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Recomeço

O pesadelo parece estar prestes a terminar.

Se vão ser julgados e punidos os crimes cometidos pelo regime ilegal estabelecido desde 2016, é uma outra questão. Relevante, sem dúvida. Relevantíssima.

No entanto, com tudo, todavia, porém…

O principal parece ser que o povo está a enxergar a diferença entre um estadista que pensou e agiu pelo povo e pelo país, sem distinções nem exclusões, e alguém sem qualquer condição para sequer ocupar um cargo público.

O público, aliás, é o que deverá –esperamos—recuperar a sua hierarquia e dignidade.

As possibilidades que a sociedade e o estado devem a todas as pessoas, sem exceção.

Comida, casa, saúde, educação, respeito, salário digno, emprego decente.

A legalidade é um limite tênue, uma contenção frágil, mas imprescindível. Sem ela, é a barbárie.

O governo de pessoas sem qualquer qualidade positiva, apegadas apenas ao dinheiro e à impunidade.

Isto têm que acabar.

O Brasil vai decidir. Queda livre em direção à extinção do que resta de sociabilidade e vida em relação, ou recomeço.

Apostamos no recomeço.

Caminhos de libertação

Começa um novo dia

O canto das aves

A esperança de que se retire a sombra que paira sobre o país

A vagabundagem deve ser varrida também da esfera pública

A construção diária de espaços de vida digna

Trabalho, arte, leitura, poesia

Caminhos de libertação

Lugar de delinquentes é em qualquer lugar menos na condução do país

Como se refaz a ordem social quebrada pelo golpe de estado de 2016?

Com lucidez e trabalho contínuo

Atenção à vida e às relações humanas

Toda pessoa é valiosa

A morte não é uma bandeira

Fascismo nunca mais!

Precisamos de justiça urgente, gente!

Advertência

Tem crescido muito, infelizmente, o número daquelas pessoas que, pela internet, veiculam posições e atitudes de ódio.

Essas pessoas julgam, equivocadamente, que as suas ações ficarão impunes.

Devemos advertir, no entanto, que medidas judiciais serão tomadas toda vez que alguma dessas atitudes venha atingir as postagens desta revista.

O nosso trabalho em defesa dos Direitos Humanos vai prosseguir.

Defendemos o retorno do Brasil ao sistema democrático de direito. O fim do regime de exceção é um pré-requisito sine qua non para que continuemos a pertencer ao conjunto das nações civilizadas.

A reconstrução nacional e social encabeçada pela chapa Lula-Alckmin nas eleições de outubro, abre a possibilidade de restabelecimento da sociabilidade danificada.

Não iremos tolerar sob hipótese alguma, ataques à liberdade de ação e expressão.

Polícia existe para a delinquência.

O nosso terreno é e continuará a ser, o da educação.

Somente posições claras poderão pôr fim ao avanço da decomposição social que se expandiu demasiadamente nestes últimos anos, notadamente a partir do golpe de estado de 2016.

Temos a chance de refazer o que foi destruído, e estamos fazendo a nossa parte.

Vamos todos juntos reconstruir o Brasil

Por Aloizio Mercadante*

Propomos é um projeto de desenvolvimento justo, solidário, criativo, soberano e sustentável, diferente do modelo neoliberal que levou o país ao atraso e ao caos social em que se encontra.

Os sete partidos que compõem a coligação “Vamos Juntos pelo Brasil” — PT, PCdoB, PV, PSOL, PSB, Solidariedade e Rede — apresentaram ao povo brasileiro, na última semana, as diretrizes do programa de governo da candidatura Lula-Alckmin. A partir do diálogo e do entendimento, chegamos a uma ampla convergência programática e consolidamos a unidade sobre propostas que conformam as bases para a reconstrução do Brasil.

O documento reafirma valores e compromissos históricos dos nossos partidos, como a defesa da soberania e do patrimônio do povo brasileiro e o profundo respeito à democracia e aos valores civilizatórios expressos na Constituição de 1988. Ao mesmo tempo, dialoga com desafios contemporâneos da humanidade, como a grave crise climática, o compromisso com a sustentabilidade e com a sociedade do conhecimento, a inclusão tecnológica e a transição energética.

Além disso, aponta caminhos estruturantes para superarmos as crises social e econômica, que assolam o país de forma profunda desde o Golpe de 2016. O Brasil de Bolsonaro retirou o povo do orçamento, deixando como legado mais de 33 milhões de famintos, uma legião de mortos pela pandemia de Covid-19, uma inflação de mais de dois dígitos, que corrói a renda, especialmente dos mais pobres, e uma taxa de juros elevada que acelera a inadimplência que já atinge 66 milhões de brasileiros e brasileiras.

Por isso, nossas diretrizes contemplam, por exemplo, a necessidade da geração de emprego e de renda a partir da retomada dos investimentos em infraestrutura, da reindustrialização nacional em novas bases tecnológicas e ambientais e do estímulo à economia solidária, à economia criativa e à economia baseada na biodiversidade, além do apoio ao cooperativismo, ao empreendedorismo e às micro e pequenas empresas. Também o resgate da política de valorização do salário-mínimo e de um novo Bolsa Família. Acreditamos que essas alternativas são o caminho para começarmos a resgatar o poder de compra do povo e garantirmos renda compatível com as atuais urgências da população.

O que propomos é um projeto nacional de desenvolvimento justo, solidário, criativo, soberano e sustentável, diferente do modelo neoliberal que levou o país ao atraso e ao caos social em que se encontra. Nossas diretrizes deixam claro que precisamos reconstruir um Estado forte, comprometido com a estabilidade e a sustentabilidade financeira, mas reafirmamos a necessidade de revogarmos o desacreditado teto de gastos que não existe em nenhum país desenvolvido, de avançarmos em uma reforma tributária solidária, justa e sustentável que simplifique tributos, reduza a carga de impostos indiretos e promova a progressividade, e de lançarmos mão de estratégias mais amplas e consistentes de combate à inflação.

Nosso projeto de país soberano passa pela recomposição do papel indutor e coordenador do Estado e das empresas estatais. Ainda, pelo respeito ao novo federalismo, a recuperação de uma política externa ativa e altiva, de retomada do processo de integração latino americana, agora fortalecido pela vitória arrasadora das forças democráticas e progressistas. Temos compromisso com a defesa intransigente do Estado Democrático de Direito e com a restauração de todas as instâncias de participação social e do avanço em mecanismos de governança democrática e controle social.

O próximo passo é a mobilização e a ampliação da participação popular na construção do nosso plano de governo. Para isso, lançamos a plataforma “Juntos pelo Brasil”, que recebeu mais de 2 mil sugestões no primeiro dia funcionando. Recebemos propostas dos mais diversos temas que refletem desde posicionamentos individuais, até propostas que sempre foram bandeiras dos movimentos populares.

Temas como energia, sustentabilidade, combate à fome, distribuição de renda, controle da inflação, defesa das empresas estatais, geração de emprego e educação são até agora os mais populares.

Além disso, nas primeiras 24h, a plataforma recebeu mais de 50 mil visitas e foram realizados mais de 5 mil downloads do documento completo de Diretrizes para o Programa de Reconstrução e Transformação do Brasil, o que dá a dimensão do interesse crescente pelas nossas propostas.

A expectativa é que a plataforma amplie o engajamento para que a base social da coligação se aproprie das propostas contempladas no programa de governo e se envolva de fato na construção coletiva do nosso projeto. Em paralelo a isso, serão abertas mesas de diálogo da coordenação nacional do programa com entidades nacionais, para avançar no processo de construção programática.

