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Projeção

Tenho publicado, em 2023, “Mirada poética,” um livro que contém a semente de outros livros. Esta constatação me anima e alegra. Também me tranquiliza.

Nada como ter um projeto pela frente. Um projeto que contém o nosso dia a dia. Um saber para que e por que acordo todo dia.

Estas sensações e sentimentos eram comuns nos anos 1960 e 1970. As utopias estavam à solta. Uma mobilização mundial agitava a humanidade. A paz seria possível. Acabar com a fome. Educar para a liberdade. O horizonte era a vida, e a vida em plenitude. As flores vencendo o canhão.

O horizonte não é a morte. A direção e o sentido continua a ser uma vida plena e significativa. Por que digo estas coisas nesta manhã de fevereiro? A arte continua a ser a ferramenta número um da libertação. A arte de viver. A inclusão social. Crescimento pela ação comunitária.

Como remover as sementes do ódio e da violência? Vindo para a realidade. Mirada poética é sobre tudo recuperar uma visão própria e pessoal de que eu posso. Uma visão comunal de que juntas e juntos podemos. Prazer, alegria e felicidade são direitos inalienáveis de toda pessoa humana.

Os livros que irão seguir à “Mirada poética” nascem de um enraizamento familiar e histórico. Nascido em Mendoza, Argentina, vim pro Brasil em busca de uma possibilidade, quando no meu país de origem as portas estavam quase totalmente fechadas. Estudar, trabalhar. Hoje vejo frutificar meus sonhos. As flores são vidas recuperadas. Histórias ressignificadas.

Como vencer o medo e a apatia? Seguindo em frente! Como é que se vence o rechaço e a sensação de abandono? Fazendo juntos, juntas. Construindo vínculos solidários. Construindo e fortalecendo a esperança. Amando e se permitindo ser amado(a)! Venho trilhando estes caminhos e daqui não saio!

Tesouros

Que guardaria deste dia?

O sentimento que me anima e me move.

As cores que me alimentam e me alegram.

Os livros por onde viajo e me refaço.

As feições amigas que me encorajam e sustêm.

O presente que encontro com atenção e carinho.

A fé e a arte que costuram o tempo e a vida.

Publicar

Publicar não é qualquer coisa

Não é meramente despejar

Derramar letras de qualquer jeito

O texto há de ter alma e sentido

Tratar bem a quem nos lê

Tratar bem a quem publica

São artes

Aprendo a me tratar bem

Tratando bem quem me lê e quem publica

Neste caso são uma única e a mesma pessoa

Não me escondo

Dou a cara

Tenho várias e trato de que esta seja a mais essencial

A que melhor me faz

Presencial é outra coisa

Conviver é outra coisa

Menos fazer de conta

Mais carinho, mais abraço

Mais aconchego, mais sorrisos.

Não tenho tempo para fazer de conta

Conta estar vivo, gente

Isto é o que conta

Ter passado o que passei e estar aqui

De cara para o sol de onde venho

O sol que me ilumina e guia

A luz que procuro cada manhã e durante a noite

E faço aparecer quando escuto e me escuto

Quando escrevo e me escrevo e te escrevo

E leio e me leio e pagino e repagino folha a folha

Minha história viva.

Acolhimento

Ver o céu azul celeste e uma nuvem branca. Escutar o canto das aves. O sol cobrindo a cidade.

Assim começa o dia. Um dia que se abre passagem pelo meio do acúmulo de memórias presentes. Uma luz. Uma fenda. E aqui está este domingo. Família e amigos, comunidade no coração. Sentimentos de esperança e alegria.

Focalizando no amor, no prazer, na felicidade. A ação conjunta que me inclui. A construção de consciência e cidadania. Educação é imprescindível. Desta forma nos tornamos humanos e humanas. Música, arte, pintura, poesia, literatura.

Consolidar o piso firme sobre o qual damos nossos passos. Prestando atenção. Sabendo o que estamos a fazer, e por que. Evitando tanto quanto possível, a ação meramente mecânica e repetitiva. Desfrutar da beleza do instante. Um olhar. A presença de alguém por perto. Plenificar o presente.

Marcar distância do discurso do ódio, que começa a ficar no âmbito da justiça e da polícia. A reconstrução e a redemocratização do Brasil abrem o espaço para uma vida devolvida. Recomeço. Desfazer o estranhamento interior que gera violência. Gerar espaços de acolhimento, a começar pela primeira pessoa, que sou eu. Cada um, cada uma.

