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Uma nota de esperança

Talvez tenhamos aprendido, depois deste longo tempo de minuciosa e continuada destruição da sociabilidade, propriamente da humanidade, da confiança e da reciprocidade, o valor destas coisas.

Não é o mesmo um burro que um professor ou professora.

Um livro ou uma arma.

O deboche, a apologia da tortura, a morte como política de estado, ou o que agora o povo deste pais escolheu como caminho: a esperança.

Não é o mesmo trabalhar do que traficar ou fazer de conta ou enganar.

Não é o mesmo plantar e colher e partilhar, do que esconder e negar.

Não é o mesmo a treva do que a luz.

Muitas coisas mudaram neste mundo tecnológico e informatizado, instantâneo. Mas há coisas que continuam sendo as mesmas de sempre.

Racismo é racismo, e é crime. Misoginia é crime. Apologia da tortura é crime. São crimes hediondos, crimes contra a humanidade.

A menos que a polícia e a justiça de fato passem a cumprir com o seu papel, tudo terá sido em vão.

Polícia, justiça, forças armadas, não são facções nem partidos. São, ou deveriam ser, parte do aparelho do estado voltada para a preservação da ordem e da segurança.

Tanto quanto a educação, que ensina o que é o que. Ou a mídia, que estimula e promove o melhor ou o pior de nós.

É tempo de rever e revalorizar. Decidir e agir. O povo brasileiro deu um passo importante. Decidiu voltar à democracia, em 30 de outubro de 2022.

Cabe agora fazer com que isto se cumpra. Simples assim.

É preciso que as pessoas que se encontram acampadas na frente de quartéis, pedindo golpe militar e desconhecendo o resultado das eleições de 30 de outubro de 2022, sejam retiradas.

Justiça e polícia são imprescindíveis. Basta de extravio e confusão!

Temos o direito de viver em paz!

Recomeçar

É necessário compreender com clareza

O que é o que?

A vida não vale nada para algumas pessoas

Tanto faz viver ou morrer

Matar ou deixar morrer

Está no fim um período de dez anos em que o Brasil passou

Por esse tipo de regime.

Terminada a tarefa mortuária

Vem a reconstrução

Arregaçar as mangas e recomeçar

Neste contexto, impossível não vir para o principal

O que realmente importa é saber

De que lado você está?

Estar pela vida é trabalhar por ela, é cuidar dela

Cuidar das pessoas

Ver se as pessoas estão comendo, se podem dormir ou não

Se vão se educar ou não, e em que tipo de educação

Se será a educação bestializante ou humanizadora.

É preciso estar atentos e atentas e fortes

Prossegue o trabalho destrutivo

Os que destruíram o Brasil não descansam

Continuam a ameaçar, caluniar, mentir, desesperançar

Do outro lado, o povo disse NÃO!

Um rotundo e sonoro não!

Queremos a vida, queremos educação libertadora

Valorizar e cuidar do bem mais precioso

Julgar e punir os crimes contra a humanidade é imperioso

Só se vive uma vez.

Já foi a vez dos mercenários e mercenárias

A vez de quem odeia seu próprio país e seu povo

Já passou

É hora de recomeçar

Justiça e polícia

Educação e mídia

O país inteiro deve estar de pé e cumprir com seu dever

Reerguer a humanidade que pisotearam neste dez anos passados.

A quem interessa a crucificação policial no Rio de Janeiro?

Foto: Jornal Extra/reprodução.

Em qualquer ditadura, um governo tem uma forma muito simples e tradicional de agir: os opositores devem ser calados. Se não por bem, que seja pela violência direta, encomendada a milícias ou realizada pelo próprio aparato estatal.

Há diferentes ditaduras pelo mundo, até hoje, mas todas elas – sem exceção – assim agem. Elas podem ser aplicadas pelo mais alto escalão do governo, nos piores casos, ou por grupos paramilitares atuando à margem da lei, porém sempre com apoio de oficiais de governo, com ou sem apoio de agentes privados e necessariamente com apoio de parte da população e da imprensa.

Esse modelo segue um padrão linear e é acompanhado, igualmente sem exceção, por um sem número de execuções sumárias, arbitrárias ou extrajudiciais.

Por oposição, entendemos aqui apenas isso mesmo: o oposto, indesejável, que deve ser eliminado. Por qualquer que seja o motivo ou intenção.

A operação ocorrida no dia 16 de agosto de 2012 em uma favela em Santa Cruz, zona oeste do Rio de Janeiro, é tão normal que (infelizmente) é de fácil explicação. Cinco suspeitos foram perseguidos pela polícia civil, executados sumariamente e, no boletim de ocorrência, os assassinatos viraram “resistência à prisão”, uma mera consequência da troca de tiros. Um vídeo obtido pelo jornal EXTRA mostra claramente o contrário.