Não tenho dúvidas que o resultado desse esforço coletivo será um plano de governo moderno que resgate o legado exitoso dos governos do PT e dos partidos aliados, sintético, portador de futuro e inovador.  Da mesma forma, estou seguro, como apontam todas as pesquisas eleitorais, que liderados por Lula, apoiados pela nossa militância aguerrida e apaixonada e sustentados por uma ampla base democrática, seremos capazes de conquistar uma extraordinária vitória nas eleições.

Em janeiro, o reencontro de Lula com o povo se dará em uma gigantesca festa popular, com o maior líder político da história do Brasil subindo a rampa do Palácio do Planalto e colocando a faixa presidencial no peito pela terceira vez para deflagrar um amplo movimento pacífico e democrático de reconstrução do Brasil.

*Presidente da Fundação Perseu Abramo

Fonte: PT

(27/06/2022)

Brasil, na ante-sala da barbárie. É possível evitar o pior?

Estas notas estão sendo redigidas em um contexto internacional extremamente beligerante. O conflito em campos ucranianos já dura mais de 40 dias, sem sinal convincente de um cessar-fogo. Diante da guerra de versões, convém sempre conferir uma diversidade de fontes. Na semana passada, a senhora Lola Melnyck, nascida na Ucrânia, e de família russa, atualmente residente no Brasil, concedeu uma entrevista a Breno Altman de Opera Mundi, que julgamos oportuno conferir (link: https://www.youtube.com/watch?v=Cz8Tn08bB6Q). Mas não é deste conflito que aqui tratamos. 

Resulta extremamente destrutivo o ritmo avassalador de desmantelamento do tecido social brasileiro. Impacta-nos profundamente o grau de degenerescência da frágil “democracia” brasileira. As instituições cada vez mais corroídas propiciam grave ameaça às condições de vida, de trabalho e de organização do povo brasileiro, graças à ganância incontrolável dos grandes grupos econômicos transnacionais e nacionais. Grave risco ou uma ante- sala para a barbárie, cujos sinais já podem ser observados, haja vista o poder deletério do bolsonarismo, fruto de sucessivos golpes, pelo menos, desde 2013/2015.

Ao observarmos a atual realidade brasileira, comparando-a à de uma década atrás, nos sentimos bestificados com a profundidade e a extensão dos estragos produzidos pelo Golpe a que vem sendo submetido o país, desde pelo menos 2015. Este sentimento nos remete a duas figuras. Comecemos por uma cômica, um personagem interpretado por Jô Soares, no programa “Viva o Gordo”, dos anos 80. Hospitalizado, havia vários anos, em coma, eis que de repente o personagem desperta, procurando notícias sobre o Brasil, durante o período do Coma. Seu interlocutor o informa de gritantes novidades, no cenário político. Tal é o choque que sente, que prefere retornar ao coma… Outra figura à qual nos sentimos remetido, é a de Florestan Fernandes. Em um de seus memoráveis artigos, publicado no Jornal do Brasil em 1º de Maio de 1990, intitulado “Um amargo quarto de século”, Florestan Fernandes se queixava de que, apesar de incessantes lutas nesses 25 anos, as coisas haviam se agravado consideravelmente para as classes populares. O sentimento que hoje experimentamos é muito pior. A realidade social brasileira tem se agravado cada dia mais.

Faz parte do jogo democrático a convivência com dissensos e conflitos, bem como com situações de vulnerabilidade institucional. Não é disto, porém, que tratamos aqui. Tem, antes, a ver com todo um longo período de constantes ataques à nossa frágil “democracia”. Com efeito, desde pelo menos 2013, toda uma cultura de golpes vem se instalando crescentemente na sociedade brasileira, tendo-se aprofundado gravemente, desde 2015.

Tais ataques alcançam praticamente todo o tecido social, desde a economia (as contas-reformas trabalhistas, previdenciárias, além das privatizações de empresas estatais estratégicas, desemprego estrutural, o iníquo sistema tributário extremamente regressivo e outros males, constituem exemplos emblemáticos), passando pelas gravíssimas crises socioambientais, sanitária (Covid-19), habitacional, da saúde, da educação, da segurança pública, entre outras, bem como pela esfera política (constantes retrocessos na governança, as setores populares sequestrados pelo Executivo e pelo Legislativo, as profundas contradições do judiciário, a cumplicidade dos militares…)

 

Diante deste quadro de devastação econômica, política, cultural, ética, somos remetidos a reflexão crítica proposta por Enrique Dussel, em seu livro “ Vinte teses de política”, em especial sua quinta tese, a que se debruça sobre “a fetichização do poder”.

Em sua quinta tese, com base em Karl Marx, Dussel nos apresenta magistralmente aspectos fundamentais das origens do atual desmantelamento do tecido social latino americano, também válida para o Brasil. Com efeito, as classes dominante e dirigente têm se empenhado, sem cessar, no esgarçamento do nosso tecido social. A fetichização constitui uma marca nítida de sua estratégia para a implantação de sementes de barbárie, fetichização que se constitui pela absolutização do poder, da “potestas”, em detrimento dos interesses da “potentia”, isto é, da sociedade correspondente aos interesses da classe dominada, dos trabalhadores e trabalhadoras, do povo dos pobres. É disto que ele trata quando se refere a uma sociedade “despotencializada” pelo Estado e seus aparelhos. A absolutização do poder, sob diferentes aspectos, faz irromper uma profunda inversão de valores, jogo no qual a mentira, a farsa, o ódio, a hipocrisia passam a ser os valores dominantes, em nossa sociedade.

A fetichização do poder tem, com efeito, graves consequências. O Estado brasileiro, tomado de assalto pelas instâncias do executivo, do legislativo, com a omissão ou cumplicidade também do judiciário e do Partido Militar, ao qual a sociedade brasileira deve tomar como o maior desafio para a Democracia brasileira. A partir daí, o poder vai se corrompendo, invertendo os objetivos declarados de representatividade do povo brasileiro. Os próprios eleitos, submetidos ao poderio econômico, por meio do financiamento de suas respectivas campanhas eleitorais, não bastassem as gravíssimas consequências dos chamados fundo partidário e fundo eleitoral, resultando em um verdadeiro assalto aos empobrecidos. Por meio de projetos tirânicos de usurpação do poder e dos interesses da enorme maioria do povo brasileiro, deliberam leis profundamente iníquas, agravando a miséria, as desigualdades sociais, implantando um caos, um retrocesso a demandar, para sua superação, trabalhos de gerações. Assim sucedeu com a contrarreforma trabalhista, rasgando a CLT, que já não era o ideal para a classe trabalhadora, implicando um aumento enorme das condições de trabalho, da precarização da vida de milhões de brasileiros e brasileiras. Uma das marcas desta iniquidade pode ser representada pelo chamado “trabalho intermitente”, em que o direito ao trabalho fica extremamente comprometido, uma vez que a força de trabalho vendida pelos trabalhadores e trabalhadoras, apenas em parte muito ínfima, é atendida. A contrareforma trabalhista consititui uma marca profunda da crueldade da classe dominante e dirigente brasileira, formada por descendentes da Casa Grande, do Escravismo, dos Senhores de Terra e Latifúndio, dos que alimentam ódio ao povo trabalhador, aos povos originários, aos negros e negras, aos favelados, aos periféricos. Sinal evidente desta barbárie se encontra nas longas filas para aquisição de ossos nos monturos em que o lixo é jogado, onde se encontram pessoas em busca de comida. Precisamente em uma conjuntura em que os principais bancos obtiveram lucros escandalosos…

A crueldade da classe dominante e dirigente no Brasil não se limita à contra reforma trabalhista. Avança, voraz e predadora, também no campo previdenciário, de cuja recente contra reforma resulta quase impossível aposentadoria para grande número de trabalhadores e trabalhadoras. Igualmente tem-se mostrado perversa esta mesma classe dominante e dirigente, em muitas outras esferas. Na saúde, por exemplo, os governantes se mostram cúmplices dos controladores da saúde privada, injetando nas instâncias privadas de saúde as mais vantajosas verbas, à custa da degradação da saúde pública. O mesmo sucede no campo da educação, em que do tesouro nacional saem gordas verbas para aumentar o privilégio em escolas particulares, sempre em detrimento da educação pública.

