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“Vitória sobre a morte!”

“[…] Nós, os homens das Forças Especiais
Reconhecemos a nossa dependência no Senhor
Na preservação da liberdade humana;

Estejais conosco, quando procuramos defender os indefesos e libertar os escravizados!
Possamos sempre lembrar, que nossa nação, cujo lema é:
‘Ordem e Progresso’,
Espera que cumpramos com nosso dever,
Por nós próprios, com honra,
E que nunca envergonharemos a nossa fé, nossas famílias ou nossos camaradas,
[…]”

O título deste artigo e os trechos acima transcritos, retirados da página oficial do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE), podem chegar a comover àquele que não conhece, mesmo que superficialmente, as táticas e estratégias de tal batalhão. Não é necessária nenhuma grande investigação, nenhum esforço maior que ir à locadora de filmes mais próxima – ou ao camelô de filmes piratas – para entender do que estamos falando. Tortura, mortes na conta do papa, classe média aplaudindo a barbárie. É claro, o fenômeno da opinião pública é bem menos público do que pode parecer, e bastou a grande mídia fazer uma campanha propagandística nos moldes de Zé Goebbels, que o grosso da população – mesmo aqueles que sofreram com a perseguição militar, entre eles nossa presidenta Dilma Roussef – esqueceu o recente passado militarizado e reivindicou a tropa de elite como os novos heróis da nação. Mataram os traficantes, implantaram UPP´s, reprimiram os bombeiros – seus camaradas – e pronto, acabou o problema da violência pública do Rio de Janeiro.
Bom, a verdade é que não fomos poucos os que avisamos que nem tudo eram flores, mas nosso poder é realmente limitado diante de Globos, Folhas de São Paulo, Estados de São Paulo e demais gibis da grande mídia brasileira. Prova disso é que, apesar do grande esforço dos ativistas de direitos humanos, organizações de esquerda e órgãos de mídia independente, o Capitão Rodrigo Pimentel, que dirigiu o BOPE durante anos, hoje é aclamado, comentando a segurança pública do Rio de Janeiro para um jornal das organizações da família Marinho, aquela que foi condecorada pelo alto escalão da ditadura militar. É bom lembrar que este senhor, que preserva a liberdade humana e defende indefesos e liberta escravizados, em nome de sua nobre função, já torturou muita gente, inocente ou não, na sua vida de policial – está aí o heróico Capitão Nascimento para comprovar.
Tecer comentários sobre a Polícia Militar do Rio de Janeiro, especialmente durante o governo Sérgio Cabral, seria inevitavelmente mais do mesmo. Não há nada de novo – pra além do já natural desenrolar dos casos de corrupção e abuso policial, assassinatos, roubos e outros hábitos questionáveis até mesmo por nossa moral ultra degenerada – na conduta desta mesma polícia, aprovada e legitimada por este mesmo governador. Continuo com as mesmas opiniões sobre sua política de segurança pública. É característico dos governos totalitários, aliás, punir na prática e ignorar nos discursos os clamores populares por mudanças sociais.
Há, no entanto, que se fazer reconhecer a diferença qualitativa dos últimos episódios de violência praticada pelo Estado em nosso estado. Estamos diante de uma mudança que sorrateiramente vai tornando aceitável e natural uma inversão de nossos valores mais formais que já se mostrou absolutamente perigosa. Falo do extensivo uso das Forças Armadas do Brasil, em especial o Exército Brasileiro, nas favelas do Rio de Janeiro. Se antes o povo negro e pobre encurralado nas favelas – a salvo dos olhares dos circos planetários de 2014 e 2016 – tinham que enfrentar cotidianamente a Polícia Militar e suas Unidades de Polícia pra lá de Pacificadoras, agora têm que lidar com os soldados, cabos e sargentos do Exército Brasileiro.
