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Lula participa de ato no Rio com artistas e intelectuais em defesa da cultura

Manifestação será realizada no Circo Voador, nesta quarta-feira (18), para denunciar o desmonte do setor e debater a importância da cultura no cotidiano do país

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva estará no Rio de Janeiro, nesta quarta-feira (18), para um ato público que vai denunciar e protestar contra o desmonte das políticas e entidades culturais cultura no estado e no país. Cerca de 500 artistas e intelectuais estarão presentes no Circo Voador, na Lapa, região central da cidade, para o evento “Lula abraça a cultura”, que será marcado por homenagem à cantora Beth Carvalho, que morreu em abril. Os organizadores afirmam que o ato também irá celebrar a libertação do ex-presidente, depois de ter passado 580 dias como preso político.

O sociólogo Emir Sader é um dos organizadores do evento e conta que o líder político quer ‘dar um abraço’ em quem o apoiou durante sua prisão. “Será uma bela forma de terminar um ano terrível para o Brasil, para a democracia, para os direitos das pessoas, para o povo brasileiro. A libertação o Lula fez reacender a esperança nos brasileiros de que um horizonte de superação das tragédias atuais é possível, que o resgate do Brasil é uma realidade concreta. Lula começa a circular pelo Brasil para levar essa palavra de esperança”, afirma Emir.

Entre os confirmados, estão nomes como Camila Morgado, Camila Pitanga, Dira Paes, Eric Nepomuceno, Francis Hime, Gregorio Duvivier, Osmar Prado, Renata Sorrah, Teresa Cristina, Leonardo Boff, Letícia Sabatella, Maria Gadú, Tonico Pereira e Zezé Mota. O encontro começa às 19h.

Através de um video publico no Facebook, o ator Osmar Prado confirmou sua presença no evento. “Lula mais forte do que nunca, apaixonado e cheio de tesão. Nós vamos abraçar o presidente, finalmente, longe da masmorra de Curitiba. Todos lá!”, convocou.

Fonte: Rede Brasil Atual

Funcionários de clínica da família em Vila Kosmos, no Rio, convidam população a defender saúde

Foto: Facebook da Clínica da Família Ana Maria Conceição dos Santos Correia

Nesta quinta-feira, dia 1o de novembro, às 7h da manhã, funcionários da Clínica da Família Ana Maria Conceição dos Santos Correia, em Vila Kosmos, zona norte da cidade do Rio de Janeiro, trabalharão com médicos e enfermeiros em greve.

Ambas as categorias estão respaldadas por seus sindicatos, com 50% do efetivo do dia em atendimento e 50% mobilizados junto à população.

Os funcionários da clínica Ana Maria (IPASE) convidam a população para um ato em frente a clínica em defesa da permanência das equipes que funcionam atualmente, da permanência de todos os trabalhadores (sem quaisquer demissões), do reabastecimento de insumos e medicamentos e do pagamento dos salários dos trabalhadores.

Nesta semana, a Prefeitura do Rio anunciou o corte de 239 equipes – 184 de saúde da família e 55 de saúde bucal –, com o fechamento de 1.400 postos de trabalho.

Para entrevistas, basta procurar qualquer funcionário da clínica. Contatos em https://www.facebook.com/cfanamaria.

Cartaz de divulgação da mobilização em prol da saúde das pessoas. Imagem: divulgação

Manifesto do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro

A conquista do piso regional para os jornalistas é um feito histórico de retomada e fortalecimento da luta da categoria. Os patrões têm intensificado a pressão pela nossa desvalorização. Essa política não é de hoje. Estamos convivendo com uma onda de demissões em massa e rebaixamento salarial, que pode se agravar ainda mais se não garantirmos o cumprimento do piso aprovado pela Alerj [R$2.432,72 para cinco horas]. A proposta patronal de TV e rádio propõe R$1.600 e R$1.450 respectivamente, em jornadas de cinco horas.

A atual conjuntura econômica com pacotes de ajuste fiscal tem impactado diretamente na vida das trabalhadoras e dos trabalhadores. A política das empresas em todos os segmentos tem sido a de retirar direitos. E este cenário não é diferente para os jornalistas. Os patrões têm intensificado a pressão pela desvalorização da nossa categoria. As demissões acontecem há anos, muito antes de se falar em crise, e por um único motivo: contratação por salários mais baixos. O momento exige resistência e firmeza.