Gritante ainda é o que se tem feito na esfera sócio-ambiental: uma crescente devastação das condições ambientais, graças ao expansionismo territorial do agronegócio, sobre a Amazônia e sobre as terras indígenas, aliadas às grandes empresas de mineração, aos garimpos ilegais, à rede de instâncias controladoras dos agrotóxicos que se tem derramado letalmente sobre o nosso solo, sobre o subsolo, sobre nossas fontes e rios, sobre a flora, sobre nossos animais e sobre os humanos, em que numerosas pesquisas vêm dando conta do espantoso número de câncer em trabalhadores e trabalhadoras que atuam sob a égide do agronegócio.

Por mais que nos espante e escandalize cada item da vasta e crescente lista de escândalos e delitos cometidos com frequência inédita pelo atual desgoverno Bolsonaro e seus cúmplices, vale a pena observar que cada um desses graves delitos merece ser detalhadamente estudado, como condição de um entendimento mais aprimorado da letalidade da atual ou das atuais políticas governamentais. Para fins de ilustração, limitamo-nos a apenas um de centenas de exemplos de delitos cometidos impunes pelo atual desgoverno. Referimo-nos à esfera sócio ambiental. Em recente ação movida por alguns partidos políticos contra a criminosa política ambiental conduzida pelo atual desgoverno e em julgamento pelo STF, tivemos a oportunidade de ouvir atentamente o voto proferido pela ministra Carmen Lúcia um estendo e substancioso voto, inspirado também em um relevante vídeo produzido por especialistas no campo socioambiental a mostrar a letal transformação, graças  a atitudes omissivas e comissivas realizadas pelo governo bolsonaro, do qual o ex-ministro Ricardo Sales é o maior exemplo de descompromisso com a causa socioambiental, para tanto recomendamos acompanhamento tanto por voto da ministra Cármen Lúcia como do vídeo acima mencionado.

A fetichização do poder também se tem feito no campo da cultura, na esfera religiosa. De fato, temos vivido, no Brasil, uma perigosa inversão de valores, em que os princípios elementares de verdade, de justiça, de honradez tem dado lugar a estratégias vulpinas baseadas na mentira, na introjeção do medo como arma de dominação, em fake news, no espalhamento do ódio de classe, de cor, na xenofobia seletiva, todos os dias protagonizados pela mídia hegemônica, a serviço da barbárie do Capital, sem falar no mal provocado pelo fundamentalismo religioso. Diante de um quadro tão sombrio, ainda há lugar para esperançamento?

É possível evitar o pior?

É possível que alguns estejam tomados de desespero, diante deste dantesco cenário. Olhando, porém, em perspectiva histórica, não devemos esquecer que, sim, a humanidade já experimentou, em outros períodos, situações iguais ou piores. No caso específico da sociedade brasileira, por mais tenebroso que se mostre o cenário atual, é tarefa nossa empenharmos em evitar o pior, como o primeiro passo para uma retomada, em novo estilo, do Trabalho de Base. Neste sentido, visando a contribuir com o debate, ousamos submeter a discussão algumas propostas de enfrentamento do quadro atual.

Em recente artigo escrito por Frei Betto, “cadê o povo?” (cf. https://domtotal.com/artigo/9907/2022/03/cade-o-povo/ ), ele traz a tona, além de uma rememoração dos feitos trágicos produzidos pelo Desgoverno Bolsonaro, uma lista pertinente de forças, de movimentos populares e de outras organizações de base em nossa sociedade, instando-as a enfrentarem este desafio.

Não se trata, como ele mesmo lembra, de negar iniciativas fecundas que andam acontecendo, nas correntezas subterrâneas: alguns movimentos populares, coletivos feministas, lutas populares nas favelas, etc. Sucede que, por mais heróicas e combativas, apenas tais organizações não são suficientes para um enfrentamento exitoso dos atuais desafios. Em verdade, estas forças de mobilização apresentam um simbolismo alvissareiro, mas ainda estão distantes de um nível desejável de mobilização social, como já tivemos nos Brasil, em décadas passadas. É certo que, nunca antes, chegamos a tal grau de degenerescência institucional, em que as classes dominantes e dirigentes que tem se apresentado com tanta voracidade, com tanta gana de poder e de riqueza, a custa das maiorias empobrecidas. Os escândalos mais recentes protagonizados pelo Ministério da Educação (ingerência de Pastores em falcatruas repugnantes, superfaturamento de ônibus escolares…) constituem apenas uma pontinha do iceberg de pilhagem do dinheiro público, levada a efeito nas diversas esferas, da economia, da política, da cultura, todos invariavelmente sob o signo da impunidade, a começar da figura do presidente da república, com sua vastíssima lista de delitos impune, graças a crescente corrosão das instituições e ao cúmplice silêncio e inércia de nossas organizações de base.

Em vista de uma posição proativa de nossas organizações de base, movimentos populares, pastorais sociais, forças de esquerda, podem ser úteis alguns passos a serem empreendidos.

 

Trabalho de base em novo estilo: o quê? para quê? como?

A expressão “trabalho de base” é amplamente conhecida pelas forças de mudança, especialmente pelos movimentos sociais, que trabalham na perspectiva da construção de uma nova sociedade alternativa da barbárie capitalista, mesmo assim, vale a pena destacar o sentido de “trabalho de base”, que temos preconizado. Significa, principalmente, a realização contínua da principal tarefa de transformação social, que deve caracterizar a rotina daqueles e daquelas que se comprometem com a construção de uma nova sociedade, alternativa ao capitalismo. Significa o cuidado permanente com a formação de núcleos populares, de células, de conselhos populares, de pequenas comunidades, de círculos de cultura ou que outro nome tenha, no sentido de firmar um amplo movimento de construção das bases sociais, políticas, econômicas, políticas e culturais, em vista desta transformação social. Não se trata – eis a razão da insistência da expressão “em novo estilo” em simplesmente criar estes núcleos, mas de mantê-los fortalecidos, ao longo do tempo, com três objetivos fundamentais:

– criar e manter o compromisso organizativo desses núcleos populares;

– Encetar um amplo e permanente programa de formação destes sujeitos sociais;

– Estimular, a partir das bases anteriores, um programa permanente de lutas dinamicamente conectados com as tarefas organizativa e formativa;

 

Não se trata aqui, de pretender-se reinventar a roda, até porque em doses moleculares isto tem acontecido, ontem e hoje, em diferentes experiências protagonizadas pelo que chamamos de correntezas subterrâneas, isto é experiências levadas a termo por alguns movimentos sociais populares, por associações, por cooperativas, pro organizações de base da nossa sociedade. Trata-se sim, de ampliar essas experiências, tanto do ponto de vista quantitativo, quanto do ponto de vista qualitativo.

