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“Internet confiável”: Lula defende combater desinformação e proteger democracia

O presidente Lula enviou uma carta para ser lida na conferência mundial “Para uma Internet Confiável” (Internet for Trust), promovida pela Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura em Paris, para debater os rumos e desafios do ambiente digital global. O evento, que é o primeiro sobre o tema promovido pelas Nações Unidas, teve início na quarta-feira (22) na capital francesa.

 

No documento enviado à diretora-geral da Unesco, Audrey Azoulay, Lula alertou para a volumosa disseminação de mentiras durante episódios como a pandemia do novo coronavírus. “A disseminação de desinformação durante a pandemia contribuiu para milhares de mortes. Os discursos de ódio fazem vítimas todos os dias. E os mais atingidos são os setores mais vulneráveis de nossas sociedades”.

Lula lembrou também no texto os ataques realizados no Brasil em 8 de janeiro, cujos episódios de violência representaram o “ápice de uma campanha, iniciada muito antes, que usava, como munição, a mentira e a desinformação”.

Leia a íntegra da carta

Para ele, os ataques tinham como alvos “a democracia e a credibilidade das instituições brasileiras”. De acordo com Lula, essa campanha antidemocrática  foi “gestada, organizada e difundida” por meio das diversas plataformas digitais e aplicativos de mensagens. “Repetiu o mesmo método que já tinha gerado atos de violência em outros lugares do mundo. Isso tem que parar”, reforçou ele no documento.

Para Lula, é urgente a união da comunidade internacional para que respostas efetivas sejam dadas ao problema. “Precisamos de equilíbrio. De um lado, é necessário garantir o exercício da liberdade de expressão individual, que é um direito humano fundamental. De outro lado, precisamos assegurar um direito coletivo: o direito de a sociedade receber informações confiáveis, e não a mentira e a desinformação”.

Na visão do presidente brasileiro, apesar dos inúmeros benefícios acarretados pelo desenvolvimento da internet,  é fundamental que também se discuta mais profundamente preocupações globais com relação ao ambiente digital, como a concentração do mercado e de poder nas mãos de poucas empresas e países, assim como os riscos à democracia, à convivência entre as pessoas e à saúde pública.

Na carta enviada à organização da conferência, Lula defendeu ainda que a regulação das redes sociais sejam fruto de um amplo debate global, com coordenação multilateral e com ampla participação social nas discussões.

“Para ser eficiente, a regulação das plataformas deve ser elaborada com transparência e muita participação social. E no plano internacional deve ser coordenada multilateralmente. O processo lançado na Unesco, tenho certeza, servirá para construção de um diálogo plural e transparente. Um processo que envolva governos, especialistas e sociedade civil”, argumentou.

O Brasil participa da conferência “Internet for Trust” com uma comitiva formada pelo secretário de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República, João Caldeira Brant, o Procurador-Geral da União, Marcelo Eugenio Feitosa Almeida; a assessora especial do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), Estela Aranha; além de Frederico Assis (Assessoria Especial do Presidente da República) e Alfonso Lages Besada (Ministério das Relações Exteriores), entre outros.

Governo cria GT para combater discurso de ódio

O governo brasileiro, através do Ministério dos Direitos Humanos, criou um grupo de trabalho para propor estratégias no combate ao discurso de ódio e ao extremismo, principalmente nas redes sociais. A portaria com a criação do GT foi publicada na quarta-feira (22) no Diário Oficial da União.

A ex-deputada Manuela D´Ávila (PCdoB) vai coordenar o grupo de trabalho que será formado por cinco representantes do Ministério dos Direitos Humanos e mais outros 24 representantes da sociedade civil.

Entre os integrantes do GT estão o influenciador Felipe Neto, a antropóloga Débora Diniz, o psicanalista Christian Dunker, a cientista social e acadêmica Esther Solano, o cientista política especialista em relações internacionais Guilherme Casarões, a antropóloga Isabela Oliveira Kalil e o epidemiologista Pedro Hallal, entre outros.

Ainda devem participar  desse GT representantes de outros ministérios do governo, entre eles a AGU (Advocacia-Geral da União), Educação, Igualdade Racial, Justiça, Mulheres, Povos Indígenas e Secretaria de Comunicação da Presidência.

O grupo, que deverá atuar por um período de 180 dias prorrogáveis, terá como missão assessorar o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, além de elaborar estudos e estratégias para o enfrentamento ao discurso de ódio e atos extremistas.

Fonte: PT

(23/02/2023)

Participação: um convite à reconstrução do Brasil

Por André Leirner* e Milena Fransceschinelli**

Desde o fim da ditadura militar (1964-1985), o Estado brasileiro estabeleceu políticas para comunidades indígenas, de atenção ao idoso e de reconhecimento e proteção da população LGBTQIA+ envolvendo atores desses próprios grupos em sua formulação. Esses são alguns exemplos indicativos de quanto a transição democrática foi capaz de produzir canais aptos a assegurar a participação, para além dos partidos políticos, de múltiplos atores sociais, na elaboração de políticas públicas1. Tais direitos permitiram a emergência e a constituição de mecanismos de controles democráticos não eleitorais, formas pelas quais cidadãos, direta ou indiretamente, por intermédio de instituições que fazem parte do arcabouço do Estado, incidem no curso de determinada ação de política pública.

Os conselhos e as conferências são exemplos emblemáticos de como a sociedade tem contribuído para o funcionamento democrático do Estado para além do ciclo eleitoral (Mezarobba 2020). O período 2003 – 2016 foi marcado por um crescente de conferências municipais, estaduais e nacionais, chegando aos milhares. Quatro mil pontos de cultura foram implantados no período2. Alguns conselhos estão presentes em 98% dos municípios brasileiros. Até recentemente tínhamos entre 60 e 65 mil conselhos no Brasil: há mais conselheiros da sociedade civil do que vereadores.

