Para Rosane Bertotti, coordenadora do Fórum Nacional para a Democratização da Comunicação, se a comunicação é um direito, ela deve ser garantida pelo Estado. “E, como direito, ela não pode ser estatal, mas pública”, emendou. Bertotti participou do eixo Políticas Públicas do III Fórum de Mídia Livre, que aconteceu neste sábado em Porto Alegre.
Para ela, que também é secretária nacional de comunicação da CUT, se não existir uma regulamentação para garantir a liberdade de expressão, ganha a lei do mercado. “É fundamental democratizar a produção, a distribuição e o acesso”, explicou. A jornalista afirmou ainda que a luta deve articular não só as mídias digitais, mas também o espectro de radiodifusão.
Como solução, Bertotti apontou a concretização de um marco regulatório. “Precisa haver uma convergência entre vontade política, compreensão da necessidade por parte da sociedade e mobilização social”, reforçou. “Precisamos nos organizar, fazer propostas e ir para a rua defender o que queremos.”
Kirchners tinham interesse em regulamentação
A professora da Universidad Nacional de Córdoba, Judith Gerbaldo, contou como foi o processo de aprovação da Ley de Medios na Argentina. Com a lei, promulgada em 2009, o espectro de radiodifusão no país foi dividido em três: um para o governo, outro para as empresas privadas e o terceiro para organizações sociais, como ONGs e universidades.
“Foi uma campanha intensa. Elaboramos desde quadrinhos a spots de rádio, passando por oficinas e debates em vários lugares do país”, explicou a ativista, que disse ter havido vontade política da presidente Cristina Kirchner. “Mas agora, mesmo com a aprovação, a luta não terminou. Temos que acompanhar e cobrar a regulamentação.”
Depois das falas, a participação do público foi intensa. “A lei só foi enviada pela presidência ao congresso porque os Kirchners tinham interesse em derrubar o Grupo Clarín, um dos principais opositores do governo”, disse este repórter, em uma intervenção. O Grupo Clarín é o maior conglomerado de comunicação da Argentina, com serviços deTV aberta e fechada, internet, rádio, jornal e distribuição de sinal a cabo. “Temos que saber quem vai receber as concessões da sociedade civil. Serão só entidades governistas?”, questionou.
Outros presentes também mencionaram a importância, como política pública, de uma divisão equilibrada entre os recursos publicitários do governo. Sugeriram também a elaboração de uma cartilha jurídica para evitar excessos do poder público no trato com ativistas. O membro da Ciranda.Net Nelson Pombo, por exemplo, disse já ter sido impedido diversas vezes de filmar manifestações.
A jornalista independente Sally Burch defendeu nesta sexta-feira uma articulação continental do movimento pela democratização da comunicação. Ela participou do eixo Direito à Comunicação do III Fórum de Mídia Livre, e ressaltou que os grandes conglomerados midiáticos já estão organizados, em entidades como a SIP, a Associação Interamericana de Imprensa.
Segundo a jornalista, o direito à comunicação, regulamentado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, surge com o objetivo de resguardar a liberdade de informação do risco de censura por parte dos governos. Hoje, no entanto, a principal ameaça à liberdade de comunicação seria os próprios conglomerados de comunicação.
“Durante as ditaduras latinoamericanas, há uma explosão das experiências de comunicação alternativa e popular. Mas quando chega a democracia, os governos se juntam às grandes empresas e todas essas experiências começam a se debilitar”, observou Burch, que ressaltou que, com a chegada da internet, houve um ressurgimento dessas mobilizações.
Para a britânica, que fez a apresentação em espanhol, hoje há muitos setores lutando pelo direito à comunicação. Mas em poucos casos haveria uma articulação dessas lutas, como já fazem os empresários. “A Argentina, com a Ley de Medios, conseguiu se articular. E isso tem que servir de exemplo para os outros países latinoamericanos. Se o Equador aprovar uma lei, a Bolívia pode aprovar também. E aí os brasileiros vão ter mais respaldo para fazer o mesmo”, concluiu.
A militante da Izquiera Anticapitalista espanhola, Esther Vivas, chamou a atenção na tarde desta quarta-feira para a implementação de políticas de ajuste na Europa mesmo com as mobilizações populares que têm eclodido pelo continente. Em um debate no Fórum Social Temático sobre a crise mundial e as alternativas anticapitalistas, ela criticou a incapacidade do capitalismo em satisfazer as necessidades da maior parte da população mundial.