A chefe da Polícia Civil resumiu a posição sensata, porém (apenas) oficial do Estado: “O papel do policial é proteger vidas e agir dentro da lei. O princípio da Polícia Civil é prender e não matar”.

Para defender a população da Favela da Rola, os policiais precisavam executar sumária, arbitrária e extrajudicialmente os suspeitos à luz do dia? Não. Mesmo o mais limitado dos leitores de jornal há de concordar que, vivos, os cinco suspeitos servem muito mais para o combate ao crime do que mortos.

Além disso, atirar a partir de helicópteros em uma área densamente habitada não parece ser a atitude mais inteligente para a devida proteção da população. A singela prova disso é que a mesma polícia civil não chegou atirando para prender o bicheiro Anísio Abraão David. Os demais moradores do luxuoso apartamento de andar inteiro de frente para a praia de Copacabana talvez ficassem incomodados. Em uma hipótese, claro.

Os que são a favor das execuções sumárias são os que verdadeiramente estão “defendendo bandido”, ao meu ver, ao crer que o fim da violência só acabará com a morte de todas as pessoas do “Mal”, e não com a devida punição e efetiva investigação de suas causas. É isso o que faz o crime diminuir – e não apenas políticas sociais inclusivas, como pensam muitos liberais e socialistas.

As políticas inclusivas são, sim, importantíssimas e essenciais, mas sem a devida punição exemplar, dentro do Estado de Direito, não há um único país em todo o mundo que não tenha retomado índices alarmantes de insegurança pública e de execuções extrajudiciais. A certeza da impunidade mata muito mais que as armas de fogo.

O que vigora atualmente, no entanto, é resumido por um velho (e irônico) ditado que circula aqui no Rio: “Para acabar com a violência só com muita porrada”.

A violência maior, no entanto, está ocorrendo no dia a dia dos próprios agentes públicos do Rio de Janeiro. Sufocados pela política estadual irresponsável do confronto, muitos destes policiais entram numa espiral de vingança e de ódio contra o ‘outro’ que ocupa o mesmo lugar que ele: o oprimido pelo sistema de (re)produção da morte e do medo.

Isso fica evidenciado na fala de um policial da Core ouvido pelo jornal que estava na operação de agosto de 2012, ao comentar sobre o vazamento do vídeo: “Colocamos a vida em risco e acontece isso. Estamos sendo crucificados”.

Não há como discordar do agente. De fato, o que ele diz é ainda mais importante do que a da chefe da polícia civil, pois está no cotidiano da cidade. Os agentes colocam a vida em risco sob o mandato de suas chefias, que continuam a ignorar todo o aparato de inteligência que poderia ajudar o poder público a diminuir os índices de criminalidade – quando se tratam dos pobres. É um corte de classe, como sabemos. Computadores e Habeas corpus para uns, chumbo grosso e execuções para outros.

No lugar da “Inteligência”, o que fazem? Atiram sobre bairros superpopulosos da periferia, a qualquer momento, em uma caça insana a um punhado de garotos obedecendo a um sistema de varejo, cujos maiores beneficiários eles sequer conhecem e cuja estrutura nunca entenderão. (E quem quer receber balas de policiais nas suas cabeças a qualquer tempo? Alguém aí? Imaginei.)

Os policiais colocam sua vida em risco em nome do quê? De quem? Dos cidadãos de “bem”? Da luta contra o “mal”?

Se você é do tipo que considera que há seres humanos melhores que outros, parabéns – faz todo o sentido apoiar as execuções. Seres deste tipo – como os judeus na Alemanha nazista ou os negros da África do Sul durante o Apartheid – ficariam no mínimo ultrajados com este tipo de pensamento à mesa de jantar.

No entanto, se quisermos buscar uma compreensão mais equilibrada sobre como lideranças políticas oportunistas conseguiram obter apoio de seus agentes da lei para arriscar suas vidas diariamente sem questionarem quem são seus verdadeiros inimigos, vamos ter que nos esforçar um pouco mais.

Os policiais são os agentes públicos que mais se expõe ao crime. São eles que efetivam as operações da Secretaria de Segurança Pública. Se não começar por dentro da própria polícia o questionamento sobre a pertinência destes tipo de ações suicidas e assassinas, pouco mudará. Continuaremos ostentando números de homicídios maiores dos que o de uma guerra como a da Síria e, mesmo assim, reconduzindo para os mais altos cargos seus regentes.

A polícia que persegue pobres favelados e expõe numerosas pessoas a um tiroteio de classe, aquele que só atinge bairros da periferia, está colocando a vida de todos nós em risco – policiais ou não. A política do confronto poderia ser um atestado da nossa falta de inteligência para lidar com a questão, mas infelizmente é muito mais do que isso: é um projeto político muito bem estruturado. Reconhecê-lo é fundamental.