A inclusão de um valor inferior ao piso regional em convenção coletiva é um retrocesso que precisamos evitar. Os efeitos serão refletidos não apenas no Rio de Janeiro, como em todo o país. Independentemente do local de trabalho, somos todos jornalistas e o que nos une é a defesa de nossos direitos e de nossa profissão.

Nesta quarta (8/7), temos uma assembleia para definir sobre o recurso apresentado pela categoria referente ao destaque da cláusula do piso, uma vez que afetará todo o conjunto de jornalistas. Sabemos que não há unanimidade em relação ao tema e por isso é fundamental você comparecer e dar a sua opinião.

Desta forma, convocamos todas e todos, estudantes e profissionais, a um amplo movimento em defesa do jornalismo e de nossos direitos. Vamos juntos dizer: #nãopisenomeupiso. Jornalista é trabalhador!

A assembleia será realizada nesta quarta-feira (8/7), às 21h, no Bola Preta, localizado na rua da Relação, nº3.

Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro

Hoje o Eduardo foi Morto no Complexo do Alemão

Ele só tinha 10 anos. Mas, morreu de forma brutal com pedaços da morte entrando na sala da mãe no rápido instante que foi até a porta de casa.  Morreu também um pouco de nós, ou não? Morreu um pouco da nossa sensação de luta, ou não? Porque, agora, exatamente agora, diferentes amigos me dizem o mesmo: – me sinto impotente!

Ouvi isso de diferentes pessoas, idades e lugares. Desde uma adolescente de 16 anos no Rio de Janeiro a um amigo de mais de 40 lá no Rio Grande do Sul. “Podia ser qualquer um aqui de casa. Podia ser alguém que conheço”, ambos disseram.  Ouvi também de uma amiga mãe de dois filhos, moradora de Madureira, na Zona Norte da cidade e de outra amiga jornalista de Brasília: “pensei no meu filho sentado no sofá”. Ouvi ainda de um chargista famoso de causas sociais, acostumado a desenhar com a ponta do lápis sobre diferentes tipos de situações: “Diante dessa barbárie, não sei mais o que desenhar. Minha criatividade está nula”. Já de uma amiga pessoal e colunista de jornal ouvi: “Não sei o que escrever. Estou aos prantos”. Enfim, ouvi muitos relatos iguais que expressam o mesmo sentimento: empatia e impotência.

Todos somos Eduardo no coração, ou não?

E a tragédia não foi só com Eduardo Ferreira ontem (02/4). Foi com muitos Eduardos. Na quarta-feira (01/04), uma mãe, de 41 anos, foi baleada com tiro de fuzil dentro de casa. A filha, de 14 anos, correu para tentar socorrê-la. Foi atingida com mais tiros. A mãe está num caixão. A filha no hospital. Onde? Ora, lá no mesmo Complexo do Alemão que no intervalo de 24h está enterrando 5 pessoas da comunidade. Ora, na mesma cidade chamada Rio de Janeiro com favelas pacificadas. Ora, na mesma cidade de muitos Eduardos moradores de outros lugares da cidade.

Lá no Alemão já ouvi muitos relatos, mas alguns me marcaram feito ferro em brasa.  O primeiro foi: “a pacificação é um pisar gradativo no nosso cotidiano. A pacificação nos retirou o que mais diz ter dado: o direito de ir e vir”. Nunca vi uma explicação tão lúcida e simples sobre a militarização da vida. Você já?

A segunda frase foi: “aquele dia não acabou. Vivemos aquele dia até hoje”. Eduardo, infelizmente, está nas estatísticas e nos nossos corações para lembrarmos que essa frase é a realidade histórica sobre aquele 28 de novembro de 2010, data da entrada das Forças de Pacificação no Complexo do Alemão.

A vida no sentido concreto é retirada das pessoas de favelas não pacificadas ou pacificadas como o Complexo do Alemão a conta-gotas, mas a vida no sentido simbólico é retirada diariamente com a velocidade e o tamanho de um tsunami. Eu queria só entender quando vamos parar de nos tocar só quando ocorrem essas tragédias, esses fuzilamentos, porque Eduardo foi fuzilado e por um programa de segurança pública chamado Unidade de Polícia Pacificadora.

