Arquivo da tag: Crimes contra a humanidade

Uma nota de esperança

Talvez tenhamos aprendido, depois deste longo tempo de minuciosa e continuada destruição da sociabilidade, propriamente da humanidade, da confiança e da reciprocidade, o valor destas coisas.

Não é o mesmo um burro que um professor ou professora.

Um livro ou uma arma.

O deboche, a apologia da tortura, a morte como política de estado, ou o que agora o povo deste pais escolheu como caminho: a esperança.

Não é o mesmo trabalhar do que traficar ou fazer de conta ou enganar.

Não é o mesmo plantar e colher e partilhar, do que esconder e negar.

Não é o mesmo a treva do que a luz.

Muitas coisas mudaram neste mundo tecnológico e informatizado, instantâneo. Mas há coisas que continuam sendo as mesmas de sempre.

Racismo é racismo, e é crime. Misoginia é crime. Apologia da tortura é crime. São crimes hediondos, crimes contra a humanidade.

A menos que a polícia e a justiça de fato passem a cumprir com o seu papel, tudo terá sido em vão.

Polícia, justiça, forças armadas, não são facções nem partidos. São, ou deveriam ser, parte do aparelho do estado voltada para a preservação da ordem e da segurança.

Tanto quanto a educação, que ensina o que é o que. Ou a mídia, que estimula e promove o melhor ou o pior de nós.

É tempo de rever e revalorizar. Decidir e agir. O povo brasileiro deu um passo importante. Decidiu voltar à democracia, em 30 de outubro de 2022.

Cabe agora fazer com que isto se cumpra. Simples assim.

É preciso que as pessoas que se encontram acampadas na frente de quartéis, pedindo golpe militar e desconhecendo o resultado das eleições de 30 de outubro de 2022, sejam retiradas.

Justiça e polícia são imprescindíveis. Basta de extravio e confusão!

Temos o direito de viver em paz!

MPF condena Sikêra Júnior e Rede TV a pagar R$ 10 mi por LGBTFobia

Durante o programa Alerta Nacional, Sikêra Júnior proferiu discursos preconceituosos e discriminatórios contra a população LGBTQIA+. Denúncia foi encaminhada pela deputada federal Natália Bonavides (PT/RN)

O Ministério Público Federal (MPF) condenou o apresentador da Rede TV, Sikêra Júnior, e a emissora a pagar o valor de R$ 10 milhões por danos morais coletivos. A denúncia por LGBTFobia foi encaminhada pela deputada federal, Natália Bonavides (PT/RN).

Durante o programa Alerta Nacional, na semana do Orgulho Internacional LGBTQIA+, Sikêra proferiu discursos preconceituosos e discriminatórios, estimulando a violência com discursos de ódio.

Na ação civil pública, a procuradoria destaca trecho no qual o apresentador associa a comunidade LGBTQIA+ à pedofilia e à prática de crimes.

Ressalte-se que além da ameaça constante nas próprias falas, de teor discriminatório e de preconceito, de descabida associação entre a homossexualidade e a prática de crimes associados à pedofilia, estimula a violência contra este grupo, caracterizando discurso de ódio e menosprezo pelo ordenamento jurídico e pelas instituições democráticas.

Para a deputada Natália, a emissora tem a responsabilidade sobre os programas transmitidos e a punição pela conduta criminosa do apresentador precisa ser célere.

“É urgente que a procuradoria atue para punir as condutas criminosas e para reparar o dano já causado. O discurso de ódio do apresentador não deve ser tolerado. Ele foi homofóbico em canal aberto. O que ele falou já seria crime se tivesse feito numa conversa de amigos, por meio de uma concessão pública é ainda mais grave. Que siga a investigação”, destaca.

secretária Nacional LGBT do PT, Janaína Oliveira, afirma que o apresentador sempre utilizou o espaço para promover discursos lgbtfóbicos. Ouça abaixo:

[SONORA] Janaína Oliveira fala sobre a desmonetização de Sikeira Junior by RÁDIO PT

A indenização estipulada pelo MPF será destinada à estruturação de centros de cidadania LGBTQIA+. Além da condenação financeira, a ação civil pública requer a exclusão da íntegra do programa, veiculado em 25 de junho, de sites e redes sociais.

O valor de R$ 10 milhões como condenação foi determinado pelo ganho mensal de Sikêra Júnior, que chega ao montante de R$ 1 milhão.

Leia ação civil pública do MPF, aqui.

Fonte: PT

(08-07-2021)

 

Comissão Arns chama o país a pedir um ‘basta’ ao governo Bolsonaro

Por Cida de Oliveira

Em artigo publicado no jornal O Globo deste domingo (24), a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns (Comissão Arns) conclama todos “aqueles verdadeiramente compromissados com a democracia e o direito à vida a dizer ‘basta!’” ao governo Bolsonaro.

“É preciso dizer um basta a esse desgoverno que tanto mal tem causado à vida dos brasileiros e à nossa democracia”, conclamam a presidenta de honra da Comissão, Margarida Bulhões Pedreira Genevois, o presidente da instituição, o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, e o ministro de Direitos Humanos do governo FHC Paulo Sérgio Pinheiro.

A comissão se dirige diretamente a cidadãos, organizações da sociedade civil, partidos políticos, organizações empresariais, religiosas e, sobretudo, instituições fundamentais da República, como Congresso Nacional, Supremo Tribunal Federal (STF) e Procuradoria-Geral da República (PGR). E destaca ações, omissões e violações cometidas pelo presidente Bolsonaro contra os direitos garantidos pela Constituição que ele jurou defender quando tomou posse, em janeiro de 2019. Entre eles o direito à saúde.

negação de Bolsonaro da gravidade da doença causada pelo novo coronavírus, fomentando aglomerações e o descumprimento de medidas preventivas – além do boicote à produção e a obtenção da vacina – são associados às mais de 215 mil pessoas mortas devido à pandemia de covid-19 no Brasil.

“O presidente Bolsonaro vem se empenhando desde o início de seu governo em aprofundar a polarização política, dividindo o país entre amigos e inimigos. Com uma retórica truculenta, baseada na crueldade com os mais vulneráveis, no racismo, no obscurantismo e na exaltação da violência, das armas e da ditadura, atenta diariamente contra os pilares fundamentais da nossa República, tais como estabelecidos pelo artigo 1º da Constituição”, diz trecho do artigo.

Os autores destacam ainda o aparelhamento do aparato de segurança pelo governo Bolsonaro para atender a interesses pessoais do presidente e seus familiares, e a “constrangedora omissão” do procurador-geral da República, Augusto Aras, em investigar crimes comuns atribuídos ao presidente da República. E a desastrosa política externa conduzida por Ernesto Araújo, de hostilidade a diversos países, que entre outras coisas causou, entre outras coisas, o atraso na obtenção de vacinas.