Manguinhos: Jovem é eletrocutado por PMs e população se levanta contra a UPP

Por Patrick Granja e Guilherme Chalita / A Nova Democracia

Na tarde de terça-feira, dia 17 de março, a equipe de AND foi à favela de Manguinhos, na zona norte do Rio, para apurar a denúncia de que um jovem teria morrido eletrocutado após receber um tiro de pistola taser disparado por um policial da Unidade de Polícia Pacificadora. Desde janeiro desse ano, o complexo de Manguinhos está ocupado por uma UPP. Testemunhas dos últimos momentos de vida do jovem Mateus Oliveira Casé, de 17 anos, conversaram com nossa reportagem e acusaram policiais pela morte doadolescente. Ele teria recebido o disparo e tido uma parada cardíaca.

O carro de polícia parou e disparou o choque nele. Ele caiu de cabeça e os policiais deixaram ele ali mesmo. Os PMs disseram que ele morreu na UPA [Unidade de Pronto Atendimento] mas quando nós levamos ele para o hospital, ele já chegou lá morto. Você acha certo UPP fazer isso? — pergunta uma testemunha ocular do crime.

Familiares da vítima disseram que a avó de Matheus não tinha condições de falar. A tia-avó do jovem chorava sentada em um beco. Outra tia de Matheus, disse que a família irá lutar por justiça.

Eu estava no trabalho, quando a minha filha me ligou me dizendo que ele tinha sido morto pela polícia. E foram eles mesmos que mataram. Não faltam provas disso. Mas como a gente é da favela e, como os policiais mesmo disseram bem alto para todo mundo ouvir, nós não prestamos, somos vagabundas que não temos nem porque sair de casa. Minha mãe não está aqui porque ela não está em condições de falar mais sobre esse assunto. Mas isso não vai ficar assim. Nós vamos lutar por justiça. Meu sobrinho não vai ser só mais uma estatística — diz a tia de Matheus.

Quando chegou à favela, nossa equipe se deparou com um cenário de rebelião. De um lado moradores revoltados pelo assassinato de Matheus. De outro, policiais da UPP, atirando bombas contra a população.

Segundo relatos, no dia anterior, moradores também se levantaram contra a rotina de terror imposta por policiais da UPP, como mostrou a reportagem da TV Record, exibida enquanto nossa equipe estava em Manguinhos. Naquele dia, moradores disseram que a violência policial fez muitas vítimas, entre elas uma criança de quatro meses. Indignada a mãe disse que sua filha quase morreu sufocada pelo spray de pimenta.

Ela estava na cama dela quando os policiais entraram na minha casa e jogaram spray de pimenta. Eles estão achando que isso aqui é casa de bandido, mas isso é casa de trabalhador. Meu marido está no trabalho. Se não fosse a vizinha correr e acudir a criança, ela poderia estar morta agora — protesta a moradora.

Um jovem que aparece sendo espancado por PMs nas imagens da TV Record, ainda foi preso. Depois de solto, o rapaz estava indignado e conversou com nossa reportagem.

A gente vive desde menor aqui e eles acabaram de chegar e acham que podem esculachar a gente. Meu sentimento? Prefiro nem falar. Deixa para lá — diz o rapaz, muito revoltado com a violência que sofreu.

Outra moradora conta que seu salão foi invadido por PMs que atiraram spray de pimenta contra ela e seus clientes.

Eu estava com a minha funcionária na porta vendo a manifestação que os moradores estavam fazendo. Meu afilhado de três anos também estava aqui dentro. Um dos policiais entrou aqui e atirou spray de pimenta na minha cara. Quase fiquei cega. Meu rosto inteiro ardia. Eu preciso da minha vista para trabalhar. Se eu ficar cega, a polícia vai comprar comida para os meus filhos? Eu não quero mais polícia fazendo arruaça dentro do meu estabelecimento. Bandido não fazia isso, polícia vai fazer? Eles não estão trabalhando? Eu também estou. Eles querem respeito, mas não respeitam ninguém. Para ter respeito, tem que respeitar — reclama a comerciante.

Moradores ainda acusaram PMs de interromperem festas violentamente e usarem drogas indiscretamente dentro da favela.

Estava tendo uma festa de criança ali,quando o pai colocou um funk, que não falava palavrão, nome de bandido, nada disso. Os policiais vieram e jogaram uma bomba em cima do bolo. Acabaram com a festa por causa de uma música — conta.

Outro dia eu senti um cheiro de maconha e, quando olhei para dentro do beco, vi quatro policiais fumando — diz.

E quando eles ficam cheirando [cocaína] de madrugada perto do sindicato? — completa outra moradora.