Espanta-nos especialmente nos últimos anos, a fragilidade das forças de transformação social, de não terem prosseguido, de modo desejável o fortalecimentos destas experiências, se por um lado, podemos debitar a Covid-19 parte das razões deste enfraquecimento, por outro lado, é preciso reconhecer parcela significativa de responsabilidade que recai sobre estas forças de transformações sociais. Atribuir o recuo destas forças sociais apenas a crise sanitária não ajuda o processo de autocrítica, haja vista que em diversas experiências de mobilização popular, em países latino americano se deram também durante a Covid-19. Também, importa destacar um certo atrelamento incondicional as forças partidarias da parte de diversos sujeitos sociais populares, de modo a superestimarem o papel partidário em detrimento de uma construção popular de autonomia dos movimentos sociais populares e de outras organizações de bases de nossa sociedade. Tal atrelamento tem – devemos reconhecê-lo – enorme responsabilidade no inexplicável recuo que tivemos na mobilização dos movimentos populares e outras forças, justamente quando as forças neo-fascistas vem ameaçando, a olhos vistos e sob diversos aspectos, a organização de nossa sociedade civil, sem contar os profundos estragos econômicos, políticos, culturais, éticos que seguem ameaçando letalmente nosso povo.

Tendo em vista que sobre estas tarefas listadas de nossas organizações de base, em especial dos movimentos populares, importa lembrar que já tivemos a oportunidade de contemplá-los em textos anteriores publicados em http://textosdealdercalado.blogspot.com/, cuidamos aqui de explicitar brevemente cada um desses compromissos. Com relação ao compromisso organizativo, convém lembrar que se trata não apenas de criar dezenas, centenas de núcleos  populares no campo e na cidade, mas também de mantê-los em viva atuação e de aprimorar-los. Nestes espaços, importa trabalhar com os distintos protagonistas várias dimensões deste compromisso organizativo. O primeiro tem a ver com a promoção incessante do exercício da autonomia, tanto em relação ao mercado capitalista quanto ao seu Estado. Neste sentido, o alerta quanto a necessidade de retomada do trabalho de base, “em novo estilo” convém destacar que a experiência recente e menos recente de um atrelamento partidário, ainda que se trate de partidos de esquerda, não surtiu os frutos desejáveis. Não se trata de estabelecer um muro entre forças partidárias e movimentos sociais. Isto não tem cabimento. Trata-se, porém, de tomar consciência dos riscos enormes para os movimentos populares de se transformarem, ainda que por meio de seus dirigentes, meras correias de transmissão. Esta experiência amarga nós tivemos, e devemos estar vigilantes para não reedita-la. Autonomia diante do estado e seus aparelhos, diante das várias expressões da força do mercado capitalista, deve nos ajudar a firmar nossa posição de autonomia, sobretudo diante da consciência dos profundos e crescentes limites dos espaços estatais, governamentais. Quando se trata de lutar por uma nova sociedade, alternativa à barbárie capitalista.

 

Esta autonomia, assim como em passado ainda recente, nos chama para a necessidade de exercitarmos o autofinanciamento para o desenvolvimento de nossas atividades. E com relação ao processo eleitoral em curso, o que fazer?

É conhecida, em várias oportunidades, nossa posição crítica em relação a um balanço positivo em relação aos processos eleitorais, no Brasil e alhures. Lembramo-nos, por exemplo, do que escrevemos, a este respeito, em um texto de 2006. Esta posição continuamos a sustentar. Porém, em se tratando de uma conjuntura completamente atípica, a que vivemos no Brasil, de uma gravíssima ameaça à continuidade da barbárie decidimos, desde 2018, suspender provisoriamente esta nossa posição profundamente crítica dos processos eleitorais como ferramenta principal de mudança. Assim como em 2018, também neste ano, vamos comparecer às urnas, mais do que para eleger o candidato do PT, para derrotar o representante da barbárie. Disto já tínhamos dado sinal, em outro texto, logo após a eleição de Bolsonaro, clamando por socorro, donde o título “SOS Brasil” (Cf. textosdealdercalado.blogspot.com).

Esta decisão de suspender nosso juízo acerca da fragilidade do processo eleitoral como instrumento principal de mudança social não invalida nossa posição de uma participação crítica no processo eleitoral em curso. Não nos negamos a participar dele, mas de modo bastante próprio. Que contribuição temos a oferecer neste sentido? Segue, abaixo, uma lista de critérios ou propostas, em relação ao processo eleitoral. Destaquemos algumas dessas propostas.

 

  • Formação e manutenção de comitês populares de luta, no campo e nas periferias urbanas, destinados a empreender uma discussão crítica acerca dos limites e do engodo do processo eleitoral, haja vista eleições precedentes.

  • A estes comitês populares de luta também se propõe a tarefa de esboçar um programa de governo, que corresponda às verdadeiras necessidades materiais e imateriais, bem como as aspirações do povo trabalhador;

  • Este esboço de programa implica a discussão dos grandes entraves conjunturais, o tabuleiro das forças dominantes e dirigentes, bem como da posição das classes populares, frente aos atuais desafios;

  • Começar a debater, desde já, ainda que a médio prazo a possibilidade de reinstalar o processo constituinte, dada a caducidade, em pontos fundamentais da atual constituição, desfigurada que tem sido por sucessivas emendas protagonizadas pelos governos golpistas;

  • Na discussão programática, priorizar aspectos fulcrais, tais como: o enfrentamento da dívida pública extorsiva a que o povo brasileiro vem sendo impunemente submetida, a exigência de uma política tributária que se contraponha frontalmente ao que se abate hoje sobre as classes populares, situação em que a carga mais pesada de impostos recai sobre os mais empobrecidos por meio dos impostos indiretos, dos quais a enorme maioria do povo nem sequer tem consciência, enquanto os ricos praticamente ficam isentos de pagamento de impostos, ou simplesmente os sonegam. Acerca desta crueldade, importa trazer à discussão diferente estudos e pesquisas à nossa disposição;

  • Impõe-se discutir as bases de privilégio que caracterizam a classe dominante e a classe dirigente. Importa arrolar um número espantoso de privilégios ultrajantes, ainda assegurados aos diversos membros do parlamento do executivo, do judiciário, dos setores militares, sem falar dos odiosos dos setores dominantes de nossa sociedade, das grandes transnacionais atuando nos mais diversos ramos da economia, da saúde, da educação, da cultura, e até na esfera religiosa…

  • Outro ponto a merecer destaque tem a ver com o crescimento espantoso das desigualdades sociais, sempre atentando às suas raízes;

  • Vale, ainda, destacar a importância de se lutar contra a presença de setores religiosos fundamentalistas, no âmbito do estado;

  • Trazer à discussão, nestes mesmos comitês populares de luta, a prioridade de fortalecimento das organizações populares, dos movimentos populares, de associações e cooperativas fiéis aos interesses dos trabalhadores e trabalhadoras;

  • Priorizar a discussão internacionalista, situando a luta de classes, em âmbito mundial, especialmente com relação aos conflitos geopolíticos e geoeconômicos em curso.

  • Neste conjunto de propostas submetidas ao debate, destacamos também a relevância teórico-prática dos procedimentos, da metodologia. Isto vale, por exemplo, ao lidar-se com as questões de gênero, de etnia, de geração, de espacialidade, etc. Resultam pouco eficazes ou infecundas as experiências de Trabalho de Base em qualquer uma dessas dimensões, se não se priorizar a costura incessante dessas várias dimensões, inclusive e sobretudo a dimensão de Classe Social (afinal, esta tem cor, tem sexo, tem idade, tem proveniência geográfica, etc.).

 

Ainda no que toca ao debate eleitoral, importa, entre tantas medidas ou propostas, insistir em uma política de estocagem de produtos básicos, especialmente os que compõem a cesta básica, como alternativa contra os critérios de mercado. Eis apenas poucos aspectos que submetemos à apreciação e à discussão, inclusive durante o processo eleitoral, por parte dos integrantes das classes populares.

 

Como de hábito, nos dirigimos especialmente aos jovens do meio popular do campo e das periferias urbanas, eis por que lhes recomendamos algumas sugestões de textos e leituras:

 

ACOSTA, Alberto. O bem viver: uma Oportunidade Para Imaginar Outros Mundos. Ed Autonomia Literária. 2016.