Fonte: Brasil de Fato

(25-01-2021)

Referência do jornalismo latino-americano, Rodolfo Walsh completaria 94 anos

Por Fernanda Paixão

Seu último escrito foi também sua última ação política: uma carta denunciando os crimes da ditadura militar

No dia 9 de janeiro de 1927 nascia Rodolfo Jorge Walsh, que completaria 94 anos este ano. Escritor, militante e notável jornalista argentino, deixou no país um legado que até hoje é referência literária e histórica.

Seu compromisso social e seu apurado instituto investigativo o levaram a combater o cerco informativo durante a ditadura militar, a envolver-se na espionagem internacional e escrever contos e reportagens que revolucionaram a forma de fazer jornalismo na América Latina.

Sua grande obra, o livro Operação Massacre, é uma síntese dessa trajetória. Enquanto jogava xadrez em um bar, mas de ouvidos atentos, escutou a conversa de uma mesa próxima a frase: “há um fuzilado que vive”.

A conversa referia-se ao fuzilamento de rebeldes contra a ditadura no lixão de José León Suárez, em Buenos Aires, em 1956. Walsh parte, então, para uma jornada investigativa que seria publicada em partes em uma revista e, em 1957, em livro.

Isso faz de Walsh um inaugurante do jornalismo investigativo no continente e antecessor de Truman Capote, considerado como fundador do gênero pela publicação de “A sangue frio” em 1966.

“Não posso, nem quero, nem devo renunciar a um sentimento básico: a indignação diante do massacre, da covardia e do assassinato.”
Rodolfo Walsh

“Essa investigação é realmente impressionante”, destaca Felipe Pigna, historiador e difusor cultural renomado na Argentina. “Nessa obra, é possível ver como, além de um grande escritor e jornalista, Walsh era um notável investigador, com uma sensibilidade muito particular e que sabia como plasmá-la – o que tem a ver com o fato de que ele era também um grande leitor de ficção policial”, conta Pigna.

Na introdução de Operação Massacre, o historiador e escritor Osvaldo Bayer, falecido em 2018, disse sobre seu amigo Walsh: “suas melhores qualidades literárias foram alma e humanidade.” Em entrevista concedida à TeleSUR, definiu o jornalista como “o melhor de todos da nossa geração”.

Saiba mais: Agência de comunicação popular é lançada na Argentina, uma parceria do Brasil de Fato

Da ultradireita católica ao peronismo sindical

Além de seu trabalho investigativo, Walsh teve ações políticas que marcaram sua história, como seu período em Cuba e as grandes colaborações ao lançar agências de notícias e jornais que ofereciam narrativas alternativas sobre a região e a classe trabalhadora.

Em Cuba, lançou a agência de notícias Prensa Latina, ao lado de figuras como Gabriel García Márquez. O objetivo era confrontar a desinformação promovida por agências de notícias norte-americanas, apresentar informações e outras perspectivas sobre a Revolução Cubana.

Ele também colaborou com a revolução ao decodificar mensagens criptografadas entre a CIA e a tropa de cubanos exilados, na tentativa de invasão que ficou conhecida como a Invasão da Baía dos Porcos, em 1961.

Também nos tempos da ditadura, inaugura a Agência de Notícias Clandestina, que tentava informar a população com folhetos distribuídos em meios de transporte, quando a maioria dos meios de comunicação seguiam a narrativa militar.

Mas nem sempre a trajetória política do jornalista argentino esteve a esquerda. Walsh foi criado no ultradireitismo católico, e teria comemorado a queda de Juan Domingo Perón em 1955, com o golpe militar. “Walsh vinha de uma família irlandesa muito católica”, conta Pigna. “Formou-se em um colégio católico, mas logo aproximou-se de grupos católicos que se afastavam da ultradireita, a Aliança Libertadora Nacionalista. Depois, torna-se completamente crítico a esses grupos e toma uma postura oposta às origens políticas da sua adolescência.”

Ele também colaborou com a revolução ao decodificar mensagens criptografadas entre a CIA e a tropa de cubanos exilados, na tentativa de invasão que ficou conhecida como a Invasão da Baía dos Porcos, em 1961.

Também nos tempos da ditadura, inaugura a Agência de Notícias Clandestina, que tentava informar a população com folhetos distribuídos em meios de transporte, quando a maioria dos meios de comunicação seguiam a narrativa militar.

Mas nem sempre a trajetória política do jornalista argentino esteve a esquerda. Walsh foi criado no ultradireitismo católico, e teria comemorado a queda de Juan Domingo Perón em 1955, com o golpe militar. “Walsh vinha de uma família irlandesa muito católica”, conta Pigna. “Formou-se em um colégio católico, mas logo aproximou-se de grupos católicos que se afastavam da ultradireita, a Aliança Libertadora Nacionalista. Depois, torna-se completamente crítico a esses grupos e toma uma postura oposta às origens políticas da sua adolescência.”

Fonte: Brasil de Fato

(22-01-2021)

ABJD denuncia Bolsonaro por crime contra a humanidade no Tribunal Penal Internacional

Presidente estimula o contágio e coloca a vida de milhares de pessoas em risco na pandemia

A ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia) protocolou nesta quinta-feira, (2/4) uma representação (Leia a íntegra em português e inglês) no TPI (Tribunal Penal Internacional) contra o presidente da República, Jair Bolsonaro, pela prática de crime contra a humanidade que vitima a população brasileira diante da pandemia de coronavírus.

Acesse o texto de divulgação em inglês e espanhol.

De acordo com a entidade, o Brasil possui, no atual momento, um chefe de governo e de Estado cujas atitudes são total e absolutamente irresponsáveis. Por isso, solicitam ao TPI que instaure procedimento para averiguar a conduta do presidente e condene Bolsonaro pelo crime contra a humanidade por expor a vida de cidadãos brasileiros, com ações concretas que estimulam o contágio e a proliferação do vírus, aplicando a pena cabível.

“Por ação ou omissão, Bolsonaro coloca a vida da população em risco, cometendo crimes e merecendo a atuação do Tribunal Penal Internacional para a proteção da vida de milhares de pessoas”, reforça o documento assinado pelos advogados Ricardo Franco Pinto (Espanha) e Charles Kurmay (EUA).

Violações

Os juristas listam a série de ações que vêm sendo realizadas pelo presidente da República que minimizam a gravidade da pandemia e contrariam recomendações de autoridades sanitárias do mundo inteiro, diretrizes e recomendações da OMS (Organização Mundial de Saúde) e de todas as nações que já estiveram ou estão no epicentro da pandemia. Entre elas estão pronunciamentos estimulando o fim do isolamento social e a reabertura de escolas e comércios; lançamento da campanha oficial “O Brasil não pode Parar”; saídas às ruas para participar de manifestações e provocar aglomerações públicas; e o decreto para abertura de igrejas e casas lotéricas.