Quando vamos parar de ter uma empatia só “de momento” para ampliarmos essa empatia a ponto de começarmos a conversar com um olhar do “eu ao nós” e não do “eu’ e/ao “outro”. Ou seja, enxergar a pessoa ali da estatística, a morta, como um de nós? Mas, veja, digo todo dia. Quando nossa empatia vai parar de ser seletiva não só com quem se morre, mas também seletiva  sobre o momento, com a temporalidade de sentirmos essa empatia?

Porque se a conversa permanecer nesse “eu” e “outro” ou nesse “Eu ao Nós”, mas com data de validade, Eduardo vai ser esquecido no meio dessas estatísticas, a impotência vai imperar e a esperança vai se esvair mesmo para sempre. Estaremos dominados pelo medo, pelo risco da perda de alguém amado, pelo temor de gente, presos a falta de alteridade completa as pessoas não vistas como nós. Pedimos mais grades, mais segurança a qualquer custo, mais polícia, mais punição a qualquer preço, menos patamar da idade penal…

Estamos e permanecemos impotentes a tudo que acontece porque a conversa está entre o “eu” e o “outro”. Porque se estivesse entre o “eu ao nós”, iríamos para as ruas com cada ser que víssemos e não diferenciaríamos a morte do Eduardo daquele filho, primo, marido, vizinho, amigo, que está do outro lado do pc, na cama ou no sofá agora.

Se essa empatia não acontecer de forma plena e sim estanque num único momento de dor, seguiremos por essa metáfora de vida por mais décadas e décadas como vejo desde que nasci, nesse contínuo conflito armado disfarçado por uma sensação de segurança que promove um tática de guerra como política de segurança pública revestida de sentidos de paz,  acreditando nisso como uma força, o último mancho do navio possível. Seguiremos precisando nos agarrar a essa boia posta como salvação para termos alguma sensação de segurança. Mas veja: é só uma sensação.

E eu, como muitos cidadãos, como muitos cariocas, fluminenses, moradores de favelas, não moradores de favelas, capixabas, paulistas, negros, brancos, pardos, velhos, crianças, jovens, seja lá qual seja sua identidade nessa vida a reclamar da violência, a contar casos, a se sentir impotente. NÓS vamos seguir contando (ou não) os mortos, paralisados, morrendo de medo desse tal suposto “outro”.

Quanto a mim, na identidade de pesquisadora com um trabalho intitulado “Onde estão os mortos? Silêncios e construções de sentidos da pacificação no Complexo do Alemão” não paro de achá-los e contá-los, sobretudo, nas favelas. Sobretudo no presente.

A estratégia de sobrevivência na favela, como diria um intelectual orgânico do Complexo do Alemão, tem um limite: a bala do genocídio.

Sem mais,
Tatiana Lima

Charge de Carlos Latuf mostra caixões nos lugar das gôndolas do teleférico no Complexo do Alemão.

 

Entrevista com Thaís Cavalcante, coordenadora do Jornal comunitário O CIDADÃO

Há 15 anos, jornal comunitário da Favela da Maré retrata a realidade do povo.

Por Camila Araújo, do Vozes das Comunidades

Os grandes veículos de comunicação, em sua maioria, não dão vez para a favela – seja omitindo fatos, distorcendo informações, relatando-as da maneira que lhes interessa. O discurso mais recorrente relacionado à favela é o da violência e do tráfico, além da supervalorização do crime. O morador de favela é visto como criminoso e ilegal. Há ainda as abordagens românticas da favela como um bom lugar de se viver, com o discurso fácil de que para ter ascensão social, é só querer, ignorando a complexidade do processo.

Por outro lado, a imprensa alternativa existe como opção de leitura, pelo conteúdo que oferece e pelo tipo de abordagem, não alinhados à grande mídia. Apesar disso, nem sempre atende às demandas dos grupos populares de uma comunidade, cada qual com suas especificidades e limitações.

Segundo estudos realizados sobre conceitos de comunicação popular, alternativa e comunitária, de Cicilia M. Krohling Peruzzo doutora em comunicação da Universidade de São Paulo (USP), o canal de expressão de uma comunidade é a comunicação comunitária. É por meio dela que os próprios indivíduos podem manifestar seus interesses comuns e suas necessidades mais urgentes. É um instrumento de prestação de serviços e formação do cidadão, sempre com a preocupação de estar em sintonia com os temas da realidade local.