Vivas dividiu a mesa com o pesquisador e militante do PSOL Jorge Almeida, que afirmou que a atual crise econômica é parte de um processo que começou no final da década de 60. “O Estado de Bem-Estar Social que vigorou depois da crise de 29 foi a maior concessão do capitalismo, que levou a um aumento da produção em função de um aumento do consumo”, explicou. “Mas no início dos anos 70 há uma reversão desse processo, com ataques aos benefícios sociais.”
Segundo Almeida, para ganhar competitividade os empresários foram obrigados a aumentar os gastos com tecnologia e diminuir os custos com mão-de-obra. Mas isso seria um revés, segundo ele, porque houve uma diminuição do consumo acompanhada de uma diminuição da taxa de lucro.
“Então veio a crise do Petróleo, do México, do Brasil, do Japão e uma série de outras. Em 2009, temos o estouro da bolha imobiliária nos Estados Unidos, que não é um fato isolado”, analisou. A partir daí, a crise teria se espalhado pelos países europeus. “A diferença é que dessa vez não houve concessões aos trabalhadores como nos anos 30, eles atacaram os direitos sociais de primeira.”
Para Vivas, o importante é desmontar o discurso atual de que há que pagar as dívidas para saldar o déficit público. “Não temos que pagar uma dívida que não é nossa”, disse. Ela apontou que uma das alternativas possíveis, por exemplo, seria uma reforma tributária progressiva.
“As pessoas estão começando a se mobilizar. Depois da primavera árabe, vimos que é possível abandonar a resignação e ocupar as ruas”, ressaltou ela, que afirmou que uma alternativa anticapitalista deve ser necessariamente feminista e ecológica. “Na Espanha, 80% dos postos trabalhos precários são ocupados por mulheres. Ao mesmo tempo, temos que acabar também com a mentira do ecocapitalismo.”
Para Almeida, falta uma vanguarda realmente forte para acompanhar a vontade popular de mudança, mas ele é otimista. “Vamos entender as previsões maias para 2012 não como o fim do mundo, mas o prenúncio de uma nova era”, emendou. “É socialismo ou barbárie.”
Com uma camisa azul lisa sob um terno preto cuidadosamente engomado, o prefeito Eduardo Paes abriu um sorriso largo enquanto erguia no braço esquerdo uma ampliação de um cheque-fantasia no valor de pouco mais de 3,5 bilhões de reais, pagos pela Caixa Econômica Federal. Era uma segunda-feira de junho decisiva para o futuro da cidade do Rio de Janeiro. Não haveria, no entanto, muita repercussão na mídia local.
Meses antes, em novembro de 2010, a prefeitura fechara um acordo com três grandes empreiteiras brasileiras, a OAS, a Carioca Engenharia e a Odebrecht, agrupadas num consórcio de nome bastante ilustrativo: Porto Novo. Há quase seis meses, são elas as responsáveis pela coleta de lixo, a troca de lâmpadas, a pavimentação, o ordenamento do trânsito e até pela poda de árvores numa região de quase 5 milhões de metros quadrados que abrange toda a zona portuária e parte do centro da cidade. Nos arredores da Praça Santo Cristo, por exemplo, o azul substituiu o alaranjado dos uniformes – já sem a marca da prefeitura – dos funcionários que varrem as folhas secas do chão. Pelos próximos quinze anos, o Porto Novo administrará essa fração da cidade, em troca de 8 bilhões de reais pagos pela prefeitura.
Os únicos serviços que continuam sob responsabilidade do município são o patrulhamento da Guarda Municipal e as operações de controle urbano. Em outras palavras, o Choque de Ordem continua a todo vapor. A notícia certamente faria vibrar a Milton Friedman, se ele ainda estivesse vivo. O economista da Escola de Chicago, guru do capitalismo neoliberal, defendeu incansavelmente em inúmeros artigos de sua autoria que a única função do Estado deveria ser a manutenção da força policial, na garantia da propriedade privada. Todo o resto deveria ser privatizado.
Paes deu, então, o pontapé inicial a uma nova forma de privatização em terras brasileiras – mas já adotada há alguns anos nos Estados Unidos, por exemplo. Sob a égide das Parcerias Público-Privadas, transferiu atribuições históricas do poder público a um grupo de empreiteiras. O prefeito, aliás, declarou orgulhar-se de ser o responsável pela maior PPP do Brasil. Não por acaso, imagina-se, a OAS e a Carioca Engenharia doaram 650 milhões de reais à campanha de Paes em 2008. Depois de mais de três longos anos, enfim receberam pelo que pagaram.
