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Da posse

Da posse

Hoje o Brasil acordou
Nos braços da alegria
Pois ontem foi empossado
Quem o povo mais queria
Ele resgatou a paz
E com firmeza nos traz
De volta a democracia

Lula recebeu a faixa
Direto das mãos do povo
Que pela terceira vez
Ali esteve, de novo
E teve até quem ouvisse
Quando ele baixinho disse:
_É por vocês que me movo

O Brasil está mais leve
Com Lula na presidência
Ainda bem que o povo
Tomou uma providência
Expulsou do Alvorada
Quem sequer vale uma obrada
Na privada da decência

Martim Assueros
2-1-2023

A política de ódio e o assassinato do indigenista Bruno e do jornalista Dom

O assassinato do conhecido indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips comoveram o país e o mundo. Esse crime  só é compreensível no quadro de uma política de ódio e perseguição que o atual governo estabeleceu como política normal, atingindo principalmente os povos originários, os negros, os de outra opção sexual e os pobres em geral.

Só no tempo no nazifascismo se instalou tal prática política. Ela é expressão de barbárie, quando se passa por cima do contrato social que inaugura relações civilizadas entre os cidadãos.

Esse assassinato precisa ser investigado até o fundo e ter em conta a atmosfera de ódio e de violência estimulada de cima que tomou conta do país.Quem tem afirmado que a revolução de 64 errou em torturar pois deveria ter matado, quem explicitamente declara que se precisaria fuzilar 30 mil esquerdistas e faz aberta apologia de um notório torturador, não está isento da atmosfera que propiciou o bárbaro crime cometido no Vale do Javari amazônico. Por que a PF suspendeu as investigações? A mando de quem? As instituições jurídicas estão submetidas à prova.Devem atuar.

Apesar desta verdadeira desgraça nacional não queremos perder a esperança de que tudo virá à luz e os culpados diretos e indiretos sejam punidos. O país irá encontrar o seu verdadeiro destino. Inspira-nos o legado de um dos maiores pensadores do Ocidente,o africano Santo Agostinho (354-430). Dizia: jamais percam a esperança porque sua alternativa é o suicídio. Mas confiem nela pois ela possui duas formosas irmãs: a irmã Indignação e a irmã Coragem. A indignação para rejeitar tudo que é mau e perverso. A coragem para mudar  esta situação em benéfica. Nesse momento sombrio de nossa história temos que enamorarmo-nos da irmã indignação e da irmã coragem.

A irmã indignação

Indignam-nos contra um governo que se propôs como tarefa destruir todo nosso passado cultural e impor outro modelo que  pretende nos conduzir a tempos obscuros de outrora. Subserviente  aos interesses norte-americanos, aliou-se ao  mais atrasado e reacionário existente naquele país.

Indignamo-nos por um chefe de estado, que por sua alta função, deveria  viver valores e virtudes que gostaria que o povo também vivesse. Ao contrário, se excede nos maus exemplos. Tem difundido a partir de cima uma onda de ódio, de mentiras, de violências e de fake news como política de estado. Tal atitude insuflou na sociedade e nos órgãos policiais  situações de barbárie com uso indiscriminado da violência dirigida contra os mais desvalidos. Mostrou-se absolutamente irresponsável em questões ambientais,de modo particular quanto à Amazônia e ao Pantanal.

Indignamo-nos por ter-se aliado ao Covid-19,negando sua importância, tentando impor a imunização de rebanho,sacrificando com isso centenas de pessoas, e prescrever medicinas sem qualquer efeito imunizador. Negou a eficácia das vacinas a ponto de, a seu tempo, recusar  a sua aquisição. Ele é responsável de parte dos mais de  660 mil vitimados pelo Covid-19 quando poderia tê-lo evitado. Nunca mostrou empatia e solidariedade com as famílias enlutadas.