Pensando nisso, Olhar Diferente buscou a experiência de um jornal comunitário em uma das maiores comunidades do Rio de Janeiro, o conjunto de favelas da Maré. O Cidadão é um projeto desenvolvido pela organização não governamental CEASM (Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré). O jornal foi fundado em 1999 e é feito por moradores com o fim de ampliar e consolidar o direito básico à comunicação. Segundo a ONG, o projeto tem como o objetivo principal a democratização do acesso a veículos de comunicação, possibilitando que moradores da Maré sejam atores no processo de produção de novos discursos sobre seu espaço de vida.

Uma das repórteres, Thaís Cavalcante foi reconhecida pelo STJ como jornalista, a partir de suas experiências no jornal comunitário. Vamos conhecer essa história.

Conte sobre você: quantos anos tem, onde mora e o que faz atualmente? 

Sou Thaís Cavalcante, tenho 20 anos e atualmente faço pré-vestibular comunitário, na Favela da Maré. Sou cria da favela, sempre morei na Nova Holanda. Entrei no mundo da Comunicação Comunitária há 2 anos. Hoje atuo como repórter e coordenadora do Jornal O Cidadão e colaboro com a Rádio Maré.

 O que fazia da vida antes de entrar para o cidadão?

Cantava no coral de uma Igreja Católica, próximo de casa. Sempre gostei muito de música.
Estudava também o ensino médio, mas ainda não sabia que faculdade cursar e fazia um cursinho de inglês básico em uma ONG na Maré.

 O que te levou a participar do jornal?

Depois que li dois livros sobre Jornalismo e história de jornalistas, meu interesse cresceu. Ainda sim eu não sabia que caminho seguir. Minha irmã (formada em Contabilidade) sugeriu para que eu fizesse parte do Jornal O Cidadão, mas eu considerava uma ideia muito distante, não achei que fossem me aceitar (por não ter experiência).

Poucas semanas depois, divulgaram o I Curso de Comunicação Comunitária, onde encontrei a oportunidade perfeita para conhecer mais da minha favela (que era um assunto onde eu não tinha interesse pois só ouvia sobre violência na televisão). Além da Maré, encontrei o Jornalismo, o comunitário, o popular, o favelado. A partir de então, tudo o que eu ouvia e aprendia só me apaixonava mais e me dava um olhar crítico sobre o mundo que eu vivia, mas não via. O amor pela leitura e escrita cresceu, e a decisão de estudar e trabalhar com Jornalismo se solidificou. Mesmo sendo a mais nova da equipe, comecei como repórter e agora estou Coordenando O Cidadão e, tenho muito orgulho disso!

Pela sua experiência no jornal O Cidadão, qual a importância da comunicação comunitária para a favela?

É quase inacreditável o quão importante a comunicação comunitária é necessária dentro do seu território favelado. O morador gosta de ver sua realidade, sua cultura, sua história, sua imagem sendo retratada ali.

É um tipo de mídia livre, de dentro para dentro: moradores escrevendo para os próprios moradores. Sem maquiagem, sem palavras complicadas, sem futilidade. As pessoas se identificam com o Jornal da favela. Que reconhece o que realmente tem de bom na rotina e sabe retratar isso. A comunicação comunitária fala o problema com olhares diversos, reais. Qualquer um pode participar, opinar, sugerir e criticar. É de forma horizontal. Mas por não ser algo comercial, há uma dificuldade na verba para sua produção e realização. Seja em qualquer mídia comunitária. Porém, voluntários querendo soltar sua voz, isso nunca vai faltar.

Você foi reconhecida pelo Ministério do Trabalho como jornalista. O que isso significou pra você?

