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Sabia da fraqueza

Por J. Thomaz Filho

 

Sabia da fraqueza de um por um,

mas não se rebelou contra ninguém.

Sabia da injustiça, tão comum…

Sofreu. Mas, na resposta, sempre o bem!

Foi firme. Com revide?… Não, nenhum!

 

Fiel a dois propósitos, de fato.

Primeiro: “Quem entende o que convém

é o Pai, então que eu seja o seu retrato”.

Segundo: “Para o mal nenhum porém”,

chamando à consciência em cada ato.

 

E foi levado à cruz – sem crime algum!…

À paz, ao bem, à luz só desacato?

Memória e contexto de uma semana teológica

Por Hermínio Canova*

Da Teologia da Enxada à Teologia Feminista, na Região Nordeste: são 50 anos de caminhada e labor teológico.

Trata-se, aqui, da “10ª Semana Teológica Pe. José Comblin”, organizada pelo Grupo Comblin de João Pessoa, e com a participação ativa do Coletivo de Mulheres Feministas que atuam em diferentes organizações e realidades na capital paraibana.

Na Sessão de Encerramento desta Semana, convidamos a teóloga Irmã Ivone Gebara, para com ela enfrentarmos a pergunta: “por que e para que uma Teologia Feminista?”.

Na ocasião tentamos colocar a Semana Teológica em sintonia e em continuidade com uma fecunda caminhada do Povo de Deus que se desenvolveu aqui neste chão chamado de Regional Nordeste 2 da Igreja Católica, nestes últimos 50 anos (!).

Lembrar fatos e pessoas que compõem a história deste passado recente é o compromisso de nunca esquecer o passado vivido e deste fazer memória, sem saudosismo inocente e paralisante, mas para atuar melhor no tempo presente e enxergar novos horizontes.

Temos que apreender a lição da história e nos inspirar nos eventos impactantes e subversivos que aconteceram ao longo destes anos passados.

O que lembramos agora, e o que não lembramos, está registrado em relatórios e depoimentos guardados em nossos arquivos “quentes” e ainda palpitantes de vida, de indignação ou de esperança.

Então “as semanas teológicas pe. José Comblin” não nasceram por acaso, não nasceram do nada. Elas tem suas raízes lá atrás. Mas o que foi que aconteceu lá atrás?

 

Igreja da Libertação.

Para evitar o risco de esquecer nomes e fatos relevantes, é bom afirmar que antes de tudo foi uma caminhada de todo o Povo de Deus. No meio dele, muitas pessoas se tornaram referências e representativas de organismos pastorais e de reflexão teológica. É isso que vamos destacar.

Certamente, Ivone Gebara, participante da semana teológica de 2020 aqui na Paraíba, foi e é ainda uma destas referências. Ela é de São Paulo, vive hoje em São Paulo, mas é também nordestina, pois viveu e trabalhou muitos anos nesta região. Foi aqui, a partir deste chão, que Ivone produziu muita teologia, sendo Ivone uma incansável trabalhadora do pensamento.

No começo deste período que consideramos (estes 50 anos) está, ao meu ver, uma experiência fundante de um novo modelo de Igreja e de um novo modo de fazer teologia; a experiência de viver a igreja e de fazer teologia “com a enxada na mão”. Foi a Teologia da Enxada, trabalho acompanhado por Comblin e outros e outras da teologia. Em outra ocasião seria importante se deter nesta experiência, pois foi a partir dela que fomos introduzidos em outras atividades e instituições de formação teológica, pastoral e missionária.

Lembramos os anos de 1970, de 1980 e o começo dos anos de 1990: eram tempos diferentes! Naquele período era CEB de todo lado, Grupos Bíblicos e Encontros de Irmãos em muitas comunidades, nas periferias e no campo. No nosso Regional, chamado de Nordeste 2, tínhamos a presença significativa e profética das PCIs –Pequenas Comunidades Inseridas, mulheres religiosas consagradas inseridas na vida do povo. Uma beleza de testemunho !

Naquele tempo se trabalhava com entusiasmo e criatividade. Com o mimeografo manual produzíamos roteiros, apostilhas, panfletos. As gráficas produziam cartazes coloridos com papel de luxo; mas o nosso material também saia com arte e beleza. Computadores e impressoras chegaram depois. E com este material produzido por nossas mãos, ajudávamos as comunidades nas atividades de formação e na participação das lutas sociais e da campanha pela democracia.

E quando se falava de teologia, se falava de Teologia da Enxada, depois de Teologia da Libertação. Com nossa experiências e lutas refletidas e meditadas à luz da Fé nos sentíamos produtores e colaboradores desta Teologia, na perspectiva libertadora.

Portanto, era uma experiência nova, de uma Igreja que começamos a defini-la como Igreja da Libertação ou Igreja dos Pobres, aqui no nosso Regional NE2. Era o modelo de Igreja pensado nos corredores do Concílio Vaticano II (1962-1965), assinado/firmado em papel naquele Pacto lá na Catacumba de Domitilla (1965) em Roma, modelo de Igreja assumido e confirmado nos documentos e nas opções de Medellin (1968) e Puebla (1979); modelo aplicado e vivenciado na América Latina e aqui no nosso Regional.