Indignamo-nos por desprezar as leis e a Constituição, atacar o STF e o TSE, ameaçar com um golpe de estado e claramente afirmar que reconhece nas eleições apenas um único resultado, a sua reeleição. Caso contrário haverá convulsão social, manipulando sua base fanatizada e armada.

Indignamo-nos por ter traído a si mesmo e ao povo brasileiro, retomando inescrupulosamente a velha política que queria superar, aliando-se a grupos políticos oportunistas e conservadores com os quais articulou vergonhosamente um orçamento secreto, fonte de alta corrupção.

Indignamo-nos, por fim, por ser corrupto no sentido originário da palavra: ter um coração (cor) corrupto (corruptus). Pior que a corrupção monetária existente no atual governo mas impedida de ser investigada ou colocada sob sigilo, é a corrupção de sua mente e de seu coração. Ele é visivelmente tomado pela pulsão de morte, pelo descuido que mostra da vida das pessoas e da natureza. É desta corrupção fundamental que nasce seu ódio, sua boçalidade, as palavras de baixo calão, as mentiras  e a distorção da realidade. Como pode dizer que tem Deus no coração?

A irmã coragem

Encorajam-nos a oposição e a resistência de políticos ligados aos interesses gerais da nação, especialmente dos movimentos sociais populares do campo e da cidade e de vários estratos maltratados por seu governo como os artistas e atrizes, cultores da cultura,  os negros,os quilombolas,os indígenas e os pobres.

Encorajam-nos os meios de informação e de opinião alternativos seja impressos, seja pelas mídias virtuais que mantém viva a consciência crítica e denunciam os desmandos governamentais e parlamentares.

Encorajam-nos os vários manifestos de professores e professoras, de intelectuais, artistas, gente dos movimentos sociais e do povo organizado contra as reformas que desmontaram conquistas históricas de direitos dos trabalhadores e de aposentados, entre outros.

Encoraja-nos a consciência nacional e coletiva em defesa de  nossa democracia representativa que embora não seja de alta intensidade, comparece com o grande instrumento político para a manutenção de um estado de direito, da vigência e respeito à constituição e às leis, sendo o  espaço das liberdades de opinião e da elaboração dos consensos.

Encorajam-nos  as iniciativas populares e dos movimentos sociais, a despeito da falta de apoio dos órgãos oficiais, de viverem concretamente a ética da solidariedade em tempos de pandemia, ofecendo toneladas de alimentos orgânicos e milhões de quentinhas aos milhares e milhares de desempregados e afetados pelo Covid-19.

Encorajam-nos os centenas de encontros virtuais, via LIVES, promovidos por grupos ou organizações sobre temas atuais, reforçando o engajamento e a esperança. Cabe enfatizar o alto valor civilizatório do Instituto Conhecimento Liberta (ICL) fundado pelo ex-banqueiro Eduardo Moreira e seu grupo,oferecendo, virtualmente, 145 cursos, ministrados pelas melhoras cabeças nacionais e internacionais, atingindo mais de 60 mil alunos a preço se um sanduíche (42-49 reais) podendo  por esse preço seguir todos os cursos. Centenas recebem bolsas gratuitas de estudo.

Encoraja-nos a possibilidade de elegermos representantes políticos desde as assembleias estaduais e do parlamento que poderão dar sustentação a um eventual governo de resgate da democracia, dos direitos perdidos e de uma soberania ativa e altiva com repercussão internacional.

Encoraja-nos  o apoio internacional às nossas forças democráticas, contra o autoritarismo, a barbárie social e resgatando nossa importância conquistada nas relações internacionais, especialmente pelas políticas de combate à fome e pelas demais políticas de inclusão social, técnica e universitária.

Encoraja-nos, por fim, a relevância que nosso país possuí, devido à sua privilegiada situação ecológica, no equilíbrio dos climas, na manutenção do sistema-vida e do sistema-Terra em beneficio nosso e de toda a humanidade.

Estamos convencidos de que nenhuma sociedade se constrói sobre o ódio ou sobre a pulsão de morte,mas sobre a convivência pacífica entre todos, no cuidado de uns para com os outros e da  grande Casa Comum,a natureza incluída, especialmente a Amazônia, bem comum da humanidade.

