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Exército na Maré: o Brasil pré-Copa

Exército na Maré, complexo de favelas do Rio de Janeiro: esse incidente, pelo que chequei, aconteceu no local conhecido como Campo da Paty, na Nova Holanda.
O notável despreparo do Exército ocupando ruas na favela carioca vem acompanhado do total descaso em relação aos serviços sociais. Bem-vind@ ao país da Copa.

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A barbárie, declarada por um dos torturadores
“(…) Ex-agente do DOI contou que, ao chegar, o preso era levado à “sala do ponto”, um lugar tão terrível que “até o diabo, se entrasse ali, saía em pânico”.”
Mais um capítulo da estupidez promovida pelos militares durante a ditadura. Crimes imprescritíveis, crimes contra a humanidade.
Disse o ex-agente, Riscala Corbaje: “Não tem necessidade de fazer nenhum outro sofrimento, choque, nem nada. Os outros davam tapa, davam soco. Cada um trabalhava de um jeito lá. Tu já viu estudante? Você pega um estudante, você bota ele com o peso do corpo numa barra de ferro e deixa ele 15 minutos pendurado no pau de arara. Não precisa dar choque. O cara urra de dor. Sabe por quê? Atinge os nervos da perna. O cara quer descer de qualquer maneira”.
E, ao final, declarou: “Não tenho o menor peso na consciência”. (leia aqui a matéria)
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SP: Mais pessoas devolvem apartamento por não poder arcar com aumento do aluguel
Belíssimo legado da Copa — e da falta de políticas públicas que realmente trarão desenvolvimento, como as de moradia.
“Uma pesquisa divulgada neste mês pelo Conselho Regional de Corretores de Imóveis do Estado de São Paulo (Creci-SP) mostra que, em um ano, dobrou a proporção de pessoas que devolveram as chaves de apartamentos por não conseguir arcar com o aluguel. O índice de entrega por problemas financeiros passou de 15% do total das devoluções, em fevereiro de 2013, para 30%, no mesmo mês deste ano. A pesquisa foi feita com 402 imobiliárias.”
Entendeu como os 25 bilhões da Copa voltam? Leia aqui a matéria.
Na Folha: “Eu costumava morar no centro de Itaquera, mas, de dois anos para cá, o meu aluguel passou de R$ 300 para R$ 700”, conta Luciana. “Aí não tive mais como ficar na minha casa.”
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Enquanto isso, na Polícia Militar do Rio mais um corrupto está impune…
Do jornal O Dia: “PM suspeito de ser um dos chefes de quadrilha está na ativa em outro batalhão. Rômulo Oliveira André trocou de unidade mesmo após O DIA revelar com exclusividade detalhes da ação do grupo.”
Taí o porquê do fracasso da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Este não é um caso isolado: a instituição não tem corregedoria.
Tudo pode, só tente não aparecer com o rosto no Fantástico ou fazer uma merda tão grande que vire alvo de campanha internacional. De resto, tudo pode.
A instituição funciona hoje de acordo com o vento: se o policial ou comandante é bom, tudo bem. Parabéns, toma sua estrelinha, com direito a aparecer no catálogo de “boas práticas” que será entregue à sociedade.
Se não é, aí ferrou. Corrupção, assassinatos, tudo poderá daí vir — sem consequências reais. Repito: é regra, não exceção.
Janio de Freitas, grande jornalista, em entrevista ao Fazendo Media: “Não adianta apenas substituir a farda por uma camisa esporte, vai continuar a mesma coisa”.
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Ótimo artigo sobre o direito de se manifestar, inclusive na Copa
Os direitos humanos são inegociáveis, diz Atila Roque, da Anistia Internacional Brasil, e a sociedade civil está de olho: http://glo.bo/1keIV0G

Tortura e homofobia no Exército Brasileiro: Para separar casal gay, General Ademar da Costa afirmou: ‘Que saudade dos velhos tempos’

Sargento que assumiu relacionamento homossexual e chegou a ser preso afirmou em reportagem do SBT, exibida este mês, que foi torturado. Em entrevista exibida na quarta-feira (18/1), Laci Marinho de Araújo e o parceiro Fernando de Alcântara dizem que são vítimas de preconceito e homofobia no Exército e apresentam graves e contundentes provas.