Irmão de um jovem baleado por policiais e preso arbitrariamente, Wanderley conversou com nossa reportagem e disse que ele e seu pai estão sendo ameaçados por policiais. Ambos estão empenhados na libertação imediata do jovem Fernando e, cada vez mais, destacam-se na denúncia das arbitrariedades cometidas pela PM na favela.

Eles já me ameaçaram. Falaram que se me pegarem de madrugada na rua, vão me matar. Falaram que se pegarem meu pai, também vão matar ele. Isso é porque eles sabem que o que nós estamos fazendo pode prejudicar eles — denuncia.

O Sérgio Cabral falou que ia colocar uma polícia preparada que servisse e protegesse. Mas eles não estão protegendo, eles estão oprimindo. Eu vou fazer uma camisa e escrever em letras vermelhas: “Pacificação ou opressão?”. Porque eles só estão oprimindo. Eles balearam o meu irmão e usaram o argumento de que ele tinha passagem pela polícia para manter ele preso, ferido ainda por cima. Ele nem sabe de onde veio o tiro que o acertou e ainda foi colocado na cadeia. E se tivesse acertado uma criança? Qual o argumento que eles iriam usar? — pergunta o jovem Wanderley.

 

Mortes estão em processo de evaporação no Rio

O coronel da reserva em São Paulo, José Vicente, comenta:

2.797 mortes por evaporação no Rio. São mortes violentas ocorridas em 2009 sem definição de causa. Morreram do quê e por quê? Dados do Datasus.

Entre 2006 e 2009 o índice de mortes violentas por causa indeterminada caiu de 11 para 6 casos por 100 mil em São Paulo. No Rio de Janeiro foi de 13 para 20. Assassinados não contabilizados não entram na estatística oficial. Dobraram entre 2006-2009. Queda oficial de homicídio foi de 28,6%. A queda real foi de 3,6%.

O Rio tem 8% da população brasileira, mas 27% das mortes sem causa, inclusive de vítimas por tiros. Autoridades da SSP/RJ balbuciam explicações. Essas estatísticas pacificadoras do Rio aguardam explicações. Os dados foram pesquisados por Daniel Cerqueira, economista do IPEA.

Recapitulando: entre 2006 e 2009 as mortes no Rio “caíram” 30,7 % mas as mortes violentas sem causa determinada subiram estranhamente 109%. Não se acusa manipulação. A crítica é sobre essa anomalia no crescimento de mortes por causa indeterminada não ter sido detectada e corrigida.

Dura lex, sed lex.

“Vitória sobre a morte!”

“[…] Nós, os homens das Forças Especiais
Reconhecemos a nossa dependência no Senhor
Na preservação da liberdade humana;

Estejais conosco, quando procuramos defender os indefesos e libertar os escravizados!
Possamos sempre lembrar, que nossa nação, cujo lema é:
‘Ordem e Progresso’,
Espera que cumpramos com nosso dever,
Por nós próprios, com honra,
E que nunca envergonharemos a nossa fé, nossas famílias ou nossos camaradas,
[…]”