“Os crimes cometidos afetam gravemente a saúde física e mental da população brasileira, expondo-a a um vírus letal para vários segmentos e com capacidade de proliferação assustadora, como já demonstrado em diversos países. Os locais que negligenciaram a política de quarentena são onde o impacto da pandemia tem se revelado maior, como na Itália, Espanha e Estados Unidos”, ressalta.

Crimes

Segundo a ABJD, Bolsonaro está cometendo o crime de epidemia, previsto no art. 267, do Código Penal Brasileiro, e na Lei nº 8.072/1990, que dispõe sobre crimes hediondos. Além de infringir medida sanitária preventiva, conforme art. 268, também do Código Penal. Bem como viola a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que trata especificamente da emergência do Covid-19, e a Portaria Interministerial nº 05, de 17 de março de 2020, que determina, em seus arts. 3º e 4º, que o descumprimento das medidas de isolamento e quarentena, assim como a resistência a se submeter a exames médicos, testes laboratoriais e tratamentos médicos específicos, acarretam punição com base nos arts. 268 e 330, do Código Penal.

“É precisamente o Presidente da República quem incita as pessoas a circularem normalmente pelas ruas, escolas e postos de trabalho e a confusão criada é absurda, pois ele mesmo desobedece as diretrizes do próprio governo”, completa.

Diante disso, os integrantes da Associação apontam que o chefe do Executivo despreza as maiores autoridades científicas que prescrevem uma estratégia de guerra para reduzir os efeitos da pandemia. “O Presidente do Brasil faz eco com empresários inescrupulosos e se nega a adotar o padrão mundial de confinamento social, deixa de atuar na estratégia para achatar a curva de infecção e auxilia na expansão e aumento do contágio, o que fatalmente vai fazer com que o sistema de saúde no Brasil entre em colapso”, discorre.

Tribunal Penal Internacional

O Estatuto de Roma (Decreto 4.388/2002) rege a atuação do TPI (Tribunal Penal Internacional) e foi incluído no ordenamento jurídico brasileiro após aprovação pelo Congresso Nacional. Ao adotar internamente a norma, o Brasil acompanha o entendimento que existem crimes que afetam diretamente milhares de pessoas mundialmente e chocam a humanidade de maneira profunda.

O art. 27, 1 do Estatuto de Roma, diz que o fato de o Chefe de Estado ter imunidade não o exime em caso de responsabilidade criminal, nem constitui motivo de redução da pena. A imunidade decorrente do cargo também não impede que o TPI exerça a sua jurisdição sobre o presidente.

O Brasil não apenas assinou e ratificou o estatuto, como incluiu o § 4º, ao artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, reconhecendo a submissão do Brasil à jurisdição internacional do Tribunal.

Desse modo, a ABJD afirma que não há dúvida sobre a legitimidade e competência do TPI para apreciar a Representação. Além disso, a Associação evidencia que o Ministério Público Federal do Brasil já procurou fazer com que o Procurador-Geral da República – único órgão que poderia processar o presidente no país – fizesse com que Bolsonaro não cometesse mais as ações que colocam a população em risco diante de uma grave pandemia, porém o pedido foi sumariamente arquivado.

“A internacionalização da questão e um pronunciamento do TPI são urgentes e necessários. Não podemos admitir o que vem ocorrendo no Brasil, ou seja, a total impunidade de Jair Bolsonaro, que é o principal fator que aumenta de forma escalonada a prática de novos crimes”, finaliza.

Fonte: Associação Brasileira de Juízes pela Democracia

(03-04-2020)

Recordar es vivir

Por Catalina Baeza
Recordamos el dolor y el miedo que sentimos, recordamos con tristeza a nuestros muertos y desaparecidos, recordamos con angustia y rabia los años oscuros de nuestro país en manos de tiranos que nos quitaron casi todo, pero no nuestras memorias. Se esforzaron quemando libros e intentando cambiar la historia, pero no pudieron, ni podrán nunca, borrar nuestros recuerdos porque no están escritos en páginas de libros que podamos arrancar de nuestro cerebro. Nuestras memorias las llevamos, en el presente, en el cuerpo
El tiempo fluye como aquel río de Heráclito. Un río en el cual no podemos bañarnos dos veces ya que el agua que nos bañó la primera vez no será igual al agua que nos baña la segunda. Todo cambia, dice Heráclito, todo fluye, nada permanece en las cosas y es por este motivo que no podemos obtener conocimiento de las cosas. Todo hacer es conocer, dice Maturana, y todo conocer es un hacer en la emoción.  El tiempo que conocemos, ese fluir desde el pasado hacia el futuro, nos encuentra en un punto. Nos encuentra en la emoción del presente.
Somos quien somos, en el presente, gracias a nuestros recuerdos, a nuestra memoria. Memoria que se reconstruye constantemente en conversaciones que mantenemos con nosotros mismos, conversaciones íntimas que podemos llamar de reflexiones, pensamientos y evocaciones de momentos vividos.
Pero también somos quien somos, en el presente, por el recuerdo y la memoria de los otros. Nuestros amigos y amigas, nuestros familiares e incluso nuestros conocidos nos recuerdan quien somos y quien éramos.
Cuando alguien nos dice: ¿Te acuerdas cuando…? nuestro cerebro, por medio de sinapsis, recorre senderos, realiza conexiones y recordamos. Será gracias a este dialogo, gracias a estas reminiscencias que continuaremos en el flujo de construir nuestro ser, nuestras memorias.
No existe el tiempo sin la noción de memoria ya que solo podemos volver al pasado a través de nuestros recuerdos y no habría presente sin la noción de tiempo. Incluso, eso que llamamos de realidad, es la suma de nuestras memorias, nuestro conocimiento adquirido en el tiempo. Pasado, presente y futuro no serían nada sin memoria.
Recordamos mejor el camino que más hacemos, las canciones que cantamos con más frecuencia, los nombres de nuestros amigos más íntimos, las películas que vemos una y otra vez y las historias que nos cuentan o nos contamos más a menudo. Olvidamos con facilidad lo que acabamos de leer, el número de teléfono que nos dieron ayer y los nombres de personas que nos acabaron de presentar en una reunión.
Comprendemos lo que observamos, escuchamos y conversamos, gracias a la memoria y a la emoción con la que la relacionamos.  Recordamos más algo que nos afectó profundamente y olvidamos con frecuencia hechos a los que no les atribuímos emoción o cuando la emoción es la indiferencia. Es posible que no recordemos lo que comimos el miércoles de la semana pasada, pero probablemente todos y todas recordemos donde estábamos y que sentimos el 11 de septiembre de 1973.
La memoria, tanto la personal como la colectiva, se organiza segun la función que desempeña y es por este motivo que, en este mes de septiembre, recordamos.
Recordamos el dolor y el miedo que sentimos, recordamos con tristeza a nuestros muertos y desaparecidos, recordamos con angustia y rabia los años oscuros de nuestro país en manos de tiranos que nos quitaron casi todo, pero no nuestras memorias. Se esforzaron quemando libros e intentando cambiar la historia, pero no pudieron, ni podrán nunca, borrar nuestros recuerdos porque no están escritos en páginas de libros que podamos arrancar de nuestro cerebro. Nuestras memorias las llevamos, en el presente, en el cuerpo.
Somos el país que somos gracias a la memoria colectiva producto de una red de conversaciones que nos definen como cultura en una red de emociones propias de nuestro ser y a pesar de que para algunos la emoción de la indiferencia no registró como experiencia los miles de muertos, desaparecidos y torturados, para muchos y muchas otras, esta experiencia fue vivida desde la emoción del miedo y la tristeza, por lo tanto no se olvida.
Recordar es vivir, es continuar siendo quien soy en el fluir del tiempo sabiendo que el pasado, gracias a las memorias, se constituye en experiencia y estas experiencias, estas memorias, son la que se mantendrán en el fluir del tiempo hacia un futuro donde nuestros hijos e hijas, nuestros nietos y nietas dirán: Nunca Más.
Fuente: El desconcierto
(10-09-2018)