Essa maior diversidade e potência de mecanismos de controle social e, no geral, de mecanismos de responsabilização são indicativos da qualidade da democracia. Impulsionado pelo sucesso da implementação do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), a ação participa.br realizada pela secretaria de governo do governo federal chegou a contar com 119 comunidades, 102 trilhas de participação, 13,5 mil usuários cadastrados, 400 mil comentários e mais de 6 milhões de acessos (Peixoto 2015), marco inédito na história participativa do país e caso exemplar no cenário da democracia. É desse período ainda o Sistema Nacional de Participação Social, Decreto 8243/2014, marco regulatório do setor, fruto de pressões por ganhos organizacionais e de gestão por parte de movimentos sociais e de setores do Estado, rejeitado na Câmara em 28/10 do mesmo ano3 e revogado em definitivo em 2019.

Apesar desse florescimento democrático, algo inclusive reconhecido no mundo, é necessário admitir que do ponto de vista pragmático esse movimento foi mais institucional do que popular. As representações institucionais conquistadas nesse período careceram, em sua maioria, de uma maior participação dos coletivos que davam sustentação a estas cadeiras, algo que contribuiu com o quadro de fragilidade política e institucional que ensejou a inflexão autoritária que se viu em 2016. Havia uma “forte” participação, mas isso não se refletiu em força política ou em representação legislativa. O impeachment de Dilma Rousseff (2016) é prova disso.

A asfixia de conselhos e a caça aos órgãos de participação social colegiada

Realizado o impeachment, o primeiro ato de Michel Temer na presidência foi a acabar com a Comissão da Verdade, responsável por investigar os abusos cometidos na ditadura. Ato contínuo, atacou-se a base de contato do governo com as comunidades. Primeiro, eliminou-se o Ministério da Cultura, e com ele, do programa de pontos de cultura. Ato contínuo, a base de dados contendo nome, entidade, e-mail, telefone e o mapa de articulação de interesses dos ativistas que participaram do participa.br foram capturados pela ABIN4. Depois, na frente institucional, esvaziou-se o Conselho de Cidades5, o Fórum Nacional de Educação 6 e o conselho da Empresa Brasileira de Comunicação – EBC7. 2019 viu a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA)8 e de dezenas de colegiados não previstos em lei, mas que operavam normalmente9. O Conselho de Meio Ambiente perdeu 18 de suas 22 cadeiras da sociedade civil e dezenas de decretos foram ainda emitidos instituindo mudanças em 52 colegiados de áreas as mais diversas 10 e 55 colegiados ligados à Casa Civil11. Atos ainda alteraram o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas12 e o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Esses são alguns dos principais atos de desmonte de órgãos colegiados de representação da sociedade civil, uma lista mais completa desses atos encontra-se no fim desse documento[1].

A substituição incremental de canais participativos pelas ouvidorias de governo eletrônico

Concomitantemente ao desmonte de políticas participativas, foi implementado um novo marco legal de governo eletrônico no país. Nesse novo marco, os canais de controle social de políticas públicas passaram a ser regulados a partir de um novo repertório participativo, característico do campo tecnológico, em substituição ao repertório anterior, de cunho histórico-político13. As técnicas recomendadas de escuta social nesse contexto são os “minipúblicos” e o emprego de inteligência artificial para a lida da massa de dados.

Minipúblicos são reuniões qualitativas realizadas com uma amostra estatística da população. Ainda que efetivos, descartam padrões históricos de lutas por direitos e oferecem um expediente circunstancial à participação, haja vista que não mantém qualquer mobilização dos sujeitos participantes, ou comunidades as quais pertencem, após a escuta. A inteligência artificial, por sua vez, relega a programadores e tomadores de decisão, sejam eles públicos ou privados, o critério de análise e avaliação de dados, de modo unilateral. Tipos de participação em que cidadãos são destituídos de espaços regulares e reconhecidos de encontro e representação, locais estabelecidos para o exercício do debate e concertação frente ao dissenso e a divergência. Uma opção participativa que tem como efeito uma democracia superficial, esvaziada de qualquer natureza pedagógica, ausente de oportunidades de construção de consciências autônomas e de sujeitos sociais historicamente reconhecidos.

A emergência da comunicação de massa politicamente orientada e a disputa pela voz popular

O período 2016-2022 é também um período de “crise da democracia” aqui e no mundo (Levitsky e Ziblatt 2019; Landemore 2020). A eleição americana de 2016, o Brexit (2016-2020) e a ascensão de democracias iliberais (Zakaria 1997, 2007) são exemplos desse fenômeno. O Brexit e a eleição americana de 2016, em especial, oferecem aspectos peculiares dessa crise, encontrados também no Brasil a partir de 2017 e 2018.

Nesses episódios, observamos um novo modelo de conexão entre o poder político e apelo popular por uso instrumental de mídias sociais e cultivo de comunidades circunscritas a bolhas de informação. Essas bolhas constituem mundos apartados de um contexto social e institucional mais amplo, fenômeno alcançado pela veiculação reiterada de mensagens de descrédito e ressentimento à organismos de controle, sistemas formais de checagem de fatos (jornais e universidades) e meios institucionalizados de representação política. Medidas que encontram sucesso junto a camadas dotadas de ressentimento social e baixa confiança em instituições, pessoas cuidadosamente colhidas por meio da inteligência analítica de mídias sociais14, que passam a adotar e compartilhar comportamento antipolítico e a viver, por meio das mídias sociais, uma ilusão de proximidade entre seus iguais. Essa perspectiva de anti-poder encontra ressonância com uma perspectiva de ação pública antissistema que os representa. Possuem impressão de que compõem um coletivo dotado de uma força antissistema quando, na realidade, são objeto de manipulação por sofisticados mecanismos de circulação de conteúdo ideológico controlados por grupos políticos específicos.