Pode parecer ao olhar desavisado que não mudou muita coisa na relação entre o Estado e os pobres. É possível inclusive que alguns dos intelectuais orgânicos da burguesia, reunidos na grande imprensa, já tenham analisado a mudança como uma questão meramente formal: mudaram as cores dos uniformes, nada mais. Infelizmente, e me pesa dizer, está longe de ser apenas isto. A Polícia Militar do Rio de Janeiro, em termos de organização, infra-estrutura, inteligência, metodologia, preparo etc. não é lá uma instituição muito séria. Já provou, comprovou, atestou, certificou, ratificou a sua deficiência histórica – que na verdade é programada e combinada – em diversas oportunidades. Mata reféns ao invés de sequestradores, mata trabalhadores no lugar de traficantes, mata criança em operação pra capturar bandidos e esconde cadáver, rouba e destrói casas de trabalhadores ao invés de procurar traficantes, mata juíza que caça bandido, enfim, mais do mesmo. É séria em praticar a violência contra a população pobre e trabalhadora, em praticar a covardia, isso sim, aí é campeã.
O Exército é outra história. O Exército Brasileiro possui cerca de 235 mil soldados. Tem a maior quantidade de veículos blindados da América do Sul e unidades especiais de elite para ação em diversos biomas, como selvas e montanhas. Também conta com unidades de ação rápida estratégica, preparadas para atuar em curto espaço de tempo em qualquer lugar do país. Está inscrito nas Forças Armadas do Brasil, a maior da América Latina, a segunda maior das Américas e uma das 10 mais bem preparadas do mundo. É de deixar tranquila qualquer dona de casa do Leblon com medo dos terroristas da Colômbia que vão dominar o mundo. Aqui não, madame, aqui eles não têm vez!
Mas o Exército tem sido utilizado nas favelas, contra os próprios concidadãos deste país. Inverteu o próprio legado de soberania nacional para manter a soberania sobre a favela, sobre a pobreza e seu descontentamento, sua insatisfação. O resultado, nós estamos vendo por aí: espancamento de trabalhador, repressão violenta a moradores, além de roubos, abusos de poder etc., tudo muito bem relatado pelo imprescindível trabalho de Patrick Granja e do jornal A Nova Democracia. Até aí, realmente, falamos de formalidades, mudanças de cores e um aumento no poderio bélico com o mesmo resultado: a repressão e a criminalizaão da pobreza, tal e qual faz a polícia. A diferença principal está, contudo, acima das questões mais práticas. O Exército passou a censurar deliberadamente a cobertura jornalística independente de suas incursões às favelas e subsequentes ocupações. E, bem, esta história, ainda que tentem esconder, cerrar sob cinquenta chaves, classificar como ultra-secreta e inacessível a suas vítimas, esta já a conhecemos muito bem.
Há um chavão recorrente em nosso país de que o brasileiro tem memória curta. É uma mentira fabricada. O brasileiro tem, antes, uma memória encurtada. As mesmas instituições que agora promovem a ascenção das forças armadas nos conflitos urbanos, que defendem a política de segurança pública tipo-exportação do Rio de Janeiro, estes vêm a ser, infelizmente, os mesmos que dominam e controlam os aparatos de memória coletiva social, desde livros e diretivas didáticas a revistas especializadas em política ou jogging, passando pelas televisões, rádios, internet etc. Não por coincidência, estas foram as instituições favorecidas (e promotoras) do regime militar que assombrou esse país durante mais de 20 anos. Assim, através dos velhos dispositivos da mídia, mantêm a população alienada de seu passado, de suas verdades, de suas necessidades e de seu próprio futuro.
Este futuro está em perigo. Aumentam os casos de corrupção, aumentam os casos de abuso policial, aumentam os níveis de violência nas periferias, aumenta a exploração sobre os trabalhadores, aumenta a repressão sobre os ativistas, aumentam as políticas de privatização. A coisa vai muito mal. Paralelamente a isso, aumenta o poder do exército e a insatisfação popular: se tudo segue assim, em pouco tempo as classes médias estarão clamando pela salvação marcial dos generais – de maneira similar ao que fizeram no passado e como estão fazendo com a ocupação policial das universidades públicas do país. Não as deixemos, pois, esquecer o sangue escorrido de nossos antepassados, a que salgado preço ainda podemos hoje, mesmo que timidamente, realizar as nossas justas denúncias e reivindicações.