O título deste artigo e os trechos acima transcritos, retirados da página oficial do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE), podem chegar a comover àquele que não conhece, mesmo que superficialmente, as táticas e estratégias de tal batalhão. Não é necessária nenhuma grande investigação, nenhum esforço maior que ir à locadora de filmes mais próxima – ou ao camelô de filmes piratas – para entender do que estamos falando. Tortura, mortes na conta do papa, classe média aplaudindo a barbárie. É claro, o fenômeno da opinião pública é bem menos público do que pode parecer, e bastou a grande mídia fazer uma campanha propagandística nos moldes de Zé Goebbels, que o grosso da população – mesmo aqueles que sofreram com a perseguição militar, entre eles nossa presidenta Dilma Roussef – esqueceu o recente passado militarizado e reivindicou a tropa de elite como os novos heróis da nação. Mataram os traficantes, implantaram UPP´s, reprimiram os bombeiros – seus camaradas – e pronto, acabou o problema da violência pública do Rio de Janeiro.
Bom, a verdade é que não fomos poucos os que avisamos que nem tudo eram flores, mas nosso poder é realmente limitado diante de Globos, Folhas de São Paulo, Estados de São Paulo e demais gibis da grande mídia brasileira. Prova disso é que, apesar do grande esforço dos ativistas de direitos humanos, organizações de esquerda e órgãos de mídia independente, o Capitão Rodrigo Pimentel, que dirigiu o BOPE durante anos, hoje é aclamado, comentando a segurança pública do Rio de Janeiro para um jornal das organizações da família Marinho, aquela que foi condecorada pelo alto escalão da ditadura militar. É bom lembrar que este senhor, que preserva a liberdade humana e defende indefesos e liberta escravizados, em nome de sua nobre função, já torturou muita gente, inocente ou não, na sua vida de policial – está aí o heróico Capitão Nascimento para comprovar.
Tecer comentários sobre a Polícia Militar do Rio de Janeiro, especialmente durante o governo Sérgio Cabral, seria inevitavelmente mais do mesmo. Não há nada de novo – pra além do já natural desenrolar dos casos de corrupção e abuso policial, assassinatos, roubos e outros hábitos questionáveis até mesmo por nossa moral ultra degenerada – na conduta desta mesma polícia, aprovada e legitimada por este mesmo governador. Continuo com as mesmas opiniões sobre sua política de segurança pública. É característico dos governos totalitários, aliás, punir na prática e ignorar nos discursos os clamores populares por mudanças sociais.
Há, no entanto, que se fazer reconhecer a diferença qualitativa dos últimos episódios de violência praticada pelo Estado em nosso estado. Estamos diante de uma mudança que sorrateiramente vai tornando aceitável e natural uma inversão de nossos valores mais formais que já se mostrou absolutamente perigosa. Falo do extensivo uso das Forças Armadas do Brasil, em especial o Exército Brasileiro, nas favelas do Rio de Janeiro. Se antes o povo negro e pobre encurralado nas favelas – a salvo dos olhares dos circos planetários de 2014 e 2016 – tinham que enfrentar cotidianamente a Polícia Militar e suas Unidades de Polícia pra lá de Pacificadoras, agora têm que lidar com os soldados, cabos e sargentos do Exército Brasileiro.
Pode parecer ao olhar desavisado que não mudou muita coisa na relação entre o Estado e os pobres. É possível inclusive que alguns dos intelectuais orgânicos da burguesia, reunidos na grande imprensa, já tenham analisado a mudança como uma questão meramente formal: mudaram as cores dos uniformes, nada mais. Infelizmente, e me pesa dizer, está longe de ser apenas isto. A Polícia Militar do Rio de Janeiro, em termos de organização, infra-estrutura, inteligência, metodologia, preparo etc. não é lá uma instituição muito séria. Já provou, comprovou, atestou, certificou, ratificou a sua deficiência histórica – que na verdade é programada e combinada – em diversas oportunidades. Mata reféns ao invés de sequestradores, mata trabalhadores no lugar de traficantes, mata criança em operação pra capturar bandidos e esconde cadáver, rouba e destrói casas de trabalhadores ao invés de procurar traficantes, mata juíza que caça bandido, enfim, mais do mesmo. É séria em praticar a violência contra a população pobre e trabalhadora, em praticar a covardia, isso sim, aí é campeã.
O Exército é outra história. O Exército Brasileiro possui cerca de 235 mil soldados. Tem a maior quantidade de veículos blindados da América do Sul e unidades especiais de elite para ação em diversos biomas, como selvas e montanhas. Também conta com unidades de ação rápida estratégica, preparadas para atuar em curto espaço de tempo em qualquer lugar do país. Está inscrito nas Forças Armadas do Brasil, a maior da América Latina, a segunda maior das Américas e uma das 10 mais bem preparadas do mundo. É de deixar tranquila qualquer dona de casa do Leblon com medo dos terroristas da Colômbia que vão dominar o mundo. Aqui não, madame, aqui eles não têm vez!
Mas o Exército tem sido utilizado nas favelas, contra os próprios concidadãos deste país. Inverteu o próprio legado de soberania nacional para manter a soberania sobre a favela, sobre a pobreza e seu descontentamento, sua insatisfação. O resultado, nós estamos vendo por aí: espancamento de trabalhador, repressão violenta a moradores, além de roubos, abusos de poder etc., tudo muito bem relatado pelo imprescindível trabalho de Patrick Granja e do jornal A Nova Democracia. Até aí, realmente, falamos de formalidades, mudanças de cores e um aumento no poderio bélico com o mesmo resultado: a repressão e a criminalizaão da pobreza, tal e qual faz a polícia. A diferença principal está, contudo, acima das questões mais práticas. O Exército passou a censurar deliberadamente a cobertura jornalística independente de suas incursões às favelas e subsequentes ocupações. E, bem, esta história, ainda que tentem esconder, cerrar sob cinquenta chaves, classificar como ultra-secreta e inacessível a suas vítimas, esta já a conhecemos muito bem.
Há um chavão recorrente em nosso país de que o brasileiro tem memória curta. É uma mentira fabricada. O brasileiro tem, antes, uma memória encurtada. As mesmas instituições que agora promovem a ascenção das forças armadas nos conflitos urbanos, que defendem a política de segurança pública tipo-exportação do Rio de Janeiro, estes vêm a ser, infelizmente, os mesmos que dominam e controlam os aparatos de memória coletiva social, desde livros e diretivas didáticas a revistas especializadas em política ou jogging, passando pelas televisões, rádios, internet etc. Não por coincidência, estas foram as instituições favorecidas (e promotoras) do regime militar que assombrou esse país durante mais de 20 anos. Assim, através dos velhos dispositivos da mídia, mantêm a população alienada de seu passado, de suas verdades, de suas necessidades e de seu próprio futuro.
Este futuro está em perigo. Aumentam os casos de corrupção, aumentam os casos de abuso policial, aumentam os níveis de violência nas periferias, aumenta a exploração sobre os trabalhadores, aumenta a repressão sobre os ativistas, aumentam as políticas de privatização. A coisa vai muito mal. Paralelamente a isso, aumenta o poder do exército e a insatisfação popular: se tudo segue assim, em pouco tempo as classes médias estarão clamando pela salvação marcial dos generais – de maneira similar ao que fizeram no passado e como estão fazendo com a ocupação policial das universidades públicas do país. Não as deixemos, pois, esquecer o sangue escorrido de nossos antepassados, a que salgado preço ainda podemos hoje, mesmo que timidamente, realizar as nossas justas denúncias e reivindicações.

