Arquivo da categoria: Memória & Consciência

Essa senhora, a História

Mulheres católicas contra Jango. Foto: AE
Mulheres católicas contra Jango. Foto: AE

Imagine-se acordando no final dos anos 1940, tendo saído diretamente de 2014. Você abre um jornal no Brasil e alguns dos artigos de opinião e matérias de diários como “A Noite” e “Correio da Manhã” trazem informações sobre os então chamados “deslocados de guerra”. Aos milhares, em meio a uma Europa arrasada, eles buscam novas oportunidades. A recuperação após um dos maiores horrores de toda a História da humanidade é lenta.
Há um “detalhe”: a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em dezembro de 1948, ainda não é uma realidade. Na maior parte do mundo, um dos ideários fundamentais do nazismo — o de que uma “raça” pode ser superior a outra — ainda pulsa com grande intensidade.
Os judeus, mesmo após todos os horrores sofridos na Alemanha e em outras partes da Europa, ainda são intensamente discriminados. A discriminação é étnica e, portanto, não necessita de fundamento lógico, apenas pretextos. “Comunistas”, comerciantes que nada produzem para a economia nacional, “baderneiros”, fechados em “quistos étnicos”. São apenas pretextos para um fundo principal: a discriminação com base na etnia.
Outros grupos sofreram, tanto neste momento histórico quanto em anos e décadas posteriores, com o totalitarismo na Europa. Inclui-se aí o segmento LGBT, um grupo cujos “integrantes” foram perseguidos e executados durante o nazismo, conforme mostram os registros históricos.
E o que dizem os jornais brasileiros da época, então? Estão repletos de artigos e matérias editorializadas que justificam esse tipo de perseguição. Agora, claro, estão um pouco mais envergonhados. Deparam com um intenso movimento internacional pró-direitos humanos, vindo de diferentes partes do mundo, e que trazem um alerta importante: o próximo, amigo, pode ser você. Portanto, os direitos têm de ser para todos, para que ninguém seja tornado, potencialmente, uma vítima da intolerância e do totalitarismo.
Para qualquer pessoa que, retomando nossa viagem, tenha saído de 2014 para esse período intrigante, uma espécie de tomada da consciência coletiva após um belo de um susto, o mundo parecerá de fato “fascinante” — e não em um bom sentido. Como foi possível que, mesmo em meio aos horrores do nazismo e de outros totalitarismos, ainda existam pessoas que efetivamente acreditavam que era possível algo como uma “raça ariana”? Como é possível que um povo passe de vítima a algoz? Tempos difíceis.
De volta para 2014, voltamos renovados e… eis que o totalitarismo exibe seus descendentes. Estão nas redes sociais, nas ruas (embora um pouco mais envergonhados), nos cargos de chefia e, em muitos casos, eleitos por voto direto. “Não sou racista, mas faço votos de que o racismo esteja bem representado.”
Consideram que há, sim, seres humanos que são menores que outros, pois são de uma região onde só há pobres, de uma etnia que nunca vai deixar de ser o que é, têm um comportamento reprovável diante do Senhor, Amém, e sobretudo não conseguem perceber que existe um padrão de vida que é o ideal, o melhor, o mais moralmente aceito e que, portanto, todos devem seguir. Formam-se cada vez mais grupos prejudiciais a estes valores, uma minoria qualquer que quer impor sua ditadura particular aos nossos valores!
Em que diferem os momentos? Tem um negócio novo, o tal “direitos humanos” liberal, que eu acho que é um lance que diz que “cada um na sua”, e deixa o “cada um” dos outros em paz. Que saco, agora nem sequer posso escrever um artigo decretando o que são os bons costumes e a moral, que já vem esses chatos dos direitos humanos falar no princípio da dignidade. Que indigno! Sinto-me humilhado!
Tudo bem. Deixa essa ralé para lá, mas não me peçam para conviver com eles! Eu tenho uma linhagem familiar a resguardar! Mas não. Nunca estão satisfeitos, esse direitos humanos. Agora que a gente deixou a mulher trabalhar, querem que elas ganhem o mesmo que os Homens! Os Homens! E ainda exigem que eu tenha que aceitar essa bicha lá no escritório, me privando de levar meu filhão para o trabalho. É o fim dos tempos!
Já publicamos o lance da dignidade, ora. O que querem mais? Que os aplique? Malditos comunistas! Bem que me alertaram sobre os vermelhos. Mas deixaram que eles formasse seus quistos e, agora, veja no que deu. Reproduziram-se. Falam em igualdade pra depois de amanhã. Querem que as coisas mudem para qualquer vagabundo que não fez por merecer, como a minha nobre família o fez, durante séculos.
Em vez de nos contentar com a lei, belíssima, publicada generosamente em tratados muito bem escritos pelos melhores estadistas, insistem esses comunistas em realizar os direitos, discriminando a salutar competição entre todos os membros da sociedade, incluindo os mendigos e os empresários, juntos, unidos, por um mundo melhor. Todos, diz o mais estudado jurista liberal, em pé de igualdade. Uns descalços, é verdade, eu mesmo sempre ajudo no Natal quem precisa — mas todos livres e iguais!
São novos os tempos. Alguns, meio envergonhados, resistem a essa falácia “comunista” da dignidade humana. Outros, desinformados, repetem. A História é uma sábia e serena senhora que se manifesta somente se questionada. E anda calada, ultimamente. Disseram até que ela tinha falecido. Que nada. Continua pacientemente observando, aterrorizada.
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Se ficar curioso(a), leia alguns dos artigos da época em http://midiacidada.org/periodo/1934-1980

Padre José Comblin: vida y obra

Recordando la vida y la obra del P. José Comblin
http://www.imwac.net/413/index.php/activities/brazil-news/jose-comblin/254-13-homenagem-a-pe-jose-comblin
Obra y Vida de p. José Comblin. Congreso Continental de Teología Unisinos-Brasil
Pablo Richard (minuto 22.41) – Carlos Susin – Mons. José Maria Piriz – Frei Betto

Libro “La Teología de la Liberación en Prospectiva”
Tomo I y II Congreso Continental de Teología.Unisinos-Brasil )

