados, partindo da fé cristã, no livro está uma retrospectiva da Teologia da Libertação e dos principais traços do socialismo. Passa pelo nascimento e atuação da Comissao Pastoral da Terra, até desaguar na criação e evolução do MST, com uma bibliografia invejável, Antonio Julio reflete com destreza, em uma linguagem acessível, as relações existentes entre ética da Teologia da Libertaçao e espírito do socialismo no MST.

Enfim, trata-se de um livro que demonstra como uma fé libertadora, segundo a Teologia da Libertação, pode impulsionar lutas sociais transformadoras que necessariamente deve levar à superação do capitalismo e à construção de um socialismo segundo Marx e as especificidades históricas nossas. A quem tiver acesso ao livro, boa leitura.

Belo Horizonte, MG, Brasil, 23 de julho de 2012.

O autor é frei carmelita, mestre em Exegese Bíblica , professor de Teologia Bíblica, assessor da CPT, CEBs, CEBI, SAB e Via Campesina; e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.brhttp://www.gilvander.org.br – facebook: Gilvander Moreira

[2] Faculdade de Educação da UFMG.
[3] Universidade Federal do Paraná.

Viva el socialismo. Pero… (por Carlos Fuentes)

Esta é a última nota escrita pelo autor, falecido em 15 de maio de 2012.

Nadie ha explicado la continuidad de la historia de Francia mejor que Francois Mitterrand. Nunca fui partidario de Charles De Gaulle, explicó una vez. Pero siempre rehusé ser su enemigo, afirmó. ¿Por qué? porque existía. Porque sus actos lo creaban, convencido de que él era Francia, a la cual, añade Mitterrand, De Gaulle quería con un amor visceral, exclusivo. Es más: De Gaulle afirmaba la presencia francesa en todos los frentes a la vez. Exigía admiración y lealtad. Un viejo chiste propone que De Gaulle, ante su gabinete, decidió un día invadir la Unión Soviética.

-¡Dios mío! -exclamó un ministro.

-No exagere -le contestó De Gaulle.

Si evoco este pasado, es para acercarme al presente que enfrenta el recién electo Francois Hollande y para contrastar el gran talento político de De Gaulle, tan admirado por su opositor Mitterrand, con la pequeñez del antecesor inmediato de Hollande, Nicolas Sarkozy. Presidente de un solo período, Sarkozy lo inició con frivolidad: cenas suntuosas, viajes en yacht, relojes de setenta mil dólares, bikinis y un profundo desprecio por la gente de la calle: “cállate, pendejo”, le dijo a un ciudadano opositor. Confieso mi antipatía. El año de México en Francia fue cancelado por la exigencia de Sarkozy: cada acto del centenar previsto debía comenzar con la defensa de la encarcelada Florence Cassez: cine, arte, arqueología, literatura mexicanas, pero primero, defensa de Cassez. La exigencia de Sarkozy dinamitó el año de México en Francia.

A la postre, la realidad europea e internacional redujo a Sarkozy al papel de socio menor de la canciller Angela Merkel. Pero era Francia, al cabo, el ente secundario.

Francois Hollande hereda todo lo que llevo dicho. La idea de la grandeza nacional que encarnó De Gaulle. Las posibilidades de la reforma social en régimen capitalista, que fue la apuesta de Mitterrand. La posición de Francia en la comunidad europea y la relación con la Alemania Federal, que fue el problema de Sarkozy. Y algo más: la respuesta de Francia al gran desafío de la sociedad civil y que pone en entredicho a todos los gobiernos. Desploma a los autoritarismos pétreos de Egipto, Libia y Túnez. Desnuda al ya bastante encuerado Berlusconi en Italia. No se contenta con Zapatero ni con Rajoy en España. Multiplica la oposición en Gran Bretaña y le resta poder electoral a Cameron sin dárselo del todo al jefe laborista Edward Miliband. En los EE.UU., se separa del Partido Republicano, disminuye y ridiculiza al “Tea party” y sólo le dará una victoria condicionada a Obama en noviembre. Son los “Ocupantes”.

¿Cómo responderá Francois Hollande a este nuevo desafío, el de una sociedad que al cabo no se reconoce en ninguna de las tribus políticas tradicionales: izquierda, centro o derecha? Conocemos algunas de sus respuestas, todas ellas adecuadas a la situación que describo. Hollande quiere un gobierno que se defina menos por su perfil tecnocrático y más por lo que los franceses entienden por “humanismo”, y esto significa una preocupación mayor -como la tuvo Mitterrand- por la calidad del trabajo, la remuneración salarial y la descentralización administrativa. Más empleo, mejor vivienda. ¿Más austeridad? Hollande ha declarado que la austeridad no puede ser una fatalidad. ¿Cómo convertir la austeridad no sólo en virtud, sino en motor del crecimiento? ¿Y es más, en convicción colectiva?

Los desafíos a Hollande son inmensos. La inmigración del mundo musulmán, parte de ella ya instalada en Francia, reclama no ser tratada como la llamó Sarkozy: “la basura”. Hollande debe darle al inmigrante norafricano diálogo y un horizonte en la política de inclusión social y creación de empleo que es la suya. El inmigrante de África del norte debe sentir que es parte de esta política, no mero accidente adjunto de la misma. Hollande deberá dialogar con norafricanos y afroeuropeos para alcanzar, con todos, maneras de tratar el conflicto social y racial con las comunidades que exigen derechos y una situación manumitida. Lo que haga Hollande en este renglón tendrá una repercusión europea y global. El trabajo migratorio no puede ser, a la vez, necesario y castigado. Si ya hay libertad para el capital, la inversión y el cambio, debe haberlo también para el trabajo. Se trata, ni más ni menos, de revertir la política sarkoziana de proteccionismo y en contra de la inmigración.

El gran desafío del nuevo presidente de Francia consiste en poner en marcha una política de crecimiento contraria a la política de rigor sin crecimiento dictada por Merkel. Que existe un acuerdo franco-germano es cierto. Hollande deberá convencer a Merkel -cosa difícil- de cambiar los términos de la relación. O al menos, de añadir un apéndice sobre la necesidad de crecer, sin engañar a nadie con políticas proteccionistas y subsidios a la ineficiencia. El socialismo en el poder debe presentarse como una affectio societatis que concierne no sólo a la empresa o al trabajo, sino al conjunto social.

No será fácil. Pero Mitterrand demostró que, dentro de los límites, el socialismo puede hacer lo que la derecha ni siquiera piensa en hacer. “La austeridad no puede ser una fatalidad” -explica Hollande-. Y darle una nueva dimensión a la construcción europea. Y decírselo cuanto antes a Europa y a Alemania. Crecimiento con disciplina. Tal es la propuesta de Hollande. Ojalá que tenga tiempo y éxito. La impaciencia de los “ocupantes”, la sociedad civil emergente, es muy grande.

Nota mexicana.- Me preocupa e impacienta que estos grandes temas de la actualidad estén fuera del debate de los candidatos a la presidencia de México, dedicados a encontrarse defectos unos a otros y dejar de lado la agenda del porvenir.

http://noticias.terra.com.mx/mundo/europa/carlos-fuentes-viva-el-socialismo-pero,76eed4fbb4157310VgnVCM5000009ccceb0aRCRD.html