O caso da Cambridge Analitica, as estratégias de Steve Bannon e do seu site alt-right, são exemplos conhecidos desses procedimentos (Grassegger e Krogerus 2017; Cadwalladr 2018). O caso brasileiro do gabinete do ódio não é exceção15. Esses mecanismos de circulação ideológica (indústria cultural) inicialmente descritos por Adorno e Horkheimer e utilizados durante a ascensão do nazismo (Cook 1996; Adorno e Horkheimer 2002), voltam a baila no século XXI fortalecidos por tecnologias sociais e técnicas de economia do comportamento (Sunstein 2013, 2017), compondo estratégias de manipulação e controle social em larga escala (Bond et al. 2012; Zuboff 2015; Zubbof 2019).

O resultado dessa prática é um cenário de disputa por legitimidade do apelo popular. Processos participativos tradicionais, ainda que excepcionalmente relevantes do ponto político, se mostram tímidos em termos de capilarização social e número de participantes envolvidos quando comparados à processos massivos de circulação de conteúdo ideológico por meio de mídias sociais. Processos participativos e de incidência política comunitária tradicionais ecoam de maneira débil no tecido social comunitário, quando comparados a campanhas de comunicação de massa politicamente orientadas, perdendo relevância. A ausência de pontos de cultura e a presença de cultos pentecostais agravam esse cenário. O movimento escola sem partido é um exemplo desse tipo de estratégia. Uma coalizão formada de maneira rápida, a partir de uma campanha, pôs em cheque o sistema participativo do sistema de educação.

A pandemia de covid-19 (2020) teve ainda papel preponderante nesse quadro uma vez que encontros presenciais se tornaram impraticáveis, o que comprometeu a realização de atividades participativas, quando aconteciam, como previstas em lei. Por sua vez, a participação por meio digital por não ser previsto na legislação, e quando aconteceu, muitas vezes não foi reconhecida legalmente.

De modo específico, observou-se um anacronismo no modo de comunicação política por parte das esquerdas. A falta de traquejo nas redes sociais isolou membros de conselhos de suas comunidades, deixando-as à mercê de forças políticas que se organizaram e que, com uso de mídias sociais, tomaram o debate público e por consequência, a dimensão cotidiana da comunicação nessas comunidades.

Os fatos acima mostram que a participação está inscrita atualmente em um novo contexto. O campo da comunicação política adquire centralidade e o tema da legitimidade do processo participativo passa a ser um campo de disputa. O marco legal mostra-se defasado frente aos desafios atuais do engajamento político-popular e há um vácuo institucional dentro do campo civil no que toca a esse tema. Esses pontos são desenvolvidos de maneira sucinta, a seguir

A centralidade da comunicação política

Como advento das mídias sociais, o modo pelo qual a informação flui entre o governo e a sociedade foi alterado. A comunicação política passa a ser objeto de ação permanente e não restrita aos períodos eleitorais e adquire ainda maior centralidade no processo político. Mídias sociais se tornam redes de advocacybidirecionais e conectam bases diretamente com centros de poder de maneira dinâmica, enfraquecendo a relevância de canais institucionalizados de comunicação. A resposta governamental passa a ser direta, por mídia social, by-passando instâncias representativas e canais institucionais. Advocacy e influência dentro das redes e afinidades pessoais ganham peso e muitas vezes substituem a participação institucionalizada. Por sua vez, métricas das redes sociais passam a expressar a “vontade popular”, disputando legitimidade com processos participativos tradicionais. Não há controle social desse processo, uma vez que esse processo se intitula o “novo controle social”. O território – pontos de cultura, igrejas e locais de encontro e socialização – opera como lócus de reafirmação e correção das diretrizes comportamentais propagandeadas em rede.

No que toca à centralidade dos processos de comunicação política, portanto, o desafio que se apresenta é reinserir a participação social no circuito de circulação de conteúdos ideológicos de maneira relevante e bidirecional – em diálogo permanente com a população. Por sua vez, isso implica em estruturar e constituir uma indústria cultural – coleta, produção, circulação e registros sistemáticos de informações – para fins democráticos, constituindo uma memória do processo de luta por direitos.

Diferentemente da direita, que construiu sua indústria cultural atrelada a cultos evangélicos, academias militares e grupos empresariais, a esquerda não tem conseguido proporcionar espaços para vínculos de pertença como fez no passado com as comunidades eclesiais de base, pontos de cultura, sindicatos e associações.

Nesse contexto, é importante reconhecer a luta pela afirmação de identidades sociais realizada por minorias – mulheres, negros, LGBTQIA+, indígenas, etc. e seu protagonismo na recente articulação e comunicação política e reconhecer sua potência. O desafio reside em ampliar a influência do campo progressista para além do arco ideológico das esquerdas e em desenhar estratégias agregadoras, que operem além da defesa de nichos identitários de interesse e criem novas perspectivas de identificação e pertencimento.

A disputa pela legitimidade participativa

Nesse novo quadro, de comunicação de massa politicamente orientada, a legitimidade participativa passa a ser campo de disputa. De um lado, instrumentos instituídos legalmente, mas com pouca oxigenação popular. Do outro, campanhas de comunicação de massa politicamente orientadas, dotadas de ferramentas tecnológicas de reconhecimento, classificação e mobilização customizada de indivíduos e grupos de interesse, e com grande capacidade de mobilização popular. Não é preciso dizer que a baixa oxigenação popular dos instrumentos constituídos tem levado ao questionamento tanto da legitimidade desses espaços quanto das agendas discutidas nessas arenas participativas16. Temos observado, ainda, grupos de interesse que se contrapunham aos processos participativos institucionalizados criarem movimentos de mobilização política para ocupar os espaços de participação institucionalizada, que ora criticavam17.