Clique para acessar o libro_congreso_continental_de_teologia.pdf

Clique para acessar o libro_congreso_continental_de_teologia_tomo_ii.pdf

Enviado por Enrique Orellana, de Somos Iglesia Chile

Conversa, sexta-feira, 13 de junho

Dia cheio e cansativo e o olho esquerdo, operado a três dias, ainda incomoda. Comecei a manhã por uma visita a irmã Escobar. Aos 94 anos, está em uma casa de irmãs idosas das Doroteias no Recife. Embora a memória vá e volte a todo momento, quase sempre está lúcida. Sempre foi um luzeiro de inteligência e criatividade. Agora, me diz: “já não tenho mais a mesma cabeça de antes e tenho de aceitar isso e confiar em Deus”. Mas, cada vez que a encontro, fico impressionado com a bondade fundamental com a qual ela olha tudo e todos. O lugar em que a colocaram é ótimo, as irmãs são maravilhosas e a tratam de uma forma carinhosíssima, a saúde está o melhor possível, a alegria dela de ter missa diária é permanente. Enfim, com um olhar positivo assim, enfrenta bem as dificuldades e é muito mais fácil para todos que têm de lidar com ela. Acompanho assim outra pessoa (um homem) que é exatamente o oposto. Ele foi a pessoa que mais sofreu na vida, todo dia constata a maldade do ser humano, os amigos o decepcionam sempre e assim por diante. O que dizer? Mude seus óculos. Olhe as coisas de outra forma?
Estou devorando o quarto volume do 4o tomo das cartas circulares de Dom Helder Câmara. Agora estou lendo as de 1969 a 1970. Tempo duríssimo da ditadura militar. Ele sofria todas as ameaças e repressões do governo, mas também pressões injustas e violentas do Vaticano e de muitos de seus irmãos bispos. Em 1969, estava em plena força da sua inteligência, aos 60 anos. Tinha convites para falar no mundo inteiro e sentia isso como uma vocação sua e um modo de colaborar com a causa do reino. Mas, o Vaticano exigia que para cada viagem, ele tivesse de pedir permissão ao bispo local (para falar em sua diocese) e ao núncio do país. Um absurdo. E ele acabava se submetendo a isso e mesmo com todo o sofrimento vivia feliz sua missão e em profunda comunhão com o papa e com toda a Igreja.
Hoje, eu seria bem mais crítico e menos dócil. No entanto, percebo que do modo dele, ele fez mais bem e conseguiu mais coisas do que se tivesse assumido mais o conflito.
Deus nos ajude no discernimento do que é correto como forma de ação hoje.

O que é isto?

O país do futebol se prepara para a Copa do mundo, e grupos que se apresentam como defensores dos direitos humanos e sociais, agem em sentido contrário: na Copa vai ter luta, ameaçam. Não poderia deixar de dizer algumas palavras a respeito desta atitude que me parece como mínimo, oportunista. E, como máximo, antidemocrática. Vou dizer por que.
A partir das manifestações de junho de 2013, ficou claro que, no meio às justas reivindicações dos estudantes e de outros segmentos sociais, havia e há elementos agindo em direção contrária à ordem democrática. Setores “radicais”, digamos por enquanto, sabendo que por trás do radicalismo aparentemente de esquerda, há convergências perigosíssimas com o fascismo, a defesa da ditadura, e de uma ordem militarizada.
Sobrevivente que sou de uma das mais atrozes ditaduras que assolou a humanidade, a ditadura cívico-militar que se abateu sobre a Argentina entre 1976 e 1983, não poderia ficar calado diante do que me parece estar sendo um repeteco do que já me tocou viver. Grupos radicais tinha na Argentina dos anos 1960 e 1970.
Hoje me pergunto, com a autoridade que a história vivida me dá: a quem serviam esses grupos radicais, que não queriam democracia nem eleições, e apelavam para os sequestros, os atentados, a provocação? Esses grupos radicais estavam infiltrados pela inteligência militar, a mesma que deu o golpe de 1976, com o apoio de uma ampla massa da cidadania, farta do que chamavam de “desordem, caos” etc.
Qualquer semelhança com a situação atual do Brasil não é mera coincidência. Os programas sociais do PT e, em geral, a democratização da sociedade brasileira que se processa a partir dos governos do presidente Lula, geraram um descontentamento em setores das classes dominantes e também de uma classe média fortemente antidemocrática, no sentido de avessa à partilha dos bens comuns, favorável à exclusão social, que não viu e nem vê com bons olhos tanta gente da base social nas universidades, deixando o emprego doméstico e se profissionalizando, em fim, virando gente de verdade.
Neste contexto, cabe lembrar que os que hoje prometem luta na Copa, embora usem bandeiras sociais como a justiça e os direitos humanos, não parecem ter nenhum respeito por uma nem pelos outros. O clima de medo que criam com os ataques à propriedade privada, apenas contribuem a criar na mentalidade das pessoas, a associação, tão querida pelos fascistas e pelos defensores das ditaduras, entre protesto social e criminalidade. A quem interessa isto?
Aonde estarão estes “radicais anti-Copa” se o caos for instalado? Esse filme eu já vi e não quero ver mais. Estarão se munindo de passaportes e bolsas de organismos internacionais e fugindo para bem longe do Brasil, enquanto para quem fica, restará o que conheço demasiado bem: perseguições, medo, tortura, desaparecimentos. Nunca mais, nunca mais, nunca mais, em nome de nada!