Na cerimônia daquela manhã de segunda-feira, o segundo passo da operação se consolidava. A despeito das orientações da Unesco sobre a preservação da arquitetura da zona portuária carioca, encarada pela organização como um legado histórico e cultural, a prefeitura colocou à venda 6,4 milhões de Certificados de Potencial Adicional de Construção, os Cepacs, que permitem aos seus detentores edificar construções que ultrapassem o gabarito estabelecido pela lei. Somente a Caixa conseguiu adequar-se ao edital elaborado pelo governo. O banco, então, criou um fundo de investimento especial, usando recursos pagos pelo FGTS dos trabalhadores, e comprou todos os títulos disponíveis, com o objetivo de revendê-los a outros investidores. E os mais interessados são justamente OAS, Carioca Engenharia e Odebrecht, que inclusive marcaram presença no leilão. Isso porque uma das formas de pagamento da prefeitura às três empreiteiras do consórcio Porto Novo pelos serviços privatizados é o repasse de terrenos públicos. E, uma vez adquiridos os Cepacs, as empreiteiras poderão construir prédios de até 50 andares – uma mina de ouro no Rio de Janeiro, uma cidade que carecia de espaços novos a serem explorados pelas construtoras em áreas já dotadas de infra-estrutura, como é o caso do centro.
A relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada, Raquel Rolnik, critica a ação. “Estamos diante de uma operação imobiliária executada por empresas privadas, mas financiada, de forma engenhosa, com recursos públicos”, explicou a urbanista, que tem ganhado fama na internet nos últimos meses denunciando as desapropriações abusivas orquestradas por Paes, enquanto o prefeito transforma a cidade num gigantesco canteiro de obras para as Olimpíadas e para a Copa. “Continuamos sem saber onde estão os benefícios públicos dessa PPP.”
A medida não está fora de contexto se comparada às demais políticas públicas da gestão do prefeito, que já carrega as remoções violentas como marca de seu governo. O Choque de Ordem, sua menina dos olhos, intensificou a repressão aos camelôs – como se ser ambulante fosse uma escolha, e não uma necessidade. Ao mesmo tempo, em vez de propor uma política habitacional consistente, entulhou de pedras as calçadas sob os grandes viadutos da cidade, para impedir que pessoas em situação de rua durmam à sua sombra. Paes, que durante a campanha martelou nos ouvidos dos eleitores que seria como um síndico para a cidade, esqueceu-se, no entanto, de convocar as reuniões de condomínio, uma vez que não demonstra nenhuma atenção com os movimentos sociais e populares de qualquer espécie.
Em termos simbólicos, a privatização da zona portuária representa a transferência de milhares de cidadãos, que habitam ou passam pela região, de uma esfera de direitos a uma esfera mercantil – são, agora, consumidores de serviços terceirizados. Além disso, até agora, nada se falou nas consequências humanas decorrentes dessa radical transformação urbana, que está se delineando na região. Não houve consulta popular nem reuniões com associações de moradores. Ao que tudo indica, o destino de milhares de famílias pobres que vivem no local e que serão atingidas pela gigantesca onda de especulação imobiliária não anda tirando o sono de nosso prefeito.
Os meios de comunicação, mediadores da esfera pública, são, antes de tudo, fomentadores de discursos na sociedade; são eles os que selecionam, dentre todas as vozes sociais, aquelas que merecem o status de memorável promovido por eles. Operam sob um dispositivo de visibilidade e invisibilidade, o que significa que têm o poder de definir não só aquilo que estará na pauta das discussões políticas e sociais, mas também o que não estará presente nela.
Ser jornalista é atuar submerso nesse contexto. Torna-se obrigatório, portanto, compreender o processo da notícia para além de seu resultado final nas páginas de papel imprensa – ou nos pixels das telas de computadores e celulares. Não defendo o diploma de jornalista pelo fortalecimento de sua categoria profissional; tampouco acredito que seja a formação imprescindível para ensinar ao futuro jornalista técnicas de reportagem. A necessidade do diploma reside na importância de sua função social, apenas isso.
Há muito tempo, nos corredores das escolas de comunicação, tornou-se evidente a crise do ensino da técnica. Basta pouco mais de um mês de estágio para se aprender muito mais sobre apuração e redação que em quatro anos de faculdade. Como dizem alguns respeitados figurões das antigas, o bom jornalismo se aprende na rua.
Mas existe uma lasca do jornalismo que não se aprende na prática. Essa lasca, central na práxis profissional, é justamente a que não nos permite ser usados como massa de manobra da chefia; como mão de obra especializada que repete fórmulas da mesma maneira que um operário aperta parafusos – apenas para satisfazer interesses que lhe são alheios. E trabalhar essa consciência é precisamente o papel e o diferencial das escolas.