Em uma gravação obtida com exclusividade pelo repórter investigativo Roberto Cabrini, o General Ademar da Costa Machado Filho, apontado como mentor da perseguição, diz ter “saudade dos velhos tempos”.

O General afirma: “A gente manda o sindicante na casa do ‘De Araújo’ e ele não abre a porta, não abre a porta. No velho Exército que você começou a tua vida, a gente dava uma porrada, abria e pegava à força. Que saudade dos velhos tempos que você metia o pé na porta, esse cara já taria fora do apartamento.”


O general do Exército Ademar da Costa Machado Filho durante a posse do cargo de comandante militar do Sudeste, em março de 2011. (Foto: Edson Lopes/R7)

Em março do ano passado, o General Ademar da Costa tomou posse como comandante militar do Sudeste. “Joga ele na Vila Militar do Rio de Janeiro. Vai morar na favela. Entendeu? Manda o marido dele pro Rio Grande do Sul”, afirmou em outro trecho.

Em 6 de junho de 2008, dois dias após a prisão em São Paulo, Laci descreve a tortura que sofreu, dentro de um carro oficial, no deslocamento do hospital para o presídio militar: “Fui muito esmurrado no estômago, saco plástico na cabeça, palmatória na planta dos pés.”

Laci ainda está tomando remédios com receita controlada, por apresentar um quadro de depressão. O casal quer deixar o país para que a perseguição acabe e pede a punição do responsáveis pela tortura e pelas perseguições e represálias. “Precisamos que o Estado brasileiro haja de forma a punir estas pessoas, pois nós não somos um caso isolado”.

Assista acima à reportagem ou clique aqui para acessar diretamente no Youtube.

Tortura e homofobia no Exército Brasileiro: Para separar casal gay, General Ademar da Costa afirmou: ‘Que saudade dos velhos tempos’

Sargento que assumiu relacionamento homossexual e chegou a ser preso afirmou em reportagem do SBT, exibida este mês, que foi torturado. Em entrevista exibida na quarta-feira (18/1), Laci Marinho de Araújo e o parceiro Fernando de Alcântara dizem que são vítimas de preconceito e homofobia no Exército e apresentam graves e contundentes provas.

Em uma gravação obtida com exclusividade pelo repórter investigativo Roberto Cabrini, o General Ademar da Costa Machado Filho, apontado como mentor da perseguição, diz ter “saudade dos velhos tempos”.

O General afirma: “A gente manda o sindicante na casa do ‘De Araújo’ e ele não abre a porta, não abre a porta. No velho Exército que você começou a tua vida, a gente dava uma porrada, abria e pegava à força. Que saudade dos velhos tempos que você metia o pé na porta, esse cara já taria fora do apartamento.”


O general do Exército Ademar da Costa Machado Filho durante a posse do cargo de comandante militar do Sudeste, em março de 2011. (Foto: Edson Lopes/R7)

Em março do ano passado, o General Ademar da Costa tomou posse como comandante militar do Sudeste. “Joga ele na Vila Militar do Rio de Janeiro. Vai morar na favela. Entendeu? Manda o marido dele pro Rio Grande do Sul”, afirmou em outro trecho.

Em 6 de junho de 2008, dois dias após a prisão em São Paulo, Laci descreve a tortura que sofreu, dentro de um carro oficial, no deslocamento do hospital para o presídio militar: “Fui muito esmurrado no estômago, saco plástico na cabeça, palmatória na planta dos pés.”

Laci ainda está tomando remédios com receita controlada, por apresentar um quadro de depressão. O casal quer deixar o país para que a perseguição acabe e pede a punição do responsáveis pela tortura e pelas perseguições e represálias. “Precisamos que o Estado brasileiro haja de forma a punir estas pessoas, pois nós não somos um caso isolado”.

Assista acima à reportagem ou clique aqui para acessar diretamente no Youtube.

“Vitória sobre a morte!”