Líder comunitário do Complexo da Rocinha diz que militarização não mudará realidade dos moradores

Por Patrick Granja / A Nova Democracia

Há dez dias, policiais civis e militares ocuparam as favelas da Rocinha, Vidigal e Chácara do Céu para a instalação da 19ª Unidade de Polícia Pacificadora. Dois dias após a ocupação, colaboradores de A Nova Democracia no morro do Vidigal entrevistaram o presidente da associação de moradores, Wanderley Ferreira, para lhe perguntar sua opinião sobre a recém chegada militarização. O líder comunitário disse que as obras iniciais anunciadas pelos gerenciamentos de turno são apenas obras de maquiagem. Ele afirma que essas obras estão muito distantes das reais necessidades dos moradores das três favelas ocupadas pela polícia.

Para Wanderley, o foco da militarização é proteger a estrutura da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, não melhorar efetivamente a vida dos moradores das favelas do Rio, como afirma o monopólio dos meios de comunicação. Segundo Wanderley, a especulação imobiliária inaugurada pela nova UPP já fez muitos moradores antigos da favela irem embora. De acordo com o líder comunitário, no lugar desses moradores, turistas brasileiros e estrageiros, pessoas de classe média e empresários do setor imobiliário estariam ocupando os imóveis.

O jornalismo desonesto e o mito do “crime organizado”

Atualizado em 25/11/2010 – 14h29. Alguns dados sobre os acontecimentos clicando aqui.

O “Jornal da Globo” fechou com chave de ouro o dia de uma emissora empenhada em assustar e desinformar o público, enquanto outras emissoras e rádios acompanharam a tática do pânico. A velha técnica do “Mantenham a calma” seguido de imagens impactantes da violência no Rio de Janeiro é a melhor forma, do ponto de vista da cultura do medo que tenta se impor, de pôr em ação esse objetivo. É como você dizer “Fique à vontade” quando recebe alguém pouco conhecido em sua casa, provocando o efeito contrário. Neste caso é bem pior: trata-se do imaginário social de um conjunto de milhões de brasileiros que está em jogo. E neste caso há consequências políticas.

Não há dúvidas de que (1) o índice de criminalidade no Rio é muito alto, inaceitável, e que (2) a lógica que rege o projeto da polícia comunitária, que esse governo chama da “UPP” e que outros governos já tentaram com outros nomes, é um bom caminho, desde que proponha de fato a participação da comunidade no processo decisório e que seja mais amplo. Atualmente é um conjunto de projetos-piloto.

No entanto, estratégias diversas estão em jogo. A saber:

A. O Governo do Estado, principalmente por meio do governador Sergio Cabral, tenta capitalizar a crise politicamente. Aparece como o “líder destemido” que as pessoas assustadas das classes A e B exigem nessa hora. Ao mesmo tempo, desvia a atenção da plena incompetência do governo nas áreas de educação e saúde – incluindo a recente busca e apreensão na casa de Cesar Romero, o ex-subsecretário-executivo de Saúde, primo da mulher do secretário Sérgio Côrtes e braço direito dele na secretaria. A acusação: fraude em licitação ao contratar manutenção de ambulâncias superfaturada em mais de 1.000%;

B. Setores mais violentos da Polícia Militar – a banda podre que não quer saber de papo de UPP – ganham carta branca, por conta do clima de medo, para fazer suas velhas e conhecidas “incursões” nas favelas, a política burra do confronto com o “crime organizado”, vitimando cidadãos inocentes e realizando execuções sumárias de suspeitos. O Secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, chama isso de “efeito colateral”, enquanto jornalistas passam uma coletiva de imprensa inteira perguntando apenas por “números” e trajetos da PM e do BOPE;