Entidades divulgam nota pública sobre ação do BOPE no Complexo da Maré (RJ)

Mais de duas dezenas de entidades representativas das comunidades da Maré, além de outras entidades da sociedade civil, divulgaram nesta segunda-feira (24/10) uma nota em que questionam a militarização do complexo de favelas da Maré, constituído por 16 comunidades.

Moradores das favelas denunciam que uma ‘operação continuada’ do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro (BOPE) está gerando constantes violações de direitos humanos na região, onde moram cerca de 140 mil pessoas.

Leia abaixo a nota na íntegra:

Nota pública sobre operação do BOPE na Maré

Há 12 dias, o Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro (BOPE) realiza operações sistemáticas em várias das 16 favelas da Maré – território carioca com população estimada em 140 mil pessoas.

A ação policial, chamada pelas autoridades militares de “operação continuada”, tem sido marcada pela falta de informações e desencontro de pareceres das autoridades de segurança pública. Exemplo maior desta situação foi a distribuição aleatória de panfletos com a inscrição “Sua comunidade está sendo pacificada”.

Apesar da difusão da informação, posteriormente a polícia militar afirmou, através de nota, que a ação não tinha como objetivo a instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) e que o material impresso arremessado do helicóptero era, na verdade, sobra de outra ação, ocorrida no Morro da Mangueira, Zona Norte. A assessoria de comunicação da Secretaria de Segurança Pública do Rio informou, por sua vez, que os folhetos despejados sobre as favelas da Maré foram, na verdade, parte de “uma tentativa de confortar a população local, aproximando-a da força policial”.

Para além da evidente descoordenação política e técnica da ação, moradores das favelas em que a ‘operação continuada’ tem se concentrado até agora, tem relatado constantes violações de direitos humanos.

Diante disso, as organizações abaixo assinadas, de dentro e de fora da Maré, que atuam no campo da defesa e promoção de direitos, em reunião realizada no dia 24 de outubro, propõem os encaminhamentos abaixo relacionados, visando garantir a materialização de uma política de segurança pública que, de fato, assegure os direitos fundamentais dos moradores locais:

1. Uma reunião imediata de representantes das organizações assinaladas com a direção da Secretaria de Segurança Pública, Comando do BOPE e Comando do 22° Batalhão;

2. A produção, pelo BOPE, de uma nota dirigida aos moradores da Maré esclarecendo os objetivos da Operação em curso, assim como a difusão nesse folheto das formas legais de ação por parte dos policiais, em especial as abordagens e eventuais entrada em domicílios;

3. Investigação e apuração de todos os casos de violações de direitos cometidas pelo BOPE;

4. A suspensão imediata das operações até que as solicitações acima sejam devidamente atendidas.

Assinam essa nota:

  • Observatório de Favelas
  • Redes de Desenvolvimento da Maré
  • Comissão de Direitos Humanos da Alerj
  • Rede de Comunidades e Movimentos contra a violência
  • Justiça Global
  • Luta Pela Paz
  • Humanitas e Cidadania
  • Lona Cultural da Maré
  • Imagens do Povo
  • Iser Diuc – PR5/UFRJ
  • Associação de Moradores do Morro do Timbau
  • Associação de Moradores do Parque União
  • Associação de Moradores do Parque Maré
  • Associação de Moradores do Baixa do Sapateiro
  • Associação de Moradores da Nova Holanda
  • Associação de Moradores do Parque Rubem Vaz
  • Centro Municipal de Saúde Samora Machel
  • Centro Municipal de Saúde Nova Holanda
  • Centro Municipal de Saúde Hélio Smith
  • Centro Municipal de Saúde Gestão Capanema
  • Centro Municipal de Saúde Vila do João Centro de Promoção da Saúde – Cedaps
  • Escola Municipal Teotônio Vilela
  • Associação dos Docentes da UFF
  • Projeto Uerê
  • Instituto Vida Real
  • Instituto Raízes em Movimento
  • Viva Comunidade
  • Viva Rio

Entidades divulgam nota pública sobre ação do BOPE no Complexo da Maré (RJ)

Mais de duas dezenas de entidades representativas das comunidades da Maré, além de outras entidades da sociedade civil, divulgaram nesta segunda-feira (24/10) uma nota em que questionam a militarização do complexo de favelas da Maré, constituído por 16 comunidades.

Moradores das favelas denunciam que uma ‘operação continuada’ do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro (BOPE) está gerando constantes violações de direitos humanos na região, onde moram cerca de 140 mil pessoas.

Leia abaixo a nota na íntegra:

Nota pública sobre operação do BOPE na Maré

Há 12 dias, o Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro (BOPE) realiza operações sistemáticas em várias das 16 favelas da Maré – território carioca com população estimada em 140 mil pessoas.

A ação policial, chamada pelas autoridades militares de “operação continuada”, tem sido marcada pela falta de informações e desencontro de pareceres das autoridades de segurança pública. Exemplo maior desta situação foi a distribuição aleatória de panfletos com a inscrição “Sua comunidade está sendo pacificada”.

