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O Cotidiano como teia de relações humanizantes / desumanizantes: a incidência da Educação Popular

Muito se tem refletido sobre o significado e o alcance do vivido no dia-a-dia, inclusive por Agnes Heller, Michel de Certeau e outros. Nas linhas que seguem, tratamos de compartilhar sentidos do cotidiano, a partir de nossas experiências próprias e comunitárias.
Assim como a realidade, o cotidiano se reveste de tal complexidade, cujo o conhecimento se revela apenas aproximativo, à medida que as experiências do dia-a-dia se mostram, ao mesmo tempo, entrecruzadas de marcas individuais e coletivas; de alcance micro e macro; locais e internacionais; portadoras de relações econômicas, políticas, culturais; subjetivas e intersubjetiva; portadoras de relações planetárias, relações sociais de gênero, de etnia, de geração, de espacialidade, de dimensão erótica, de relações com o Sagrado, entre outras.
Ao tomarmos consciência, de modo processual, dos limites e potencialidades da condição humana, vamos aprendendo – não raramente, com espanto e com dor – do que é capaz o ser humano, tanto em relação às maravilhas como em relação às nossas misérias coletivas e individuais.
Sabemos que as experiências do cotidiano, a despeito de sua reconhecida riqueza, nem sempre asseguram um conhecimento objetivo do vivido, e que necessitam constantemente de uma leitura crítica, teoricamente fundamentada. Conscientes, por tanto, desses limites, cuidamos, em seguida, de percorrer alguns de nossos achados.
Nosso cotidiano no âmbito das relações planetárias
Da malha de relações que o cotidiano propicia, algumas têm a ver com a nossa Mãe Terra. Somos constantemente interpelados quanto à nossa atitude em relação ao Planeta e a toda a comunidade dos viventes. Do nosso cotidiano surgem perguntas tais como: “temos consciência de que fazemos parte da Mãe Natureza? Que momentos dedicamos do nosso cotidiano a contemplar as múltiplas manifestações em nós, entre nós e ao nosso redor, das belezas e da generosidade da Mãe Natureza? Temos consciência da necessidade de estabelecermos uma relação de reciprocidade, ainda que assimétrica (a mãe Terra nos oferece múltiplas fontes de vida, enquanto nós, o que lhe oferecemos em troca)? Frente à crescente emergência climática, como nós temos nos comportado? Embora se multipliquem as informações sobre as ameaças e os riscos de colapsar as condições de vida humana e de outros viventes, o que temos feito concretamente, do ponto de vista coletivo e do ponto de vista pessoal, para pelo menos reduzirmos tais riscos? No dia-a-dia a partir de nós mesmos, sem ignorarmos a responsabilidade coletiva e dos Estados, como lidamos com desafios tais como: a qualidade e quantidade do nosso consumo de água, alimentos, de energia? Como estamos cuidando do nosso lixo? Que empenho desenvolvemos na mudança de hábitos de consumo? Eis apenas algumas questões corriqueiras que propomos à nossa reflexão, ao exame de nossa consciência de seres cósmicos.
O cotidiano no âmbito econômico
Também no âmbito das relações de produção, o cotidiano se apresenta como um mostruário de nossa posição (pessoal e coletiva), diante do Bem-Comum, isto é, perante os crescentes desafios do modo de produção e de consumo, hoje hegemônico. Com efeito, frente à incessante concentração de riquezas, de terras, de renda e poder, em mãos de uma ínfima minoria, de modo a produzir extremas desigualdades sociais, de que modo, em nosso dia-a-dia, nos posicionamos? Ao denunciarmos tamanhas injustiças, que sinais convincentes emitimos, no âmbito da cotidianidade: de testemunho de partilha ou de reprodução das desigualdades? Como lidamos, no chão do cotidiano, com o acúmulo de bens, com a tendência incessante ao consumismo: sucumbindo às tendências da moda ou comprometendo-nos a viver uma vida sóbria, sem perder a alegria de viver?
Neste sentido, resulta indispensável examinar, de modo autocrítico, se ousamos testemunhar atitudes de transgressão ao espírito capitalista ou nos limitamos a fazê-lo apenas em palavras?
Nossa Política de cada dia 
Não precisamos recorrer a Aristóteles para reconhecermos a condição política inerente a todo ser humano: em verdade, somos, querendo ou não, “Animais Políticos”. Vivemos imersos também em uma vasta e complexa malha de relações de poder, não apenas no que concerne à relação Sociedade-Estado, mas também no que diz respeito ao nosso dia-a-dia. As relações caseiras, o ambiente de trabalho, as práticas religiosas, os ambientes lúdicos e os profissionais são todos espaços sociais nos quais as relações de poder se mostram presentes. É aí que se observa a postura política de cada sujeito, em relação ao seu interlocutor: se é de respeito ou se é de desdém; se é de disposição dialogante ou de imposição de decisões; se é de empatia ou de discriminação. É nos espaços do dia-a-dia, que podemos sentir e aferir as atitudes políticas de cada pessoa, no intrincado das relações do dia-a-dia.
A cotidianidade no plano cultural