O homem que encurtou a ditadura brasileira

Entre a ampla bibliografia lançada para os cinquenta anos do golpe militar, o breve ensaio Ditadura e democracia no Brasil [Rio de Janeiro: Zahar, 2014], do historiador Daniel Aarão Reis, destaca-se pela defesa de tese e de proposta surpreendentes, para não dizer mais. Vejamos a tese: literalmente sem enrubescer, o autor encurta a ditadura em seis anos. Para ele, ao contrário do tradicionalmente proposto, a ordem militar durou apenas 15 anos, e não 21. Ela teria chegado ao fim durante o governo Ernesto Geisel.
A revelação de Daniel Aarão Reis não é menos paradoxal. Ele retoma com enorme ênfase a proposta já um tanto velha de que a ditadura não foi regime meramente militar! Com outros historiadores, em suas pesquisas, teria descoberto que a ordem militar foi apoiada também por civis, conhecendo, sempre, apoio entre a população não-fardada! Portanto, mais correto seria denominá-la de ditadura cívico-militar, como se tem proposto. Entre outras comprovações dessa importante descoberta estariam a “Marcha por Deus, pela Pátria e pela Família” e os índices eleitorais da ARENA durante aqueles anos!
Para Daniel Aarão Reis, a ditadura interrompeu-se durante o governo Ernesto Geisel, quando o ditador devolveu à sociedade alguns preceitos constitucionais. Os anos finais de seu governo e toda a presidência do “homem que amava os cavalos” seriam período pós-ditatorial, de “transição democrática”. Essa última teria se iniciado “com a revogação das leis de exceção […] em 1979” e terminado “com a aprovação” da Constituição de 1988. [p.125]
A ditadura encurtada
Envolvido em seu formalismo institucional, o autor vacila na própria qualificação de parte do governo Castelo Branco como ditadura nua e crua. “Em seus últimos meses de governo, Castelo Branco efetuou ações estratégicas no sentido de institucionalizar a ditadura, dotando-a de um direito autoritário que pudesse, porém, prescindir do recurso continuado a atos de exceção”. A materialização desse projeto “significava, objetivamente, a superação do estado de exceção, ou seja, da ditadura”. [p.64]
Procederiam, portanto, as propostas dos apologistas de Castelo Branco como um general de foro constitucionalista, ainda que conservador. O certo é que, em 24 de janeiro de 1967, no final do governo castelista, era promulgada Constituição que, segundo Daniel Aarão Reis, punha fim à ordem ditatorial substituindo-a por “estado de direito autoritário”. [66] Portanto, parte daquele governo e da administração de Costa e Silva, até o AI 5, seriam governos constitucionais, regidos por preceitos constitucionais, ainda que imperfeitos.
Ditadura, mesmo, dura e crua, seria a conhecida de 13 de dezembro de 1968, com o AI 5, até a magnanimidade de Ernesto Geisel.  Segundo o autor, a restauração da “ditadura aberta” teria sido feita a partir de movimento defensivo do alto mando militar, inquieto, devido a uma conjuntura social e política que “podia eventualmente se condensar e oferecer perigo real de desestabilização da ordem […]”. Como veremos, ele propõe que o próprio golpe foi iniciativa defensiva do alto comando militar diante de perigo real. [p.71]
Portanto, não deveremos estranhar caso Daniel Aarão Reis revele, proximamente, que o país conheceu apenas dez anos de ditadura militar [desculpem-me, cívico-militar], ao contrário dos 15 que atualmente propõe. Maldade, mesmo, apenas desde o AI 5, em fins de 1968, até a efetivação do “pacote de medidas liberalizantes” [sic] de setembro de 1978, de Ernesto Geisel. Para o autor, em inícios de 1979, com a obsolescência dos atos institucionais, “revogava-se o estado de exceção, ou seja, a ditadura”. [pp.116, 123].  E pensar que desconhecíamos, naquele então, que não vivíamos mais sob ordem ditatorial!
Formalismo institucional
Em processo explícito de substituição da essência dos fenômenos por sua aparência, Daniel Aarão vê a democracia que decresce ou que cresce onde recua ou avança o respeito formal a normas institucionais. Como nos casos de Castelo Branco/Costa e Silva e Ernesto Geisel/João Figueiredo. Vê o fim da ditadura e início da transição democrática na restauração formal de normas legais, respeitadas ou desrespeitadas ao bel prazer pelo alto comando militar.
Devido ao seu formalismo, como não houve modificação constitucional essencial nos anos Geisel-Figueiredo-Sarney, o autor define todo o período como de “transição democrática”. A ruptura de qualidade não teria se dado na entrega do poder pelo último ditador [ditador, não! Presidente ou quase], mas apenas quando da Constituição de 1988.  Geisel e Figueiredo seriam, portanto, quase presidentes e Sarney, o primeiro presidente após 1985, um meio-ditador!
Não é difícil compreender por que há consenso historiográfico em torno do fim da ditadura em 1985, quando da assunção de José Sarney, vice-presidente na chapa oposicionista de amplo consenso. E não apenas quando da plena vigência da Constituição de 1988, que formatou constitucionalmente a nova forma do exercício dos poderes republicanos que emergiram da ordem militar.
Do Poder Militar ao Civil
Em 15 de março de 1985, mesmo nos marcos da Constituição ditatorial apenas retocada, com a diplomação de José Sarney, as rédeas do hipertrofiado poder presidencial passaram totalmente para as mãos de um civil, representante do amplo bloco político-social oposicionista, sob a hegemonia dos segmentos democrático-burgueses e conservadores.
De 1964 a 1985, o poder de mando sobre a sociedade fora exercido em forma monopólica pelo alto mando militar, através dos poderes executivo, judiciário, legislativo e da coerção direta. Fossem quais fossem as concessões institucionais formais, elas eram ou podiam ser violadas explícita e implicitamente, segundo a vontade do poder ditatorial. Realidade que se manteve até o último dia do governo de João Figueiredo.
A partir da presidência de José Sarney, o feixe de poderes escapou totalmente das mãos da alta oficialidade. Agora, para ela intervir na sociedade, necessitava apoderar-se do poder através de novo golpe e de nova deposição do poder civil. Em verdade, desde então, o alto comando perdeu espaço de gerência da própria instituição militar. Por exemplo, já não mais determinava o orçamento das forças armadas.
Ditadura militar burguesa
O caráter essencialmente burguês do golpe militar de 1964 é questão patente para a historiografia não formalista. É ideia há muito consolidada que, em 1964, a ruptura da gestão civil e a administração do Estado e da sociedade pelo alto mando militar foi projeto proposto, avançado e sustentado pelo bloco proprietário dominante no país, já sob a direção da burguesia industrial, sobretudo paulista.
Um projeto de ruptura institucional já ensaiado quando do suicídio de Getúlio, em 1954; da impugnação da posse de Juscelino Kubitschek e João Goulart, em 1955 e 1956; e do veto a João Goulart, em 1961. Todos aqueles ensaios anticonstitucionais, apoiados no alto mando das forças armadas, eram expressão de poderosas facções proprietárias que não haviam, porém, alcançado ainda o consenso em favor do golpe, obtido em 1964.
Em todos aqueles movimentos, as classes proprietárias arrastaram atrás de si seus partidos, seus movimentos, suas organizações de classes, os múltiplos e amplos segmentos sociais de pequenos proprietários ou assalariados sob sua hegemonia plena ou parcial. Jamais houve no Brasil ou no exterior golpe militar digno do nome que não expressasse poderosos segmentos civis.
Por além das aparências, ditaduras militares ou militarizadas como o fascismo, na Itália, o salazarismo, em Portugal, o nazismo, na Alemanha, o franquismo, na Espanha, chegaram ao poder em representação do bloco social burguês e proprietário dominante, que expressaram enquanto dirigiram o Estado. Mesmo contando com uma maior ou menor autonomia relativa, sobretudo em médio e curto prazo.
