Todos os posts de Gustavo Barreto

Jornalista, 40, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis em https://amzn.to/3ce8Y6h). Acesse o currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/0384762289295308.

Folhas, coração, juventude e fé

Foto: Mídia NINJA
Foto: Mídia NINJA

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva gravou este vídeo em 2020, muito antes das eleições de 2022, para ler a carta de seu neto, Thiago, que tentou listar as expectativas da juventude brasileira para seu avô.

A lista-carta elenca preocupações evidentes para todo e qualquer jovem, ou mesmo adulto de meia-idade, em relação aos rumos do Brasil.

Pouco após a eleição de Lula para um novo mandato em 2023, estava ouvindo uma música antiga e famosa de Milton Nascimento (e Wagner Tiso!) – Coração de Estudante –, que me lembrou esta carta de Thiago. Começa a canção do nosso grande Milton: “Quero falar de uma coisa, adivinha onde ela anda, deve estar dentro do peito, ou caminha pelo ar”. A canção, como se sabe, é um hino contra a ditadura militar.

Milton se refere à “folha da juventude”, ao “sorriso de menino” (ou menina), e trata de renovar a esperança.

A minha inquietação e afetividade acrescida com a velha conhecida canção tinha como fonte a mesma folha da juventude – eu hoje na meia-idade, aos 40 – da qual falava Milton, os mesmos “sentimentos muito fortes” citados por Thiago.

Trata da esperança e da perspectiva de futuro, sequestrados pelo ciclo de retrocessos políticos que “roubam nossos sonhos”, como descreve a carta de Thiago.

Do ponto de vista macro – e cuja incidência atinge cada um de nós –, o jovem não acredita na política e no Estado, apostando na individualidade em todos os níveis, incluindo no seu âmbito mais perverso historicamente, que é o neoliberalismo.

As políticas neoliberais são uma relativa novidade histórica até mesmo em países desenvolvidos, nos quais os futuros coletivos de toda uma sociedade são substituídos pelas precárias condições da existência individualista, condições estas historicamente criadas, institucionalmente reforçadas diariamente e que ignoram por completo o senso comunitário – ou, por fim, comum – que permeia todas as nossas almas, o nosso mais profundo ser.

O protagonismo do qual falam Milton e Thiago são essencialmente coletivos – “há que se cuidar da vida, há que se cuidar do mundo, tomar conta da amizade”, Milton nos guia.

Os projetos espúrios do poder patriarcal, dos homens brancos armados, evidenciam o que Thiago descreve: os jovens têm mais capacidade de governar que muitos “líderes”, e assim o potencial invisibilizado da nossa juventude se dilui no mar abstrato da esperança. A incompetência e o descaso com o coletivo parecem ter vencido, afinal.

Thiago reafirma os princípios coletivos desse debate: precisamos discutir as drogas, e sobretudo a falida política de “guerra às drogas”, que Thiago explica ser “mais um dos bodes expiatórios inventados para controlar, prender e matar a população jovem e negra desse país”.

Precisamos de líderes? Talvez, mas isso está longe de ser suficiente. Precisamos de projetos com a participação ativa da juventude organizada. “Não queremos ser tratados como algoritmos”, sintetiza Lula.

A minha inquietação com o tema – de Milton, de Tiso, de Thiago, de Lula – não diz respeito à juventude, me atrevo a dizer. O tema central aqui é apenas um: o futuro à vista. Nossos sonhos não sobrevivem sem esperança. Nenhum país sobrevive sem esperança.

A esperança é o combustível da juventude. E a boa notícia é que este combustível é renovável, e está dentro de todos nós.

“Folhas, coração, juventude e fé”, cantou Milton Nascimento em um momento em que foi tocado por uma força qualquer, maior que todos nós, mas que todos conhecemos.

A feira que nunca acaba

O nosso modelo de desenvolvimento receberá, em um ou dois dias, mais um evento de grande porte no qual grande parte dos comerciantes – grandes, pequenos – dará descontos em seus produtos para consumidores sedentos por novidades antigas. É a sexta-feira de ofertas.

As grandes cidades, onde nasceu a resistência contra o absolutismo, viram seu poder crescer de tal modo que, atualmente, não conseguimos nos diferenciar dos absolutos poderes da Idade Média.

Longe de uma nostalgia anacrônica, podemos antever no que dará o antropoceno: a nossa própria destruição.

Antes, no entanto, da destruição física, vem a moral – todos os regimes assim caíram. Embebidos de um consumismo frenético que não conhece barreiras, somos como um rio vazio que espera a vida, mas sabe nada poder sem a água e a floresta.

Sabemos o quão desastroso é o modelo destrutivo do consumo, mas parecemos estar paralisados pela frenesi capitalista, em busca de um novo Carnaval no velho modelo explorador e exclusivista.

A volta à ‘normalidade’ – se é que há uma – é a volta ao ato inconsequente de por em marcha nossas velhas ideias moribundas: o crescimento infinito que acaba com os recursos naturais finitos e adoece o planeta (incluindo nós mesmos, pobres seres humanos).

E pior: um modelo ainda mais concentrador e violento, que mesmo com uma ‘pausa’ viu a renda ser direcionada para o topo cada vez mais. A viagem espacial privada é uma realidade num planeta no qual mais de um quinto das crianças em todo o mundo está desnutrido. É vergonhoso e, ainda assim, aceitável em nome do mesmo ‘desenvolvimento’.

A solução é mais do que simples: temos que tornar o planeta verde e azul novamente, aprendendo a dividir o espaço com a natureza. Em outras palavras: agir contra a nossa natureza destrutiva e egoica. A solução é tão simples quanto distante, e a recente conferência da ONU sobre o clima é mais uma prova concreta dessa tragédia.