 

Betto, Frei. Cadê o povo? https://domtotal.com/artigo/9907/2022/03/cade-o-povo/

 

CHAUI, Marilena. A ideologia da competência: volume 3. São Paulo: Ed. Autêntica. 2014.

 

___________. Vídeo O QUE É IDEOLOGIA? – Palestra https://www.youtube.com/watch?v=C3wv_vpRjzk

 

DOWBOR, Ladislau. A era do Capital Improdutivo: a Nova Arquitetura do Poder, sob Dominação Financeira, Sequestro da Democracia e Destruição do Planeta. Editora Autonomia Literária. 2018.

 

___________. https://dowbor.org/

 

DUSSEL, Enrique. 20 teses de política. Ed Expressão Popular. 2007.

 

GABRIELLI, J. S.; AUGUSTO JR., Fausto.; ALONSO JR., Antônio. Ed. Expressão Popular. Operação Lava Jato: crime, devastação econômica e perseguição política. https://www.youtube.com/watch?v=S1MsQIluZvk

 

HOORNAERT, Eduardo. Helder Câmara, uma vida que se fez Dom. São Paulo: Paulus. 2022.

 

MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. A desordem mundial. Ed. Civilização Brasileira. 2016.

 

MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. Formação do Império Americano. Ed. Civilização brasileira. 2005.

 

LOWY, Michael. O que é o ecossocialismo?. Ed. Cortez. 2014.

 

OLIVEIRA, Manfredo. Fundamentos filosóficos de um projeto de sociedade. https://www.ihu.unisinos.br/617682-fundamentos-filosoficos-de-um-projeto-de-sociedade-artigo-de-manfredo-de-oliveira

 

Vídeos:

LOLA MELNYCK: DE UMA RUSSA-UCRANIANA, COM AMOR – 20 Minutos Entrevista: https://www.youtube.com/watch?v=Cz8Tn08bB6Q

 

LETÍCIA PARKS: QUEM É O PROLETARIADO? – 20 Minutos Entrevista: https://www.youtube.com/watch?v=C2l-esaDRo0&list=PL_Q9S5SSNNLgAh3NPYfxrV–NR1-BfuS5&index=6

 

João Pessoa, 11 de abril de 2022.

Esperança Brasil. Brasil Esperança

Como se faz um país?

Um país é feito de inúmeros fios de lealdade, filiação, amizade, pertencimento, respeito, sentimento, complementariedade.

Todo esse tecido fino foi sendo despedaçado com persistência maléfica, desde pelo menos 2013, quando o então derrotado candidato presidencial Aécio Neves (PSDB) decretou em rede nacional de televisão: “vamos tirar o PT do governo”.

Tiraram o PT do governo mediante o golpe de estado de 2016 e fizeram mais: trouxeram o Brasil de volta para o mapa da fome.

Instalaram um desgoverno genocida, que contraria em tudo os princípios internacionais dos Direitos Humanos. Apologia da tortura, também em rede nacional de TV, pelo atual presidente da República.

Ataques aos segmentos LGBT, aos pobres, aos trabalhadores, aos aposentados e aposentadas. Ataques à ciência, à educação, à saúde, às artes.

Tudo que é humano foi rebaixado a coisa vil.

Temos a possibilidade de restabelecer a democracia constitucional no país.

Vêm se configurando a construção da candidatura de Lula à presidência da República em 2022.

Isto poderá significar o retorno do Brasil à posição de país internacionalmente respeitado.

A esperança é o que move o dia a dia. É o que nos permite pensar que amanhã será outro dia. Temos o direito de ter de volta o que quiseram nos roubar.

Convidamos você a participar ativamente na reconstrução do Brasil. Some com esta iniciativa que irá lhe orgulhar!

 

 

Ecologia cognitiva na sociedade da informação (PDF)

Por Leonardo Lazarte*

Além da dimensão econômica e suas implicações, a Sociedade da Informação traz mudanças na forma em que interpretamos o mundo, impacta nosso ambiente interior e põe novos desafios a nossas relações sociais. O surgimento de novos modos de cognição, a busca de novos modos de vida – vida interior –, e um foco humanista na interação entre a tecnologia e as necessidades sociais são algumas destas dimensões pouco exploradas.

Antecipando o mundo em que nos encontramos (foi escrito no ao 2000), este artigo fornece pistas para a compreensão e para a existência humana na realidade criada pela tecnologia da informação dominando quase todos os campos da vida.

Uma leitura imprescindível, que recupera debates em perspectiva histórica e filosófica, repondo a vida do dia a dia no centro da preocupação e do esforço educativo. Podemos dizer com certeza, que se trata de um grito de alerta e a mesmo tempo esperançador.

Leia na íntegra aqui:

886-Texto do artigo-979-1-10-20160304

* Professor do Departamento de Matemática e Coordenador do Núcleo de Estudos da Sociedade da Informação da Universidade de Brasília. Formado em Matemática na Universidad Nacional de Cuyo, na Argentina.

Fonte: IBICT, Ciência da Informação (29) 2, 2000, pp. 43-51.

Da perplexidade à ousadia de ensaios prospectivos: por uma sociabilidade alternativa

Não terá sido a primeira vez na história, nem será a última, que, diante da complexidade e magnitude dos desafios conjunturais/estruturais, experimentamos sensação de perplexidade e impotência. Por mais que nos impacte a conjuntura atual – e ela é, de fato, atípica! -, não nos cabe render-nos ante a complexidade e amplitude de seus desafios, que, aliás, vão bem além da própria conjuntura. Os seres humanos – já lembrava o mais original dos filósofos da práxis  – não sendo meros produtos das circunstâncias, mas também seus protagonistas (Tese III, sobre Feuerbach), não se colocam problemas para os quais não se sintam historicamente instados a superá-los. Entre acertos do passado, ensaios do presente e ousadias prospectivas, haveremos de encontrar pistas de alternatividade.

Colhidos no olho do furacão, com ou sem surpresa (há, sim, vozes que já vêm alertando sobre isso, há um bom tempo), de uma crise gigantesca, que se tem revelado mais própria de uma “mudança de época”, é compreensível aí prevalecer, por certo tempo, o sentimento de perplexidade, quando não de impotência. Bem ou mal, vínhamos regendo-nos, durante décadas e décadas,  por paradigmas hegemônicos, que nos eram relativamente familiares e aos quais estávamos acostumados. Por vezes, até tínhamos a impressão de que, conforme os traços do problema surgido, já contávamos em nossa caixa de ferramentas teóricas com a(s) ferramenta(s) adequada(s) à sua superação, ainda que parcial. Até parecia que tínhamos as respostas dos problemas. Eis que, de repente, mudam as questões, e sentimos fugir terra dos nossos pés. Enfrentamos questões de novo tipo. Por mais forte que seja a tendência a cedermos ao imobilismo, nosso instinto de sobrevivência nos impele a buscar ensaiar passos de alternatividade à atual conjuntura (ou estrutura). Já não contamos ao nosso favor com a eficácia de nossa velha caixa de ferramentas. Por outro lado, alguns/algumas dentre nós já alertavam, há certo tempo, para sinais de esgotamento de paradigmas hegemônicos. E até mostravam possibilidades alternativas em germe, presentes em experiências moleculares recentes e ainda em curso. De modo que hoje percebemos que nem tudo agora deve partir da estaca zero. Por certo, mesmo as micro-experiências bem sucedidas, em sua busca de alternatividade, não são suficientes para dar conta satisfatoriamente dos desafios de monta hoje à nossa frente. Mas, também é verdade que podem e devem ser um bom começo, um aperitivo promissor em nossa busca de pistas mais consistentes que nos ajudem a enfrentar com êxito os desafios do momento, a curto, médio e longo prazos.