A verdade, no entanto, é que talvez seja inútil a minha defesa, assim como toda a discussão. Explico-me: o que impede a real liberdade de expressão não é a regulamentação profissional, como alardeiam os anti-diploma. Com ou sem canudo, quando a notícia vira produto e o editorial depende do comercial, o interesse de uns poucos se sobrepõe ao de muitos, inevitavelmente. E aí a obrigatoriedade ou não do diploma vira coisa pouca, sem muita importância.
Vivemos hoje uma das maiores crises econômicas das últimas três décadas. Nos cadernos de economia da grande mídia, os fatos aparecem isolados, como recessões pontuais desconectadas umas das outras. A verdade, porém, é que a crise que hoje assombra a Europa teve início há exatos quatro anos – e seus desdobramentos podem ser muito mais graves do que imaginamos.
Em 2007, uma crise imobiliária fortíssima atingiu os Estados Unidos, quando milhares de cidadãos, impulsionados pelo crédito fácil, contraíram altas dívidas em hipotecas. Com o aumento das taxas de juros e a diminuição dos preços dos imóveis, uma quantidade surpreendente de americanos teve seu patrimônio dilacerado. Ao cabo de alguns meses, a situação levou a uma onda de calotes e de baixas no consumo. Em 2008, as circunstâncias eram tais que acabaram deflagrando o estouro de uma bolha financeira, cujo marco inicial foi o colapso do Lehman Brothers e do Merrill Lynch.
A ameaça de quebra de bancos e seguradoras, à época, gerou um abalo profundo nas principais bolsas ao redor do mundo e levou crise a diversos países, centrais e periféricos, na entrada do ano de 2009. Poucos foram os Estados que seguraram a onda, como o Brasil, que experimentava um processo de intenso crescimento econômico no último triênio do governo Lula.
Nesse contexto, ao longo dos últimos dois anos, observamos diversos pacotes de austeridade econômica tentando ser aprovados nos parlamentos europeus, enquanto Irlanda, Grécia, Portugal e Espanha, por exemplo, caíam em profunda depressão. Assim, para responder às crises, dos EUA à Zona do Euro, bilhões de dólares de contribuintes eram utilizados para sanar os prejuízos deixados por banqueiros e megainvestidores milionários.
Agora, ainda que os jornais pouco falem sobre o assunto estruturalmente, estamos em uma intensa crise do sistema capitalista. Além de se espalhar pela Europa – atingindo outros países, como a Alemanha e a Itália –, ela está de volta aos EUA, com a crise da dívida, e já ameaça chegar ao Brasil, durante o governo Dilma. * * *
“Somente uma crise – real ou pressentida – produz mudança verdadeira. Quando a crise acontece, as ações que são tomadas dependem das ideias que estão à disposição. Esta, eu acredito, é nossa função primordial: desenvolver alternativas às políticas existentes, mantê-las em evidência e acessíveis até que o politicamente impossível se torne o politicamente inevitável.”
A conclusão é de Milton Friedman, o guru do capitalismo neoliberal. E ele tem toda razão. Neste momento, como vemos nos movimentos populares europeus, os danos abandonaram a virtualidade do capital financeiro para atingir a vida real, com sérios prejuízos socioeconômicos, já que a pauta anticrise dos governos é a mesma: privatizações e cortes profundos nos direitos sociais.
Nesse contexto, abre-se um leque de possibilidades de futuros acontecimentos. Um deles, de que o atentado na Noruega é símbolo, é a ascensão de governos neofascistas, como já vimos acontecer depois da Crise de 29. O episódio norueguês, como sabemos, não é um caso singular. Na Suécia, um homem foi preso na cidade de Malmö, acusado de envolvimentos em uma dúzia de tiroteios contra imigrantes. Nos EUA, o Tea Party ganha força. Na Alemanha, com o recém-fundado A Liberdade, já são quatro os partidos de extrema-direita. Na França, pesquisas apontam que a Frente Nacional, ultraconservadora, pode chegar ao segundo turno. Na Holanda, o Partido para a Liberdade do Povo Holandês, também de extrema-direita, acabou de conquistar 15,5% de votos nas eleições de 2010.
Outra possibilidade, que cabe à (verdadeira) esquerda mundial, é aproveitar o momento de mobilização popular para mostrar as contradições inerentes ao capitalismo, um sistema que não pode ser reformado, como pregam os socialdemocratas. Um sistema de organização socioeconômica que deixa, hoje, mais de dois bilhões de pessoas em situação de fome e que faz aumentar, cada vez mais, a distância entre ricos e pobres. A juventude mundial, que ocupa as praças ao redor do mundo, de Portugal ao Egito, deseja mudanças. Mas sem organização política, sem um projeto de sociedade, elas não acontecem. E que venha a luta. (*) Ricardo Cabral é jornalista. Matéria publicada originalmente na revista eletrônica Consciência.net.