Apesar da difusão da informação, posteriormente a polícia militar afirmou, através de nota, que a ação não tinha como objetivo a instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) e que o material impresso arremessado do helicóptero era, na verdade, sobra de outra ação, ocorrida no Morro da Mangueira, Zona Norte. A assessoria de comunicação da Secretaria de Segurança Pública do Rio informou, por sua vez, que os folhetos despejados sobre as favelas da Maré foram, na verdade, parte de “uma tentativa de confortar a população local, aproximando-a da força policial”.

Para além da evidente descoordenação política e técnica da ação, moradores das favelas em que a ‘operação continuada’ tem se concentrado até agora, tem relatado constantes violações de direitos humanos.

Diante disso, as organizações abaixo assinadas, de dentro e de fora da Maré, que atuam no campo da defesa e promoção de direitos, em reunião realizada no dia 24 de outubro, propõem os encaminhamentos abaixo relacionados, visando garantir a materialização de uma política de segurança pública que, de fato, assegure os direitos fundamentais dos moradores locais:

1. Uma reunião imediata de representantes das organizações assinaladas com a direção da Secretaria de Segurança Pública, Comando do BOPE e Comando do 22° Batalhão;

2. A produção, pelo BOPE, de uma nota dirigida aos moradores da Maré esclarecendo os objetivos da Operação em curso, assim como a difusão nesse folheto das formas legais de ação por parte dos policiais, em especial as abordagens e eventuais entrada em domicílios;

3. Investigação e apuração de todos os casos de violações de direitos cometidas pelo BOPE;

4. A suspensão imediata das operações até que as solicitações acima sejam devidamente atendidas.

Assinam essa nota:

  • Observatório de Favelas
  • Redes de Desenvolvimento da Maré
  • Comissão de Direitos Humanos da Alerj
  • Rede de Comunidades e Movimentos contra a violência
  • Justiça Global
  • Luta Pela Paz
  • Humanitas e Cidadania
  • Lona Cultural da Maré
  • Imagens do Povo
  • Iser Diuc – PR5/UFRJ
  • Associação de Moradores do Morro do Timbau
  • Associação de Moradores do Parque União
  • Associação de Moradores do Parque Maré
  • Associação de Moradores do Baixa do Sapateiro
  • Associação de Moradores da Nova Holanda
  • Associação de Moradores do Parque Rubem Vaz
  • Centro Municipal de Saúde Samora Machel
  • Centro Municipal de Saúde Nova Holanda
  • Centro Municipal de Saúde Hélio Smith
  • Centro Municipal de Saúde Gestão Capanema
  • Centro Municipal de Saúde Vila do João Centro de Promoção da Saúde – Cedaps
  • Escola Municipal Teotônio Vilela
  • Associação dos Docentes da UFF
  • Projeto Uerê
  • Instituto Vida Real
  • Instituto Raízes em Movimento
  • Viva Comunidade
  • Viva Rio

BOPE distribui panfleto na Maré por helicóptero e assusta moradores (veja reprodução)

Relatos de moradores do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, informam que um helicóptero do BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais da PM do Rio) está jogando um panfleto na comunidade informando que “a sua comunidade está sendo pacificada” e pedindo por pistas de crimonosos. A Maré está há dias está sob constante tiroteio, invasão da polícia e pressão dos traficantes.

As denúncias de violações de direitos humanos recebidas pela RENAJORP vêm, no entanto, dos três “poderes” locais: traficantes, milicianos e a própria Polícia Militar.

O panfleto tem assustado alguns moradores, que conhecem os métodos do BOPE de atirar primeiro e perguntar depois.

Veja o panfleto abaixo.

BOPE distribui panfleto na Maré por helicóptero e assusta moradores (veja reprodução)

Relatos de moradores do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, informam que um helicóptero do BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais da PM do Rio) está jogando um panfleto na comunidade informando que “a sua comunidade está sendo pacificada” e pedindo por pistas de criminosos. A Maré está há dias está sob constante tiroteio, invasão da polícia e pressão dos traficantes.

As denúncias de violações de direitos humanos recebidas pela RENAJORP vêm, no entanto, dos três “poderes” locais: traficantes, milicianos e a própria Polícia Militar.

O panfleto tem assustado alguns moradores, que conhecem os métodos do BOPE de atirar primeiro e perguntar depois.