No vasto e complexo mundo da cultura, da cultura vivenciado no dia-a-dia, aqui destacamos os fios das relações sociais de gênero, de etnia, de geração, de espacialidade, entre outros. No dia-a-dia, é que se revela – mais pela prática do que pelo discurso – a qualidade do nosso relacionamento com o outro – com a outra: quem e como toma as decisões; quem concretamente compartilha o poder, de forma horizontal; quem tem respeito às diferenças ou quem não as tolera; quem e como se comunica com todos os membros da família: filhos, filhas, irmãos e irmãs…
É, ainda, no chão do cotidiano que se revelam as atitudes de natureza ética: atitudes de franco acolhimento ou de preconceito; práticas de companheirismo e de alteridade ou de pretensa superioridade; atitudes de apreço à nossa ancestralidade e de cultivo da memória histórica dos povos originários, das comunidades quilombolas e de outros grupos étnicos, ou ao contrário, de desprezo ou de ignorância de nossa memória histórica.
Na esfera das relações de geração, o cotidiano também se mostra um espaço pródigo para aferirmos qual tipo de relação que cultivamos com as crianças, os adolescentes, os jovens, os adultos e pessoas idosas, sempre buscando nos colocar em pé de igualdades com o outro, com ele dialogando, aprendendo e compartilhando relatos de experiência.
É, igualmente, no chão do dia-a-dia que se verificam as marcas decorrentes de nossa espacialidade, isto é, dos traços que carregamos por conta de nossas procedências geográficas: o aprendizado de uma trabalhadora da zona da cana é diferente, sob vários aspectos, de que vive na caatinga nordestina; o sentir e o pensar de um latinoamericano também difere, em vários pontos, do sentir e do pensar de um europeu.
A incidência da Educação Popular nas relações do cotidiano
A Educação Popular, se e quando tomada um dos protagonistas do processo de humanização, tal como outros saberes, também se sente instada a intervir positivamente na vasta e complexa malha das relações do cotidiano. Sua incidência pode assumir tarefas diversas. Uma delas tem a ver com uma permanente busca de exercício crítico e autocrítico. Tocada por esta perspectiva autocrítica e transformadora, a Educação Popular costuma partir do reconhecimento dos limites e das potencialidades da condição humana. Somos todos seres inacabados, incompletos, sujeitos ao provisório, ao equívoco, e, ao mesmo tempo, historicamente chamados a superar – ou ir superando – nossas limitações, por meio do nosso compromisso comunitário e pessoal de ir forjando condições de superação de nossas fragilidades, em vista da construção processual de um homem novo, de uma nova mulher e de uma nova sociedade alternativa à barbárie do modo de produção capitalista, grande ameaça para o Planeta para os humanos e toda a comunidade dos viventes.
A partir desta balizas, a Educação Popular é chamada a contribuir concretamente nos processos organizativo, formativo e de mobilização, tendo como principais protagonistas as forças sociais de maior referência da sociedade civil tais como os Movimentos Sociais Populares, incluindo múltiplas organizações populares, sindicais, eclesiais, partidária, entre outras.
O Trabalho de Base constitui um instrumento de reconhecido alcance neste processo, à medida que
– promove a criação e a manutenção dos núcleos, dos conselhos populares, dos círculos de cultura e de organizações similares;
– zela pela participação de todos, nas decisões tomadas ( decisões tomada pela Base);
– Exercita, com todos os participantes, uma leitura crítica da realidade (análise de conjuntura);
– Desta leitura crítica, busca extrair lições e pistas de sua atuação ;
– Incentiva, por meio das tarefas do dia-a-dia, a constante superação da dicotomia entre trabalho intelectual e trabalho manual (todos são instados a participarem, em rodízio de tarefas manuais tanto quanto de leituras e aprendizado teórico);
– Cuida de assegurar a alternância de cargos e funções, de modo a evitar por longo tempo o exercício da coordenação apenas por alguns), tendo também o cuidado de distribuir as tarefas de modo a garantir equilíbrio na participação de homens e mulheres; de pessoas de várias etnias; de portadores de diferentes níveis de escolaridades; de gente procedente do campo e da cidade e várias regiões.
O alcance do cotidiano se faz presente em todos os espaços geográficos e sociais, no Brasil, na América Latina e em outras partes do mundo. Neste momento, por exemplo, impacta-nos o cotidiano experimentado pela população palestina, especialmente as crianças e as mulheres, vítimas fatais de intensos bombardeios, durante semanas, cometidos pelo Estado sionista de Israel. Cabe-nos denunciar essa barbárie e manifestar nossa solidariedade ao Povo Palestino e todas as vítimas – da Pelestina ( ja em torno de 10.000, das quais 3.000 crianças) ou de Israel (em torno de 1.400), ao mesmo tempo em que reconhecemos os esforços do Presidente do Brasil, de propor incansavelmente caminhos de superação desta barbárie.
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Texto ditado pelo autor e gentilmente digitado por Elizabete Santos Pontes e Gabriel Luar Calado Bandeira, tendo Eliana Calado se ocupado da revisão do texto. A cada qual, o reconhecimento e a gratidão do autor.
João Pessoa, 01 de Novembro de 2023.