C. Os principais chefes da Polícia Militar do Rio de Janeiro e a Secretaria de Segurança Pública vendem a tese deplorável de que os atentados são uma “reação às políticas das UPPs”, e a velha mídia simplesmente engole. O curioso é que as UPPs estão presentes em 13 favelas, de um universo de 1.000 existentes no Rio e região metropolitana. Imagina quando chegarem a 20, 30! Melhor mudar para Miami de uma vez;

D. A mídia cria uma dinâmica do medo a partir de absurdos sociológicos, como afirmar que o “crime organizado” atual surgiu do encontro entre presos comuns e presos políticos nos anos 70 (tentando vincular militantes de esquerda a traficantes de drogas); separar a cidade em esquemas tipos “eles-nós”, como fez Arnaldo Jabor, ao afirmar que “é preciso apoio da população, principalmente da Zona Sul, pois a periferia já mora dentro da violência” (JG, 24/11/2010) e até mesmo mentir descaradamente, afirmando por exemplo que os “índices de criminalidade estão estagnados no Rio” (editorial de William Waack), o que é mentira, conforme atesta até mesmo um dos maiores críticos do Governo do Estado, o sociólogo Ignácio Cano. Pouco importa para o jornalismo desonesto: o que está em questão é reafirmar o discurso vazio do “A que ponto chegamos!” e o elogio ao “endurecimento” das leis e das ações vingativas, como forma de alívio do medo criado. Não adianta nada, conforme apontou este seminário (em especial a fala do Coordenador do Núcleo de Presos da Polinter no Estado do Rio de Janeiro, o delegado da Polícia Civil, Orlando Zaccone).

A "polícia comunitária" do Rio de Janeiro, conhecida como UPP, tem coincidentemente um caminho parecido com o das rotas dos grandes eventos internacionais que se aproximam.

Os interesses, portanto, são complexos tal como os nossos problemas. A Zona Sul (parte dela, aquela à qual o Jabor se refere e da qual faz parte) está tão assustada que não consegue raciocinar. Milhares de pessoas são executadas todo ano no Rio de Janeiro, dados absolutamente grotescos. A cobertura é a mesma? Não. “As pessoas lidam com insegurança no Rio de forma cíclica e dramática. Para conviver com o alto nível de violência na cidade, tratam como se ela não existisse. Mas, então, surge um evento de grande repercussão e vira uma pauta central na cidade, todos discutem, é uma grande catarse”, aponta Ignácio Cano. “Sensação de segurança pública é muito diferente da efetiva segurança”, completa o deputado Marcelo Freixo.

Se fosse de fato uma preocupação, pararia para ler o relatório da CPI das Milícias, concluído no dia 10 de dezembro de 2008. Contém o mapa das milícias, seu funcionamento, seus braços econômicos, a relação do braço político com o braço econômico e o domínio de território. Enquanto as Nações Unidas calculam que o narcotráfico rende 200 mil dólares por minuto, só no domínio das vans no Rio de Janeiro, uma das milícias faturava 170 mil reais por dia. Este é apenas um exemplo.

Crime organizado, portanto, é isso: um negócio bem organizado. O que torna o crime “organizado” é sua capacidade de se organizar, e não de reagir violentamente. “Em qualquer lugar do mundo, o crime organizado está sempre dentro do Estado, e não fora”, aponta o deputado Marcelo Freixo, que relata sua dificuldade quando tentou instituir a referida CPI neste depoimento.

O pior é que o número de milícias é, hoje, maior do que em 2008. “O número de territórios dominados por milícias hoje é maior do que o número de territórios dominados pelo varejo da droga”, comenta Freixo. “Eu estranho o silêncio desse governo em relação às milícias, dizendo que o Rio está pacificado, diante do crescimento das milícias”.

E o poder público tampouco ajuda. O relatório foi entregue pelos membros da CPI nas mãos do prefeito Eduardo Paes. Solicitaram, por exemplo, que a licitação das vans fosse feita individualmente e não por cooperativas. “O prefeito acaba de fazer licitação por cooperativas e não individualmente”, denunciou Freixo.

Outro fator que aponta o descaso do poder público é o descaso com os serviços sociais que deveriam acompanhar o processo de “pacificação”. “Eu estive no Chapéu Mangueira e na Babilônia. Além da polícia, não há lá qualquer braço do Estado. A creche mal funciona, com o salário atrasado das professoras, o que a Prefeitura não assume. O posto de saúde não tem nenhum médico, nenhum dentista da rede pública do Estado. É mais uma vez a lógica exclusiva da polícia nas favelas – e somente a polícia”, afirmou. O projeto das UPPs está traçando um caminho bem delimitado: setor hoteleiro da Zona Sul, entorno do Maracanã, Zona Portuária e a Cidade de Deus, “única área dominada pelo tráfico em toda Jacarepaguá, que tem o domínio hegemônico das milícias”.