As linhas que seguem têm o propósito de continuar contribuindo com o debate sobre a natureza das crises atuais, no Brasil (e fora do Brasil), na perspectiva de superação. Para tanto, cuidamos de 1) registrar e analisar sucessivos sinais de perplexidade, de  uma espécie de estado de choque; 2) apontar experiências grávidas de alternatividade que, pelo fato de serem ainda moleculares, não têm despertado a devida atenção; e 3) ensaiar pistas de alternatividade, a curto, médio e longo prazos.

 

1)      Uma situação que nos deixa perplexos e imobilizados…

Bons tempos, aqueles em que, conjuntura após conjuntura, sempre arranjávamos uma saída “de algibeira”, e, apesar dos obstáculos intervenientes, acabávamos “acertando”, no final das contas. Dentro do próprio sistema, acabávamos encontrando pistas ou remendos intra-sistêmicos“salvadores”. Já então, pelo menos da parte de um pequeno segmento, sucedia a necessidade de não esperar pelas forças do Estado (nem do Mercado, tão pouco), mas, antes, tratava-se de fazer pressão, por meio da articulação partidária, sindical e popular – espécie de tripé da resistência. “Nós, Trabalhadores do campo”, dizia um documento da época (relativo ao III Encontro Nacional de Trabalhadores da CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), “cansamos de pedir Reforma Agrária”, afirmando que, dali em diante, seriam eles próprios a exigir Reforma Agrária e a buscar sua concretização. Isto por volta de 1979, quando nascia o Movimento Pro-PT. Até certa altura dos anos 80, prevalecia tal sentimento entre os movimentos populares, sindicais e partidários de esquerda. Depois, tal convicção seria substituída pela crescente aposta na conquista de espaços governamentais (da esfera municipal ao plano nacional). Desde então, vem prevalecendo a aposta maciça na força transformadora desses espaços, em proporção direta e crescente ao aparecimento de sucessivos obstáculos. Neste caso, a estratégia ia mudando: agora, diante de um problema, bastava uma nova candidatura ou uma convenção mais consistente, capaz de mudar dirigentes e renovar quadros, mantendo-se, porém, a mesma estrutura organizativa (já verticalizada), enquanto se desmantelavam promissores ensaios formativos. Em breve, as saídas eram encontradas ao interno do próprio sistema, desistindo-se, na prática, do sonho de uma nova sociedade.

Se, antes, tanto o plano do PT quanto o da CUT mostravam-se ciosos de sua autonomia relativa, frente ao Mercado e frente ao Estado, bem como do seu amplo investimento organizativo e formativo, sendo seu intento organizar desde a base – sendo esta, palavra de ordem -, tais princípios foram sendo negligenciados, nos anos seguintes. Se, nas origens, por exemplo, fundar núcleos com autonomia e interconectados, cujas decisões fossem tomadas desde baixo, e cujos delegados levassem para as demais instâncias as decisões tomadas pelos núcleos, disto se vai progressivamente distanciando… No plano formativo, é sabido do maciço investimento em iniciativas tais como a do Instituto Cajamar, bem como em iniciativas, no plano popular/sindical, como a da fundação do CENTRU (Centro de Educação dos Trabalhadores Rurais). Tais iniciativas organizativas e formativas correspondiam a uma espécie, digamos, de “cláusulas pétreas” da organização popular/sindical. Conquistas expressivas que, no âmbito eclesial (“Igreja na Base”), eram reforçadas por iniciativas correlatas, tais como o CIMI (Centro Indigenista Missionário), a CPT (Comissão Pastoral da Terra), CPO (Comissão Pastoral Operária), ACR (Ação dos Cristãos no Meio Rural), MER (Movimento de Evangelização Rural, hoje um movimento popular autônomo: o MCP – Movimento das Comunidades Populares), a ACO (Ação Católica Operária), hoje MTC (Movimento de Trabalhadores Cristãos), cuja contribuição ao meio urbano se compara à da ACR, no meio rural, PJMP (Pastoral de Juventude do Meio Popular), entre outras. O próprio MST surge nesse contexto.

Tão ou ainda mais importante do que essa rede de organizações de base era sua forma de organização: pela base, a partir de nucleamentos (mantidos autônomos e interconectados entre si e com as demais instâncias), direção colegiada, rodízio de cargos e funções, autonomia financeira (viviam dos próprios tostões, arrecadados entre seus sócios), compromisso com a formação contínua de seus coordenadores e do pessoal da base, exercício de uma mística revolucionária, com o propósito de preservar e fortalecer seu compromisso de classe, presença atuante nas lutas sociais, entre outras características de sua organização.

Sobretudo a partir dos anos 90, essas iniciativas foram empalidecendo, quando não abandonadas. Em troca, prevalecia a corrida desvairada aos espaços governamentais. “Por razões táticas”, dizia-se. Tática que não tardaria a virar estratégia. Seus melhores dirigentes e militantes qualificados – centenas, milhares de homens e mulheres –, instados a compor um vasto leque de gestores, assessores em um sem-número de cargos e funções governamentais, nas diferentes esferas de poder, foram trocando a atuação nas ruas e nas lutas populares do campo e da cidade pelos espaços estatais. Foram seduzidos rapidamente pelos sucessivos êxitos eleitorais: câmaras de vereadores, prefeituras, assembleias legislativas, secretarias estaduais e órgãos correlatos, câmara de deputados, senado, presidência, ministérios, cargos do alto escalão… O mal, a essa época, não era que também fizessem política partidária, mas o fato de reduzirem às atividades partidárias e governamentais seu agir político, em desfavor do fortalecimento das lutas sociais do campo e das periferias urbanas. Uma sangria enorme para os movimentos populares, além de sobre eles exercerem uma influência danosa. Daí por diante, não poucos dirigentes/coordenadores de movimentos de referência foram também deixando-se cooptar, seduzidos pelos espaços palacianos. Esses dirigentes , por sua vez, antes zelosos pela sua autonomia frente ao Mercado, frente ao Estado e seus aparelhos, agora desfalcados de aliados históricos, iriam refletir essa sangria, sob várias formas. Uma delas: sob a influência dos antigos companheiros de lutas – agora, companheiros de Governo -, não apenas refrearam sua utopia e suas lutas, como também foram deixando cooptar-se, pela corrida de parte de seus dirigentes aos espaços governamentais. Opção que se revelaria gravíssima, no transcorrer dos anos, sobretudo por afetar sua visão de mundo, seu estilo de vida, seu compromisso de classe, este agora reduzido a mero discurso, já que suas práticas não conseguiram esconder a lição da sabedoria popular, de que “Quem come do meu pirão, prova do meu cinturão”. Ante situações fortemente contraditórias num governo de composição interclassista, como seguir assumindo posições de relativa autonomia? Impossível. O trágico disto é sabermos que ninguém com formação política, como é o caso de tantos dirigentes de movimentos populares e sindicais, faz este caminho inocentemente… Pior: com argumentos falaciosos (por ex.: confundindo origem de classe com posição de classe), arrastam atrás de si um número considerável de militantes de base.