Fica claro, portanto, que a conexão com a base popular é hoje elemento estratégico e fundamental para sustentação de agendas em espaços participativos, e a ausência dessa conexão tem colocado em xeque a legitimidade desses espaços. O desafio que se apresenta, nesse quesito, é implementar metodologias e tecnologias sociais que possam superar a anemia participativa e motivar o engajamento político pedagógico popular – cultura plural, viva e participativa, aderente à realidade do cidadão (paradigma freireano). Tal iniciativa já se encontra em implementação dentro do campo conservador18, e de extrema direita, e ainda não se observa uma implementação de maneira sistemática dessa natureza dentro do campo popular democrático.

A fragilidade normativa do controle social

A facilidade com que o campo participativo democrático foi desmontado na história recente do país demonstra a fragilidade normativa da atividade participativa para o controle social no sistema político brasileiro. A ausência de um marco regulador integrado favorece a profusão de atos normativos no setor, e cria um quadro de multiplicação e fragmentação de instâncias participativas e de relacionamento entre cidadão e o Estado. A legislação participativa setorial, de ouvidoria, de acesso a informações, de transparência e de controle social operam em paralelismo e com baixa integração. Resulta desse panorama uma arquitetura verticalizada da contribuição social, cuja gestão apresenta custos elevados – financeiros e de oportunidade – para o Estado e, especialmente, para o cidadão. O que se observa é um cenário participativo complexo e com pouco apelo a oxigenação e a contribuições de camadas mais extensas da população.

Não há, tampouco, um setor estatal responsável pela gestão de dados ou métrica estabelecida para a aferição da qualidade e transparência participativa. Essa lassitude metodológica e procedimental encontra par na baixa capacidade deliberativa dos conselhos. Apesar de suas atribuições regimentais de aprovações de contas e de controle de fundos públicos, operam mais como mecanismos de coalizão para fins políticos do que instâncias de governança propriamente ditas, apesar de estarem atrelados regimentalmente ao Executivo. Contudo, tampouco encontramos relações estabelecidas de contribuição entre conselhos e o legislativo municipal.

Consequentemente testemunha-se, por um lado, heterogeneidade metodológica na coleta de informações e dados cidadãos, métodos participativos em disputa e um panorama de fragmentação na gestão de dados dificultando a elaboração de diagnósticos sociais amplos e integrados. Por outro, lassitude metodológica e procedimental e baixa capacidade de influência e deliberação, seja junto ao Executivo ou ao Legislativo, nas três esferas federativas.

Nesse quadro, o desafio que se impõe é (i) estabelecer, na legislação constitucional brasileira, a garantia de existência dos conselhos populares; (ii) realizar uma consolidação normativa do marco legal para a participação social e a aprovação de um Sistema Nacional de Participação Social19; (iii) instituir e estruturar uma área de governo para essa finalidade, relacionada à área de transparência e gestão de dados, com representação dos conselheiros em postos estratégicos de governança20; (iv) consolidar uma visão metodológica de meios de coleta de informações cidadã, (v) implementar uma métrica e um prêmio nacional de qualidade para o controle social e para a participação, (vi) integrar órgãos de controle – tribunais de contas, controladorias, ministério público e defensorias – nos procedimentos participativos de modo a fortalecer o controle social de políticas publicas, inclusive nas etapas de guarida e gestão de dados; (vii) restabelecer e superar lógicas setoriais de participação e controle social nas políticas públicas – implementação de lógicas “orientada a objeto” (metas multissetoriais compartilhadas) e de base ambiental e territorial21 e (viii) incrementar capacidade deliberativa e de gestão de conselhos, consolidando seu papel contributivo junto ao Legislativo – criando pontes qualificadas entre a produção legislativa e a sociedade, e deliberativo junto a Executivo.

O personalismo e a baixa oxigenação na operação dos processos participativos

É fato que processos participativos tradicionais têm tido baixa oxigenação junto à sociedade civil quando comparados à campanhas de comunicação de massa politicamente orientadas. A seção acima, sobre centralidade da comunicação fala um pouco desse tema. É preciso admitir, contudo, que essa baixa participação não se deve somente à falta de recursos e insumos de comunicação nesses processos, mas também à concentração de poder. É notório que há uma renovação excepcionalmente baixa dos quadros participativos e que inexistem linhas de capacitação continuada para o controle social. Nos conselhos, perdura ainda uma visão personalista de representação, com foco em lideranças históricas que, na ausência de protocolos de uma memória histórica da participação, se tornam testemunho pessoal de um percurso heroico de luta por direitos. Observa-se que tampouco há um regime de governança organizada do setor de participação e controle social. Como consequência, além de baixa oxigenação, observamos uma lacuna de memória institucional desse setor. Os registros existentes são peças normativas, de cunho legal e estudo acadêmicos que pouco apelam ao diálogo com as necessidades cotidianas das populações. Nesse sentido, o desafio que se impõe é criar linhas de formação continuada para a participação e o controle social22, e fortalecer a classe dos conselheiros por meio da constituição de uma rede nacional. Essa medida poderá, inclusive, conferir maior segurança jurídica à atividade participativa.

Esses desafios, uma vez reunidos, formam uma agenda para uma nova participação e controle social no Brasil.

*Milena Fransceschinelli é artista plástica e está presidente de Rede Brasileira de Conselhos (www.rdc.org.br).