Quem mandava em Hitler e Mussolini?
Nessas ordens ditatoriais, o poder de fato foi mantido, sempre, pelas classes proprietárias hegemônicas. Em forma geral, as forças burguesas entregaram o poder a aparatos militarizados por não poderem exercer democraticamente sua ditadura, como na Itália e Alemanha, ou por preferirem as formas autoritárias para impor suas necessidades profundas, como no caso do Brasil.
Com a ordem ditatorial, o alto comando militar transforma-se em espécie de parlamento uniformizado, que se substituiu ao constitucional, no seio do qual as forças proprietárias concorrentes digladiavam-se para implementar seus interesses. No Brasil, o rodízio dos generais-ditadores ensejou uma mais fácil expressão das necessidades e vontade das classes proprietárias hegemônicas.
Afinado sobretudo com os interesses bancários e financeiros nacionais e internacionais, o projeto liberal-castelista foi rapidamente deslocado e corrigido, sob a pressão da burguesia industrial, sobretudo paulista. Ela impôs como seu delegado direto o jovem economista Delfim Netto, em 17 de março de 1967, defenestrando o neoliberal Octavio Gouvêa de Bulhões. A retomada da oposição popular nas ruas contribuiu certamente para a modificação de orientação.
Por detrás dos projetos militares divergentes expressavam-se sempre as facções proprietárias que se uniam no escorcho dos trabalhadores e populares e se digladiavam sobre os rumos da intervenção de Estado central em incessante hipertrofia. A definição da ditadura como cívico-militar, sem qualificar essa componente civil, retira e mascara a verdadeira essência de classe da ditadura. Ou seja, seu caráter burguês.
Um salto para o passado
O conservadorismo que se abateu sobre o mundo após a vitória histórica da maré neoliberal dos anos 1990 ensejou recuo dramático nas ciências sociais e na compreensão do passado. Em retorno ao fenomenismo da história política factualista, procedeu-se a um literal abandono da leitura da história a partir de solução dos confrontos dos interesses sociais profundos, determinados pelos indivíduos, organizações etc., que expressam e os expressam.
Ditadura e democracia no Brasil, de Daniel Aarão Reis, constrói-se como encadeamento crescentemente ininteligível de epifenômenos apresentados como fatos sociais e políticos essenciais. Nesse processo, a ordem ditatorial é literalmente obscurecida como expressão da refundação pelos segmentos burgueses dominantes de novo padrão de acumulação de capitais, em detrimento dos segmentos trabalhadores e populares, que se mantém substancialmente até os dias de hoje.
Retomando a retórica ditatorial e conservadora, o autor vê o golpe como, inegavelmente, movimento “defensivo”, para “salvar a democracia, a família, o direito, a lei e a Constituição”, para “garantir a hierarquia e a disciplina” nas forças armadas. [p.48] Proposta que não explica minimamente por que ele já fora tentado, em circunstâncias históricas diversas,  em 1954, 1955-6 e 1961, como proposto.
Nessa reconstrução histórica socialmente pasteurizada, o projeto “nacional-estatista” e “corporativista estatal” (sic) varguista e janguista ressurge como política da ditadura, da Constituinte de 1988 e do primeiro governo civil. Recorrência que torna praticamente incompreensível o sentido da instauração e da superação da ordem militar. Ordem ditatorial, como apenas visto, ensejada por razões totalmente conjunturais que, no livro de Reis, assume dimensão histórica estrutural!
Quem perdeu, quem ganhou?
A análise quase desconhece a substituição, pela ordem militar, do mercado interno pelo externo como locus privilegiado da realização da produção nacional. Inversão que permitiu a incessante expansão tendencial da exploração absoluta e relativa da força de trabalho, desde então marginalizada como segmento consumidor de produção dirigida agora preferencialmente ao mercado externo. Desde a ditadura, degringolaria a participação relativa do trabalhador na renda nacional.
O autor desconhece a ditadura militar como lídima expressão da ação das classes dominantes nos anos 1964-1985 e, a seguir, a participação de facções das mesmas na sua desconstrução, conscientes, por um lado, da obsolescência daquela ordem para a gestão da crise social e econômica em curso e, por outro, interessadas em radicalizar a internacionalização da economia e a privatização dos bens estatais.
O autor propõe corretamente que, em 1º de abril de 1964, não estava dada a derrota da esquerda “reformista”. Ela teria sido devida, essencialmente, à sua “irresolução”. Entretanto, não se esclarecem as origens políticas, sociais e ideológicas da dita “irresolução”, que jamais se deveu à rendição de João Goulart, igualmente impossível de ser explicada apenas a partir de suas idiossincrasias pessoais.
A apresentação desconjuntada da situação mundial sequer sugere os reflexos no Brasil do embate internacional entre o mundo do capital e do trabalho nos anos 1960-1980. O que facilita apresentação caricatural da esquerda revolucionária após 1964, corolário do encobrimento do caráter de classe da dominação ditatorial. No final, são jovens que partem inconsequentes, sem apoio na população e na realidade, para enfrentarem, armados de algumas pistolas, revolução que ele vê como apenas parte de suas ilusões e fantasmagorias.
Jamais ousar, jamais vencer
Nesse verdadeiro limbo social, a proposta de Daniel Aarão Reis é clara. Impulsionada apenas por seus desejos subjetivos, a esquerda revolucionária encontrava-se derrotada antes mesmo de partir para a luta.  Portanto, não deveria, em nenhum momento e sob qualquer forma e meio, ter obedecido à consigna de “ousar lutar, ousar vencer”. Para o autor, a própria revolução é um sonho desvairado.
É permanente a deslegitimação da luta revolucionária anti-ditatorial: enfatizam-se os guerrilheiros “delatados pelos camponeses que os revolucionários pretendiam salvar da miséria e da opressão”. Delação ocorrida, lembra-se igualmente, por parte de “populares”, de “revolucionários e seus esconderijos”. [77] O epitáfio da esquerda revolucionária não podia ser mais revelador: “Longe de constituírem forças radicalmente inovadoras […] não passaram de uma última espuma das ondas levantadas pelos movimentos anteriores a 1964”.
Portanto, a derrota popular e dos trabalhadores diante do capital, após o golpe, estava, definitivamente, marcada nos astros. Talvez porque não tenha havido, realmente, derrota social, quando da ditadura. Sugestão que aflora permanentemente no trabalho, sem jamais se materializar de modo tangível. Entretanto, não são poucos os elogios à interação entre a “ditadura e a sociedade” que produziu “um país próspero e dinâmico”. [p.78]
São recorrentes as referências às obras positivas da ditadura – o Estatuto da Terra, o  BNH, o FGTS, o INPS, o PIS, o Pasep, o Funrural, o fortalecimento do CNPq, da Capes, da Finep etc. E, nessa estrada, já em franca derrapagem, Daniel Aarão Reis define a primeira metade dos anos 1970, que até ele aceita como período da plena vigência da ditadura, mais como verdadeiros anos de “ouro” do que como os propostos “anos de chumbo”! [p. 91]
A orelha da contracapa de Ditadura e democracia no Brasil afixa a foto do autor, que se abre em um enorme sorriso, seguida de breve biografia que declara ser ele especialista em história das “revoluções socialistas” e da “esquerda brasileira”. Ao terminar a leitura desse sempre instigante ensaio, por um momento, me perguntei se o autor não estaria se rindo de mim e de seus leitores.