Veja o panfleto abaixo.

Sergio Cabral trata os servidores da seguinte forma:

Leia aqui a carta dos bombeiros, após a invasão crimonosa.

Apoie a causa em http://www.sosguardavidas.com/

Tropa de Elite: a violência policial retratada no cinema brasileiro

Debate na UFRJ debate segurança pública, direitos humanos e narcotráfico com autores do filme e do livro que abordam a temática sob o ponto de vista de integrantes do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar.

“Quando fiz o filme do ônibus 174 com o ponto de vista da violência do Sandro Nascimento e sua história de vida, me deu uma idéia: por que não fazer um filme do ponto de vista da violência policial, daqueles policiais que mataram o Sandro”. Foi assim que José Padilha, diretor do filme Tropa de Elite – que atraiu um público de 180 mil espectadores só no fim de semana de estréia em São Paulo e no Rio de Janeiro –, deu início ao debate com alunos da Universidade Federal do Rio de Janeiro, promovido pelo Fórum de Ciência e Cultura da instituição.

Após a exibição gratuita do filme para os estudantes universitários, na terça-feira (16/10), o debate reuniu centenas de alunos no teatro de arena do campus da UFRJ para um debate com o diretor e os três autores do livro Elite da Tropa (*), que deu origem ao longa-metragem.

O filme escolhido para abrir o Festival do Rio 2007, em setembro, teve seu lançamento nas telas de cinema antecipado para 12 de outubro. Contou com um orçamento de dez milhões e meio de reais, uma das produções mais caras do cinema brasileiro – é sucesso de público e crítica.

Capitão Nascimento e o BOPE

O filme é narrado por um policial do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar. Para Padilha, o personagem capitão Nascimento acredita profundamente que a violência deve ser combatida com a própria violência. “O policial que integra o BOPE é um caso extremo de uma polícia que acredita na violência como solução”.

José Padilha explica que sua opção por mostrar o lado policial vem do fato de que no Brasil não havia nenhum longa-metragem que abordasse este ponto de vista – a exemplo do Carandiru, Cidade de Deus e 174, que apresentam outras realidades.

Luis Eduardo Soares, um dos autores do livro, considera que as polícias, em especial do Rio de Janeiro, são as mais violentas do mundo. E apontou com dados, a título de comparação, que nos EUA a polícia é tida como a mais brutal e mata 200 pessoas por ano. Segundo ele, dados de 2003 apontam que houve mais de mil mortes no estado do Rio com “sinais claros de execução pela polícia”.

O sociólogo enfatiza os dados mais recentes de 2006 e 2007: ano passado foram 1.600 mortes, este ano já chegamos a 1.400. Em cinco anos, mais de quatro mil casos de pessoas assassinadas. E destaca: “É inaceitável conviver com essas estimativas”. Com o filme e o livro, Luis Eduardo Soares incita a mobilização da opinião pública para discutir a atuação da polícia e pôr em questão esses dados.

Rebatendo às críticas, o diretor afirma que nem o Sandro, nem o Nascimento são heróis – considerar algum deles como herói é “simplificar o entendimento do filme”. Para ele, é preciso ser capaz de olhar e entender o discurso policial, assim como o do Sandro retratado no documentário ‘174’.

“A minha idéia era fazer um filme que as pessoas debatessem”, disse. Padilha considera que o BOPE é um batalhão treinado para a guerra de caça aos traficantes. O BOPE é retratado no filme ambientado em 1997. Na época 120 homens compunham a corporação, hoje o batalhão já tem mais de 400. “Em uma cidade que precisa ter esse tipo de polícia especial, já temos um sério problema. Não deveria existir uma polícia como essa, não resta a menor dúvida que ela precisa ser mais humana e respeitar a lei”.

Luis Eduardo Soares destaca que a sociedade tende a generalizar os policiais como se fossem os principais agressores. “Eles também são vítimas”, afirma o sociólogo, que acrescenta: “O BOPE é como uma seita. Há um processo de institucionalização da violência. O capitão Nascimento é fruto da construção de uma identidade selvagem”.

De acordo com Soares, há dois grandes problemas na polícia: a corrupção e brutalidade. E sobre livro, ressalta que “há um processo histórico da política de segurança pública que está padronizando as atitudes rígidas. Os policiais são também vítimas, antes mesmo de serem apontados como algozes”.