**André Leirner é arquiteto e está vice-presidente de Rede Brasileira de Conselhos (www.rdc.org.br).

As opiniões expressas nesse texto não representam necessariamente a posição do jornal Brasil de Fato.


Bibliografia:

Adorno, Theodor W., e Max Horkheimer. 2002. The culture industry. na.

Bond, Robert M. et al. 2012. “A 61-million-person experiment in social influence and political mobilization”. Nature 489(7415): 295–98.

Cadwalladr, Carole. 2018. “I created Steve Bannon’s psychological warfare tool’: Meet the data war whistleblower”. The Guardian 17.

Cook, Deborah. 1996. The culture industry revisited: Theodor W. Adorno on mass culture. Rowman & Littlefield Publishers.

Grassegger, Hannes, e Mikael Krogerus. 2017. “The Data That Turned the World Upside Down”. https://motherboard.vice.com/en_us/article/big-data-cambridge-analytica-brexit-trump.

Landemore, Hélène. 2020. Open democracy: Reinventing popular rule for the twenty-first century. Princeton University Press.

Levitsky, Steven, e Daniel Ziblatt. 2019. How democracies die. Crown.

Mezarobba, Glenda. 2020. “Estudo sobre mecanismos de controles não eleitorais revela caráter inovador da experiência brasileira”. : 3.

Peixoto, Abner Da Costa. 2015. “INSTRUMENTOS DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA”: : 53.

Sunstein, Cass R. 2013. “Nudges. gov: Behavioral economics and regulation”. Forthcoming, Oxford Handbook of Behavioral Economics and the Law (Eyal Zamir and Doron Teichman eds.).

———. 2017. Human agency and behavioral economics: Nudging fast and slow. Springer.

Zakaria, Fareed. 1997. “The rise of illiberal democracy”. Foreign Aff. 76: 22.

———. 2007. The future of freedom: illiberal democracy at home and abroad (Revised Edition). WW Norton & company.

Zubbof, Shoshana. 2019. “The Age of Surveillance Capitalism”. The fight for a human future at the new frontier of power.

Zuboff, Shoshana. 2015. “Big other: surveillance capitalism and the prospects of an information civilization”. Journal of information technology 30(1): 75–89.


Notas:

1 A Constituição Federal de 1988 estabelece o direito ao exercício de poder por parte dos cidadãos, permitindo aos mesmos peticionar junto aos Poderes Públicos a defesa de seus direitos (Art. 5º – XXXIV), obter certidões em repartições públicas (Art. 5º – XXXV), fiscalizar as contas municipais (Art. 31º, § 3º), denunciar irregularidades ou ilegalidades (Art. 74º, § 2º), participar dos conselhos de gestão de saúde (Art. 198º – III), assistência social (Art. 204º – II), e educação (Art. 206º – VI), cooperar por meio de associações no planejamento municipal (Art. 29º – XII), receber informações das autoridades (Art. 5º – XXXIII), promover ações judiciais e representações (Art. 5º – LXXIII). Da mesma forma, o Decreto-lei n.º 201/67 autoriza o cidadão à denúncia do prefeito e a Lei de Responsabilidade Fiscal nº 101 de 2000 (Art. 48º e Art. 49º) assegura à população o acesso à prestação de contas, aos planos e diretrizes orçamentárias e demais instrumentos de transparência vinculados à gestão fiscal.

https://www.revistamuseu.com.br/site/br/noticias/internacionais/6430-03-05-2019-pontos-de-cultura-levam-o-brasil-a-outros-paises.html#:~:text=Previstos%20na%20Pol%C3%ADtica%20Nacional%20de,4%20mil%20registrados%20no%20Brasil

https://assecor.org.br/2014/10/31/camara-derruba-decreto-da-politica-nacional-de-participacao-social/

https://theintercept.com/2016/12/05/abin-tem-megabanco-de-dados-sobre-movimentos-sociais/

5 decreto 9.076/2017

6 decreto 9.076/2017

7 Portaria Nº 577, de 27 de abril de 2017

8 M.P. 870 de 1/1/ 2019

9 decreto 9.759/2019

10Por exemplo, a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa. Data desse período também o desmonte do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, realizado por meio da exoneração de peritos do Mecanismo Nacional e alteração de sua composição de membros participantes (Decreto 6085/2019). Ver https://cjt.ufmg.br/brasil-desgovernado-o-desmonte-da-politica-nacional-de-prevencao-e-combate-a-tortura/

11 decreto 9.784/2019

12 Decreto 9.926/2019

13 Já apresentamos esse histórico em detalhe aqui, em outra publicação. Para mais detalhes ver https://outraspalavras.net/movimentoserebeldias/por-novo-quarto-poder-o-popular/

14 Ver https://www.technologyreview.com/s/601214/how-political-candidates-know-if-youre-neurotic/

15 Ver https://brasil.elpais.com/brasil/2020-08-20/os-lacos-do-cla-bolsonaro-com-steve-bannon.html

16 Muitos casos exemplificam esse percurso, por exemplo, o próprio movimento escola sem partido, que se estabeleceu a revelia dos conselhos de educação municipais, estaduais e federal.

17 A recente disputa pelo conselho municipal de habitação em São Paulo exemplifica isso. De maneira inédita, o conselho teve 50% de suas cadeiras ocupadas por membros de uma chapa de extrema direita estranhos ao processo político tradicional, que possui bases em associações de bairro ou de classe.

18 Ver https://www.politize.com.br/

19 Nesse quesito, importante garantir existência dos Conselhos por força de lei e dotá-los previsão orçamentária permitindo o financiamento de iniciativas de formação e capacitação, comunicação social, participação em seminários, congressos e conferências nacionais e internacionais.