Danem-se as demais regiões que, como ressaltou Jabor, “já moram dentro da violência”.

Uma questão social, de classe

Para quem ainda acha que as questões de classe acabaram, basta comparar a forma como os diversos crimes em nossa sociedade são enfrentados. Para combater crimes financeiros (quando se combate), ninguém entra em agências bancárias rendendo as pessoas e atirando. Nas favelas, áreas com assentamentos humanos extremamente degradados, é diferente.

Um dos “efeitos colaterais”, na expressão de Beltrame, é a estudante Rosângela Alves, de 14 anos. Seu pai Roberto Alves, ironizou a presença dos policiais militares na unidade de saúde com aplausos: “Parabéns a vocês. Parabéns, Beltrame, parabéns, Cabral. Olha o que vocês conseguiram com isso! Matar uma menina que estava em casa! Sabe o que vocês conseguem com essas operações: matar pobres”. Sem conseguir sair de casa por causa do intenso tiroteio, a mãe da menina, Thereza Cristina Barbosa, acusou em relato ao jornal O Dia a polícia de ter disparado o tiro que matou sua filha. “O tiro que atingiu minha casa partiu de baixo para cima. Minha filha está morta, e eu sequer consigo velar o corpo dela”, lamentou ela, por telefone. (Leia aqui e aqui)

Como já apontei, o narcotráfico é um negócio como qualquer outro. E rende bastante: dados conservadores das Nações Unidas estimam que o rendimento líquido é de US$ 400 bilhões ano. Um “freela” para se queimar um carro custa entre R$ 200 e R$ 400. “Falo em ‘varejo de drogas’ na favela, e não de traficantes”, reafirma Freixo, apontando que a ponta do sistema – o 1% que está na favela – não tem projeto de poder e qualquer noção de organização criminal, como apontei. “Nunca participaram de juventude católica, de grêmio estudantil, nunca tiveram qualquer noção de coletividade. Sabe quantas escolas públicas existem no Complexo do Alemão? Duas”.

Conforme afirmou até mesmo um capitão e um dos fundadores do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) – um grupo de policiais fascistas que acreditam que executar sumariamente é uma prática normal, conforme não escondem mesmo em declarações públicas – em uma entrevista hoje (25/11) pela manhã na TV Record: “Os Batalhões da PM não possuem estrutura mínima de inteligência para operar”.

Marcelo Freixo, deputado que trata da segurança há muito tempo, amplia a crítica e denuncia: "Sabe quantas escolas públicas existem no Complexo do Alemão? Duas"

O deputado Marcelo Freixo deu uma entrevista nesta quinta-feira (25/11) na GloboNews afirmando o óbvio: o número de pessoas portando fuzis não chega a 1% dos moradores. Ele costuma ironizar: “Eu gostaria que no parlamento fosse a mesma coisa: menos de 1% envolvido com o crime. Infelizmente não é assim, mas na favela é”. A polícia tem que agir com responsabilidade diante destes cidadãos. Enquanto isso telespectadores igualmente fascistas comentam pela internet: “Tem que entrar mesmo e enfrentá-los”. De quem estamos falando?

Freixo, focado na solução do problema, lembra: “Armas não são produzidas nas favelas. Eles vieram de algum lugar. Quantas ações policiais foram feitas na Baía de Guanabara? Quantas foram realizadas no Porto? Eu não me lembro de nenhuma”. É uma constatação que deixa todos os “notáveis” comentadores políticos envergonhados, pois só sabem falar abobrinhas sobre a “coragem” dos policiais em “enfrentar” o crime organizado. Estão focados na política burra do confronto.

Freixo lembrou ainda, na entrevista de hoje, que essas áreas pertencem ao tráfico de drogas. A área das milícias, conforme descrito anteriormente neste artigo, não foram tocadas – e tão somente por isso não estão reagindo. “Vamos lembrar que esses eventos já aconteceram próximo ao réveillon de 2006. O problema não é esse. A questão é que o setor de inteligência no Rio de Janeiro é muito falho. Para constatar isso basta visitar a DRACO [Delegacia de Repressão ao Crime Organizado da Polícia Civil do Rio de Janeiro]”, concluiu Freixo.

Agora, muito pertinentemente alguém poderia se perguntar: e os movimentos sociais nisso tudo? Eles não possuem meios para se comunicar, portanto não fazem parte do cenário político. É tão simples quanto é trágico.

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El periodismo deshonesto y el mito del crimen organizado

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(*) Gustavo Barreto, jornalista. Contato pelo @gustavobarreto_. Atualizado em 25/11/2010 – 14h29