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Um marco alcançado e a profissão de fé de um blogue de resistência

Por Celso Lungaretti

As visualizações de página do blogue Náufrago da Utopia acabam de chegar à casa de 2 milhões. Não sei dimensionar a importância deste total em termos de blogosfera, mas eis alguns dados para os leitores poderem aquilatar por si mesmos:

— o blogue existe desde 8 de agosto de 2008;

— tem 3.900 posts publicados;

— conta com 620 seguidores;

— vem mantendo nos últimos meses uma média de 1.600 acessos diários;

— tais acessos provêm principalmente do Brasil (91,4%), EUA (3,7%), Portugal (1,4%) e França (0,5%).

Sejam ou não significativos tais números, a sensação que eles trazem a esta diminuta equipe (eu e os colaboradores permanentes Apollo Natali e Dalton Rosado) é de dever cumprido.

No meu caso e no do Apollo, o de continuarmos sendo jornalistas, fiéis à nossa missão de disponibilizarmos a verdade aos cidadãos comuns para que os poderosos não imponham tão facilmente as versões e análises que lhes convêm; e sendo jornalistas independentemente de tais poderosos decretarem nossa morte profissional, a pretexto da idade mas, muito mais, por não gostarem das convicções expressas em nossos textos.

No do Dalton, o de difundir uma interpretação do marxismo ainda pouco conhecida, mas que pode desempenhar um papel importante na renovação teórica da esquerda, ainda mais agora que as estratégias e táticas adotadas desde 2003 foram colocadas dramaticamente em xeque pelo impeachment de Dilma Rousseff e pelas circunstâncias nas quais ocorreu.

Também vejo este blogue como uma continuação da luta que outrora iniciei para livrar a comunicação de massa da tutela absoluta dos barões da mídia. Vale a pena explicar melhor.

Após minha participação na luta armada ter-me deixado em frangalhos, fui juntar os cacos numa comunidade alternativa, que era também uma forma de manter vivo meu sonho, ainda que a abrangência fosse bem menor.

Já não se tratava de desbravar um caminho para o povo, pois aprendera da forma mais sofrida a levar sempre em conta a correlação de forças, que naquele momento era totalmente desfavorável a quaisquer projetos ousados de nossa parte.

Mas ao menos podíamos, nós mesmos, praticar em recinto fechado um estilo solidário de vida, ajudando-nos uns aos outros e dividindo o trabalho e seus frutos igualitariamente. Foi o que pensamos e, por alguns meses, conseguimos levar à prática

Era, contudo, difícil mantermos algo assim  em meio ao terrorismo de estado que grassava lá fora, com suas atrocidades, injustiças e intolerância. E, como no conto antológico do Poe, a peste invadiu o castelo no qual acreditávamos estar a salvo dela.

Quando a nossa comuna se desintegrou, só me restou voltar à vida insípida de quem batalha apenas para garantir a sobrevivência pessoal. Como o jornalismo era uma vocação que se manifestara desde que  comecei a fazer jornais no curso médio para fins de conscientização política, foi o nicho que encontrei na divindade suprema do capitalismo, o deus mercado.

Mas, inconformado em ser apenas uma correia de transmissão de valores nocivos, usava minhas horas de folga para prover o antidoto, em publicações precárias que produzia com companheiros igualmente dados à escrita.

Eram bancadas por nós mesmos, na esperança de que vendendo para amigos, conhecidos e para o público de nossas palestras e festas, arrecadássemos o suficiente para recuperar o que gastáramos. Nunca aconteceu.

Sabíamos que éramos pulgas tentando contrabalançar o estrago produzido pelos mamutes da indústria cultural, essa portentosa máquina de moldar a consciência dos cidadãos, tangendo-os para o conformismo e o consumismo.

Mas, tentávamos. Por mais que os resultados ficassem aquém de nossas expectativas, nunca desanimávamos. Era o que podíamos fazer e o fazíamos com enorme carinho. Cruzar os braços, jamais!

E é o que o Náufrago hoje faz. Lembrando os versos daquela comovente canção que Sérgio Ricardo compôs nos anos de chumbo, “cada verso é uma semente/ no deserto do meu tempo”.

Aqui plantamos as sementes de uma esquerda que reassuma, como prioridade máxima e como sua razão de ser, a organização do povo para o combate sem trégua à exploração do homem pelo homem, até a vitória final.

Trata-se do que mais precisa ser feito neste momento e também do mais difícil de se fazer, pois já estão arraigados em nossas fileiras os vícios, a desmobilização e a acomodação resultantes da opção pelas urnas em detrimento das ruas.