A partir do O Cidadão, o mundo da comunicação se abriu para mim. Também participo da Rádio Maré, desde 2012. O diretor, (que é advogado e não jornalista formado) buscou sobre esse reconhecimento no MTB. Consegui através da minha experiência com o Jornal impresso (O Cidadão) e a atuação na Rádio Maré em noticiário ao vivo, o reconhecimento de ser Jornalista. Fiquei muito feliz, me senti valorizada por tudo o que já conheci, trabalhei e vivenciei nesse pouco tempo de mudança. Mesmo sem esse título, eu já me considerava Jornalista, pois fazia trabalhos que pessoas formadas fazem: escrever matéria, entrevistar, revisar texto, fotografar, editar, atuar ao vivo noticiando, entre outras coisas.

Não acho que o Jornalismo tenha se desvalorizado por causa disso. Já ouvi opiniões que não concordam com esse Projeto de lei, mas quando você faz o seu trabalho, deve ser legitimado por isso. E mesmo assim, os jornalistas formados continuam tendo mais prioridade, privilégios etc. Preconceitos acontecem, mas o importante é que sei o que faço e amo! Apesar de todas as dificuldades. Espero em breve poder cursar a faculdade e ter uma formação mais teórica, pois na prática aprendo trabalhando!

A ameaça do imediatismo

Um policial militar do século 19

O comandante do 9º BPM (Rocha Miranda), tenente coronel Wagner Moretzsohn, tem versões tão contraditórias quanto ao caso do assassinato de Claudia da Silva Ferreira que chegam a doer o estômago.
Não explica porque os policiais militares estava de madrugada na área, nem quantos homens estava na operação. Continua, além disso, defendendo a “troca de tiros” que, segundo todos os moradores, não existiu.
Recentemente, no dia 11 de fevereiro, o mesmo Batalhão fez uma operação que matou Gleberson Nascimento Alves e Alan de Souza Pereira, ambos sem antecedentes criminais. O motivo da morte: os policiais “desconfiaram” de um grupo que “ocupava duas motos”. Sob o comando de Wagner Moretzsohn.
Nessa região de responsabilidade do 9º BPM, só em 2013 foram 18 “autos de resistência”, ou seja, 18 pessoas mortas pela polícia — mais de uma pessoa por mês. Os roubos aumentaram de 6,9 mil para 8.146. O homicídio saiu de 143 para 173. Milícia, tráfico e o Estado estão em constante confronto. No meio disso tudo, refém, a população.
Charge: Henfil

E, para piorar, os três policiais militares presos após o assassinato de Claudia da Silva Ferreira “constam como envolvidos em 62 autos de resistência (mortes de suspeitos em confrontos com a polícia)” e “pelo menos 69 pessoas morreram em supostos tiroteios com os [mesmos] PMs desde 2000”.
Dane-se a polícia de proximidade: o próprio coronel Frederico Caldas — comandante das UPPs — é quem dá o recado, comentando a reocupação de favelas no Complexo do Alemão e na Penha: “A resposta será extremamente dura”.
Mas o comandante Wagner Moretzsohn — que já teve diversos cargos de confiança — dá aula de “boa conduta” no Governo do Estado:

“(…) O tenente-coronel Wagner Moretzsohn detalhou como funciona e os objetivos do Sistema de Metas e Acompanhamento de Resultados. O objetivo, segundo ele, é atingir redução significativa dos índices de criminalidade, com premiação em dinheiro, para os indicadores estratégicos de Letalidade Violenta, Roubos de Veículos e Roubos de Rua.
(…) Um dos propósitos é a definição de metas conjuntas para a Polícia Militar e a Polícia Civil possibilitando ainda maior integração entre estas polícias e a Secretaria de Estado de Segurança. “Agora, o foco é no cidadão de bem e não no bandido. O foco é na prevenção. A repressão, atualmente, é qualificada, com planejamento específico e bem aplicada”, comentou o tenente-coronel Wagner.”