(20/06/2022)

O covid-19: ou cooperamos ou não teremos futuro nenhum

Uma pergunta sempre esteve presente nas buscas humanas: qual é a nossa essência específica? A história conhece inumeráveis respostas. Mas a mais contundente, convergência de várias ciências contemporâneas como a nova biologia evolucionária, a genética, as neurociências, a psicologia evolutiva, a cosmologia, a ecologia, a femenologia e outras é essa: a cooperação.
Michael Tomasello, considerado genial na área da psicologia do desenvolvimento de crianças de 1-3 anos, sem intervenção invasiva, reuniu num volume as melhores pesquisas na área sob o título :”Por que nós cooperamos” (Warum wir kooperieren, Berlim, Suhrkamp 2010). Em seu ensaio de abertura afirma que a essência do humano está no “altruismo” e na “cooperação”. “No altruismo um se sacrifica pelo outro. Na cooperação muitos se unem em vista de um bem comum” (p.14).
Uma das maiores especialistas em psicologia e evolução da Universidade de Stanford, Carol S. Dweck, afirma: “mais que a grandeza excepcional de nosso cérebro e de nossa imensa capacidade de pensar, a nossa natureza essencial é esta: a aptidão de sermos seres de cooperação e de relação (Por que cooperamos, op.cit 95).
Outra, da mesma ciência, famosa por suas pesquisas empíricas, Elizabeth S. Spelke, de Harvard, assevera: nossa marca, por natureza, diferencial de qualquer outra espécie superior como a dos primatas (dos quais somos um bifurcação) é “a nossa intencionalidade compartida” que propicia todas as formas de cooperação, de comunicação e de participação de tarefas e de objetivos comuns”(op.cit. 112). Ela caminha junto com a linguagem que é, essencialmente, social e cooperativa, traço específico dos humanos, como o entenderam os biólogos chilenos H.Maturana e F. Varela.
Outro, este neurobiólogo do conhecido Instituto Max Plank, Joachim Bauer, em seu livro “O gen cooperativo”(Das kooperative Gen, Hoffman und Campe,Hamburgo 2008) e especialmente no livro “Princípio humanidade: por que nós, por natureza, cooperamos”(2006) sustenta a mesma tese: o ser humano é essencialmente um ser de cooperação. Refuta com veemência o zoólogo inglês Richard Dawkins, autor do livro muito difundido: “O gene egoísta”(1976/2004). Afirma “que sua tese não possui nenhuma base empírica; ao contrário, representa o correlato do capitalismo dominante que assim parece legitimá-lo” (Op.cit.153). Critica também a superficialidade de outro livro “Deus, uma ilusão”(2007).
No entanto, diz Bauer, é cientificamente verificado, que “os genes não são autônomos e de modo algum ‘egoístas’mas se agregam com outros nas células da totalidade do organismo”(O gene cooperativo,184). Afirma mais ainda:”Todos os sistemas vivos se caracterizam pela permanente cooperação e comunicação molecular para dentro e para fora”(Op.cit.183).
É notório pela bio-antropologia que a espécie humana deixou para trás os primatas e virou ser humano, quando começou,de forma cooperativa, a recoletar e a comer o que recolhia.
Uma das teses axiais da física quântica (W.Heisenberg) e da cosmogênese (B.Swimme) consiste em afirmar a cooperação e a relação de todos com todos. Tudo é relacionado e nada existe fora da relação. Todos cooperam uns com os outros para coevoluirem. Talvez a formulação mais bela foi encontrada pelo Papa Francisco em sua encíclica Laudato Sì: sobre o cuidado da Casa Comum: “Tudo está relacionado, e todos nós, seres humanos, caminhamos juntos como irmãos e irmãs, numa peregrinação maravilhosa…que nos une também, com terna afeição, ao irmão sol, à irmã lua, ao irmão rio e à mãe Terra”(n.92).
Um brasileiro, professor de filosofia da ciência na UFES em Vitória, Maurício Abdala, escreveu um convincente livro sobre “O princípio cooperação” na linha das reflexões acima referidas,especialmenet baseado na biologia.
Por que dizemos tudo isso? Para mostrar quão anti-natural e perverso é o sistema imperante do capital com seu individualismo e sua competição sem nenhuma cooperação.É ele que está conduzindo a humanidade a um impasse fatal. Por essa lógica, o coronavírus nos teria contaminado e exterminado a todos. Foi a cooperação e a solidariedade de todos com todos que nos estão salvando.
De aqui por diante devemos decidir: Ou obedecemos à nossa natureza essencial, a cooperação, no nível pessoal, local, regional, nacional e mundial, mudando a forma de habitar a Casa Comum ou comecemos a nos preparar para o pior, num caminho sem retorno.
Se não ouvirmos esta lição que o covid-19 nos está dando e voltarmos, com mais fúria ainda, ao que era antes, para recuperar o atraso, podemos estar na contagem regressiva de uma catástrofe ainda mais letal. Quem nos garante que não poderá ser o temido NBO (Next Big One), aquele próximo e derradeiro vírus avassalador e inatacável que porá fim à nossa espécie? Grandes nomes da ciência como Jacquard, de Duve, Rees, Lovelock e Chomsky entre outros nos advertem sobre esta emergência trágica.
Lembro apenas as derradeiras palavras do velho Martin Heidegger em sua última entrevista ao Der Spiegel a ser publicada 15 anos após a sua mortereferindo-se à lógica suicida de nosso projeto tecnico-científico: “Nur noch ein Gott kann uns retten” = “Somente um Deus nos poderá salvar”.
É o que espero e creio, pois, Deus se revelou como “o apaixonado amante da vida”(Sabedoria 11,24).
(17-05-2020)

