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Desconstruindo Domenico Losurdo

Domenico Losurdo, um farsante na terra dos papagaios – Ensaios sobre o estalinismo e neo-estalinismo no Brasil (livro de Mário Maestri)

Apresentação de Gilson Dantas ao livro Domenico Losurdo: um farsante na Terra dos Papagaios, de Mário Maestri.

De longa data se fazia necessária uma obra que desconstruísse o particular neostalinismo de Domenico Losurdo que vem sendo difundido no Brasil sem qualquer crítica marxista radical a ele.

Mário Maestri levou adiante esse combate.

Em relativamente poucas linhas pôs a nu a farsa que contou com alguma aceitação acadêmica no nosso país e que procura situar Losurdo como um autor que teria alguma contribuição a dar ao marxismo revolucionário.

Há quem incense Losurdo, fundamentalmente para manter seu vínculo com Stálin e com sua concepção bizarra que considera Trotski um terrorista/golpista  e a China atual um exemplo de socialismo possível. O PCB de Jones Emanuel vai por essa linha. Tenta “redescobrir” Losurdo e atribuir a ele alguma respeitabilidade como historiador.

Em uma época de baixa luta de classes, Losurdo,  adotando uma linguagem interessada  e aparentemente de esquerda,  entrou de contrabando como um legitimador, na verdade,  de regimes burgueses como o de Putin ou de Xi Ji Ping.

Por outro lado, também sabemos que, de longa data e em alguns departamentos de Universidades brasileiras [tipo Unicamp], Losurdo vem tendo relativa aceitação especialmente por suas incursões críticas a filósofos tipo Heidegger, Nietzsche e autores mais especificamente da direita.  No entanto, pensamos que  faria bem, mesmo a esses professores que aproveitam essas digressões de Losurdo,  que levassem em conta o elemento central que Maestri levanta ao longo do seu livro. Até porque, aqui, na obra de Maestri, aparece o elemento, na nossa perspectiva,  mais essencial  para situar as reflexões de Losurdo no contexto mais realista.

Tentar localizar Losurdo no campo revolucionário de esquerda não passa de uma leitura superficial para uma época igualmente conservadora.

Nas palavras de Maestri: “Vivemos hoje uma nova onda conservadora e obscurantista – o neoestalinismo.  Ela pulula em forma desigual em diversos países do mundo, com forte virulência no Brasil.

Não conhece a mesma cobertura da grande imprensa e é destinada, sobretudo, a um público alvo mais restrito: a juventude militante de esquerda desinformada, com destaque para a de classe média, embalada agora pela descoberta de novo cavaleiro e profeta sem nódoa, de armadura prateada e capa preta, que chega das trevas para tudo resolver: José Stalin”.

Na verdade, o objetivo de Losurdo é, adotando uma tosca roupagem de esquerda, tratar de refazer a narrativa histórica, especialmente do papel de Trotski, para alimentar ilusões reacionárias que ele chama “sem utopias”, mas, de fato, na perspectiva do abandono da revolução socialista e do papel emancipador da classe trabalhadora.

É importante – para quem ouviu falar de Losurdo  –  que seja levada muito em conta a reconstituição histórica particular dele sobre a Revolução Russa e o marco histórico totalmente distorcido por ele.

Também neste ponto o livro de Maestri cumpre um papel importante, ao repor a narrativa histórica no seu lugar objetivo. Para quem não entrou em contacto com o específico stalinismo  de Losurdo, o livro de Maestri  também  igualmente assume  um importante papel:  o manejo das categorias do materialismo histórico aparece muito bem posto, no caso, a serviço da causa de desmistificar um falsificador, obcecado em reescrever a Revolução Russa em chave mistificadora.

Trazer Stálin para o século XXI como algo com qualquer mérito é a mais pura falsificação.

“Losurdo falsifica a história com um principal e grande objetivo: justificar a ação de Stalin e do estalinismo. Propõe, portanto, que o ‘Pai dos Povos’ e seus meninos, vendo a União Soviética sendo atacada bestialmente pelo proposto movimento golpista e terrorista de Trotski, se lançaram briosos na defesa do país, matando tantos quantos acreditavam fosse necessário, na esquerda, no centro, na direita, literalmente aos borbotões”.

E os stalinistas de todo matiz precisam de Losurdo, por um lado para preencher seu vazio e seu falso legado histórico stalinista, mas por outro para fazer frente à crescente influência de Trotski e suas ideias nos tempos atuais. É um pouco como aquele seriado do Netflix: para o stalinismo e para a direita é essencial apagar Trotski e seu papel histórico.

A esse respeito, recomendo um artigo que desenvolve mais sobre este elemento e que pode ser lido aqui.

Losurdo, “o neoestalinista, milita pelo enfraquecimento do princípio da centralidade dos trabalhadores na luta política. Em verdade, trata-se de proposta de mobilização pós-socialista, de literal abandono da revolução social”.

Ou, ainda, no argumento de Maestri:  “Telegraficamente, podemos dizer que o principal objetivo do neoestalinismo é combater a centralidade do proletariado na emancipação social e o próprio princípio de revolução social”.

Como argumenta Maestri, uma esquerda que acolhe Losurdo e que o toma como um interlocutor válido ou como um autor que  tenha algo de consequente a dizer, tem que se reavaliar.  “É urgente refundar a esquerda, pois, com esses inimigos aboletados em nossa trincheira, nos chamando hipocritamente de companheiros, a batalha está perdida, antes de começar”.