A boa “aplicação” da falida política do Governo do Estado está exposta, clara e transparente. Em um ato de desespero, as autoridades se reuniram com o viúvo de Claudia e com seus filhos.
Alexandre, o viúvo em luto, foi lúcido, apesar de sua dor: “Há um senso comum de que todo morador de comunidade é bandido. Sabemos que há tráfico, mas não somos criminosos. A grande maioria é trabalhadora. A polícia não pode entrar na comunidade atirando. Foi o que aconteceu no domingo. Não tivesse aquele cara na hora (filmando com um celular), ali atrás daquela D-20 (carro da PM), se minha mulher não tivesse caído, não tivesse sido arrastada, só seria mais um caso”.
Pergunto-me: Sergio Cabral Filho ajudará todas as vítimas do Estado a processar o Estado ou com programas assistenciais? Qual será o critério para a ajuda? Aparecer no jornal Extra?
Temos de esquecer o imediatismo, incluindo o das eleições. O próximo passo depende de uma reforma dessa estrutura apodrecida — é preciso aprovar a PEC 51, idealizada por Luiz Eduardo Soares e outros autores: www.luizeduardosoares.com/?p=1185
Temos que dar um fim à Polícia Militar de 1809.
* * *
O poder das palavras
Em 18 de março
Executaram uma mulher, uma mãe. Na imprensa, os policiais a “socorreram”, após “bala perdida”.
É um crime. Na versão propagada no primeiro dia, houve “irregularidades”.
O nome dela é Cláudia da Silva Ferreira, 4 filhos . A imprensa a chama da “arrastada”.
A Polícia Militar solta, inicialmente, uma versão absurda. Em parte da imprensa, a PM “esclarece”, “explica”.
Mais de 48 horas depois e diante de todas as testemunhas — todas — terem confirmado a execução (não havia tiroteio), uma manchete afirma que a “Ação da PM na Congonha arrastada deixa dúvídas”. Deixa, repitamos, “dúvidas”.
Sergio Cabral, que é o chefe do Executivo, diz “esperar” a expulsão de presos. Ele “espera”.
A presidente da República “presta solidariedade”. Alguma medida, lembrança sobre alguma política pública, ação emergencial? Não, “solidariedade”.
Cláudia tinha 4 filhos e cuidava de outros 4 sobrinhos. Ela se junta aos que “(…) entre 2002 e 2010, segundo os registros do Sistema de Informações de Mortalidade, morreram assassinados no país 272.422 cidadãos negros, com uma média de 30.269 assassinatos ao ano. Só em 2010 foram 34.983.” (A Cor dos Homicídios. Mapa da Violência, 2013)
A resposta do Estado? “Espera” e “solidariedade”.
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Sabe quando você lê “O secretário informou que foi aberto um inquérito para investigar as circunstâncias da morte”? Então: http://glo.bo/1gyQN6m
Inquéritos policiais militares não valem quase nada. Na média, menos de 4% dos inquéritos não são arquivados, o que não é diferente da média nacional geral.
E a responsabilidade não é só da Polícia Militar. A impunidade tem co-responsáveis: Poder Judiciário, Ministério Público e Polícia Civil (a polícia judiciária).
Então tudo está perdido e nos mandamos daqui? Claro que não. Mas enxergar a cadeia do crime é essencial. Sem deixar de olhar para as fotos das vítimas, para a realidade diária que nos rodeia, mesmo que isso signifique não dormir direito, por inquietação e desejo de mudança.
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O marido de Claudia: “(…) Todo mundo viu que não houve tiroteio. Tanto que a comunidade desceu na mesma hora para protestar. Se tivesse troca de tiros, ela teria sido alvejada na frente e atrás.”
E o secretário de Segurança? “Repudia” a conduta, “abriu inquérito”. Não é elogiável executar alguém, né? E não abrir inquérito era uma opção?
Mas a tese de que era uma “conduta” (de “salvamento”) e não um assassinato floresceu ontem por muitos meios da “imprensa livre”. Didi Mocó tinha mais destaque do que Cláudia.
Hoje, a filha: “Foi só virar a esquina e ela deu de frente com eles. Eles [os policiais] deram dois tiros nela, um no peito, que atravessou, e o outro, não sei se foi na cabeça ou no pescoço, que falaram. E caiu no chão. Aí falaram [os policiais] que se assustaram com o copo de café que estava na mão dela. Eles estavam achando que ela era bandida, que ela estava dando café para os bandidos.”
Estava claro, óbvio, o que aconteceu. Execução sumária. Mas o jornalismo contemporâneo ouve primeiro a autoridade. Depois o povo, se der. Na maior parte dos casos, como leio diariamente, a voz do favelado é isolada.
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“O mínimo que se espera dos três policiais presos é que sejam expulsos da corporação”, diz o governador. Cena de Cláudia sendo arrastada por um carro da PM é “chocante”, diz o comandante-geral da Polícia Militar.
Esse é o Estado mínimo: só reage quando pressionado por uma câmera de celular e, mesmo assim, para fazer o mínimo, muito aquém do que pede a legislação.
Reforça, assim, o sistema repressivo que mantém essa lógica: política burra de repressão às drogas e manutenção de uma estrutura arcaica de força policial militar, que não sofre reformas significativas desde que surgiu, no Império (os mesmos relatos tenho acompanhado em jornais nos últimos 200 anos).
As “providências” nos dão a certeza de que mais Claudias e Amarildos estão por vir.
Houve 22.533 vítimas de desaparecimentos entre 2007 e 2011 no Rio de Janeiro, enquanto só em 2012 há 5.900 casos de desaparecimentos no Estado. Em grande parte dos casos observados atualmente no Rio de Janeiro, o modus operandi permanece o mesmo: é pobre, favelado, pode matar e dar um sumiço.
Neste e em outros vídeos, é possível observar a certeza da impunidade dos policiais que, ao mesmo tempo, são eles próprios atacados por traficantes e outras forças criminosas, em meio à política repressiva totalmente sem fundamento.
E as mortes que não possuem vídeos? Só com espetáculo se consegue um pouco mais de respeito aos direitos humanos?
Útil relembrar o relatório internacional sobre execuções sumárias no Brasil de 2010, ainda atual: http://bit.ly/1gKGEEb
Na imagem, Claudia – mais uma Silva assassinada. E creio que a imagem dela é importante sim: uma mãe forte, negra, favelada e que teve sua vida interrompida diretamente pela ação do poder público. Infelizmente, ela é a síntese de um Brasil esquecido pelos governantes. Devemos todos nos lembrar dela, sempre, para manter vivas as esperanças e não desistir.
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Uma sequência de “jornalismo” brasileiro
17 de março