Minha fé

Nestes já quase dez anos de escrever e publicar na chamada imprensa alternativa ou de esquerda, tenho tido dois ou três episódios desagradáveis, de editores que por algum motivo, decidiarm, de uma hora para outra, que os meus escritos não eram mais desejáveis. Não vou citar aqui os nomes, mas os atos. Os nomes não são ditos, mas aludidos, já que o que importa aqui não é assinalar vilões, mas condutas erradas do meu ponto de vista, uma vez desdizerem os pressupostos libertários que me animam. Nunca fui um esquerdista, se por isto se tem os adeptos desta ou daquela corrente seguidora do pensamento de Karl Marx, a quem considero, no entanto, um dos grandes benfeitores da humanidade, que nada tem a ver com as ditaduras erigidas no seu nome, e menos ainda com o controle da opinião e censura que vigoram em sites e publicações ditas “de esquerda” e aqui as aspas são imprescindíveis, já verão os leitores por que.

Quando digo que não sou de esquerda, isto significa que eu não me alinho com nenhuma das correntes chamadas socialistas nem comunistas ou anarquistas, embora seja um simpatizante do socialismo, entendido como uma forma de vida em que as pessoas se tratam umas às outras como tais, como pessoas, como gente, e não como coisa ou mercadoria. Ao longo da minha vida, e isto já é dizer várias décadas de história da humanidade e da Argentina, Brasil, América Latina, mundo, estive sempre do lado esquerdo dos acontecimentos, do lado dos oprimidos, e seguirei estando, não como um “libertador”, mas como alguém que com eles se liberta. Discordei na minha já distante juventude, do esquerdismo por ser ateu, por materialista, e, muito mais ainda, por ser torpe e míope em relação à humanidade, ao subjetivo, ao lado interior da pessoa humana.