“[…] Nós, os homens das Forças Especiais
Reconhecemos a nossa dependência no Senhor
Na preservação da liberdade humana;

Estejais conosco, quando procuramos defender os indefesos e libertar os escravizados!
Possamos sempre lembrar, que nossa nação, cujo lema é:
‘Ordem e Progresso’,
Espera que cumpramos com nosso dever,
Por nós próprios, com honra,
E que nunca envergonharemos a nossa fé, nossas famílias ou nossos camaradas,
[…]”

O título deste artigo e os trechos acima transcritos, retirados da página oficial do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE), podem chegar a comover àquele que não conhece, mesmo que superficialmente, as táticas e estratégias de tal batalhão. Não é necessária nenhuma grande investigação, nenhum esforço maior que ir à locadora de filmes mais próxima – ou ao camelô de filmes piratas – para entender do que estamos falando. Tortura, mortes na conta do papa, classe média aplaudindo a barbárie. É claro, o fenômeno da opinião pública é bem menos público do que pode parecer, e bastou a grande mídia fazer uma campanha propagandística nos moldes de Zé Goebbels, que o grosso da população – mesmo aqueles que sofreram com a perseguição militar, entre eles nossa presidenta Dilma Roussef – esqueceu o recente passado militarizado e reivindicou a tropa de elite como os novos heróis da nação. Mataram os traficantes, implantaram UPP´s, reprimiram os bombeiros – seus camaradas – e pronto, acabou o problema da violência pública do Rio de Janeiro.
Bom, a verdade é que não fomos poucos os que avisamos que nem tudo eram flores, mas nosso poder é realmente limitado diante de Globos, Folhas de São Paulo, Estados de São Paulo e demais gibis da grande mídia brasileira. Prova disso é que, apesar do grande esforço dos ativistas de direitos humanos, organizações de esquerda e órgãos de mídia independente, o Capitão Rodrigo Pimentel, que dirigiu o BOPE durante anos, hoje é aclamado, comentando a segurança pública do Rio de Janeiro para um jornal das organizações da família Marinho, aquela que foi condecorada pelo alto escalão da ditadura militar. É bom lembrar que este senhor, que preserva a liberdade humana e defende indefesos e liberta escravizados, em nome de sua nobre função, já torturou muita gente, inocente ou não, na sua vida de policial – está aí o heróico Capitão Nascimento para comprovar.
Tecer comentários sobre a Polícia Militar do Rio de Janeiro, especialmente durante o governo Sérgio Cabral, seria inevitavelmente mais do mesmo. Não há nada de novo – pra além do já natural desenrolar dos casos de corrupção e abuso policial, assassinatos, roubos e outros hábitos questionáveis até mesmo por nossa moral ultra degenerada – na conduta desta mesma polícia, aprovada e legitimada por este mesmo governador. Continuo com as mesmas opiniões sobre sua política de segurança pública. É característico dos governos totalitários, aliás, punir na prática e ignorar nos discursos os clamores populares por mudanças sociais.
Há, no entanto, que se fazer reconhecer a diferença qualitativa dos últimos episódios de violência praticada pelo Estado em nosso estado. Estamos diante de uma mudança que sorrateiramente vai tornando aceitável e natural uma inversão de nossos valores mais formais que já se mostrou absolutamente perigosa. Falo do extensivo uso das Forças Armadas do Brasil, em especial o Exército Brasileiro, nas favelas do Rio de Janeiro. Se antes o povo negro e pobre encurralado nas favelas – a salvo dos olhares dos circos planetários de 2014 e 2016 – tinham que enfrentar cotidianamente a Polícia Militar e suas Unidades de Polícia pra lá de Pacificadoras, agora têm que lidar com os soldados, cabos e sargentos do Exército Brasileiro.