Adolfo Pérez Esquivel: políticas de Derechos Humanos en Brasil y Argentina

El Premio Nobel de la Paz, Adolfo Pérez Esquivel, concedió entrevistas a la BBC y a CNN para hablar sobre las dictaduras en Argentina, Brasil y el Plan Cóndor para toda América Latina, así como las actuales políticas de derechos humanos en la región.
En la entrevista a la BBC relató cómo fue encarcelado dos veces por la dictadura brasilera, la vigente ley de amnistía en ese país y las políticas de memoria en comparación con Argentina. Esta entrevista puede verse en este enlace:
http://www.bbc.co.uk/mundo/noticias/2014/04/140415_cardena_paulo_arns_salvo_perez_esquivel_mxa.shtml
En la entrevista con la CNN, Pérez Esquivel habló también sobre la complicidad de sectores civiles como responsables en crímenes de lesa humanidad, el rol de los medios de comunicación y la situación venezolana. Esta entrevista puede verse en este enlace:
http://edition.cnn.com/video/?/video/spanish/2014/04/14/cnnee-enc-intvw-adolfo-perez-esquivel.cnn&video_referrer=

Carta para uma agenda

Esta manhã fui surpreendido com um belo presente: o meu exemplar da agenda da ADUFPB de 2014. O encontro com este conjunto de folhas, fotos, frases, dias, luas e poemas (dentre os quais um meu, brevíssimo, quase já esquecido) deleitou-me e continuará a me deleitar, por vários motivos.
A capa dura, em um tempo de descartabilidade, evoca o que não morre. As frases, tão bem escolhidas, são mais do que frases brilhantes: mobilizam. E é necessário que estejamos em movimento para não morrer. Não o movimentismo idiota, tão manipulável pelos que ambicionam o poder.
Mas a mobilização interna e coletiva que gera a vida, dissipa a mesmice, ilumina cada pequeno dia do dia com a luz do amor e da razão. Venho de um encontro de terapeutas comunitários em Brasília, onde também re-encontrei parte da minha família argentina e nordestina.
A agenda que tanto me tocou, se parece tanto com a vida que me toca viver! Casas humildes, flores belas, pássaros formosos. Poesia. Quem viveria sem a beleza? Casas humildes: nasci em uma delas, na periferia de Godoy Cruz, Mendoza, Argentina. Chão de barro batido.
Água por perto. Flores. Os caminhos da vida me trouxeram ao Brasil, junto com meus irmãos, nos anos que deixaram marcas em tantas e tantos de nós, latino-americanos. Tempos de ditaduras. Hoje toda essa escuridão deu luz à minha vida. Meus filhos e filhas nos seus próprios caminhos.
A vida passou adiante. E uma agenda feita com amor e inteligência, tirou-me o sono nesta manhã. Precisei agradecer. São tempos de simplicidade. Tentar ver hoje a semente do amanhã. Obrigado ADUFPB. Obrigado, gente!