Sou espiritualista, e isto está evidente nos meus livros e, mais, na minha vida diária, desde o começo da minha existência social. Isto não me faz propagandista de alguma doutrina ou crença, mas um praticante ou aprendiz, constante, do mistério do viver. Nunca pensei que a mudança de partidos no poder, de ideologias dominantes, pudesse fazer nada a não ser piorar as coisas, enganar mais ardilosamente os oprimidos para se deixarem submeter sem resistências. Tudo isto é para dizer, em tom de desabafo, que se publiquei ou ainda publico em algum site ou lugar virtual ou real, é somente enquanto posso dizer o que penso. A partir do momento em que começa a haver sugestões, advertências, coações, para me alinhar com esta ou aquela postura, caio fora.

Não necessito de nenhuma publicação, e a qualquer momento estou disposto a ficar com meu meio direto de comuncação e ação, que é a minha própria vida, sem necessidade de espaços que depois de algum tempo, parecem querer se tornar donos da verdade. Não abro mão das causas que dão sentido à minha existência. São elas, em ordem de importância: o amor, a vida, a paz. Tive o destino de sobreviver a um extermínio executado na Argentina pelo nazismo local, financiado e apoiado por Estados Unidos, a pela Igreja católica, e a intelectualidade venal, isto sem contar, obviamente, os empresários e banqueiros, jornalistas, e outros.

A vida torna-se muito preciosa para um sobrevivente. Sou um deles. Nada devo a alguma organização ou partido, embora serei sempre grato às pessoas e entidades que apoiaram a minha sobrevivência a partir de 1977. Tudo isto para dizer que estou a postos na minha trincheira de paz, de construção de um mundo melhor, sem subserviência a nada nem a ninguém. Acreditando que a liberdade de imprensa, sempre mais proclamada do que praticada, não é patrimônio de nenhuma ideologia ou seita, por mais de “esquerda” que se queira. E aqui se faz necessário dizer algo sobre estas aspas. Não vou entrar nesta distinção, apenas quero dizer que existe fascismo de esquerda, contrário à livre expressão das idéias, embora camouflado de estridências verbais, “anticapitalista”, o que é algo como não dizer nada. Quando a última publicação ou site dito progressista, de esquerda ou coisa que o valha tiver fechado as portas aos meus escritos, continuarei escrevendo como sempre fiz, com a minha vida, com meu modo de ser.

Mais que uma epidemia social

Sem saber como combater a nova epidemia social, segue o crack dizimando famílias, destruído gerações, aprisionando almas e corações pelos centros urbanos e nos mais distantes grotões do Brasil.

A nova praga se alastra e contamina hordas de simples trabalhadores rurais, de pobres coitados nos centros urbanos, de mendigos nas grandes, médias e pequenas cidades, em todas as regiões do Brasil, em cada canto de nosso país. Se não bastasse tão diversificado perfil de usuários, a constatação de jovens de classe média e classe média alta também integram a lista das últimas vítimas da epidemia que se tornou mania entre os adolescentes brasileiros.

É um contingente de usuários tão vasto, que chega a ser difícil identificar e traçar um perfil de como prevenir e tratar os que são acometidos por essa droga sem rosto, sem identidade, que veio para ficar e deixar sua marca no futuro de todo um país.

No interior de Minas, testemunhei a droga chegando e se alastrando na mesma proporção em que os chapéus de palha foram sendo substituídos pelos gorros dos clips musicais americanos. Era uma mudança cultural, substancialmente comportamental. A televisão trazia para a parte esquecida do Brasil uma vida que nunca foi a deles, que não lhes pertencia.

Por outro lado, a droga se revelava como a grande novidade que chegou, como a parte podre de um mundo que eles viam e não viviam, que não lhes cabia. O terreno estava preparado para semear as novas tendências do mundo moderno, aquelas que vendiam sonhos, ilusões e um gosto novo, acessível, de uma ilusória realidade.

Tudo isso, para quem vive à margem dos privilégios do mundo e da sociedade, justificava a nova viagem em que passaram a encontrava resposta no crack, tão barato que em uma baforada ingressava-se em um mundo quase perfeito. Era sedutor demais o que aquele passaporte envolto em papel laminado oferecia aos mais humildes, desprovidos de informação, cidadania e cultura.