Portal G1, 17 de março de 2014

01. Dois elementos para os assassinatos do Estado hoje no Rio: (A) Claudia da Silva Ferreira foi colocada no porta-malas, e não no banco de trás (que seria o normal); (B) além disso, os policiais não permitiram que nenhum parente acompanhasse o “salvamento”, incluindo um relato de uma briga entre parentes e os policiais para que isso acontecesse.
Sempre no limite do possível, há uma imprensa que tenta a todo custo limpar a barra dos assassinos ao não fazer perguntas básicas, como as que fiz acima.
02. No jornalismo, não faltam pingos nos “is”. Ou você usa “A PM alega” ou “A PM esclarece”. Um apenas dá o outro lado, tentando se distanciar dele o máximo possível; o outro usa o mesmo adjetivo usado por fascistas quando fazem juízo de si mesmos: “esclarecidos”.
03. Um tenente-coronel, ao ver as imagens, disse que “viu irregularidades”. Como um carro com o vidro do retrovisor quebrado, por exemplo, uma “irregularidade”.
04. “(…) As avarias na viatura possivelmente foram causadas pelos moradores do Morro da Congonha, que bateram no carro tentando impedir que os policiais levassem o corpo da vítima sem que a filha acompanhasse”.
A matéria ouve a filha? PRA QUÊ, NÉ MESMO?
05. “Irmã de Cláudia, Juçara da Silva Ferreira, de 39 anos, disse que os policiais colocaram armas ao lado do corpo de um homem que também foi baleado na comunidade”.
06. Na maior parte das formulações, a mulher foi “arrastada por um carro”. O carro — esse assassino!
07. Entrem no portal G1, agora (reprodução na imagem), e tentem achar a notícia. Ela está na página de trânsito, porque os moradores fecharam uma via e PREJUDICARAM O TRÂNSITO. No destaque: “Cadela ajuda polícia a achar drogas e explosivos em favela de Ribeirão. Veja galeria com mais imagens do dia”.
Não tenho estômago, por hoje, para continuar. As observações acima foram feitas com apenas 10 minutos de leitura crítica. Como respeitar o jornalismo contemporâneo?
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Vídeo mostra viatura da PMERJ arrastando mulher por rua da Zona Norte do Rio: http://glo.bo/1iwSqq2
Os policiais disseram que retiraram ela com vida da comunidade. A secretaria de Saúde afirma que ela chegou morta ao hospital. Cláudia era mãe de quatro filhos, tinha 38 anos e trabalhava como auxiliar de limpeza.
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No mesmo dia em que mataram Claudia, mataram outro adolescente. Com a palavra o pai:
“Não quero que meu filho seja tratado como criminoso, por isso fui a delegacia por vontade própria. Meu filho morreu no domingo, mas até agora nenhuma autoridade me procurou para dar esclarecimentos sobre a morte. Ele não era bandido e não estava com drogas. Vou processar o Estado.”
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Atualização em 21 de março
Depois de quase uma semana irresponsavelmente falando em “mulher arrastada”, a imprensa começa, aos poucos, a trazer a versão que, desde o início, era evidente pelos relatos de testemunhas e da família.
Desde o início da semana, se sabia que (1) Claudia Silva Ferreira morreu antes de chegar no hospital (2) por causa de um tiro. Todos os moradores afirmam que não havia tiroteio.
Independente de quem seja o autor — tudo indica que foram os policiais –, ela foi EXECUTADA. Os requintes da crueldade dos oficiais é um segundo momento. O primeiro: execução sumária. Seja de quem for.
Onde podemos achar a expressão “mulher executada”? Alguém me ajuda?
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Por fim: o Ministério Público defendeu a LIBERTAÇÃO dos policiais militares e a Justiça acatou.
Lembrando que o único manifestante preso desde junho de 2013, Rafael Braga Vieira — morador de rua, inocente — ainda está preso: http://on.fb.me/1d2fzkm