É mais fácil domesticar-se os bravos do que incutir bravura nos domesticados. Ainda mais depois de tantas e tantas décadas desperdiçadas em vãs tentativas de humanizar o capitalismo por dentro, rezando pela cartilha da democracia burguesa (que não passa do arcabouço institucional da dominação capitalista)!

É também aqui que tentamos ressuscitar valores como o da generosa solidariedade revolucionária, cada vez mais trocada pela postura egoísta de apoiar-se apenas o próprio partido ou a própria facção, lixando-se para as desgraças de outras forças do campo da esquerda e inclusive para os infortúnios de antagonistas pertencentes à mesma facção.

Há, ainda, que restaurarmos a própria moral revolucionária, a nossa, que infelizmente está ficando cada vez mais indistinguível da deles, nestes tristes tempos em que tantos trocam a dialética pelo mais rasteiro utilitarismo.

Aqui plantamos, ademais, a semente do respeito incondicional aos direitos humanos e à preservação do meio ambiente, pois nada, absolutamente nada, justifica os atentados à dignidade dos indivíduos e à sua existência (gravemente ameaçada pela devastação do nosso habitat).

São tudo menos herdeiros de Marx e Proudhon os que se norteiam pela realpolitik, justificando atrocidades e massacres quando perpetrados pelos bons bárbaros contra os maus bárbaros; quem existe para conduzir a humanidade a um estágio superior de civilização jamais pode transigir com a barbárie, assim como a um religioso é vedado pactuar com o demônio.

E aqui tentamos exercitar o pensamento crítico, não deixando jamais de refletir sobre as práticas da esquerda, no sentido de aprimorá-las e de prevenir erros que poderão evidenciar-se desastrosos adiante. Quando a intolerância no relacionamento com as tendências minoritárias se dissemina cada vez mais entre nós, é fundamental restabelecermos o respeito entre companheiros e uma atitude positiva face aos questionamentos válidos.

Até porque erros terríveis foram cometidos nos últimos tempos pelos detentores da hegemonia, os quais quase sempre fecharam os ouvidos às advertências daqueles que se encontravam em minoria… mas estavam com a razão!

De resto, somos os primeiros a reconhecer que as sementes por nós espalhadas frutificarão ou não graças a fatores que vão muito além de nosso idealismo, do nosso tirocínio e dos nossos esforços.

Neste momento da vida só podemos apontar caminhos e dar exemplos, na esperança de que novos combatentes, com o vigor de que já não dispomos, inspirem-se nestas leituras ao decidirem suas linhas de ação.

Aos leitores que respeitam nossos esforços, peço: ajudem-nos a divulgar este blogue de resistência, que ninguém patrocina e tão poucos organizados apoiam, mas que prova ser possível sobreviver com as próprias forças (e desnecessário, portanto, vender a alma); e difundam estes textos impregnados de toda nossa experiência de vida e de todas as esperanças que ainda mantemos no futuro da humanidade, para que eles possam atingir seus objetivos…e nós também!

A luta continua..

SOBRE O MESMO ASSUNTO, LEIAM TAMBÉM:

A IMPORTÂNCIA DE UMA COMUNICAÇÃO LIVRE DO JUGO DO CAPITAL

Por Dalton Rosado

Disse Marx, nos Grundrisse, que a máquina, ao reduzir o trabalho humano a um mínimo, beneficiária o trabalho emancipado e seria a condição de sua emancipação.

Assim Marx inseriu, de maneira genérica, os ganhos da tecnologia para a emancipação humana; e nela está inserida a comunicação via satélite, que agora, por meio da internet, liberta (até certo ponto) a informação do jugo do capital.

É difícil para o capital bloquear a circulação da informação eletrônica, uma vez que a vida moderna se rege por tal modo de comunicação sob os mais variados aspectos; e, em termos técnicos, uma coisa dificilmente pode ser separada da outra.

Já estão distantes no tempo as tradicionais (e autoritárias) ações de empastelamento dos jornais que contrariavam os interesses dos governantes a serviço do capital. Mas, jornalistas até hoje continuam sendo assassinados e perseguidos por suas práticas profissionais… (clique para ver mais)

A ESQUERDA DA MINHA VIDA.

Por Apollo Natali

Afinal, que caminho é esse, a esquerda, pauta fiel do Náufrago?  A resposta culta eu ouço da boca dos estudiosos, dos intelectuais, da Academia. Mas como trocá-la em miúdos, em linguagem simples e direta, para boa parte dos 200 milhões de brasileiros não tão acadêmicos? Para o gasto do dia a dia do mortal que anda de ônibus, qual o significado dessa palavra  incompreendida até para mim?

Definição acadêmica: os grandes ideólogos do marxismo e do anarquismo, Marx e Proudhon, pregavam a tomada de poder pelos trabalhadores que reformulariam a sociedade no sentido da priorização do bem comum, com as pessoas trabalhando solidariamente para que as atividades produtivas visassem ao pleno atendimento das necessidades humanas em regime de cooperação voluntária e igualdade.