Brasil sofre de fetiche da farda

Por Eliane Brum*
Sem superar os traumas da ditadura, parte das instituições e da imprensa se comporta como refém diante do Governo militar liderado por Bolsonaro, demonstrando subserviência e alienação dos fatos

O bolsonarismo revelou em todo o seu estupor um fenômeno cujos sintomas podiam ser percebidos durante a democracia, mas que foram apenas timidamente diagnosticados. Vou chamá-lo de “fetiche da farda”. Trata-se de uma construção mental sem lastro na realidade que faz com que algo se torne o seu oposto no funcionamento individual ou coletivo de uma pessoa, um grupo ou mesmo de um povo. O mecanismo psicológico guarda semelhanças com o que é chamado de “Síndrome de Estocolmo”, quando a vítima se alia ao sequestrador como forma de suportar a terrível pressão de estar subjugada a um outro que claramente é um perverso, seguidamente imprevisível, do qual depende a sua vida na condição de refém. O fetiche da farda tem se mostrado em toda a sua gravidade desde o início do Governo de Jair Bolsonaro e, durante o mês de maio, tornou-se assustador: mesmo à esquerda e ao centro, os militares são descritos como aquilo que os fatos provam que não são ― nem foram nas últimas décadas ―, e tratados com uma solenidade que suas ações ― e suas omissões ― não justificam.

O fetiche da farda não é uma curiosidade a mais na crônica política do Brasil, já repleta de bizarrices. O fenômeno molda a própria democracia e está determinando o presente do país. Criou-se uma narrativa fantasiosa de que, no Governo Bolsonaro, os militares são uma “reserva moral”, uma “fonte de equilíbrio” em meio ao “descontrole” de Bolsonaro. O debate se dá em torno de o quanto os generais seriam capazes de conter ou não o maníaco que ajudaram ― e muito ― a botar no Planalto.

Categorizou-se o Governo em “alas”, em que existiria a “ideológica”, composta pelo chanceler Ernesto Araújo e outros pupilos do guru Olavo de Carvalho, e a “ala militar”, entre outras, forjando assim uma fantasmagoria de que os militares no Governo não tivessem ideologia e que a palavra “militar” já estivesse qualificada em si mesma e por si mesma. A cada flatulência do antipresidente, a imprensa espera ansiosamente a manifestação da “ala militar”. Não pelo que efetivamente são e representam os militares, mas porque seriam uma espécie de “oráculo” do presente e do futuro.

Colunistas por quem tenho grande respeito, ao se referir às Forças Armadas, penduram nelas adjetivos como “honrosas” e “respeitáveis”. Quando algum dos generais diz algo ainda mais truculento do que o habitual afirmam que está destoando da tropa, porque as Forças Armadas supostamente se pautariam pela “honra” e pela “verdade”. Ao longo do Governo desenhou-se uma imagem dos militares como algo próximo dos “pais da nação” ou “guardiões da ordem”, e tudo isso confundido com a ideia de que seriam também uma espécie de pais do incorrigível garoto Bolsonaro.

Como é possível? Qual é o mecanismo psicológico que produz essa mistificação em tempos tão agudos? O fenômeno é fascinante, não estivesse nos empurrando para um nível ainda mais fundo do poço sem fundo.

Bolsonaro não é uma anomalia das Forças Armadas, mas sim seu fiel produto

Tenho escrito desde o início do Governo, e mesmo antes, que Bolsonaro não é uma anomalia das Forças Armadas, algo que deu errado e que nega a sua origem. Ao contrário. Desde sua gênese, ele é tanto o produto quanto a expressão daquilo que os militares representam no Brasil das últimas décadas ― ou possivelmente em toda a história republicana do país. Bolsonaro contém toda a deformação do papel e do lugar dos militares numa democracia. (Leia em Mourão, o Moderado).

Bolsonaro é o garoto de classe média baixa que adorava fardas e viu no Exército uma possibilidade de ganhar posição e importância. Como a história mostrou, entendeu tudo certinho. Sua trajetória é muito bem contada no livro O cadete e o capitão: a vida de Jair Bolsonaro no quartel (Todavia), do jornalista Luiz Maklouf Carvalho, morto por câncer em 16 de maio. Na obra, o repórter mostra, a partir de rigorosa pesquisa nos autos, como o julgamento de Bolsonaro por planejar colocar bombas em quartéis ignorou provas inequívocas. O Superior Tribunal Militar absolveu-o num julgamento constrangedor, desde que ele deixasse a corporação. Bolsonaro assim o fez, já eleito vereador do Rio de Janeiro com o voto de seus colegas, que depois o reelegeriam também como deputado federal durante os quase 30 anos que passou no Congresso. (Leia em Por que Bolsonaro tem problemas com furos).

Bolsonaro existe politicamente e está no poder porque a cúpula militar absolveu um membro da corporação que trabalhava na execução de um plano terrorista para chamar a atenção para uma reivindicação salarial. Tivesse sido condenado pelo que de fato era e fez, a história seria outra. Foi a impunidade que os militares seguiram autorizados a cultivar, em função de seus interesses corporativos, mesmo após a redemocratização, que gestou o personagem Bolsonaro.