Rodrigo Pimentel concorda e afirma: “A polícia reproduz as violências, os preconceitos e a corrupção da sociedade carioca. A nossa sociedade é violenta, é corrupta e aceita o falso herói como o Nascimento. A polícia acaba fazendo uma réplica da violência destes valores sociais”.

José Padilha enfatiza que o filme não tem como pretensão demarcar uma posição político-partidária. E rebate as críticas: “No 174 me perguntaram se eu era radical de esquerda. Neste [Tropa de Elite], se eu sou radical de direita. Isso seria politicamente inviável”, ironiza. De acordo com o diretor, há uma noção equivocada de que a arte deve sempre propor soluções e abordar toda a realidade: “Isso não é verdade”.

A descriminalização das drogas

“O filme mostra que o usuário recreativo de drogas – aquele que não é viciado e pode escolher comprar ou não – sabe de quem está comprando [se referindo aos grupos armados nas favelas]”. Para o diretor, o filme coloca a questão se aquele que consome drogas está financiando ou não grupos armados.

Já Luis Eduardo Soares é mais contundente: “É claro que as drogas financiam as armas”. O filme aponta para uma sociedade que coloca o consumidor numa situação complicada: “Ou ele compra de grupos armados e acaba financiando a violência urbana, ou não consome”.

Este debate suscita uma polêmica ainda maior: a descriminalização das drogas. Padilha se pergunta por que a droga tem que ser criminalizada e a bebida não. Sobre isso, responde: “Sou a favor da descriminalização das drogas. As pessoas devem escolher o que elas fazem. Se eu quero comprar maconha, o que o Estado tem a ver com isso?”

Porém, o diretor de Tropa de Elite questiona se, com a descriminalização, a violência urbana diminuiria. “Tenho minhas dúvidas, toda vez que se combate o tráfico de drogas aumentam os seqüestros e homicídios”.

Pirataria

Mas não só de críticas e de bilheteria que o Tropa de Elite virou um fenômeno. Também bateu o recorde da pirataria. Segundo pesquisa do Datafolha, só em São Paulo cerca de um milhão e meio de pessoas já assistiu ao DVD pirata. No dia 11 de outubro, foram apreendidos em todo o Brasil mais de 1 milhão de CDs e DVDs pirateados – Tropa de Elite representou 10% de toda a apreensão.

A cópia foi vendida nos camelôs dois meses antes da estréia do filme e ainda não era a sua versão final. Além do Rio e São Paulo, os DVDs piratas podiam ser comprados nas grandes cidades como o Distrito Federal , Belo Horizonte e Salvador. Na internet, mais de 70 mil sites oferecem o filme para download.

Sobre o fenômeno que popularizou o filme, Padilha não nega que tenha ganhado mais projeção, mas mesmo assim considera a pirataria crime. “A pirataria envolve sonegação fiscal, não paga impostos nem reconhece direitos trabalhistas ou dos consumidores. Eu sou a favor de um cinema mais barato, mas piratear não é a solução”.

Em resposta a uma sugestão da platéia de fazer um filme sobre os verdadeiros “chefões do tráfico”, Padilha garante que o próximo filme será sobre o Congresso Nacional. O roteiro está sendo escrito junto com o compositor Gabriel Pensador.

(*) O livro foi escrito pelo sociólogo Luis Eduardo Soares, por André Batista e pelo ex-capitão do BOPE que atuou 6 anos na corporação, Rodrigo Pimentel. Fabíola Ortiz é estudante da Escola de Comunicação da UFRJ e colaboradora da Revista Consciência.Net.

Matando pelo bem do Brasil

“Tropa de Elite” não cria muito. Limita-se a encenar sentimentos que ultrapassam os limites das classes altas e médias endinheiradas: a certeza de que a única solução para o crime, corporificação da maldade absoluta, é a mão-de-ferro da repressão sem piedade.

Em “Tropa de Elite”, o singular não é o filme em si, mas o estrondoso sucesso, antes mesmo do seu lançamento. Como película, a obra de José Padilha repete em geral as receitas inovadoras de “Cidade de Deus”, sem o brilho do célebre longa-metragem de Fernando Meirelles: a criminalidade urbana como tema; o narrador como condutor da trama; os quadros dinâmicos em uma sucessão de clips. Uma espécie de plágio doce devido parcialmente ao fato de Bráulio Mantovani assinar os roteiros das duas películas.