Una lección no aprendida

Entrevista al Teólogo P. José Comblin
Spiritus: La idea es que en Brasil, el espacio de las Comunidades Eclesiales de Bases (CEBs) contribuyó mucho para la democracia.
¿Qué piensa usted a este respecto?
P. Comblin: Las CEBs tenían una importancia grande en medio de los movimientos
Populares, pero decir hasta qué punto los movimientos populares son los que hicieron la redemocratización, resulta muy dudoso. Por ejemplo, después de la redemocratización se vio que quienes mandaban eran los mismos que todos los jefes políticos del régimen miliar. Todavía estaban ahí y tenían los puestos, o sea, que socialmente no hubo cambio alguno. La clase de los trabajadores no se aprovechó del cambio, incluso desde entonces ha bajado el nivel de protección, de defensa de los derechos de los trabajadores. La redemocratización fue una democratización más bien ficticia.
¿De dónde viene la idea de la democratización?
P. Comblin: Del exterior (de la Iglesia). La idea de democratizar fue primero del General Golbery do Couto e Silva quien fue el gran ideólogo del régimen militar. Él había visto y dicho claramente que si quería desprestigiar a la Iglesia y hacerle perder su autoridad y prestigio había que redemocratizar. La redemocratización le quitaría a la Iglesia su papel de representación de intereses populares. Y así sucedió. De hecho, después de la democratización la Iglesia ya no tuvo mucha importancia en la vida nacional. Más bien, los políticos volvieron a la religión tradicional, a valorar la religión tradicional, y todos los obispos, sacerdotes, frailes y otros que son de la religión tradicional, se han mostrado como sus aliados tradicionales.
El público de la CEBs finalmente entró en el partido de los trabajadores (PT) y constituyó un cierto elemento en el PT, y de ahí tenía una cierta influencia. Conquistaron algunos gobiernos de Estado, como en Rio Grande do Sul, y algunas alcaldías importantes, como Sao Paulo y Belo Horizonte. Ahí algo pudieron hacer de trabajo social, a través de los gobiernos estatales y municipales. A nivel federal, el camino está todavía cortado y posiblemente para mucho tiempo. Pero por intermedio del PT, los movimientos de las comunidades tuvieron su influjo. Aunque actualmente las relaciones no sean tan claras. La conexión política no es tanta. Hay una tendencia para desvincular la política de la Iglesia. En eso hay una insistencia muy grande, que viene desde Roma y desde otras partes. Esto lleva a un miedo de ser conectado con un partido determinado y ese miedo hace que de hecho las comunidades ya no actúen tanto en el mundo político.
Cuando se comenzó a hablar sobre democracia en Brasil, todavía durante la dictadura militar, ¿Los cristianos aportaron alguna idea concreta sobre qué tipo de democracia se proyectaba para Brasil?
Ah, se querían todas las maravillas, una democracia ideal, pensando que entonces el pueblo tendría la palabra. Pero en la práctica, el sistema funciona de tal modo que hoy día el pueblo no tiene mucho que decir. Además, en ningún país del mundo, en ninguna democracia, hoy día el pueblo tiene algo que decir. Son algunos grupos que lo deciden todo, todas las decisiones son tomadas fuera del parlamento, fuera del congreso, fuera del gobierno, por entidades más poderosas y fuertes. Un periodista importante aquí, Janio de Cuadros – que es un columnista de Folha de Sao Paulo – decía: Desde el año 90 no había ninguna medida del congreso que no fuera contra los trabajadores. Todas las leyes fueron votadas en contra de los trabajadores. En ningún momento hicieron una ley a favor de los trabajadores. Quiere decir que la situación no ha mejorado desde el régimen militar. La democratización no ha mejorado la situación de los trabajadores, y menos todavía la de los pobres y los excluidos.
Ahí hay un desafío, cómo encontrar una posibilidad para la democracia real, porque actualmente para elegir un diputado hacen falta millones. El Presidente de la República no se elige con menos de 50 millones de dólares, porque hay que hacer campaña, etc. Entonces es muy difícil que de hecho se llegue a que los candidatos populares tengan un gran prestigio y puedan ser elegidos. O sea, este sistema llamado democrático que funciona ahora, es un sistema que permite ser manipulado por las elites del país: los grandes, la elite cultural, económica, política, grupos muy restringidos que son los que pueden tomar decisiones.
Por ejemplo, la decisión de mantener el Real, que luego costó al Brasil 30, 40 millones de dólares y que al final no resultó: ¿quién decidió eso? ¿Quién dispuso de toda esta plata? Un grupito de gente del banco Central, diez personas tienen el poder de gastar lo que permitiría solucionar el problema de todas las favelas. Con esta plata se podría haber dado una casa a todos los brasileños que no la tienen, habría permitido solucionar la reforma agraria, para dar tierra a todos. Pero no, se prefirió gastar la plata para mantener la paridad del Real con la ilusión de que con eso vendrían los capitales extranjeros. Para esa decisión nadie consulta ni al pueblo ni a los medios de comunicación, sino que esas decisiones son tomadas sin ninguna interferencia de los ciudadanos.
En esa situación, ¿la Iglesia puede aportar el ordenamiento social y político desde la doctrina social?
Todos los políticos aquí dicen que aplican la doctrina social de la Iglesia. Todos están de acuerdo, aplauden, aclaman, todos son de la doctrina social de la Iglesia. Pero esa doctrina es tan flexible, tan indefinida: “a veces sí”, “tal vez”, “quien sabe”,”un poco por aquí”. Todo el mundo puede identificarse con esta doctrina. Tiene un nivel de una generalidad tan grande que todos pueden encontrar ahí su justificación, y eso no sirve de mucho. Si no hay opciones más claras y decididas, no tiene percusión. También la combatividad de la Iglesia ha disminuido, porque los obispos que estaban al frente, o han muerto o se han jubilado, y la nueva generación es completamente diferente Son toda gente buena, todos hombres muy buenos, piadosos, con buena voluntad, pero no tienen el vigor y la fuerza de la generación anterior. Entonces tampoco no tendrán la misma repercusión.