Ele, que tanto fala em impunidade, é produto da impunidade que supostamente critica. Já está mais do que claro que, para Bolsonaro, seus filhos e seus amigos, a impunidade é a própria razão de ser do poder. Responsabilização é para os outros. Não tenho informação para afirmar que aprendeu essa lição com seus pais, mas há informação suficiente para afirmar que a aprimorou com seus superiores. Se um plano terrorista não é motivo suficiente para condenar alguém, então nada é.

Durante todos os seus anos como parlamentar, Bolsonaro sempre defendeu a ditadura (1964-1985), não só normalizando o sequestro, a tortura e a morte de civis, mas defendendo que os militares deveriam ter matado “pelo menos uns 30 mil”. Votou pelo impeachment de Dilma Rousseff homenageando o único torturador reconhecido pela Justiça como torturador, o coronel facínora Carlos Alberto Brilhante Ustra. E naquele momento lançou simbolicamente a sua candidatura ― e mais uma vez foi beneficiado pela impunidade garantida tanto pelos seus pares como pelo judiciário brasileiro.

A candidatura de Bolsonaro tinha por vice um general, Hamilton Mourão, que em várias ocasiões expressou sua vocação golpista, inclusive durante a campanha. Não é possível afirmar ou não que Bolsonaro foi eleito devido ao apoio de uma parcela estrelada de militares à sua campanha, mas é possível afirmar que esse apoio foi importante e deu legitimidade a Bolsonaro. Em troca, ele militarizou o Governo, que hoje tem nove ministros militares e quase 3 mil militares ocupando o segundo escalão. E crescendo. Bolsonaro tornou possível que os militares voltassem ao poder num país em que ainda há mais de duas centenas de corpos de pessoas desaparecidas pela ação criminosa do Governo dos generais durante o regime de exceção.

Bolsonaro e os generais que o sustentam não são feitos de matéria diferente. Não há uma e outra coisa. É a mesma coisa e o mesmo projeto de poder. Por que razão foi feita essa dissociação mental é tema para historiadores e sociólogos. Talvez mais ainda para a psiquiatria e para a psicanálise. Bolsonaro é criatura do militarismo brasileiro. E não como o monstro de Frankenstein, que na obra de ficção de Mary Shelley foi renegado pelo criador. Não. Bolsonaro é o rebento bem sucedido que foi estimulado e apoiado para virar o presidente do Brasil e então redimir seus pais inconformados, que queriam não só voltar ao poder, mas também eliminar a mancha histórica de assassinos e ditadores.

A perigosa operação mental que dissocia a imagem dos militares de seus atos

Mais grave que a dissociação entre Bolsonaro e os generais de sua entourage, porém, é a dissociação entre o que os militares efetivamente fizeram e fazem no poder ― e a forma como essa ação é descrita e convertida em imagem pública. Não é necessário analisar todo o período republicano, desde 1889. Se olharmos apenas para as últimas décadas, em 1964 os militares deram um golpe na democracia. Tiraram do poder um presidente eleito democraticamente. João Goulart era vice-presidente até 1961. Com a renúncia de Jânio Quadros, assumiu a presidência. E então veio o golpe. Jango, como era chamado, viveu no exílio até a sua controvertida morte.

Os militares tomaram o poder pela força, num golpe clássico, e permaneceram no poder pela força por 21 anos, com o apoio de parte do empresariado nacional. Em dezembro de 1968, com o Ato Institucional número 5, hoje amplamente revivido como ameaça explícita nos discursos dos bolsonaristas, o Governo de exceção endureceu. O AI-5 eliminou o que ainda restava dos instrumentos democráticos e inaugurou a época mais violenta do regime, tornando o sequestro, a tortura e a morte de opositores instrumentos de Estado, executados por agentes do Estado.

Durante esse período tenebroso, há amplas provas e depoimentos mostrando que, além dos milhares de adultos, vários deles mulheres grávidas, pelo menos 44 crianças foram torturadas (leia em Aos que defendem a volta da ditadura). Uma delas, Carlos Alexandre Azevedo, o Cacá, torturado quando tinha 1 ano e oito meses de vida, não suportou as marcas psicológicas e se suicidou em 2013, depois de uma existência muito penosa. Há famílias de brasileiros que ainda não conseguiram encontrar os cadáveres dos mais de 200 desaparecidos pela ditadura. São pais, mães, irmãos e filhos que há décadas procuram um corpo para sepultar. “A Ponta da Praia”, para onde Bolsonaro ameaçou mandar os opositores em discurso durante a campanha de 2018, era um desses lugares de tortura e de desova de civis no Rio de Janeiro.

Durante a ditadura militar, a imprensa foi censurada; filmes, livros e peças de teatro foram proibidos; as universidades sofreram intervenções; milhares de brasileiros foram obrigados a viver no exílio para não serem mortos pelo Estado. Durante a ditadura, houve ampla corrupção nas obras públicas, como há farta bibliografia para comprovar. Foi também durante a ditadura que as grandes empreiteiras, que mais tarde estariam nas manchetes pelo esquema de corrupção conhecido como “mensalão”, cresceram, multiplicam-se e locupletaram-se em obras megalômanas do “Brasil Grande” e em seus esquemas nos Governos militares.

A ditadura torturou e matou milhares de indígenas. As “grandes obras” na Amazônia, que mais tarde seriam conhecidas como “elefantes brancos” do regime, foram construídas por essas empreiteiras sobre cadáveres da floresta e sangue de seres humanos. A ditadura militar inaugurou o desmatamento como projeto de Estado e tornou o extermínio dos indígenas uma política ao ignorar sua existência na propaganda oficial da Amazônia, como no slogan “terra sem homens para homens sem terra”. O Exército promoveu alguns dos mais cruéis massacres da história, como o dos Waimiri Atroari, que quase foram dizimados nos anos 1970.

Como é possível que alguém que viveu ou estudou esse período possa tratar a crescente ocupação militar do Governo Bolsonaro como algo remotamente semelhante a uma “reserva moral” ou a uma “fonte de equilíbrio” ou a um “exemplo de honradez”? Sério? Além do fetiche da farda devemos investigar um possível estresse pós-traumático no fenômeno. Ou talvez uma parcela dos brasileiros tenha tanto medo que o horror se repita que distorça o que enxerga porque a realidade alcançou o nível da insuportabilidade.

Alguns vão afirmar, como têm afirmado, que os militares hoje no poder, diferentemente de seus antecessores e mestres, são amantes da democracia. Qual é o lastro nos fatos para fazer tal afirmação? Há inúmeros exemplos de comportamentos golpistas por vários dos personagens do militarismo, começando pelo general Eduardo Villas Bôas, uma mistura de conselheiro e fiador do atual Governo, e terminando no vilão de quadrinhos chamado Augusto Heleno, que se houver justiça um dia responderá pelo que as tropas brasileiras comandadas por ele fizeram no Haiti. Cité Soleil, a maior favela de Porto Príncipe, é um nome que provoca tremores ao ser pronunciado em alguns círculos. Mourão, por sua vez, antes de se tornar vice-presidente, já era uma metralhadora giratória de declarações golpistas.