Na essência, os filmes são opostos. Em “Cidade de Deus”, através da história da comunidade homônima, Fernando Meirelles relata a construção social do criminoso, para propor superação individual pela arte e pelo trabalho [fotografia] do destino do jovem favelado ao crime. Mantendo-se nos marcos da leitura da favela pela cidade, a câmara de Meirelles procura dar a voz aos protagonistas. No fundo, é leitura social otimista, ainda que ingênua.

Não há meias cores em “Tropa de Elite”, apesar do sinistro claro-escuro em que o filme se move. Os protagonistas e antagonistas são feitos de uma só peça: corruptos ou honestos às vísceras. Os únicos heróis são os policiais do BOPE, a sinistra tropa de elite carioca que, no filme, tortura, mata e morre em desesperada e incompreendida última defesa da civilização contra a barbárie, da cidade contra o morro. Ao iniciar a película, o narrador traça o quadro geral maniqueísta: “Se o Rio dependesse só da polícia tradicional, os traficantes já teriam tomado a cidade […].”

“Tropa de Elite” não cria muito. Limita-se a encenar sentimentos que ultrapassam os limites das classes altas e médias endinheiradas: a certeza de que a única solução para o crime, corporificação da maldade absoluta, é a mão-de-ferro da repressão sem piedade. Proposta com a qual a mídia martela uma imensa parcela da população que materializa, no sentimento de insegurança, o stress permanente produzido pelas incertezas e insatisfações da vida quotidiana.

O que não significa que o filme não possua soluções imaginosas, como a inversão da ordem normal dos fatores sociais, ao apresentar a execução do horrível traficante “Baiano”, branco, pelo honestíssimo Matias, policial e acadêmico de Direito, negro. Ou a melodramática superposição de papéis de Nascimento, o capitão do BOPE, organizador dos assassinatos e homem sensível à espera do primeiro filho, símbolo da inocência do mundo que defende, às custas de permanente descida ao inferno.

O deputado quer apenas saber o “quanto” vai ganhar, ao se associar a policiais que chafurdam no crime. Os estudantes discutem as causas e as soluções da marginalização social mas, no frigir dos ovos, são drogados hipócritas, traficantes e queridinhos de criminosos. Nesse mundo em degringolada, o único remédio forte é a morte e a tortura ministradas profissionalmente por policiais incorruptíveis, que entregam a vida se necessário no cumprimento de suas missões. Tudo pelo bem do Brasil.

José Padilha apenas dramatiza a apologia das execuções de populares pelas forças policiais, sob as ordens e cumplicidade das autoridades e os aplausos dos meios de comunicação. “Carandiru”, de Hector Babenco, denunciou sem maior sucesso o mega-massacre da polícia militar paulista. Invertendo o sinal, “Tropa de Elite” glamouriza mortandades como as do Complexo do Alemão, em junho deste ano.

Através da escusa da encenação do real, “Tropa de Elite” radicaliza as propostas de “Tolerância Zero” com a criminalidade, apresentadas incessantemente pela cinematografia estadunidenses de segunda linha. Sem pruridos, extrema insinuações de séries como “Lei & Ordem” sobre a legitimidade da execução e da tortura na obtenção de resultados louváveis: a eliminação do terrorista, a morte do traficante, a prisão do pedófilo.

Em fins dos anos 1980, o sucesso da sub-literatura de tema esotérico de Paulo Coelho registrou a crise geral da confiança nas soluções sociais racionalistas, devido à vitória mundial da maré neoliberal. No mundo fantástico do segundo governo Lula da Silva, enquanto cresce a dilaceração dos laços sociais e nacionais, os ricos tornam-se mais ricos e as classes médias viajam ao exterior despreocupadas com a inevitável ressaca do dia seguinte do real-maravilha.

O sucesso de “Tropa de Elite” registra o conservadorismo crescente da população nacional, na esteira da fragilização do mundo do trabalho e mergulho geral das lideranças populares tradicionais na corrupção. É enorme vitória dos poderosos que policiais fardados de preto encarnem a solução da insegurança nacional, distribuindo a morte entre os pobres, sob a bandeira da caveira sorridente. “Tropa de elite, osso duro de roer, pega um, pega geral, também vai pegar você!” E, se não te cuidares, meu chapa, vai te pegar, mesmo!

Mário Maestri, 59, é professor do curso de História e do PPGH da UPF. E-mail: maestri@via-rs.net

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