Em uma sociedade tão desintegrada, tão vulnerável comportamentalmente e culturalmente como a nossa, a parte mais carente de quase tudo se torna desarmada frente a essas investidas baratas de um mundo sem pátria, sem fronteira, que busca o que não se pode comprar. Hoje, a realidade do crack é a realidade de uma sociedade adoecida, viciada, rendida e vencida. Se uns são seduzidos pelo vazio preenchido pelo nada, outros vão no embalo do modismo, sem saber que muitas vezes essa viagem é sem volta.

Acredita-se em 1 milhão de doentes no Brasil, com chances de recuperação baixíssimas. Um verdadeiro exército de consumidores e aliciadores, muitos a serviço do tráfico, com envolvimento em assaltos e prostituição. É o esfacelamento das comunidades, da convivência social.

Ainda assim, pouco se ouve sobre essa triste realidade e muito pouco se faz para barrar o mal visível que acomete todas as classes sociais. Problema social, de saúde pública, os relatos envolvendo usuários de crack se multiplicam e, para nosso maior espanto, envolvendo famílias inteiras, pai, mãe e filhos.

À sombra de um tempo com tantos avanços tecnológicos, constatamos a regressão de uma sociedade adoecida, que caminha sem saber para onde, tendo apenas a desesperança como guia.

Petrônio Souza Gonçalves é jornalista e escritor
www.petroniosouzagoncalves.blogspot.com

O falso feminismo de silicone

É costume dizer que o feminismo está morto. As mulheres teriam conquistado seu lugar ao sol. São maioria entre os trabalhadores, consumidores e eleitores. Há mulheres no parlamento e nos governos. Podem ser vista à frente de grandes empresas.

Quase tudo nessas afirmações é aparência. As mulheres são maioria no mercado de trabalho, mas de forma desigual. A maior parte dos postos de direção e gerência é ocupada por homens. Assim mesmo, os salários são sempre menores para elas.

No Congresso Nacional, parlamentos em geral e governos a visibilidade acontece exatamente porque a presença feminina continua rara. Nada rara é sua exposição como objetos em tudo isso. “Elas enfeitam o cenário”, dizem os machistas, que continuam na direção do espetáculo.

Não à toa o Brasil é um dos líderes mundiais em cirurgias plásticas. Cerca de 70% delas são de caráter estético. Mais de 80% feitas em mulheres. Nos Estados Unidos e Europa, começa a fazer sucesso a labioplastia. Uma intervenção cirúrgica nos lábios vaginais. Grande parte delas nada tem a ver com correções necessárias à saúde.

É o novo machismo travestido de feminismo. Beleza e sensualidade seriam direitos conquistados pelas “mulheres emancipadas”. Além de cuidar da casa, dos filhos e ser competente na profissão, elas também têm que atender exigências impostas pelo mercado erótico.

Se isso pode ser massacrante para quem tem algum dinheiro, imagine para a grande maioria. Aquelas que mal conseguem comprar roupas novas.

Mulheres que denunciam essa situação são consideradas amargas, ressentidas, chatas. “Deixem disso” dizem os meios de comunicação. “Corram para os cirurgiões, cabeleireiros e liquidações. Rendam-se ao silicone e às próteses”. É o machismo cirurgicamente renovado pelos poderosos.

Sérgio Domingues
http://pilulas-diarias.blogspot.com

Político bom é o que rouba e faz

Beto Mansur (PP-SP) foi prefeito de Santos e é candidato à reeleição para deputado federal. Em 21/07, no jornal “A Tribuna”, Mansur reconheceu uma condenação por fraude em licitação. Respondeu que “isso é normal em grandes prefeituras”.

É nojento, mas Mansur sabe que não tem muito a temer. Conta com uma tradição que persiste na política eleitoral brasileira. São 60 anos de “rouba mas faz”, lema atribuído a Ademar de Barros durante os anos 50.