Ação

Confesso que não me sinto demasiado confortável em ver que este projeto prossegue sem o concurso de muitas pessoas.

No entanto, talvez seja este o destino de determinadas iniciativas que em algum momento congregaram muita gente, para depois se verem reduzidas a um punhado de vontades persistentes. É da minha personalidade, como também constato ao longo da minha trajetória de vida, ver movimentos e iniciativas levados em frente por apenas umas poucas pessoas.

É o nosso caso. Esta revista persiste com o apoio e o esforço destas poucas pessoas. Vamos em frente! As modas passam, as pessoas pegam outros caminhos, nem sempre costurados com uma linha consequente que dê um sentido maior às suas vidas. Não estou aqui para julgar, mas apenas como alguém a quem se concedeu uma posição neste projeto, e que trata de cumpri-la da melhor maneira.

Positivamente

Ter um lugar aonde estar. Um lugar aonde ir. Saber-se esse lugar que vai e vem e não sai do lugar. Volta a si uma e outra vez.

Puxam pra fora ou para baixo. Não vou pra lá, não. Fico em mim, não importa onde esteja ou o que esteja a fazer.

Trato de não me menosprezar. Deixar de lado expressões pejorativas a meu respeito. Não são minhas. É a ação perversa da qual venho me livrando. Afirmo a minha positividade. As minhas qualidades. O amor me anima.

Nenhuma das coisas terríveis que imaginei, aconteceu. Posso, então, seguir confiando. Confiar em mim e em quem me ama. Me apoio no que quero e me movimenta. Vou na direção da luz. Prazer, bem-estar, alegria, paz.

Novidades não sei se tenho a partilhar. Talvez mais reafirmações de propósitos que cada dia me vejo obrigado a renovar.

De que escravidão estamos falando?