Pode parecer ao olhar desavisado que não mudou muita coisa na relação entre o Estado e os pobres. É possível inclusive que alguns dos intelectuais orgânicos da burguesia, reunidos na grande imprensa, já tenham analisado a mudança como uma questão meramente formal: mudaram as cores dos uniformes, nada mais. Infelizmente, e me pesa dizer, está longe de ser apenas isto. A Polícia Militar do Rio de Janeiro, em termos de organização, infra-estrutura, inteligência, metodologia, preparo etc. não é lá uma instituição muito séria. Já provou, comprovou, atestou, certificou, ratificou a sua deficiência histórica – que na verdade é programada e combinada – em diversas oportunidades. Mata reféns ao invés de sequestradores, mata trabalhadores no lugar de traficantes, mata criança em operação pra capturar bandidos e esconde cadáver, rouba e destrói casas de trabalhadores ao invés de procurar traficantes, mata juíza que caça bandido, enfim, mais do mesmo. É séria em praticar a violência contra a população pobre e trabalhadora, em praticar a covardia, isso sim, aí é campeã.
O Exército é outra história. O Exército Brasileiro possui cerca de 235 mil soldados. Tem a maior quantidade de veículos blindados da América do Sul e unidades especiais de elite para ação em diversos biomas, como selvas e montanhas. Também conta com unidades de ação rápida estratégica, preparadas para atuar em curto espaço de tempo em qualquer lugar do país. Está inscrito nas Forças Armadas do Brasil, a maior da América Latina, a segunda maior das Américas e uma das 10 mais bem preparadas do mundo. É de deixar tranquila qualquer dona de casa do Leblon com medo dos terroristas da Colômbia que vão dominar o mundo. Aqui não, madame, aqui eles não têm vez!
Mas o Exército tem sido utilizado nas favelas, contra os próprios concidadãos deste país. Inverteu o próprio legado de soberania nacional para manter a soberania sobre a favela, sobre a pobreza e seu descontentamento, sua insatisfação. O resultado, nós estamos vendo por aí: espancamento de trabalhador, repressão violenta a moradores, além de roubos, abusos de poder etc., tudo muito bem relatado pelo imprescindível trabalho de Patrick Granja e do jornal A Nova Democracia. Até aí, realmente, falamos de formalidades, mudanças de cores e um aumento no poderio bélico com o mesmo resultado: a repressão e a criminalizaão da pobreza, tal e qual faz a polícia. A diferença principal está, contudo, acima das questões mais práticas. O Exército passou a censurar deliberadamente a cobertura jornalística independente de suas incursões às favelas e subsequentes ocupações. E, bem, esta história, ainda que tentem esconder, cerrar sob cinquenta chaves, classificar como ultra-secreta e inacessível a suas vítimas, esta já a conhecemos muito bem.
Há um chavão recorrente em nosso país de que o brasileiro tem memória curta. É uma mentira fabricada. O brasileiro tem, antes, uma memória encurtada. As mesmas instituições que agora promovem a ascenção das forças armadas nos conflitos urbanos, que defendem a política de segurança pública tipo-exportação do Rio de Janeiro, estes vêm a ser, infelizmente, os mesmos que dominam e controlam os aparatos de memória coletiva social, desde livros e diretivas didáticas a revistas especializadas em política ou jogging, passando pelas televisões, rádios, internet etc. Não por coincidência, estas foram as instituições favorecidas (e promotoras) do regime militar que assombrou esse país durante mais de 20 anos. Assim, através dos velhos dispositivos da mídia, mantêm a população alienada de seu passado, de suas verdades, de suas necessidades e de seu próprio futuro.
Este futuro está em perigo. Aumentam os casos de corrupção, aumentam os casos de abuso policial, aumentam os níveis de violência nas periferias, aumenta a exploração sobre os trabalhadores, aumenta a repressão sobre os ativistas, aumentam as políticas de privatização. A coisa vai muito mal. Paralelamente a isso, aumenta o poder do exército e a insatisfação popular: se tudo segue assim, em pouco tempo as classes médias estarão clamando pela salvação marcial dos generais – de maneira similar ao que fizeram no passado e como estão fazendo com a ocupação policial das universidades públicas do país. Não as deixemos, pois, esquecer o sangue escorrido de nossos antepassados, a que salgado preço ainda podemos hoje, mesmo que timidamente, realizar as nossas justas denúncias e reivindicações.

A longa despedida da ditadura

O Brasil precisa se livrar da ditadura militar, mas não antes de dissecá-la e neutralizar-lhe as sementes.