Do livro de Maestri, que recomendo a todo aquele/a que tenha qualquer ilusão com a obra de Domenico Losurdo e de seus seguidores no Brasil atual, se destaca uma bem delimitada posição de classe em relação ao stalinismo e seus seguidores atuais.

Todos eles são justificadores do amplo massacre promovido pela contrarrevolução stalinista na URSS e com os quais, a esquerda revolucionária não trava qualquer relação virtuosa.

Ou, nas palavras bem mais contundentes de Maestri: “Não convivo, dialogo, co-participo em atividades com estalinistas empedernidos, que sabem e abraçam o que propõem. Eles defendem e justificam o massacre pelos estalinismo de multidões de comunistas, nem sempre da Oposição de Esquerda [trotsquistas].

Nos últimos anos do Grande Terror (1934-38), Stalin mandou pra cova milhares de marxistas revolucionários. Alguns historiadores propõem, sem maiores provas, que Beria teria escapado do tradicional tiro na nuca por se adiantar, envenenando Stalin.

Ninguém pede que torturados convivam com torturadores. Nem que antifascistas se abracem a fascistas. Ou que judeus afaguem nazistas. Não há razão para um comunista revolucionário, de qualquer orientação, faça o mesmo com um estalinista”.

Um requiem em grande estilo para o neostalinista Domenico Losurdo.

6º Congresso do PT: em busca da ousadia perdida.

Cartaz do PT em 1980. Onde foi parar esta ousadia? 

Eis o que dizia o Partido dos Trabalhadores no seu manifesto de fundação, datado de 10 de fevereiro de 1980:

Os trabalhadores querem a independência nacional. Entendem que a Nação é o povo e, por isso, sabem que o país só será efetivamente independente quando o Estado for dirigido pelas massas trabalhadoras. É preciso que o Estado se torne a expressão da sociedade, o que só será possível quando se criarem condições de livre intervenção dos trabalhadores nas decisões dos seus rumos. Por isso, o PT pretende chegar ao governo e à direção do Estado para realizar uma política democrática, do ponto de vista dos trabalhadores, tanto no plano econômico quanto no plano social. O PT buscará conquistar a liberdade para que o povo possa construir uma sociedade igualitária, onde não haja explorados nem exploradores. O PT manifesta sua solidariedade à luta de todas as massas oprimidas do mundo

O texto atual é bem mais cauteloso

Eis o 13º e último dos pontos para mudar o PT alinhavados pelo vice-presidente do partido, deputado estadual Paulo Teixeira (SP), como propostas para serem discutidas no próximo congresso nacional petista, marcado para o início de junho:

Retomar o caminho republicano inspirado nos valores do socialismo democrático, fundados na igualdade, no controle público democrático do Estado e no pluralismo! A renovação programática do PT não pode temer a palavra socialismo, que deve andar junto com a palavra democracia. A atualização do programa do PT que ocorrerá no 6º Congresso precisa compreender que é tempo de enfrentar o fascismo com força, mas sem repetir os erros de conciliação que nos trouxeram até aqui. (…) O capitalismo deu errado: oito homens possuem a mesma riqueza que a metade mais pobre da população. Os índices de desigualdade social no mundo são parecidos com os do início do século XX, que gerou duas Guerras Mundiais e milhões de mortos. O PT precisa combater esse sistema desigual e através do socialismo e da democracia encontrar novos marcos programáticos para o futuro do país e do mundo.

Resumo da opereta:

  • o PT praticou vergonhosamente a política de conciliação de classes durante os 13 anos e 4 meses durante os quais a burguesia lhe concedeu permissão para gerenciar o capitalismo brasileiro; 
  • agora que os poderosos dispensaram sua colaboração com um pontapé nos fundilhos, deverá discutir uma retomada das bandeiras anticapitalistas, o que seria seu primeiro passo na direção certa em muitos e muitos anos.

Alguém ainda ousa dizê-lo em reunião do PT?

Espero, contudo, que o faça com verdadeira disposição de luta, expressa num discurso muito mais afirmativo do que esse que vocês leem acima. 


O redator estava visivelmente pisando em ovos, como que pedindo desculpas pela mudança de rumo proposta e fazendo questão de escrever democracia cada vez que escrevia socialismo, qual uma atenuante obrigatória. [Antigamente tínhamos total clareza quanto ao fato de que a democracia de uma sociedade de classes jamais será uma verdadeira democracia e não hesitávamos em proclamar esta verdade em alto e bom som, utilizando sempre a expressão democracia burguesa…]

Isto para não falar na patética menção ao caminho republicano, que faria o PT continuar patinando sem sair do lugar até o final dos tempos. Salta aos olhos e clama aos céus que o caminho a ser retomado é o revolucionário


Ou seja, o parágrafo de 2017 é muito pior que o de 37 anos atrás, embora melhor do que a prática recente do PT. Mas, se quiser recuperar a credibilidade, o partido terá de curar-se dessa paúra crônica de dizer algo que possa assustar os pequenos e grandes burgueses.

Ficou meio hilária, p. ex., a recomendação aos companheiros, de que deixem de temer a palavra socialismo, como se fosse a única palavra deletada do dicionário petista. E revolução? E marxismo? E anarquismo? E comunismo? E a expressão marxista exploração do homem pelo homem? E a frase lapidar de Prodhon, a propriedade é o roubo?

Torço para que os companheiros petistas  se deem conta de que o tempo das tergiversações, das papas na língua e dos panos quentes acabou. Ou reencontram a ousadia perdida ou serão varridos do mapa pelos novos ousados. É simples assim.

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Horror!

O comunismo chegou à… Islândia!