Se houve uma abolição da escravatura, deve ser comemorada, sem dúvida. Sem descuidar, no entanto, entretanto, contudo, todavia, porém, as muitas outras formas de escravidão que nos desafiam.

A da necessidade de responder de imediato e sem pensar, qualquer mensagem do whatsapp.

A de acreditar que não havia vida antes da internet, do celular, das fake news, da desinformação e, em geral, do abestalhamento e da ignorância da história, da memória e da cultura.

A de crer na ilusão de que a vida é algo diferente do que está indo embora enquanto perdemos tempo dando atenção a esse mundo artificial imposto pelas classes dominantes.

A de crer que alguém fará o que nós não nos dispomos a fazer. Alguém irá me libertar, embora eu não faça nada para isto acontecer.

A de imaginar que iremos progredir sem fazer esforço, sem definir metas, sem fazer opções, sem tomar decisões, sem assumir responsabilidades, sem arcar com as consequências dos nossos atos.

Recordar é a possibilidade de estarmos presentes.

 

Confiança se constrói dia a dia

Vim me tornar um assíduo colaborador desta revista em tempos em que com toda a minha alma, fazia todo tipo de tentativas por vir à tona.

Hoje, quase 23 anos depois, escrever continua a ser uma atividade vital para mim.

Enquanto pode ter quem escreva como um  meio para se mostrar, exibir erudição, dominar, etc, para mim esta nobre arte continua a ter uma única finalidade.

Ser mais eu cada vez. Ser mais pleno e feliz.

Ditas estas coisas, passo ao que me traz aqui agora. Como reconstruir a confiança? Confiança em mim mesmo, nas pessoas em volta, no futuro?

Saindo para a rua e vendo que não há ameaças. Ou que em aparecendo alguma, pode ser enfrentada.

Vendo quem está por perto e saber sem sombra de dúvidas, que é alguém que me quer bem. Alguém confiável.

Com estes simples passos, e mais alguns que fui dando pela mão da comunidade, fui recuperando a confiança.

Colocando os medos e as tensões para mais longe.

O lazer, a distração, o trabalho manual, a leitura e a música, são outras ferramentas de que me valho para manter esta sensação de prazer que é prima irmã da confiança.

A beleza tem o poder de ativar uma internação no que é eterno. Beleza há por toda a parte. Dentro e fora de nós.

Digo e repito para mim mesmo as minhas qualidades e conquistas. As minhas vitórias. Então sobrevêm uma sensação de pertencimento que alicerça o meu estar aqui.

Sem culpas.

Consciência, libertação, prática

São palavras muito usadas. Do que se trata, no entanto?

Se trata menos de mudar o mundo

Do que de eu me ter de volta

Eu ser quem sou

Grupos ou multidões dizendo querer mudar o mundo

As estruturas, o que quer que seja

Não necessariamente estão animados por anseios libertadores

Libertação é ser eu quem sou

Isto não se obtém de outra maneira a não ser

Recuperando a própria identidade

Fazendo o próprio lugar

É uma prática o que nos liberta

São ações

Amor é uma ação, não apenas um sentimento ou palavras

É bom lembrar

Paulo Freire, Karl Marx, Agnes Heller, Padre José Comblin

E muitas outras pessoas perto ou longe

São incentivos, provocações

Para um processo que dura a vida toda

Libertar a mente

Desfazer equívocos a nosso respeito

Construir uma realidade em que possamos realizar todas as nossas potencialidades

É uma prática. São ações interligadas.

Nunca é obra de uma ou muitas elites ou vanguardas

É gente em movimento.

Valores de consciência

Ter um espaço de comunicação disponível é um privilégio

Poder dizer não apenas o que se pensa mas o que se sente

Sentir que a vida volta a ser prioridade neste país

Saber que a educação, a arte e a cultura

Arte e consciência

Leitura e pesquisa

Estudo e trabalho

São pilares da sociedade

Pilares da comunidade

Pilares da família

Pilares da pessoa

Valores inegociáveis

Valores superiores são a vida

A saúde

A humanidade.

Honrar este espaço, quase já 23 anos depois

É celebrar a vida duplamente.