Colhendo o que foi plantado…

Em se tratando de opções graves, suas consequências não tardam a aparecer: alargamento do arco de alianças com todo tipo de agremiação partidária, sob a alegação da “necessidade” de ganhar a eleição e, após o pleito, de garantir governabilidade, fingindo para si não ter, tal opção, consequências  graves: aliancismo, financiamento pelo Mercado e pelo Estado de suas ações, negligenciamento e abandono dos núcleos, verticalização das relações, abandono do processo formativo, distanciamento das bases, aceitação de financiamento empresarial, submissão a decisões de poucas pessoas ou pequenos grupos dirigentes, perda da consciência de classe, individualismo, superestimação de estrelas… Dai para a eclosão de grandes e sucessivos escândalos foi um pulo…

A partir dessas considerações que esperamos nos provoquem um ensaio autoavaliativo, que tal fazer-nos algumas questões, de passagem?

– A partir da compreensão e da experiência organizativa e formativa das origens dessas forças, é defensável atribuir as responsabilidades pela cadeia de malfeitos apenas ao conjunto de dirigentes?

– Tivessem as instâncias de base cumprido seu papel, haveria lugar para tantos abusos de gestão?

– Até que ponto o progressivo abandono da prática de se assegurar alternância de cargos e funções não constitui parte da explicação dos vícios de gestão atuais?

– Estamos conscientes das consequências ético-políticas do abandono do autofinanciamento, escandalosamente substituído pelo financiamento do Mercado e de seu Estado?

– Se é certo que fomos protagonistas e testemunhas de práticas ético-políticas exemplares, características das origens de nossa trajetória popular, sindical e partidária, o quê nos levou a fechar os olhos, cúmplices, diante de uma sucessão de sinais evidentes de ruptura desses valores, ao ponto de irmos sendo aliciados justamente pela cultura que sempre combatêramos?

– À parte a heroica resistência de pequenos grupos, que terminaram expulsos ou afastando-se do partido, que iniciativas de solidariedade se esboçaram, tanto em relação a ex-companheirxs resistentes quanto a uma cobrança de responsabilidades feita pelas instâncias de base aos dirigentes do partido?

– Qual a atitude autocrítica tomada pelas distintas instâncias do partido? Trataram de chamar os principais responsáveis para uma autoavaliação ou, em vez disso, seguiram com eles afinadas, por mais evidentes que fossem os desatinos cometidos, em série? Neste caso, fazendo ouvidos moucos ao conhecido dito aristotélico: “Amicus Plato, sed magis amica veritas” (“Platão é meu amigo, porém mais amiga é a verdade”)…

– Que posição se tomou em relação aos graves e crescentes sinais de irregularidades político-administrativas? Quem foi punido internamente?

– Qual o papel exercido, nesses conflitos, por intelectuais de referência, inclusive vários ligados à “Igreja na Base”? De contribuírem para uma reflexão autocrítica ou a de quase tudo atribuir à mídia burguesa ou à direita tucana e seus aliados?

– Que posição se tomou, desde a primeira eleição de 2002, frente à famigerada “Carta aos Brasileiros”?

Nas origens de várias dessas organizações, pareciam bem mais claros pontos hoje esquecidos ou desconsiderados. E isto não se expressava apenas no pensamento então dominante, mas também se refletia em suas respectivas práticas, não obstante seus limites. O quê, então, se tinha claro? Refresquemos a memória em torno de alguns deles:

– tinha-se claro que o Estado era (e continua sendo) o braço político do Mercado, ou seja, um dos componentes essenciais do modo de produção capitalista. A depender da conjuntura, até se podia ensaiar nele passos de resistência, mas jamais o assumindo-o como caminho próprio em busca da construção de uma nova sociedade;

– tinha-se claro que a construção de uma nova sociedade era um longo processo, a ser alcançado a longo prazo, mas dando desde já os primeiros passos – de alternatividade à velha ordem;

 

2) Experiências moleculares recentes e em curso, grávidas de alternatividade

Sabemos que não venceremos os impasses que nos cercam, se nos restringirmos a expressar ruidosamente nossas queixas (não raro, apenas  contra agentes externos…) ou se continuarmos a priorizar, de modo quase exclusivo, as questões ditadas pelas agendas oficiais (Executo, Legislativo, etc.). Por essas vias pouco ou nada lograremos. Há necessidade e urgência de cavocarmos outras possibilidades, alternativas a esses rumos e caminhos intra-sistêmicos. Como dizia a personagem José Dolores, do filme “Queimada”, “É melhor saber para onde ir, sem saber como do que saber como e não saber para onde ir.” E nem se trata apenas de reinventar o agir político, estritamente. É claro que nos sentimos no dever histórico de responder à complexidade dos impasses atuais, por outras vias, sim. Mas, não devemos esquecer que nem tudo parte da estaca zero. Entre nós – por vezes, até desconhecidas ou pouco acompanhadas e valorizadas – gestam-se experiências inovadoras, em relação à lógica do sistema imperante. Cada um, cada uma de nós conhece ou já ouviu relatos acerca de tais experiências moleculares, normalmente em curso nas “correntezas subterrâneas”.

3) Buscando e ensaiando pistas mais ousadas de alternatividade, a curto, médio e longo prazos

Impelidos pela convicção de que o atual modelo de organização societal não se presta a remendos intra-sistêmicos, se queremos salvar os humanos e a comunidade dos viventes, reconhecendo e promovendo a dignidade do Planeta, só nos resta ousar buscar e ensaiar pistas de alternatividade, a curto, médio e longo prazos, na perspectiva de construção contínua de um novo modo de produção, de um novo modo de consumo e de um novo modo de gestão societal, que se façam em harmonia com o Planeta.

No item precedente, tivemos a oportunidade de oferecer um primeiro ensaio, um aperitivo, por meio de experiências moleculares que apontam nessa direção, a despeito de seus limites. Neste tópico, buscamos ampliar o nosso esforço prospectivo, vislumbrando novas possibilidades, a curto, médio e longo prazos, e de modo incessante, uma vez que deve tratar-se de uma revolução em processo ininterrupto.

  1. A) Por um novo modo de gestão societal

Seguem tendo um lugar de reconhecido io destaque as relações de produção. Em determinados modos de produção ainda mais do que em outros. Isto resulta tanto mais fecundo quanto se tome em conta a necessária interação dinâmica presente entre as diferentes esferas da realidade social. Seria um exercício de mera abstração tomar-se isoladamente qualquer uma das esferas da realidade social – econômica, política e cultural. Nenhuma delas subsiste por si mesma, em si mesma, para si mesma, de forma separada. Entre todas há um inevitável entrelaçamento de relações, sem que isto reduza a importância de nenhuma delas. Ao contrário: fortalece cada uma delas, à medida que se trata uma expressão do próprio movimento da realidade. Não poucos despautérios têm sido cometidos, ao longo da história recente e menos recente, graça a certa tendência, por vezes hegemônica, de se tentar dissociar, no mundo concreto, alguma dessas esferas, inclusive a econômica, uma das outras. O economicismo – de trágicas consequências – é uma das formas assumidas de tal tendência.

Nesse sentido, por uma opção didática de exposição, aqui trato de começar a tecer algumas considerações de caráter enunciativo acerca de um modo alternativo de gestão societal, a partir do seguinte questionamento: que tipo de gestão de sociedade somos historicamente instados a ir construindo, que seja capaz de atender razoavelmente aos interesses, às necessidades (materiais e imateriais), às aspirações, aos desejos do conjunto da sociedade ou, pelo menos, da maioria de seus membros?