Os militares de hoje não podem ser obrigados a defender gente como o coronel Brilhante Ustra, o carniceiro do DOI-CODI de São Paulo, nem o capitão Wilson Machado, vítima mutilada pela própria bomba que pretendia explodir, em 1º de maio de 1981, durante um show de música no Riocentro, onde milhares de pessoas comemoravam o Dia do Trabalho.

Um Exército que dá guarida e, pior, se orgulha de gente assim não precisa de mais armamento. Precisa de ar puro. O artigo é de Leandro Fortes.

Leandro Fortes – Brasília, eu vi

Ainda não surgiu, infelizmente, um ministro da Defesa capaz de tomar para si a única e urgente responsabilidade do titular da pasta sobre as forças armadas brasileiras: desconectar uma dúzia de gerações de militares, sobretudo as mais novas, da história da ditadura militar brasileira. A omissão de sucessivos governos civis, de José Sarney a Luiz Inácio Lula da Silva, em relação à formação dos militares brasileiros tem garantido a perpetuação, quase intacta, da doutrina de segurança nacional dentro dos quartéis nacionais, de forma que é possível notar uma triste sintonia de discurso – anticomunista, reacionário e conservador – do tenente ao general, obrigados, sabe-se lá por que, a defender o indefensável. Trata-se de uma lógica histórica perversa que se alimenta de factóides e interpretações de má fé, como essa de que, ao instituir uma Comissão Nacional da Verdade, o governo pretende rever a Lei de Anistia, de 1979.

No flagrante, Brilhante Ustra, símbolo de uma época que implora para deixar de existir. Imagem do blog "Brasília, eu vi"

Essa Lei de Anistia, sobre a qual derramam lágrimas de sangue as viúvas da ditadura em rituais de loucura no Clube Militar do Rio de Janeiro, não serviu para pacificar o país, mas para enquadrá-lo em uma nova ordem política ditada pelos mesmos tutores que criaram a ditadura, os Estados Unidos. A sucessão de desastres sociais e econômicos, o desrespeito sistemático aos Direitos Humanos e a distensão política da Guerra Fria obrigaram os regimes de força da América Latina a ditarem, de forma unilateral, uma saída honrosa de modo a preservar instituições e pessoas envolvidas na selvageria que se seguiu aos golpes das décadas de 1960 e 1970. Não foi diferente no Brasil.

Uma coisa, no entanto, é salvaguardar as Forças Armadas e estabelecer um expediente de perdão mútuo para as forças políticas colocadas em campos antagônicos, outra é proteger torturadores. Essas bestas-feras que trucidaram seres humanos nos porões, alheios, inclusive, às leis da ditadura, não podem ficar impunes. Não podem ser tratados como heróis dentro dos quartéis e escolas militares e, principalmente, não podem servir de exemplo para jovens oficiais e sargentos das Forças Armadas. Comparar esses animais sádicos aos militantes da esquerda armada é uma maneira descabida e sórdida de manipular os fatos em prol de uma camarilha, à beira da senilidade, que ainda acredita ter vencido uma guerra em 1964.

Assim, ao se perfilarem num jogo de cena melancólico em favor dessas pessoas, o ministro Nelson Jobim e os comandantes militares prestam um desserviço à sociedade brasileira. Melhor seria se Jobim determinasse aos mesmos comandantes que pedissem desculpas à nação, em nome das Forças Armadas, pelos crimes da ditadura, como fizeram os militares da Argentina e do Chile, ponto de partida para a depuração de uma época terrível que, no entanto, não pode ser esquecida. Jobim faria um grande favor ao país se, ao invés de dar guarida a meia dúzia de saudosistas dos porões, fizesse uma limpeza ideológica e doutrinária na Escola Superior de Guerra, de onde ainda emanam os ensinamentos adquiridos na antiga Escola das Américas, mantida pelos EUA, onde militares brasileiros iam aprender a torturar e matar civis brasileiros.