Em 2007, o Estudo Eleitoral Brasileiro revelou que 40% da população adulta consideram que “é melhor um político que faça muitas obras, mesmo que roube um pouco, do que um político que faça poucas obras e não roube nada”.

Uma conclusão apressada seria a de que impera a desonestidade entre nós. Não é bem assim. Os calotes no comércio, por exemplo, caem quando sobe a capacidade de pagamento da população. Os resultados da pesquisa referem-se à vida pública. Uma esfera que, no Brasil, sempre foi o lugar em que a elite negocia abertamente a ampliação de seus privilégios.

É assim desde a colônia até hoje. Lula não recomendou fechar os olhos para as obras das Olimpíadas? A população sabe que a escolha nunca foi entre “quem rouba, mas faz” e “quem não rouba e faz”. Roubar é a constante. Fazer é a dúvida. Governar para os ricos, a certeza.

É importante eleger candidatos que denunciem e combatam esse círculo vicioso. Mas para dar-lhe um fim de vez, só acabando com a política profissional. Colocando o poder de cabeça pra baixo. A isso costuma chamar-se revolução social.

Sérgio Domingues
http://pilulas-diarias.blogspot.com

Comentário: Boris Casoy, garis e redes sociais

Por Raphael Perret, do Butuca Ligada

O ano de 2010 começou quente no mundo da mídia. Na verdade, a chama esteve acesa antes mesmo da meia-noite de 1º de janeiro: no último dia de 2009, Boris Casoy, apresentando o Jornal da Band, deixou escapar comentários ultrapreconceituosos contra garis que desejavam feliz ano novo. Veja abaixo:

O apresentador, no dia seguinte e no mesmo telejornal, pediu – tímida e rapidamente – desculpas “aos garis e aos telespectadores”, confira:

O vazamento da “brincadeirinha” de Casoy foi assunto recorrente no Twitter e em e-mails que recebi no primeiro dia de 2010. Está mais do que claro que a repercussão só foi grande porque o vídeo se espalhou depressa pela internet, via YouTube e redes sociais. Sem essa difusão, jamais o apresentador teria que passar pelo constrangimento de pedir desculpas no ar por seus comentários.

Pergunto-me se as piadinhas de Boris Casoy tivessem sido proferidas há dez anos. Elas se transformariam em mais uma dessas lendas da TV brasileira, assistidas por alguns poucos “sortudos”, que jurariam ter ouvido as frases, mas jamais poderiam confirmar que elas realmente foram ditas. Algo parecido com a lenda de que Lobão teria discutido de forma chula com Clodovil no antigo programa de entrevistas dele: muita gente diz que viu, mas as cenas nunca apareceram e Lobão já afirmou que nunca teria sido tão grosseiro (veja o final da página 20 desta entrevista do cantor à Playboy em 2000).

Enfim, tudo isso pra dizer que, se ainda não sabemos pra onde vai esse mundo com a explosão das redes sociais, a certeza é que, hoje, é impossível ser dissimulado: tudo está registrado. A responsabilidade sobre o que é dito, no ar ou não, é cada vez maior. Se os sites da WWW são as cidades onde residem os dados, as redes sociais são as estradas que fazem a informação circular e se difundir.

Comentário: Tudo que é binário se desmancha no ar!

Do blog do Agni

Todos fazemos listas de resoluções para o novo ano que se inicia. Na minha cabeça essas resoluções costumam ser uma constante para o século. Ironicamente, me dei conta de uma resolução importante justamente durante o Reveillon.

Faltando aproximadamente uma hora para a tal virada de ano, entre uma cerveja e um churrasquinho, um amigo meu de longa data faz tipo de colocação que eu já não ouvia a um bom tempo: “A revolução tem que começar pelo campo!”. Com o espírito já meio elevado, não pude deixar de me espantar (e ao mesmo tempo sorrir) com o comentário.