Passado

Passado é tudo quanto me rodeia

Escuto falar em passado como se fosse algo que não está aqui

Tudo que me rodeia é passado

Passa uma motocicleta pela rua

É o meu irmão chegando

Uma moça que anda pela calçada

É aquela que queria ser a minha amiga

Os sons que vem da vitrola

São os que me aninharam na minha chegada

Escuto falar em passado

E passo a limpo as minhas sensações e sentimentos

Não quero me confundir por nada deste mundo

Rodeiam-me e tenho dentro de mim

Pessoas queridas de todas as etapas da minha vida

Eu mesmo sou a conjunção de todos esses afetos

Tudo que vi e vivi de bom

É isto que está aqui

Não tem passado não

Tem passar e ser

Ser é isto que está aqui

Reunião de todos os tempos.

 

Foto: Steemit

Propósito

Uma revista com formato de diário

É um convite para a introspecção

Um olhar para dentro e desde dentro

Uma escuta desde o coração

Uma ação integrada

Toda vida é uma intersecção de caminhos

Uma costura de tempos

Um entrelaçamento de lutas e vitórias

Quedas e recomeços

Um espaço para o ser

Um convite para a autenticidade

Escrever e publicar

É uma ponte para a vida

Um agir em comunidade

Um crescer juntos e juntas

A vida cotidiana

A vida vivida

São a matéria da existência

Termos consciência da nossa vida

Consciência do viver

É uma arte

A arte de nos tornarmos quem somos!

Sentido, sentimento, sensação

Qual é o sentido?

O que é que estou a sentir?

Perguntas breves que nos reconectam conosco mesmos, mesmas.

A pergunta pelo sentido quer saber para que, qual a motivação do que faço.

A pergunta pelo sentimento e pela sensação, quer saber se o que estou a sentir está dentro do meu campo de conhecimento.

Todas apontam para a compreensão.

Um agir integrado. Uma ação que nos inclua, e não meramente instrumental. Uma translação ou acontecer da vida no espaço e no modo significativo, por contraposição ao que é meramente habitual ou imposto.

Desfazer a mecanização dos atos, a rotina meramente repetitiva, que nos ausenta do lugar em que estamos e de nós mesmos, mesmas.

A vida passa num instante, ou pode passar. Que estejamos presentes a nós mesmos, mesmas.

Escrever, desenhar, pintar, cantar, amar, viajar, trabalhar, tudo pode ser uma ação plena. Depende de nós. Se eu estiver, será plena. Estarei todo ali.

Tempo

Esse ofício de tecer e costurar

Quase que digo coser

Argentino que sou, o espanhol vem de primeira

Neste diário

Fui crescer

Vim ser quem sou

Meses depois, esta manhã voltei

E vi a página renovada

Antigos nomes de volta

Tempos estes de coser tempos a tempo em tempo

Contratempos

Inevitável

Descosturas descomposturas tortura tentar

Deter a passagem das horas

Que digo?

Os instantes passam e com eles nós passamos

Para onde?

Para onde estávamos, mas de novas maneiras

Eternizar é isto, ou pode ser isto

Se soubermos que não sabemos se haverá amanhã ou mais tarde esta tarde

Morte próxima e volta

Voltar, volver

Sempre volver a seguir

Uma luz lá no alto ou ao lado ou adentro

Passos passam e seguem e volto e sigo e volta e meia me perco e te perco

E paciência me falta ciência para saber que ser é estar sendo.

Em mim

A delinquência no poder é sempre lamentável.

Ainda bem que o eleitorado brasileiro decidiu voltar para a democracia.

A ignorância é sempre lamentável.

Ignorante não tem pior do que aquele que acha que sabe de tudo.

Saber o que ignoro, é algo que preciso aprender constantemente

O presente é passado consolidado

É uma reunião de tempo

A menos que eu esteja atento

Poderei estar perdendo o único tempo que tenho

Habitar os limites

Esta é a tarefa que me toca

Ninguém gosta de limites

Mas sem limites hão há humanidade

Teremos aprendido a lição?

Na idade que tenho

Habitar os limites é uma aventura cotidiana

Redescobrir o que posso e o que não posso

Não para me fechar numa auto-lamentação

Mas, ao contrário

Para potenciar ao máximo o fato de estar vivo

A minha história me abraça e me envolve

Me enraizei no tempo e no espaço

Em mim.