¿Cómo reacciona la Iglesia frente al hecho de verse ahora quizá algo más marginada de la gestión de la sociedad en comparación con quince o treinta años atrás?
Ahora está muy claro que la Iglesia quiere usar los instrumentos modernos y de la cultura moderna para reconquistar el poder. En eso el P. Marcelo Rossi (1) es el símbolo de toda nueva orientación, con televisión, grandes manifestaciones y procesiones, gran visibilidad. Se quiere recuperar más audiencia, prestigio y poder. Esa es la orientación y opción de la Iglesia mayoritaria, aunque la Conferencia Episcopal oficialmente no lo diga, pero en la práctica es la opción por el poder.
Han tenido bastante miedo de las “sectas” protestantes, de los pentecostales que están en la ofensiva, de las nuevas religiones y entonces hay que usar las mismas armas y métodos. Ellos hacen grandes festivales y shows – nosotros también. Ellos curan los enfermos- nosotros también vamos a curar los enfermos. Ellos tienen el Espíritu Santo- nosotros también vamos a tener el Espíritu santo. O sea, imitamos las mismas tácticas y el mismo programa de las “sectas” para reconquistar. Eso consciente o inconscientemente penetra en todo, a nivel parroquial, a nivel de pequeñas comunidades, a nivel diocesano, lo que provoca un cambio. En los últimos diez años eso ya es bastante visible en San Paulo, por ejemplo. Un cambio naturalmente es muy apreciado y muy apoyado en Roma. En Brasil ya no hay ningún arzobispo combativo. En el interior y en lugares escondidos todavía existen, pero en los puestos importantes ya no hay líderes así. El clero joven no quiere saber nada de implicación social y política sino que busca justamente prestigio, recuperar más gente, reforzar la parroquia y renovarla, darle más visibilidad y más expresividad.
En los diez o quince años que vienen, esta tendencia va a predominar. Hasta que haya un cambio en la sociedad, porque la sociedad actual favorece eso completamente: los movimientos populares silenciados, desorganizados y desmovilizados y un pueblo temerosos de perder su empleo, con una cesantía inmensa y el subempleo más grande todavía. Todo esto favorece una religión de pura expresividad y de pura exterioridad. Entonces probablemente eso va a predominar en los próximos diez o quince años, y después vendrá otra generación. Para entonces, ¿cuál será la forma de democracia? Una vez que se llega a un nivel de desintegración social, de anomia, nace la aspiración a una dictadura. Yo creo que inevitable que se produzca una nueva fase de dictaduras de tipo populista, un nuevo peronismo y cosas como las que ya suceden en Venezuela. La tendencia va en ese sentido. Cuando esto pase, ¿qué va a hacer la Iglesia en ese caso? ¿Va aliarse con el nuevo dictador? ¿Cómo va a hacer eso? Esta es una incógnita. Es muy probable, por lo menos en varios países, que la Iglesia va aliarse al dictador. Esa es la tradición.
¿La Iglesia ha aprendido algo de los procesos y compromisos democratizadores de las comunidades de base?
Aprendió, y después se perdió la lección. Aprendió, pero después hubo un corte, porque la nueva generación sacerdotal es completamente diferente: Vuelve al pasado. Cierra el paréntesis de treinta años y vuelve al esquema anterior, a la tradición anterior a un sistema de organización clientelista, patronal, en que el padre es el Padre el pueblo, como el pequeño dictador que organiza todo, hace todo, que organiza su propio culto y vuelve a la tradición. La interrupción de estos treinta años no fue lo suficientemente fuerte, fue combativa en Roma de modo sistemático y completo y entonces no encontró más apoyo grande en el episcopado. Los religiosos han sido desprestigiados, destrozados, la CLAR (Confederación Latinoamericana de Religiosos) ha sido combatida con mucha fuerza, de tal modo que aún los religiosos en muchos lugares son los que podrían tener autonomía, pero no se sienten muy seguros. Hay el crecimiento de los nuevos movimientos espirituales, como la renovación carismática, el Opus Dei y los Legionarios de Cristo que van creciendo más todavía. Esto movimientos tipo tradicional, integrista, son un buen refugio en una época de confusión, de desorden, de confusión mental. Ahí hay seguridad. Orden, las cosas claras, bien definidas. Esos movimientos van a ocupar posiciones importantes en algunos años más.
Pero el mundo cambia, todo cambia. Vendrá otra generación. Hay que permanecer con paciencia y perseverancia, “aunque es de noche”, como dice José Maria Vigil. Estamos en la noche oscura, como dice José Ignacio González Faus en su último libro. O sea, exteriormente la Iglesia triunfa, está en una fase triunfal y triunfalista, y el Jubileo será un triunfo. Pero, claro, ¿un triunfo de qué?
Entrevista realizada por Spiritus en Sao Paulo
Durante el simposio de Misionología, en Mayo de 1999
((1) Se trata de un joven sacerdote de Sao Paulo quien se deja presentar en muchos medios masivos como un vedette (con títulos de “cura aeróbico” y por el estilo). El P. Marcelo Rossi organizó un “carnaval alternativo” al que acudieron miles de jóvenes, y regularmente celebra con grandes multitudes en estadios etc., actos religiosos que se inscriben en la Renovación Carismática católica. Se ha constituido un fenómeno que es estudiado por muchas disciplinas, más allá de la teología. (N.E.).
Transcriptor – editor: Enrique A. Orellana F.
CUADERNOS OPCION por los POBRES – CHILE
MOVIMIENTO TEOLOGIA para la LIBERACION
Correo: opcion.porlospobres.chile@gmail.com
Rosas 2090 – D. Santiago – Chile