20 Cuidado especial deve ser conferido a esse ponto para que essa instituição não se torne um órgão policialesco, mas sim um espaço de gestão social compartilhada.

21 Ver Sistema Publico De Relacionamento Cidadão Governo Do Estado Do Ceará – Banco Mundial. Critérios de apoio ao desenvolvimento do novo sistema de relacionamento cidadão do governo do Estado (2017) -Relatório II.

22 Instrumentos permanentes e gratuitos de capacitação e formação em cidadania, planejamento governamental, normatização legal, história, organização e funcionamento administrativo e operacional de Conselhos.

Fonte: Brasil de Fato

(25/12/2022)

Profissionais de saúde enfrentam duas batalhas: combate à pandemia e desinformação

Profissionais de saúde que atuam na linha de frente no combate ao coronavírus destacam que, neste momento, o mundo enfrenta não só a pandemia da COVID-19, mas também uma batalha contra a desinformação viral e global nas mídias sociais que ameaça vidas em todo o mundo.

As informações propagadas em redes sociais, sem embasamento científico, tornaram sua rotina mais dura: além de arcarem com a carga física, psíquica e emocional, seu trabalho vem sendo ameaçado e atrapalhado por familiares ou pacientes que consomem, acreditam e compartilham conteúdos equivocados.

Segundo uma pesquisa realizada pelas empresas MindMiners e Avaaz, 70% dos brasileiros buscam informações sobre o novo coronavírus uma ou mais vezes por dia e, apenas 40% consideram redes sociais pouco confiáveis.

Impactos da Infodemia

Alguns dos impactos causados pela infodemia de notícias falsas no dia a dia dos profissionais de saúde envolvem questionamentos sobre potenciais terapias, boatos como os que escovar os dentes com bicarbonato ou tomar desinfetante combatem o coronavírus, conflitos com pacientes que gostariam de ter recebido a medicação na qual acreditam porque leram na Internet, desconfiança entre médico e famílias que cobram procedimentos divulgados nas mídias sociais como bem-sucedidos e até ameaças de familiares de obrigar o médico a prestar contas, caso algo aconteça com o paciente.

“A desinformação é um desserviço da sociedade. Nós, da área da saúde, estamos lidando com circunstâncias extremas na linha de frente de hospitais de campanha como se tivéssemos em meio a uma guerra, cuidando de inúmeros doentes em situações delicadas”, afirma Karina Oliani, médica socorrista que está na linha de frente no hospital de campanha do Anhembi, em São Paulo. Ela também é fundadora da Associação Brasileira de Medicina de Áreas Remotas e Esportes de Aventura, e Presidente do Instituto Dharma.

“Essa alta gama de informações não verificadas que vem inundando as mídias sociais, faz com que familiares e pacientes opinem nos processos de tratamento como se fossem os próprios especialistas, muitas vezes exigindo uma prescrição ou um procedimento específico que não são indicados e nem benéficos em determinadas situações.”

“Não trabalhamos com achismos e isso atrapalha o nosso dia a dia porque gastamos uma energia e um tempo que não temos com esse conflito com familiares. Estamos cumprindo o nosso juramento de fazer o bem aos seres humanos com responsabilidade e evidências científicas e também o nosso papel de orientar os pacientes com o nosso conhecimento e especialidade.”

Outro relato é o de Bruna Silveira, que apoia comunidades periféricas no combate à pandemia e fala em tristeza e desespero por conta das informações falsas disseminadas nas mídias sociais. “A desinformação me preocupa porque já são mais de 100 mil mortes notificadas no Brasil. Sinto tristeza porque vejo tudo isso como uma completa desconexão com a própria vida e com a vida de outras pessoas e porque percebo que o consumo de notícias está se tornando maior e mais importante do que o cuidado com o coletivo.”

Bruna Silveira apoia comunidades periféricas no combate à pandemia e fala em tristeza e desespero por conta das informações falsas disseminadas nas mídias sociais. Foto: Acervo Pessoal

“Me desespero ao pensar que, sem as medidas de isolamento e de controle, ficamos cada vez mais longe de sair dessa situação. Faço aqui um apelo: pensem antes de compartilhar notícias sem identificar a veracidade delas”, ressalta a médica e terapeuta de medicina tradicional chinesa e coordenadora do projeto Agentes Populares de Saúde da UneAfro Brasil.

Verificado – Projeto ONU

Diante dessa desinformação e com o propósito de ajudar a salvar vidas nesta pandemia que assola o mundo, a Organização das Nações Unidas lançou o projeto Verificado, iniciativa com o objetivo de inundar os canais de comunicação com informações verificadas, com mensagens relacionadas à ciência, solidariedade e soluções.

O Verificado traz uma galeria com conteúdos verdadeiros, confiáveis, urgentes e claros, baseados em fatos e destacando histórias com o melhor da humanidade. As informações compartilhadas são transmitidas pelas Nações Unidas, pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e por agências da ONU.

“Traduzimos para os idiomas locais as informações que recebemos da Organização Mundial da Saúde, confiantes de que faremos a diferença na vida das pessoas. A internet é uma influência poderosa, assim como a televisão. Quando existem fontes de informação fortemente conflitantes, em que uma pessoa deve acreditar e como alguém pode chegar a uma conclusão firme? Acredito ser reconfortante para o mundo que as Nações Unidas permaneçam uma fonte de informações independente e confiável por meio da campanha Verificado, do Departamento de Comunicações Globais. Eu acho que o mundo depende de nós para entender a dor de todos, explicar honestamente o problema e oferecer soluções viáveis”, diz Kimberly Mann, diretora do Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil.