A criação do Ministério da Defesa, em 1999, pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, deu-se por um misto de necessidade política e operacional. O Brasil era, então, um dos pouquíssimos países a ter um ministro fardado para cada força militar, o que fazia de cada uma delas – Marinha, Exército e Aeronáutica – um feudo administrativo indevassável e obrigava o presidente a negociar no varejo assuntos que diziam respeito ao conjunto de responsabilidades gerais das Forças Armadas. Do ponto de vista de gerenciamento da segurança nacional, aquele modelo herdado da ditadura era, paradoxalmente, um desastre. Ainda assim, apesar de ter havido alguma resistência na caserna, o Ministério da Defesa foi montado, organizado e colocado em prática.

Faltou, no entanto, zelo na indicação de nomes para a pasta. Desde o governo FHC, o Ministério da Defesa serviu para abrigar políticos desempregados ou servidores públicos sem qualquer ligação e conhecimento de políticas de defesa e realidade militar. A começar pelo primeiro deles, o ex-senador Élcio Álvares, do ex-PFL, acusado de colaborar com o crime organizado no Espírito Santo. Defenestrado, foi substituído, sem nenhum critério, pelo então advogado-geral da União, Geraldo Quintão, praticamente obrigado a aceitar o cargo por absoluta falta de outros interessados. No governo Lula, já foram quatros os ministros da Defesa: o diplomata José Viegas Filho, o vice José Alencar e o ex-governador da Bahia, Waldir Pires, além do atual, Nelson Jobim.

Todos, em maior ou menor grau, gastaram tempo e energia em cima das mesmíssimas discussões sobre salários e equipamentos, mas ninguém ousou tratar da questão doutrinária e de novos parâmetros para a educação e a formação dos militares brasileiros. Na Estratégia de Defesa Nacional, elaborada por Jobim e pelo ex-ministro de Assuntos Estratégicos Mangabeira Unger, em 2008, o tema é abordado, simplesmente, em um mísero parágrafo. A saber:

“As instituições de ensino das três Forças ampliarão nos seus currículos de formação militar disciplinas relativas a noções de Direito Constitucional e de Direitos Humanos, indispensáveis para consolidar a identificação das Forças Armadas com o povo brasileiro”.

A polêmica sobre a possibilidade ou não de revisão da Lei de Anistia é um reflexo direto do descolamento quase que absoluto dos quartéis da chamada sociedade civil brasileira, que, a partir de 1985, cometeu o erro de relegar os militares a uma quarentena política aparentemente infindável, da qual eles só se arriscam a sair de quando em quando, mesmo assim, de forma envergonhada e, não raras vezes, desastrada. Basta dizer que, para reivindicar melhores salários, recorrem os nossos homens de farda às mulheres, normalmente, esposas de oficiais de baixa patente e de praças subalternos, a se lançarem em panelaços e acampamentos públicos a fim de sensibilizar os generais. Estes mesmos generais que se mostram tão irritados com a possibilidade de instalação, aliás, tardia em relação a toda América Latina, da Comissão Nacional da Verdade, prevista no Plano Nacional de Direitos Humanos.

Mas, afinal, por que se irritam os generais e, com eles, o ministro Nelson Jobim? Com a possibilidade de, finalmente, o Estado investigar e nomear um bando de animais que esfolaram, mutilaram, estupraram e assassinaram pessoas às custas do contribuinte? Por que diabos o Ministério da Defesa se coloca ao lado de uma escória com a qual sequer existe, hoje em dia, uma mínima ligação geracional na caserna?

O Brasil precisa se livrar da ditadura militar, mas não antes de dissecá-la e neutralizar-lhe as sementes. Os militares de hoje não podem ser obrigados a defender gente como o coronel Brilhante Ustra, o carniceiro do DOI-CODI de São Paulo, nem o capitão Wilson Machado, vítima mutilada pela própria bomba que pretendia explodir, em 1º de maio de 1981, durante um show de música no Riocentro, onde milhares de pessoas comemoravam o Dia do Trabalho. Um Exército que dá guarida e, pior, se orgulha de gente assim não precisa de mais armamento. Precisa de ar puro.

Publicado originalmente no blog Brasília, eu vi, do jornalista Leandro Fortes. Recebido pela Agência Carta Maior.