O sítio da tortura


Natalia Viana, da Pública, com Tony Chastinet e Luiz Malavolta
Na zona sul de São Paulo um sítio isolado guarda histórias de terror que podem ajudar a entender um dos pontos obscuros da ditadura, os centros clandestinos de tortura. E a assombrosa colaboração civil
“Você está em poder do braço clandestino da repressão. Ninguém pode te tirar daqui”, é o que você ouve quando chega no sítio, depois de mais de uma hora metido no banco de trás do fusquinha com um capuz quente na cabeça, e a cabeça entre as pernas.
Você foi apanhado na Avenida Brigadeiro Luis Antônio, uma das mais movimentadas de São Paulo. Te enfiaram dentro do carro, dois homens grandes, meteram o capuz. Então você é todo ouvidos e corpo, e cada balanço ou ruído vai se gravando na sua mente tão vivo que você se lembrará deles para o resto da vida.
Minutos depois, pegam a estrada. Tráfego intenso. Saem da cidade, estradinha de terra, passa um trem, devagar. Quando o carro finalmente estaciona, você ouve a frase de boas-vindas e, apavorado, consegue memorizar o chão de cimento, por onde é empurrado antes de ser arremessado por escada que leva a um lugar subterrâneo. Os seus algozes chamam aquilo de “buraco”, com razão. Não há tijolos, nem paredes, o calor é forte, cada vez que você apalpa à volta, caem blocos de terra molhada. O chão é lodoso. Seu cativeiro é úmido e infinito.
Quando te tiram a roupa – você vai ficar assim por muito tempo. Primeiro: o pau-de-arara. Trata-se de um invento simples, bem brasileiro. Uma barra de ferro apoiada sobre cavaletes, onde te penduram enrolado, pesando sobre os braços e pernas. Eles te batem, te chutam, dão choque elétricos; nada de maquininha de Tio Sam, são fios desencapados que chegam diretamente no sovaco, na barriga, na boca.
Se divertem com isso, assim como se divertiram desde sempre aqueles que têm o poder de torturar. Quando você fraqueja, te levam a outra sala – piso de taco – onde perguntam tudo o que sabe, que atordoado você tenta esconder. Eles não vão te deixar em paz.
Você se pergunta: por que está ali?
É 1975. Já se passaram dez anos desde o golpe militar no Brasil. O novo governo dos milicos (general Ernesto Geisel) prometia uma volta pacífica à democracia, com um governo civil.
Depois de prender centenas de opositores, mandar milhares para o exílio e exterminar os grupos de resistência armada, a ditadura começava a querer ser vista como “ditabranda”. É claro que você não acreditava, mas estava em todos os jornais. De qualquer forma, você era conhecido publicamente, não devia temer. Jamais se envolveu na luta armada; advogado, comunista do Partidão (PCB), foi vereador e deputado federal, você sempre acreditou na política. Pela sua atuação, já havia sido preso. Mas torturado, jamais. Até o dia 1 de outubro de 1975.
Você já tinha ouvido falar nesse tipo de lugar. O chachoalhar do carro rumo à zona rural só confirmou que você iria sofrer mais – que iria morrer. Não estavam te levando para uma delegacia, onde bem ou mal alguém poderia te ver e lembrar de você. Estava caindo nos braços clandestinos do horrendo regime militar.
Existiam dezenas de lugares como esse. Eram os centros clandestinos de tortura. Ao mesmo tempo em que o governo militar começava a falar em abertura, os milicos e policiais civis usaram esses lugares para seguir com seu velho método de fazer as coisas. Em meados da década de 70, o governo falava em acabar com as torturas, e os “teatrinhos” foram banidos: aquelas cenas de falso tiroteio armadas para encobrir a morte de gente que fora na verdade morta sob tortura (era assim que os policias chamavam a encenação descarada).
Nos centros clandestinos, torturava-se em segredo, e não raro se sumia com os corpos. Muitos dos desaparecidos da ditadura brasileira passaram por eles.
Ali, fora do aparato oficial, podia-se massacrar ao ar livre. No seu caso, a tortura usava o que o sítio tinha a oferecer: as árvores, o açude, os dois lagos.
Segundo: a sufocação. Eles te levam para um córrego raso, com pedras no fundo. Ali, soltam água de uma espécie de reservatório e você é jogado para baixo, ralando nas pedras as feridas do corpo. Terceiro: a “piscina”, como eles chamam, na verdade um poço lamacento onde te afogam segurando sua cabeça. Quarto: a árvore. Pendurado pelos pés, você recebe socos, choque elétricos. Um químico é jogado sobre seu corpo, arde. Seus gritos se misturam ao de outras pessoas, que você ouve estarem sendo torturadas – homens, mulheres.
Um dia, te tiram dali, apressadamente. Dizem que seu sumiço foi denunciado no congresso nacional e na assembléia do Rio de Janeiro. Vão ter que te liberar. Seu martírio acaba numa casa, na periferia de uma cidade. Um médico o visita diariamente, para assegurar que você estará “apresentável” quando for solto. No dia 22 de outubro de 1975, finalmente você tira o capuz.
O seu nome é Affonso Celso Nogueira Monteiro. Em 2011, aos 89 anos, os olhos ainda ficarão opacos quando lembrar daqueles dias e o seu corpo, envelhecido, guardará ainda todas as marcas. Você é o único prisioneiro que saiu com vida da Fazenda 31 de Março – nome do sítio clandestino de tortura, uma homenagem à data do golpe militar de 1964.
Quarenta anos depois, a fazenda continuará lá, com a mesma cara, esquecida pelo tempo, escondida numa estrada de terra no bairro de Parelheiros, na zona sul de São Paulo, bem na divisa com Itanhaém e Embu-Guaçu.
Muitos não tiveram a mesma sorte. Antônio Bicalho Lana e sua companheira Sônia Moraes, ambos da guerrilha Ação Libertadora Nacional (ALN), foram assassinados no sítio em 1973. Depois, foram levados até o bairro de Santo Amaro, onde se encenou um tiroteio – mais um dos “teatrinhos”. Foram enterrados em vala comum. Ali também mataram o líder estudantil Antonio Benetazzo, em 1972, preso na Vila Carrão, norte de São Paulo. A versão oficial, veja, é depois de preso ele teria se jogado sob as rodas de um caminhão. Foi enterrado como indigente.
Fagundes, o “pacificador”
O sítio 31 de março é a prova de que existia uma rede de locais clandestinos de tortura no Brasil nos anos 70. Mas, como grande parte da história da ditadura militar brasileira, jamais se investigou como e quando foram usados.
No Brasil, diferente de países vizinhos como Chile e Argentina, jamais um único militar foi punido pela tortura sistemática adotada pela ditadura. Naqueles países, lugares como esse viraram museus, memoriais às vítimas, marcos históricos para que o passado não volte.
Os sítios da tortura só eram possíveis por causa do apoio de civis, gente endinheirada que apoiava a ditadura e emprestava seu imóveis para a repressão. Nenhum delesjamais foi levado à justiça.
O “dono” do sítio 31 de Março era um empresário mineiro, Joaquim Rodrigues Fagundes. Acusado de grileiro, ele se apossou da terra nos primeiros anos da década de 70. Chegou tocando o terror: junto com capangas, exibiam armas de uso exclusivo das Forças Armadas, invadiam a casa de moradores, chegaram a surrar um deles para que “desse o fora”, como se dizia na época.
Fagundes se gabava de ser amigo do “pessoal do Doi-Codi”, a central mlitar que comandava a repressão. Seu caseiro na época, Alcides de Souza, reconheceu que ele emprestava o sítio para os milicos fazerem treinamento. “Tem vez que chegam aqui dois mil homens – acampam, correm pra cá, pra lá, dão tiros, cortam a mata”, disse.
Fagundes era dono da Transportes Rimet Ltd, na Moóca. Sua empresa não fazia muita coisa. Tinha um único cliente, a estatal Telesp – Telecomunicações de São Paulo, que na época controlada pelos militares do governo paulista. Ali na Moóca, era sempre visto acompanhado pelos bravos amigos de farda, como o coronel Erasmo Dias, conhecido por tere invadido a universidade católica (PUC) e metido ferro nos estudantes. Ele mesmo ia uma vez por semana até a sede do Doi-Codi, na rua Tutóia. “Ele tinha autoridade, andava com os milicos”, lembram os vizinhos.
Quando não tinha ninguém gemendo ou sufocando, a turminha de Fagundes usava o sítio para churrascos e almoços festivos. Vinham nomes como mesmo Erasmo Dias, bem como o Coronel Brilhante Ustra, cujo comando do Doi-Codi foi marcado por mais de 500 denúncias de tortura, e o delegado da policia civil Sérgio Paranhos Fleury, que comandava esquadrões das morte antes da diutadura, e o massacre dos opositores depois. Só a nata da repressão. “O Fleury era amigão da gente” lembra Alcides, o caseiro.
A ajuda de Fagundes foi reconhecida. Em 30 de junho de 1977, recebeu a Ordem do Mérito do Pacificador, por “serviços prestado ao país”. O mineiro tinha tanto orgulho da sua ligação com o exército que, logo abaixo da placa com o nome da fazenda 31 de Março colocou outra, dizendo: “proprietário: pacificador Fagundes”.
Jamais foi militar, jamais teve um cargo oficial. E jamais foi chamado a prestar contas pela sua atuação.
Pelo contrário. Em 1984, recebeu uma comenda do Exército, tornando-se, oficialmente, “comendador”, título que consta ainda hoje na sua lápide no Cemitério da Quarta Parada, zona leste de São Paulo. O país agradece.
Fonte: Agencia Publica

O sítio da tortura