Em qual momento do Governo Bolsonaro os militares deram um exemplo de respeito à democracia? Basta examinar um episódio seguido do outro. A relação entre crescimento dos militares e aumento das manifestações golpistas é diretamente proporcional. O número de militares só aumenta e o Governo só piora seu nível de boçalidade, de autoritarismo e também de incompetência. Tudo isso culmina no momento atual, no qual Jair Bolsonaro se tornou o vilão número um da pandemia e os brasileiros passaram a ser recusados até nos Estados Unidos de Donald Trump. E o que temos hoje? A militarização da Saúde. Dois ministros civis, médicos, recusaram-se a ceder à pressão de Bolsonaro para usar cloroquina, medicamento sem eficácia científica comprovada para tratar de covid-19. Deixaram o Governo. Bolsonaro colocou então um militar como ministro da Saúde e conseguiu empurrar a cloroquina, jogando com a saúde de 210 milhões de pessoas. Em vez de quadros técnicos, com experiência na área, na crise sanitária mais séria em um século, o Brasil transforma o Ministério da Saúde num quartel do Exército.

Antes da pandemia, o Governo militar de Bolsonaro provocava o horror do mundo pela destruição acelerada da Amazônia. Com a covid-19, os alertas apontam que o desmatamento explodiu. É visível que os grileiros se aproveitam da necessidade de isolamento daqueles que sempre combateram suas ações, seus pistoleiros e suas motosserras colocando seus corpos na linha de frente.

E o que temos hoje? A militarização das ações de fiscalização ambiental na Amazônia. O Ibama e o ICMBio passaram a ser subordinados ao Exército, como numa ditadura clássica. Na primeira investida, segundo relatório obtido pela Folha de S. Paulo, mais de 90 agentes em dois helicópteros e várias viaturas foram mobilizados para uma operação no Mato Grosso contra madeireiras e serrarias que terminou sem multas, prisões ou apreensões. O Ibama havia sugerido outro alvo na região que, segundo fiscais, contava com fortes evidências de ilegalidades. Foi ignorado. O recém-criado Conselho Nacional da Amazônia, comandado por Mourão, tem 19 integrantes: todos militares.

A realidade mostra os grileiros atuando com desenvoltura só vista na ditadura, todos eles apoiadores entusiásticos de Bolsonaro e dos militares no poder. Invadem, destroem e pressionam pela legalização do roubo de áreas públicas de floresta, legalização anunciada pela MP da grilagem de Bolsonaro, no final de 2019, e agora pelo PL da grilagem em discussão no Congresso. O projeto dos militares para a Amazônia é o mesmo da ditadura e todos nós já sabemos como acaba. Ou, no caso, como continua.

Se alguém ainda pudesse ter alguma dúvida sobre o caráter dos militares no governo, o show de horrores exposto na reunião ministerial de 22 de abril escancarou o nível do generalato que lá está. O vídeo da reunião, apresentado por Sergio Moro como prova de que Bolsonaro tentou interferir na Polícia Federal, teve o sigilo retirado pelo ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal. Só ser conivente com aquela atmosfera e com aqueles pronunciamentos já seria uma overdose de desonra capaz de fazer uma pessoa com níveis medianos de honestidade pessoal vomitar por dias. Mas, não. Os militares são patrocinadores da meleca toda de baixíssimo nível intelectual e moralidade abaixo de zero. A reunião ministerial expõe um cotidiano de desrespeito à democracia em ritmo de boçalidade máxima. Não daria para aturar o nível de estupidez daqueles caras nem no boteco mais sórdido.

A deformação da democracia instalada nas últimas três décadas tem as digitais dos militares

A qualidade da democracia que o Brasil obteve entre o final dos anos 1980 e o impeachment de Dilma Rousseff (PT), em 2016, é resultado das negociações que costuraram o fim da ditadura e a redemocratização do país. Diferentemente de outros países que amargaram ditaduras militares, como a Argentina, o Brasil não julgou os crimes do regime de exceção. Assim, assassinos, torturadores e sequestradores a serviço do Estado seguiram impunes, ocupando funções públicas e ganhando salários públicos. Suas vítimas podiam encontrá-los tanto no elevador como na padaria da esquina como na escola dos filhos, e encontros macabros como estes aconteceram mais de uma vez.

Mesmo após a redemocratização, o Brasil seguiu também tolerando a anomalia que é uma polícia militar. Hoje, parte dela se transformou em milícia, controlando e explorando comunidades pobres, nas periferias das cidades. No Rio de Janeiro, onde as milícias e o Estado se confundem, Bolsonaro e sua família já provaram ter relações íntimas com alguns milicianos famosos, uma das razões pelas quais o presidente tanto quer controlar a Polícia Federal. O assassinato de Marielle Franco, vereadora do PSol no Rio de Janeiro, segue não solucionado há mais de 800 dias, com indícios de envolvimento de milícias próximas de Bolsonaro e seus filhos.

Outra parte dos policiais militares tem se tornado cada vez mais autônoma, respondendo apenas a si mesma. A recente greve de PMs no Ceará revelou a gravidade desse fenômeno. Em 2017, o cenário já tinha ficado evidente na greve dos PMs do Espírito Santo, quando a população se tornou refém das forças de segurança do Estado.

A polícia militar tem seu DNA cravado no genocídio da juventude negra e pobre das favelas, em massacres de presos como o do Carandiru, em 1992, e em chacinas de camponeses como o de Eldorado dos Carajás, em 1996. Nos protestos de junho de 2013, a ação violenta da polícia militar contra os manifestantes tornou-se visível também para uma parcela da classe média brasileira.

É claro que há policiais militares honestos, competentes e bem intencionados. Mas não é uma questão apenas da qualidade dos indivíduos ― e sim da incompatibilidade entre um regime democrático e uma polícia militarizada atuando junto aos cidadãos.

A democracia instalada no Brasil sempre tolerou tanto os abusos das polícias, civil incluída, quanto o genocídio do negros e dos indígenas, e isso mesmo durante os Governos de centro-esquerda de Lula e de Dilma Rousseff (PT). Essa mesma democracia pós-ditadura convive com as torturas nas prisões e as condições torturantes das prisões superlotadas de jovens negros, hoje morrendo também por covid-19.