Dois anos de ocupação militar na Rocinha e a pacificação não aconteceu

Rocinha: Após dois anos de ocupação militar, poucas coisas mudaram na vida da comunidade. (Foto: Tânia Rêgo/ABr)

Há dois anos, a Favela da Rocinha passava pelo processo de ocupação militar para implantação da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) na comunidade.

No dia 13 de novembro de 2011, depois de ser alvo do sensacionalismo midiático – que prometia um espetáculo sangrento a seus espectadores – a Rocinha foi ocupada sem o registro de um único disparo.

O medo de conviver com uma guerra entre mocinhos e bandidos deu lugar ao sentimento de esperança. Afinal, diferente da especulação midiática a ocupação não encontrou resistência, no primeiro momento, pelo poder paralelo. Outro fator que fez os moradores acreditarem numa possível mudança era a promessa da ocupação ser apenas a primeira iniciativa do Estado, que levaria a Rocinha a vislumbrar uma nova fase social.

Os moradores acreditavam que, junto com a ocupação militar, viriam outras intervenções políticas que acarretariam melhorias a outros setores sociais, abandonados pelos governos, essências para o resgate da dignidade da comunidade: educação, saúde, saneamento básico, mobilidade urbana etc. Talvez, a maior utopia aspirada pelos moradores em toda história da Rocinha.

Após dois anos de ocupação militar poucas coisas mudaram na vida da comunidade. Ao caminhar pelas vias de acesso da Rocinha nos deparamos com problemas antigos enfrentados pelos moradores. A esperança de serem assistidos pelo Estado em outros setores sociais se diluiu na omissão do Governo, que faz uso da mídia para propagar que a instalação da UPP resolveu todos os problemas que afligem a comunidade.

Analisando as mudanças promovidas no quesito segurança pública, podemos destacar como positiva a inibição da ostentação de poder da bandidagem, que desfilava tranquilamente pela Estrada da Gávea, principal via de acesso à Rocinha, e pelos becos da comunidade expondo suas potentes armas de guerra.

Mas é preciso salientar que a promessa de PAZ feita a comunidade da Rocinha não se cumpriu. Apesar dos transeuntes e visitantes não se depararem com bandidos armados ao longo da Estrada da Gávea, o tráfico de drogas continua funcionando normalmente e os tiroteios se intensificam entre os becos da favela. Reflexo da reorganização do poder paralelo que retoma o seu espaço territorial.

Enfim, dois anos após o início do processo de pacificação da Rocinha – que nunca aconteceu –, e com a falta de propostas de políticas públicas, a comunidade começa a perceber que tudo não passou de um conto eleitoreiro elaborado pelo governador, Sérgio Cabral Filho, apoiado pelas grandes corporações midiáticas como estratégia para aumentar a sua visibilidade política.