No artigo Desinformação: uma arma secreta em tempos de pandemia, a UNESCO recomenda que as pessoas promovam hábitos que protejam o fluxo responsável de dados no mundo digital. “Prestem atenção ao conteúdo que recebem e replicam de seus celulares, na forma de áudios, textos ou notícias aparentemente jornalísticas. Mantenham a calma diante do bombardeio de informações e sejam cautelosos, compartilhando apenas conteúdos verificados por fontes confiáveis de informação. E, acima de tudo, promovam essa conscientização. ”

Fonte: Nações Unidas – Brasil

(20-08-2020)

Lula diz que leitura na prisão o tornou livre

“Li para aprender, para adquirir novos conhecimentos, para sair de lá melhor do que entrei. Eu li para ser livre”, disse o ex-presidente, em encontro com artistas e intelectuais

O ex-presidente Lula falou sobre o papel que a leitura exerceu sobre sua vida, durante os 580 dias de prisão política em Curitiba.

Leia o artigo na íntegra:

https://www.brasil247.com/cultura/lula-diz-que-leitura-na-prisao-o-tornou-livre

Fonte: Brasil 247

Pesquisador brasileiro alerta para riscos de manipulação dos usuários no mundo digital

Para se beneficiar das tecnologias digitais, países precisam não apenas universalizar o acesso à Internet, mas capacitar cidadãos para atuar na rede e compreender os riscos do mundo online, como a perda de privacidade e a manipulação da informação para fins políticos e econômicos. A avaliação é do brasileiro e especialista em inteligência artificial Edson Prestes, que integra o Painel de Alto Nível da ONU sobre Cooperação Digital.

O acesso universal e barato à rede mundial de computadores foi proposto pelo organismo como uma meta que deve ser cumprida pelos Estados-membros da ONU até 2030. Em seu primeiro relatório, divulgado em junho, o painel pede que as tecnologias digitais sejam mobilizadas e exploradas de forma de inclusiva, para beneficiar mulheres e grupos tradicionalmente marginalizados nas sociedades.

A União Internacional de Telecomunicações (UIT) afirma que, até o final de 2018, 51,2% da população mundial estava conectada à Internet — o equivalente a 3,9 bilhões de indivíduos. Nos países ricos, o índice subia para 80,9%, ao passo que, nas nações em desenvolvimento, a taxa caía para 45,3%. Nos chamados países menos desenvolvidos — os mais pobres do planeta —, a conexão com o universo online só estava acessível para 19,5% dos cidadãos.

No Brasil, o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) estimava que 120,7 milhões de brasileiros tinham acesso à Internet em 2017. O contingente representava 67% da população com dez anos ou mais. Entre os usuários, 49% utilizavam a rede apenas pelo celular.

Para Prestes, que é doutor em Computação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), não basta “ter acesso pelo acesso” à tecnologia. O pesquisador defende o que descreve como empoderamento digital, isto é, a difusão de habilidades que permitam aos usuários compreender o que podem fazer com as tecnologias emergentes. Segundo o especialista, isso pode gerar oportunidades de negócios e inclusão econômica, como tem acontecido na China e na Índia.

Uma pesquisa do Instituto Global McKinsey revela por exemplo que, em 2018, existiam 560 milhões de usuários de internet e 1,2 bilhão de assinaturas de telefonia móvel na Índia. Também no ano passado, os indianos baixaram mais de 12 bilhões de aplicativos em celulares.

O levantamento estima que as tecnologias digitais poderão criar entre 60 milhões e 65 milhões de novos postos de trabalho até 2025. No biênio 2017-2018, os principais setores digitais da economia indiana — processamento gerencial, comunicação digital e fabricação de eletrônicos — geraram 170 bilhões de dólares, o equivalente a 7% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Em 2025, o valor poderia chegar a uma soma entre 355 bilhões e 435 bilhões de dólares.

Sobre a China, o McKinsey apontava, em 2016, que o gigante asiático estava entre os três maiores receptores de investimento de capital de risco em tecnologias como realidade virtual, robótica e drones, impressão 3D, big data, inteligência artificial e veículos autônomos.

À época, um em cada três unicórnios — nome usado para as 262 startups avaliadas em mais de 1 bilhão de dólares — era chinês. As companhias chinesas representavam 43% dos 883 bilhões de dólares em valor global estimado para essas empresas.

Para trabalhar num mercado cada vez mais digitalizado, Prestes argumenta que é necessário preparar os profissionais com capacidade de reflexão crítica e de adaptação a diferentes contextos produtivos. “As pessoas têm que aprender a aprender”, aponta o brasileiro.

O pesquisador, porém, desmistifica a ideia de que a formação dos trabalhadores deva ser centrada exclusivamente no aprendizado sobre conteúdos de tecnologia.

“Hoje, o profissional, para estar adequado para o futuro, ele não tem que ter um viés apenas tecnológico. Ele tem que ter um viés humanista”, explica Prestes, que elenca o raciocínio sobre problemas abstratos, o desenvolvimento criativo e as habilidades de relacionamento interpessoal como alguns dos principais atributos que serão exigidos dos trabalhadores.

Algoritmos e manipulação

Uma preparação humanista, segundo o pesquisador, também permitiria aos indivíduos enxergar com mais clareza as implicações sociais da tecnologia — seja enquanto profissionais, seja na condição de consumidores.

“Quando eu falo sobre empoderamento, eu falo sobre não somente saber como usar a tecnologia, mas saber também a que essa pessoa está exposta. Saber que ela pode estar sendo manipulada e por que ela está sendo manipulada, (entender) o poder que os dados que ela disponibiliza têm e quem está lucrando com esses dados”, ressalta Prestes.