Em parte, a democracia brasileira é deformada porque não foi capaz de julgar os crimes da ditadura e eliminar as excrescências da ditadura, mantendo uma relação de temerosa subserviência com os militares. A mesma que hoje faz o país inteiro esperar a manifestação desses generais no poder, como se dependesse do humor deles cumprir a lei ou não, apoiar ou não o golpismo, manter ou não a democracia. Claramente as elites, uma parcela da imprensa incluída, se comporta como se fosse normal que os militares tivessem a última palavra sobre o destino da democracia no Brasil, como se fosse natural um tipo de manchete como as que têm destacado os humores verde-oliva como se fossem o oráculo de Delfos.

É subserviência embrulhada em liturgia e travestida de respeito. Não são os militares que precisam “enquadrar” Bolsonaro, algo que já ficou provado que não podem nem querem fazer. São as instituições democráticas que precisam enquadrar os militares e botá-los no seu lugar. E todas as instâncias de poder, imprensa incluída, têm de parar de se curvar como se fosse levar uma botinada na testa a qualquer momento. Vejo camponeses pobres e desamparados na Amazônia enfrentarem os fardados com muito mais firmeza. No final do ano passado testemunhei uma liderança comunitária enfrentar de peito aberto um coronel armado de fuzil que queria censurar seus cartazes durante uma audiência pública em Altamira. Ele disse que não admitia uma cena como aquela porque o Brasil ainda era uma democracia. E não admitiu. Isso é dignidade.

Em artigo na Folha de S. Paulo de 24 de maio, o cientista político Jorge Zaverucha mostrou o quanto “a forte presença militar no Estado reflete a fragilidade da democracia no Brasil”. Mesmo a Constituição de 1988, a carta-magna que marcou a retomada do processo democrático depois da ditadura, foi solapada pela subserviência aos militares, determinada pelo entendimento de líderes constituintes como Ulysses Guimarães de que não seria possível retomar a democracia sem tais concessões. Ainda que seja possível eventualmente concordar com as dificuldades do momento, houve mais de três décadas para que os autoritarismos sobreviventes fossem deletados, como foi feito em países vizinhos, mas nada disso foi levado adiante no Brasil. Nesse sentido, em alguns momentos a democracia pareceu uma concessão dos generais ― e não uma conquista da sociedade civil, o que é péssimo para a cidadania.

artigo 142 da Constituição determina que as Forças Armadas “são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Como é possível, questiona o pesquisador Jorge Zaverucha, se submeter e garantir algo simultaneamente? E, citando o filósofo italiano Giorgio Agamben: “O soberano, tendo o poder legal de suspender a lei, coloca-se legalmente fora da lei”.

Para pesquisadores do período, como Jorge Zaverucha, a elite brasileira “não possui um ethos democrático”. Ela aposta, desde o princípio, em um governo democrático eleitoral, mas não em um regime democrático. “No Brasil, as Forças Armadas deixaram o Governo, mas não o poder”, afirma o cientista político. E, hoje, como qualquer um é capaz de constatar, voltaram também ao Governo.

E agora?

A ambiguidade do artigo 142 da Constituição resulta nesses dias em ambiguidade alguma. Claramente gente demais se comporta no país como se os militares não apenas estivessem fora da lei, mas teriam o direito de estar fora da lei. A ambiguidade da Constituição, no que se refere ao papel das Forças Armadas, se desfez na prática dos dias. Guardadas as exceções, o cotidiano mostra que em todas as instituições e também em uma parcela da imprensa há predominância de lambe-botas de generais, como se a ditadura nunca tivesse acabado. Se faz obrigatória a pergunta: a democracia então começou? Votar a cada eleição é suficiente para fazer um país ser considerado democrático?

O fetiche da farda pode nos levar a muitos caminhos de investigação. Tem qualquer coisa mais prosaica, também, de homenzinhos que gostam da mística da masculinidade, a estética da testosterona pelo uso de armas e pelo monopólio do uso da força costuma ficar em alta em momentos de grande insegurança. Quando leio a carta dos militares de pantufa em solidariedade a Augusto Heleno, o ameaçador-mor da República, parece mesmo que eles acreditam serem, como arrotam, os guardiões da honra. Que se ponham no seu lugar. “Chega” dizemos nós.

Nosso dinheiro paga suas aposentadorias e a reforma da Previdência deles foi de filho para pai. Quem esses homens pensam que são para ameaçar o Supremo Tribunal Federal, a instituição? São funcionários públicos aposentados e não ungidos por nenhum deus para decidir o destino de ninguém, muito menos de um país. Tampouco foram formados por “SAGRADA CASA” nenhuma, como ostentam em caixa alta, confundindo conceitos básicos. Se depois de mais de 30 anos de democracia temos que aguentar esse tipo de declaração golpista daqueles que deveriam estar servindo à democracia é porque a democracia que o Brasil conseguiu fazer derrete.

Ao apoiar Bolsonaro, os generais queriam muito fraudar a história do golpe de 1964, garantir que a lei de anistia, de 1979, nunca fosse reformada, e se assegurar de que os crimes cometidos durante a ditadura seguissem impunes. Quando Bolsonaro tentou festejar o 31 de março, data do golpe militar, como efeméride patriótica, no primeiro ano do seu mandato, houve protestos de diferentes áreas da sociedade. O problema, porém, era muito mais grave. E o risco, muito maior.

fraude da história está se dando na prática, na subjetividade que constitui cada um, na naturalização dos militares determinando destinos, proferindo ameaças e colocando-se acima da lei. Essa é a pior fraude, porque se infiltra nas mentes, altera os comportamentos e se converte em verdade. Fica cada vez mais evidente que a ditadura nunca saiu de nós, porque ao deixarmos os assassinos impunes, seguimos reféns dos criminosos que nos subjugaram por 21 anos.

Não vejo no mundo um país mais desafiado que o Brasil. Precisa lutar contra uma pandemia com um perverso no poder que contraria todas as leis sanitárias, que está levando o país ao pódio em número de casos e de mortes por covid-19, que está destruindo a Amazônia, da qual depende o futuro de todo o planeta, como se realmente não houvesse amanhã, e que está convertendo os brasileiros em párias globais. Ao mesmo tempo, o Brasil tem que restaurar a democracia que nunca se completou e, em plena crise, vestir as pantufas nos generais que foram infectados pela febre messiânica do poder e do autoritarismo.

Na penúltima vez que os generais estivaram no poder, deixaram um rastro de desaparecidos, torturados e mortos por assassinato. Isso sem contar a inflação explodindo e a corrupção vicejando. Na atual, deixarão um rastro de dezenas de milhares de mortos por covid-19, um número que poderia ser consideravelmente reduzido tivesse o governo seguido as normas sanitárias da Organização Mundial da Saúde, mantivesse no Ministério da Saúde um quadro técnico composto por profissionais experientes em saúde pública e epidemiologia e estivesse concentrando todos os seus melhores esforços para construir um plano consistente para enfrentar a pandemia. Poderão ainda, caso se mantenha o atual ritmo de destruição, levar a floresta amazônica ao ponto de não retorno. Abraçados, claro, com os vendilhões do Centrão, no que já é chamado de Centrão Verde-Oliva.