A ciência, que tem seus princípios sequestrados para justificar a visita privada ao espaço, de nada tem valido quando o tema é nosso futuro comum. A desigualdade gritante da vacinação global é, mais uma vez, prova inconteste.

A sexta-feira de ofertas é a feira na qual estamos presos – como numa caverna, sem conseguir enxergar a luz do sol ou da lua. A mercadoria somos nós mesmos, impedidos de nos perceber seres integrantes da natureza.

Analfabetos ambientais, poderíamos dizer – como humanos, não sabemos quem somos e nem onde estamos. Como que num barco desgovernado, prestes a afundar, continuamos a comprar, comprar, comprar.

Estamos à venda no mercado-mundo, como produtos descartáveis em uma feira que nunca acaba.

Os segredos que os livros guardam

Ainda espero poder compreender melhor a influência dos livros em nossas vidas.

Não falo, aqui, do conhecimento que estes trazem. Da possibilidade que nos dão de viajar sem sair do lugar. Ou ainda da vantagem que nos proporcionam ao nos tornarmos, por meio deles, pessoas bem informadas e prontas a nos adaptar a esse mundo em permanente transição.

Falo do objeto livro.

Porque, para além do conhecimento, o que me atrai no livro é, curiosamente, o próprio objeto.

Em um formato que não mudou em séculos de experiência, os livros nos dão esse sentido histórico tão em falta hoje em dia, ao nos trazer uma experiência vivida tanto por Umberto Eco quanto por Galileu. Por Santo Agostinho ou Luis Fernando Verissimo. E por nós, todos nós. Aqui reside um senso um tanto quanto democrático.

Ler é, também, hoje, um ato de resistência. Ainda estamos por avaliar as relações entre o uso excessivo das redes sociais e a dificuldade frequente que temos em achar tempo para ler. Ou talvez a nossa relação com o tempo, o tempo perdido, que nos dificulta a leitura desinteressada.

Assim, eu amo tanto o ato de ler quanto o objeto livro. E é um prazer conviver com tantas gerações de pensadores em um minúsculo espaço reservado, a biblioteca.

Penso que, ao se estudar biografias, a primeira coisa a se perguntar é: como era a biblioteca pessoal do biografado? Sem julgamentos, apenas a título de informação.

O livro, sua morada (a biblioteca) e seu guardião (a pessoa que lê) são peças-chave de uma história que não precisa de introdução nem conclusão. É história contínua, perene, escondida numa prateleira. Como um segredo bem guardado. Um segredo que se basta, e por isso não precisa ser desvelado.

Estrangeiro

Eduardo Galeano

Num jornal do bairro do Raval, em Barcelona, uma mão anônima escreveu:

O teu deus é judeu, a tua música é negra, o teu carro é japonês, a tua pizza é italiana, o teu gás é argelino, o teu café é brasileiro, a tua democracia é grega, os teus números são árabes, as tuas letras são latinas.
Eu sou teu vizinho. E ainda me chamas estrangeiro?

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Eduardo GALEANO, em O Caçador de Histórias.

Boas novas para o SUS?

Eu adoraria estar otimista sobre todo esse apoio ao SUS, mas não vejo motivos.
Existe uma velha lógica, descrita minuciosamente por Noam Chosmky, acerca dos serviços públicos e privados: enquanto os lucros são privatizados, os custos são socializados.
É natural, portanto, que haja inclusive um certo apoio cínico ao SUS: é tempo de socializar custos.
Liberais igualmente cínicos estão surpresos com a cara-de-pau de muitos dos gestores dos hospitais privados, que se negaram a fazer testes e tratar dos pacientes.
O Chicago Boy, o Sr. Paulo Guedes, não perdeu tempo: liberou um pacote de bondades de até 10 bilhões de reais para a saúde privada. Nada a ver com saúde, só o bom e velho capitalismo de Estado, sempre enriquecendo o andar de cima.
Passada a crise, tudo voltará ao normal: será o tempo de privatizar novamente os lucros, assim que estes voltarem.
Não que eu queira ser pessimista. Mas não há sinais para o otimismo em relação ao SUS, infelizmente. Só a luta, e não as tragédias, podem mudar esse cenário.

No noroeste da Síria, existem apenas dois psiquiatras para quase 4 milhões de pessoas

Foto: WHO/OMS/AIsmail

“Hoje, sou um dos únicos psiquiatras em uma área onde vivem cerca de 3 milhões de pessoas. Devido à guerra, a situação é trágica”, explica o doutor Satoo, psiquiatra e diretor administrativo do Centro de Saúde Mental Sarmada, apoiado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), no noroeste da Síria.

“Isso afeta tudo: dificuldades em encontrar emprego e más condições de vida. Ninguém está livre de algum tipo de problema psicológico. Não há números oficiais, mas estamos vendo cada vez mais casos extremos a cada mês”, acrescentou.

A escalada em curso dos conflitos na região continua a impactar fortemente os civis. Entre primeiro de maio e 18 de agosto, mais de 570 mil pessoas foram deslocadas. O acesso aos cuidados de saúde também foi severamente limitado.

Existem apenas dois psiquiatras para quase 4 milhões de pessoas, e apenas duas instalações têm capacidade para tratar pessoas que sofrem de condições graves de saúde mental por meio de atendimento hospitalar.

“Não há unidade de saúde, a não ser a nossa, para doenças mentais e psicológicas graves. Se isso não existisse, para onde iriam as famílias? Algumas pessoas são realmente um perigo para si mesmas, sua família e seus arredores. Vir aqui é geralmente o último recurso para situações terríveis”, acrescenta Satoo.

Leia mais no site da OMS.