Um princípio irrenunciável, quanto a isto, é que o enfrentamento de tal desafio não seja obra de uns poucos pensantes, mas resultado e expressão do sentir, do pensar, do querer e da ação do conjunto – ou, pelo menos, da maioria – dos membros da sociedade, em especial (mas não apenas) do conjunto dos seus produtores e produtoras. Produtores e produtoras, aqui, correspondem tão-só ao conjunto daqueles e daquelas que vivem do seu trabalho, nas mais diferentes áreas e setores da economia. Nesse sentido, cabe ao mesmo conjunto dos membros da sociedade – a partir de suas organizações de base – definir um leque variado de questões, tais como: assegurar espaços de protagonismo de gestão societal, por meio de conselhos autônomos e interconectados com as respectivas instâncias (conselhos mantidos por ambiente de trabalho, por moradia, por ambiente de estudo, etc.); por quem e como serão tomadas as decisões gerais de gestão societal? Assegurada a prerrogativa do conjunto da sociedade, de tomar as decisões de gestão, a que instâncias intermediárias entre o conjunto dos membros e os executores de suas respectivas decisões, caberá concretizar as decisões tomadas? Como isto se fará: por que delegações, com que periodicidade de função, tendo que órgãos societais de controle, com poder inclusive de substituir, por motivos justificáveis, os delegados/delegadas antes do fim do seu mandato? Que mecanismos adotar para evitar-se o continuísmo de delegação, de um lado, e, de outro, para garantir que quem tenha cumprido seu mandato de delegado/delegada, retorne para a base, e quem é da base cumpra seu tempo de delegação, em alguma das instâncias executoras das decisões tomadas pelo conjunto dos membros? Quê formação interessa ao conjunto desses membros? Como será organizado processo formativo, que deverá ser contínuo e a ser cumprido por membros da b ase e delegados e delegadas?

Insistindo em que essas linhas não sejam tom das senão como uma pro-vocação ao desafio de irmos ensaiando passos em direção à construção de uma sociabilidade alternativa à ordem vigente, a curto, médio e longo prazos, reitero o caráter apenas enunciativo, sabidamente parcial, limitado e provisório.

  1. B) Por um novo modo de produção

Os diferentes modos de produção constituem também mostruários de como, a cada mudança de época, os seres humanos aplicaram-se, durante décadas – ou até século -, na busca de superar, ou melhor dito, de irem superando, práticas e mecanismos do sistema produtivo então vigente, nem sempre (ou quase nunca) tendo claros os traços completos do modo de produção “dos seus sonhos”. Em verdade, foram dando passos, foram tateando nessa direção. O que temos como certo é que não se conformaram com o modo de produção dominante. Foram atrás de pistas de alternatividade. Nesse sentido, partiram de pistas orientadoras, de perguntas-chave tais como: quê lugar deve ter o processo produtivo, entre nós, articulado às outras esferas de nossa realidade? Tomando em consideração nossas características geográficas e sócio-econômicas, quais são nossas prioridades de produção? O quê queremos produzir? Que impacto tal plano de produção pode ter para o nosso Planeta? Como vamos pôr em prática nosso processo produtivo? Por que, para que, para quem desejamos produzir?

  1. C) Por um novo modo de consumo

Se antes, em épocas recentes e menos recentes, bastava centrar a atenção apenas no modo de produção, hoje já não mais pode nem deve ser assim. A ideologia do progresso sem limites fez e faz estragos profundos ao Planeta, aos humanos e a toda a comunidade dos viventes. Ideologia que nutriu, desde seus inícios, não apenas os protagonistas do modo de produção capitalista. Também em experiências socialistas, tal ideologia “deitou e rolou”… Hoje, temos mais claros os custos desta tragédia e quem paga a conta desse progresso.

Quando nos damos ao trabalho de analisar a relação (tão cara ao sistema dominante) entre custos e benefícios, nos espantamos com os resultados desse modelo: aquecimento climático, crise hídrica, crise de energia, desflorestamentos, morte de rios e fontes de água, envenenamento de lençóis freáticos, contaminação do subsolo, devastação da biodiversidade, extinção de centenas de espécies vegetais e animais, envenenamento dos vegetais (inclusive da alimenta de humanos e outros animais, multiplicação de doenças daí advindas, etc., etc.

De uma análise desse quadro, não resta dúvida de que, tão importante quanto envidarmos esforço na construção processual de um modo de gestão societal alternativo e de um novo modo de produção, é igualmente assumirmos como urgente um novo modo de consumo. E aqui convém assinalar que para tanto se tornam fundamentais, não apenas os esforços coletivos de gestão, de produção e de consumo, como também resultam indispensáveis e urgentes os esforços também individuais de estilo de vida. Não apenas em relação à nossa responsabilidade pessoal no que tange à manutenção e fortalecimento de certas culturas necrófilas – de acumulação de bens, de desperdício (de água, de alimento, de energia…), de aquisição de supérfluos -, como também de nossa mudança pessoal de estilo de vida. Viver contente com pouca coisa, a exemplo do que fazem tantos povos tradicionais (sem que isto signifique tentativa de copiar sua forma de organização), a exemplo dos cultivadores do “Buen Vivir”. Nesse sentido, a recente encíclica social do Papa Francisco – “Laudato si´” representa um momento privilegiado do pensar/viver alternativo ao modelo vigente. Outro marco referencial a cultivar: a proposta do “Bem Comum da Humanidade”, bem expressa nas palavras de um conferencista, ao defender que:

A quem interessar possa, destaco os principais pontos da intervenção de François Houtart, sociólogo belga, um andarilho das boas causas.

* O pronunciamento se dá em Roma, por ocasião da segunda conferência sobre o Bem Comum da Humanidade.

* A noção de Bem Comum mostra-se importante atualmente por comportar uma leitura holística, capaz de comportar os mais distintos aspectos da realidade, numa visão de conjunto que permite apreender/compreender distintos aspectos da realidade.

* Trata-se de uma leitura de conjunto que busca compreender as relações com a Natureza, a proteção dos bens materiais, o modo de produção, a Democracia, as organizações sociais, políticas  e culturais, pois todos constituem aspectos da mesma realidade.

* Perspectiva que se opõe completamente àda lógica do sistema capitalista que promove uma ampla segmentação, ao separar cada esfera – econômica, social, política, cultural -da realidade

* Sem uma visão integrativa da realidade, fica difícil compreender a importância e o alcance desse novo paradigma anticapitalista e voltado à construção da sociedade pós-capitalista.

* As várias dimensões mencionadas da realidade comportam também os diferentes aspectos próprios do Bem Comum. Todos esses bens são  patrimônio da humanidade, tais como a terra, os mares, as florestas, etc. Eis por que não podemos aceitar que isto seja propriedade privada, porque se trata de Bem Comum da Humanidade.

* Importa reconhecer a primazia do Público, quando se trata dos bens públicos, das fontes de riqueza, dos serviços públicos. A solidariedade é mais importante do que os direitos individuais, Deve ser atendido, primeiro, o interesse comum. Garantido este,  parte-se para o atendimento dos direitos individuais.

* A terceira dimensão do Bem Comum é a Vida: a vida do Planeta, a vida dos seres humanos. Eis o valor fundamental que inspira o novo paradigma.

Eis o “link”:

http://www.youtube.com/watch?v=xT8-qWnKz_U

Reflexões sobre a vida durante a pandemia

Por Viviane Mosé*

Vivemos uma crise profunda. A civilização, com as suas sofisticadas construções tecnológicas, se vê suspensa e paralisada por um vírus. Por todo lado, a morte domina os noticiários, os corpos se acumulam, o sofrimento está exposto. Mas também as perdas econômicas, o desemprego, o desespero, o isolamento forçado. Vamos demorar a sair desta crise. Precisamos aprender a lidar com ela. Aprender a usar as redes sociais. Aprender a não usar. Aprender a parar. Estamos diante da impotência da vontade. Não há o que possamos fazer. Apenas parar, esperar. Não há dinheiro, fama, beleza que resolva. Há coisas na vida que nos obrigam. É preciso aprender a lidar com os limites, com as frustrações.

Assista:

*  Poeta, filósofa, psicanalista.

Fonte: YouTube

(26-05-2020)