Lindo. Utópico. Impraticável. Como se tem visto. Que Lungaretti e seus pares de idéias possam perdoar minha visão turvada. Longínquo, incerto é o dia em que a humanidade vai atingir o topo moral necessário a uma vida feliz como essa. Não estaremos aqui para ver, nem nossos descendentes… (clique para ver mais)

6º Congresso do PT: em busca da ousadia perdida.

Cartaz do PT em 1980. Onde foi parar esta ousadia? 

Eis o que dizia o Partido dos Trabalhadores no seu manifesto de fundação, datado de 10 de fevereiro de 1980:

Os trabalhadores querem a independência nacional. Entendem que a Nação é o povo e, por isso, sabem que o país só será efetivamente independente quando o Estado for dirigido pelas massas trabalhadoras. É preciso que o Estado se torne a expressão da sociedade, o que só será possível quando se criarem condições de livre intervenção dos trabalhadores nas decisões dos seus rumos. Por isso, o PT pretende chegar ao governo e à direção do Estado para realizar uma política democrática, do ponto de vista dos trabalhadores, tanto no plano econômico quanto no plano social. O PT buscará conquistar a liberdade para que o povo possa construir uma sociedade igualitária, onde não haja explorados nem exploradores. O PT manifesta sua solidariedade à luta de todas as massas oprimidas do mundo

O texto atual é bem mais cauteloso

Eis o 13º e último dos pontos para mudar o PT alinhavados pelo vice-presidente do partido, deputado estadual Paulo Teixeira (SP), como propostas para serem discutidas no próximo congresso nacional petista, marcado para o início de junho:

Retomar o caminho republicano inspirado nos valores do socialismo democrático, fundados na igualdade, no controle público democrático do Estado e no pluralismo! A renovação programática do PT não pode temer a palavra socialismo, que deve andar junto com a palavra democracia. A atualização do programa do PT que ocorrerá no 6º Congresso precisa compreender que é tempo de enfrentar o fascismo com força, mas sem repetir os erros de conciliação que nos trouxeram até aqui. (…) O capitalismo deu errado: oito homens possuem a mesma riqueza que a metade mais pobre da população. Os índices de desigualdade social no mundo são parecidos com os do início do século XX, que gerou duas Guerras Mundiais e milhões de mortos. O PT precisa combater esse sistema desigual e através do socialismo e da democracia encontrar novos marcos programáticos para o futuro do país e do mundo.

Resumo da opereta:

  • o PT praticou vergonhosamente a política de conciliação de classes durante os 13 anos e 4 meses durante os quais a burguesia lhe concedeu permissão para gerenciar o capitalismo brasileiro; 
  • agora que os poderosos dispensaram sua colaboração com um pontapé nos fundilhos, deverá discutir uma retomada das bandeiras anticapitalistas, o que seria seu primeiro passo na direção certa em muitos e muitos anos.

Alguém ainda ousa dizê-lo em reunião do PT?

Espero, contudo, que o faça com verdadeira disposição de luta, expressa num discurso muito mais afirmativo do que esse que vocês leem acima. 


O redator estava visivelmente pisando em ovos, como que pedindo desculpas pela mudança de rumo proposta e fazendo questão de escrever democracia cada vez que escrevia socialismo, qual uma atenuante obrigatória. [Antigamente tínhamos total clareza quanto ao fato de que a democracia de uma sociedade de classes jamais será uma verdadeira democracia e não hesitávamos em proclamar esta verdade em alto e bom som, utilizando sempre a expressão democracia burguesa…]

Isto para não falar na patética menção ao caminho republicano, que faria o PT continuar patinando sem sair do lugar até o final dos tempos. Salta aos olhos e clama aos céus que o caminho a ser retomado é o revolucionário


Ou seja, o parágrafo de 2017 é muito pior que o de 37 anos atrás, embora melhor do que a prática recente do PT. Mas, se quiser recuperar a credibilidade, o partido terá de curar-se dessa paúra crônica de dizer algo que possa assustar os pequenos e grandes burgueses.

Ficou meio hilária, p. ex., a recomendação aos companheiros, de que deixem de temer a palavra socialismo, como se fosse a única palavra deletada do dicionário petista. E revolução? E marxismo? E anarquismo? E comunismo? E a expressão marxista exploração do homem pelo homem? E a frase lapidar de Prodhon, a propriedade é o roubo?

Torço para que os companheiros petistas  se deem conta de que o tempo das tergiversações, das papas na língua e dos panos quentes acabou. Ou reencontram a ousadia perdida ou serão varridos do mapa pelos novos ousados. É simples assim.

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