Mais um gole de cerveja e eu ouvia que “…outras revoluções aconteceram dessa forma!”. Já acalorando a conversa, entre goles de cerveja e discussões que iam desde os Grileiros no Pará até a Revolução Cubana, fiz algumas de minhas considerações:

“Como dizem, uma Revolução para acontecer necessita do apoio popular. Devemos nos preocupar hoje muito mais com quem condiciona e forma a opinião popular… Qualquer revolução deve voltar seus olhos pra Mídia, hoje temos meios de fazer parte dela! Hoje temos a oportunidade de sermos muito mais que consumidores de informação, podemos produzi-la, discuti-la, rebate-la… Não somos mais tão passivos assim com relação aos conteúdos que recebemos! Hoje é mil vezes mais fácil criar um Blog para levar essa expressão a um número muito maior de pessoas do que tentávamos fazer em outras épocas com os fanzines xerocados… Hoje o alcance e a interação dos protestos é muito maior através do Twitter do que com panfletagens.

Diferente do que teve início na Revolução Industrial, Não existe mais essa divisão clara entre ‘detentores dos meios de produção’ e ‘os que vendem mão de obra’… Muita gente hoje detém seu próprio meio de produção e, ao invés de mão de obra, vendem conhecimento. Nesses nossos dias, muitos produtos são intangíveis, binários! O poder está hoje nas mãos daqueles que detêm o fluxo e produção de informação, daqueles que detém patentes de software, e mantém o Terceiro Mundo nessa dependência tecnológica. Devemos ser produtores de informação e conhecimento, e não simplesmente consumidores, e toda essa informação deve ser livre e aberta a todos que quiserem usa-lo, estuda-lo, adapta-lo ou distribui-lo!

Uma revolução não deve ter um foco fixo de onde se iniciar, devem existir vários focos espalhados em diversas áreas, combatendo as diversas formas de dominação. As Revoluções do passado aconteceram como aconteceram pois se vivia uma outra conjuntura, um outro contexto… Hoje devemos mirar também nosso olhar para coisas muito maiores!”

Depois de inúmeras interrupções, eu terminei meu discurso. Meu amigo disse então:

“Revolução de Tecnologia? Pela Internet? Com Computadores? Só se for algum outro tipo de Revolução Burguesa… Vocês ficam escondidos atrás das telas, crentes de que estão alcançando o mundo todo, se esquecendo das coisas que acontecem na vida real… Esquecem que ainda existem pessoas dentro de fábricas, esquecem que essas pessoas ainda vendem sua mão de obra para pessoas que ainda detêm meios de produção… Esquecem que suas Tuitagens não chegam até aqueles que passam seus domingos no sofá assistindo a Globo, não chegam até aqueles que vivem de catar o lixo de vocês nas ruas, nem até aqueles que ainda hoje não tem esgoto encanado, nem aqueles que vivem nas barracas dos terrenos ocupados, ou daqueles que cortam cana… Não chegam até aqueles que se ralam de verdade na aspereza da vida. A Internet e essas tecnologias não passam de uma zona de conforto… e comodismo!”

Quando então faltavam já poucos minutos para a virada de ano, e fogos já pipocavam pelo céu, a discussão começava a esquentar mais do que devia, e um terceiro amigo estão veio intervir para que parássemos de conversa fiada, e para que voltássemos a bebemorar (seja lá o que tivéssemos para bebemorar nessa virada). Fato é que nenhum dos dois sabia mais se estava falando coisa com coisa!

Ainda sou convicto de alguns pontos que levantei, porém não da mesma forma. Não discordo (agora) de tudo que disse meu amigo. A Internet e a Tecnologia ainda não estão presentes na vida de muitos, da forma que está na nossa. A Internet não deixa de ser uma boa zona de conforto para muitos, inclusive para mim!

Resolução para 2010? Não deixar de fazer as coisas que venho fazendo, mas talvez passar menos tempo na frente de uma tela, sentir um pouco mais de sol na pele, e ver um pouco mais a vida acontecendo de verdade!

(Leia aqui o texto original)