Uma das preocupações do Painel da ONU sobre Cooperação Digital é com a crescente influência dos algoritmos sobre os usuários de dispositivos digitais, que podem ser induzidos a escolher determinado produto ou serviço ou a ficar mais tempo conectados.

“Ao mesmo tempo em que você é manipulado para que as suas escolhas sejam limitadas a um produto, você pode ser manipulado para, por exemplo, o seu voto ir para um determinado governante”, acrescenta o pesquisador brasileiro, que é integrante da Sociedade de Robótica e Automação do Instituto de Engenheiros Elétricos e Eletrônicos (IEEE), dos Estados Unidos.

Dados enviesados

O painel das Nações Unidas solicita ainda a criação e difusão de bens públicos digitais. Exemplos desses mecanismos são plataformas que disponibilizam informação gratuitamente para a tomada de decisões dos governos.

Esses instrumentos de transparência e compartilhamento de dados permitiriam aos Estados formular soluções para problemas como o desmatamento das florestas, o monitoramento de alterações climáticas e a mitigação de desastres naturais.

Mas, segundo Prestes, para gerar avanços sociais, essas políticas precisariam de medidas de controle e validação dos dados. Isso acontece porque frequentemente a produção de informação é atravessada por processos de exclusão que já existem no mundo offline.

De acordo com o relatório do painel da ONU, os chamados sistemas inteligentes podem reforçar a discriminação na sociedade, e os algoritmos funcionam, muitas vezes, como reflexo das inclinações de seus criadores.

“Os dados têm todos os preconceitos que a sociedade possui”, explica o acadêmico brasileiro, que aponta que “dados enviesados podem gerar muito mais mal do que bem”.

Superar esse problema exigira, na avaliação do pesquisador, o estabelecimento de agências e organismos regulatórios capazes de verificar a qualidade dos dados para então permitir o seu uso como um bem público digital.

Fonte: Nações Unidas

Igreja/Media: Papa propõe jornalismo centrado nas pessoas

Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais de 2018 deixa apelos aos jornalistas

O Papa desafia a um jornalismo mais centrado nas “pessoas”, na sua Mensagem para o Dia Mundiais das Comunicações Sociais de 2018, publicada hoje.

O texto, dedicado ao fenómeno das chamadas ‘fake news’, apresenta o jornalista como “guardião das notícias”, alguém que “não desempenha apenas uma profissão, mas uma verdadeira missão”.

“No meio do frenesi das notícias e na voragem dos furos, [o jornalista] tem o dever de lembrar que, no centro da notícia, não estão a velocidade em comunicá-la nem o impacto sobre a audiência, mas as pessoas. Informar é formar, é lidar com a vida das pessoas”, escreve Francisco.

O texto divulgado esta manhã pela Santa Sé tem como título “«A verdade vos tornará livres (Jo 8,32)». Fake news e jornalismo de paz”.

O Papa propõe um jornalismo “sem fingimentos, hostil às falsidades, a slogans sensacionais e a declarações bombásticas”, que procure alternativas “às escaladas do clamor e da violência verbal”.

O jornalismo, acrescenta, deve ser “feito por pessoas para as pessoas e considerado como serviço a todas as pessoas, especialmente àquelas – e no mundo, são a maioria – que não têm voz”.

“Um jornalismo que não se limite a queimar notícias, mas se comprometa na busca das causas reais dos conflitos, para favorecer a sua compreensão das raízes e a sua superação através do aviamento de processos virtuosos”, precisa.

A reflexão papal aborda o tema da verdade, convidando as pessoas a analisar os “frutos” dos factos ou alegados factos que se enunciam, percebendo “se suscitam polémica, fomentam divisões, infundem resignação ou se, em vez disso, levam a uma reflexão consciente e madura, ao diálogo construtivo, a uma profícua atividade”.

“O melhor antídoto contra as falsidades não são as estratégias, mas as pessoas: pessoas que, livres da ambição, estão prontas a ouvir e, através da fadiga dum diálogo sincero, deixam emergir a verdade; pessoas que, atraídas pelo bem, se mostram responsáveis no uso da linguagem”, defende Francisco.

A mensagem conclui-se com uma ‘oração dos jornalistas’, inspirada na figura de São Francisco de Assis, pela paz e a verdade.

Senhor, fazei de nós instrumentos da vossa paz.

Fazei-nos reconhecer o mal que se insinua em uma comunicação que não cria comunhão.

Tornai-nos capazes de tirar o veneno dos nossos juízos.

Ajudai-nos a falar dos outros como de irmãos e irmãs.

Vós sois fiel e digno de confiança;

fazei que as nossas palavras sejam sementes de bem para o mundo:

onde houver ruído, fazei que pratiquemos a escuta;

onde houver confusão, fazei que inspiremos harmonia;

onde houver ambiguidade, fazei que levemos clareza;

onde houver exclusão, fazei que levemos partilha;

onde houver sensacionalismo, fazei que usemos sobriedade;

onde houver superficialidade, fazei que coloquemos interrogações verdadeiras;

onde houver preconceitos, fazei que despertemos confiança;

onde houver agressividade, fazei que levemos respeito;

onde houver falsidade, fazei que levemos verdade.

Amen.

O Dia Mundial das Comunicações Sociais foi a única celebração do género estabelecida pelo Concílio Vaticano II, no decreto ‘Inter Mirifica’, em 1963; assinala-se no domingo antes do Pentecostes (13 de maio em 2018).

A mensagem do Papa é tradicionalmente publicada por ocasião da festa litúrgica de São Francisco de Sales, padroeiro dos jornalistas, no dia 24 de janeiro.

(24-01-2018)

Fonte: Agência Ecclesia