Lamento. Mas ou desdobramos a espinha agora ou peçam desculpas aos seus filhos porque seus pais são, como diria elegantemente Bolsonaro, uns bostas.

*Escritora, repórter e documentarista. Autora de Brasil, Construtor de Ruínas: um olhar sobre o país, de Lula a Bolsonaro (Arquipélago). Site: elianebrum.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com | Twitter, Instagram e Facebook: @brumelianebrum

Fonte: El País
(27-05-2020)

Brasil desmilinguindo, gente morrendo, e Bolsonaro praticando tiro ao alvo

Por Ricardo Kotscho
Se não é caso de impeachment, só pode ser de interdição por uma junta médica.
No dia em que o Brasil amanheceu desmilinguindo, com novos recordes de mortos e contaminados pelo coronavírus, o povo saindo novamente às ruas, no pico da pandemia, e encerrando a quarentena por conta própria, o preço dos alimentos disparando, os miseráveis se aglomerando em filas intermináveis na frente das agências da Caixa para escapar da fome, com congestionamentos voltando às grandes cidades, as UTIs dos hospitais públicos lotadas e com filas na porta, o presidente da República saiu do Palácio da Alvorada hoje cedo, sem falar com os jornalistas, e foi praticar tiro ao alvo no estande General Darcy Lázaro, em Brasília.
Dá para acreditar? Foi ele mesmo quem divulgou o vídeo nas redes sociais: “Aí, dez tiros, o pior foi 8. Tá bom, né? Depois de 30 anos inativo. Bom dia a todos”.
Devem ser os quase 30 anos em que Bolsonaro passou inativo no fundão do baixo clero na Câmara, sem dar tiros nem aprovar qualquer projeto, depois de ser afastado do Exército, aos 33 anos.
Bolsonaro venceu, tinha motivos para comemorar. Nomeou para o Ministério da Justiça e o comando da Polícia Federal dois amigos do peito, garantindo a retaguarda, e convenceu boa parte da população que esse negócio de pandemia era bobagem.
Por todo o país, prefeitos e comerciantes se uniram para acabar com essa história de isolamento social, seguindo a mensagem do grande líder do rebanho: o importante é levar vantagem em tudo.
Com as investigações sobre a sua família no STF e em várias instâncias da Justiça, agora sob os cuidados de um delegado que foi o seu chefe de segurança na campanha eleitoral, e de demitir os dois ministros mais populares do governo, inclusive o da Saúde, em plena pandemia, Bolsonaro agora acha que pode tudo.
Estava tudo muito bem planejado. Depois de fechar negócio com a turma do Centrão, no escurinho do Planalto, o capitão correu em seguida para o “Forte Apache”, o Quartel General do Exército em Brasília, para garantir o apoio da tropa em sua ofensiva final contra a democracia e a Constituição. Moro caiu com um peteleco.
Agora, com tudo sob seu controle, cercado dos filhos e de generais de pijama, Bolsonaro pode tranquilamente praticar tiro ao alvo às 7 da manhã, sem dar a menor bola para o que está acontecendo no país, com as tragédias humanas se sucedendo por toda parte.
O alvo somos todos nós, que não fazemos parte da seita bolsonarista, sem chance de que algo possa mudar tão cedo.
Com 33% da população ainda achando que o governo dele é ótimo ou bom, podem morrer quantos mais milhares de pessoas forem, não importa. Os devotos da seita não vão mudar de opinião.
Desde o guru Jim Jones, o predecessor de Olavo de Carvalho, não há registro na história de um povo que tenha caminhado tão mansamente para o suicídio coletivo.
Até países como a Alemanha, tão competentes no combate à pandemia, já se arrependeram de ter afrouxado esta semana o isolamento social, ao notar o crescimento de novos casos de contaminação.
Aqui só querem afrouxar cada vez mais. Parceiro do negacionismo de Bolonaro no ínício da grande crise sanitária, agora até o amigão Trump resolveu cortar os voos com o Brasil.
Mas nada é capaz de mudar as certezas do “Mito”, cada vez mais cheio de si, o presidente que não descansa enquanto não promover o “liberou geral”, agora com um ministro de fachada, para o grande mago Paulo Guedes retomar os seus maravilhosos planos de crescimento da economia em “V”, com as reformas só cortando despesas e acabando com os direitos sociais, tudo em nome do equilíbrio fiscal e da alegria dos bancos.
São todos uns pândegos, gente sem nenhuma empatia, indiferentes aos sofrimentos humanos, ressentidos crônicos e vingativos, que se aprazem na “schadenfreude”, a alegria dos nazistas alemães de ver a desgraça dos outros.
Aqueles, queriam conquistar e subjugar o mundo porque se achavam uma raça superior. Essas tropas de assalto nativas, querem o quê? Estão a serviço de quem?
E o país vai se desmilinguindo a cada dia mais, gente morrendo nas filas dos hospitais, sem respiradores nas UTIs, sem vagas nos cemitérios superlotados, morrendo de fome, sem despedidas nem velórios.
Vida que segue, enquanto deixam.
Fonte: Balaio do Kotscho
(28-04-2020)

Perguntas sem resposta

“Sou humano e nada do que é humano me é indiferente” Terêncio.
Como pode um legislador elogiar publicamente um torturador por rede nacional de TV e ficar impune? Este fato ocorreu em 2016, durante a votação do golpe parlamentar contra a Presidenta Dilma Rousseff
Como é possível que esse mesmo legislador se torne presidente do maior país da América do Sul, o Brasil, como resultado de um processo eleitoral evidentemente fraudulento? A disseminação de notícias falsas contra o candidato Fernando Haddad nunca foi punida.
Aonde conduz a impunidade? Quando condutas ilegais, que ferem sentimentos enraizados na população, ficam impunes, se desfazem os contornos do que seja considerado crime. Isto é o começo da extinção da existência social civilizada.
A vida têm valor em si, ou é apenas um meio (meio de produção, meio de enriquecimento, bem de uso) que é descartado quando já não serve mais?  
Fazemos estas perguntas por considerar que a desatenção e a indiferença diante de fatos que aparentemente não nos dizem respeito, acabam tendo consequências desastrosas para o conjunto da população.
Diante de uma pandemia em que morrem pessoas de maneira assustadora, esse mesmo “presidente” que fez apologia da tortura e da posse e uso de armas, exibe uma conduta totalmente contrária à que cabe esperar da autoridade máxima do país.
O que podemos esperar?
A vida têm algum valor?
Para que vivemos? Seguem as perguntas…