A partir dos anos de 1970, a irmã Ivone estava por aqui como protagonista desta caminhada. Ela morava em Olinda, depois em Camaragibe; incansável, andava com aquele carro/fusca dando carona aos pobres, às mulheres pobres da periferia de Camaragibe. Ivone ensinava no ITER (Instituto de Teologia) e era membro do DEPA (departamento de pesquisa e de assessoria pastoral) junto com Sebastião Armando Gameleira, Luís Carlos, Pe. Humberto Plummen, e outros e outras.

Estava por aqui também Eduardo Hoornaert, que ensinava história da Igreja na América Latina. Agora ele está na Bahia.

Estava por aqui a irmã Agostinha Vieira de Melo, religiosa beneditina, teóloga, mestra de espiritualidade e de liturgia, poetisa da caminhada.

Estava e está por aqui Adélia Carvalho, religiosa salesiana e artista da caminhada.

Estava por aqui José Comblin, missionário, teólogo e cidadão, como grande protagonista da caminhada.

Estava e está aqui hoje participando da semana teológica Alder Júlio Ferreira Calado, mestre e doutor em Educação Popular, estudioso das CEBs.

Acompanhando as atividades de formação missionária lembramos: João Batista Magalhães, Irmã Maria Emília, Raimundo Nonato e Mônica Muggler.

Dedicados às missões populares e às peregrinações foram os nossos amigos Frei Roberto Eufrásio e Artur Peregrino.
Acompanhando as CEBs lembramos aqui: Hermínia Boudens (dirige até hoje o Santuário das Comunidades, em Caruaru) e Pedro Aguiar.

Na formação bíblica/litúrgica/espiritualidade estavam René Guerre, Reginaldo Velozo e Marcelo Barros.

Como grande referência e apoio para os militantes camponeses lembramos Pe. José Servat (ACR), e para os militantes operários lembramos Pe. Romano Zufferly (ACO).

Vários bispos nos acompanhavam e nos incentivavam, sobretudo dom Helder Câmara e dom José Maria Pires.

Deveria lembrar muitos outros e muitas outras, que estiveram presentes como protagonistas nesta extraordinária caminhada.

Igreja na Base.

Mas foi no final dos anos de 1980 que este projeto da Igreja da Libertação e dos Pobres sofreu uma intervenção. O projeto foi barrado, interrompido; a sua organização foi desmontada peça por peça. Tinha chegado a ordem de fechar. Todos os setores da formação, da pastoral, dos direitos humanos e do labor teológico sofreram o impacto.
Mas nós continuamos. Nós ficamos. Ivone está aqui, virtualmente, mas está aqui. Muitos e muitas estão ainda aqui desde o começo; outros e outras se juntaram ao longo do caminhar.

Fecharam os caminhos existentes; nós abrimos outro caminho, talvez um caminho mais autônomo e mais leigo. Foi a experiência de uma nova articulação chamada de “Igreja na Base”. Houve muitos encontros de formação e assembleias como Igreja na Base; participavam pastorais sociais, Direitos Humanos, Formação Teológica, CEBs, PCIs, CEBI e outros grupos. Eram muitos leigos e muitas leigas, alguns padres e alguns bispos.

Esta experiência continua até hoje, com menos apoio, menos visível, um pouco dispersa em grupos menores. Pois a partir dos anos 90, os ventos sopraram fortes em outra direção.

Mas estamos aqui. As CEBs estão organizadas, as PCIs se encontram, a CPT luta, o CEBI lê a bíblia com os pobres, a Escola de Formação Missionária continua, a Teologia da Libertação e a Teologia Feminista estão vivas.
Como provocação, perguntávamos a Comblin: Pe Zé, cadê a teologia da libertação? Ele nos respondia: está lá escondida nas comunidades.

 

Pe. José Comblin.

Pe. José nos acompanhou e nos ajudou muito nesta caminhada, sempre com muita sabedoria e com jeito fraterno.

Ele acompanhou a experiência pioneira da formação e estudo chamada de Teologia da Enxada (de 1969 a 1972).

Depois organizou outra experiência inovadora, o Seminário Rural de Avarzeado, município de Pilões (PB), em 1981.

“Fechada”, por ordens superiores, esta experiência formativa, Comblin, com o apoio de dom José Maria Pires, fundou o CFM (Centro de Formação Missionária), em Serra Redonda (PB), sendo que sua versão feminina foi criada em 1986, em Mogeiro. Daí seguiram-se outras fecundas experiências e organizações tais como o Curso da Árvore, a Fraternidade do Discípulo Amado, a Associação dos Missionários e Missionárias do Campo, a AMINE (Associação dos Missionários e Missionárias do Nordeste), a Associação dos Peregrinos e Peregrinas do Nordeste. Pe. Comblin se dedicou sobretudo às Escolas de Formação Missionária por ele fundadas em diferentes estados do Nordeste (seis ao todo) e que ao longo dos anos formou várias centenas de leigos e leigas atuando nas comunidades cristãs populares. Como bom pedagogo, Comblin deixou nestas Escolas, além de um rico conteúdo escrito, um precioso método de formação, de estudo e de vida. Conversávamos com ele sobre a necessidade que a formação fosse de caráter contínuo, formação permanente, formação para a vida e para a missão, formação a partir da realidade a ser transformada. A proposta de formação contemplava momentos fortes de convivência, de trabalho comunitário e de oração.

Lembramos Comblin como missionário de grande sensibilidade, destacado teólogo e cidadão atento e crítico. Em memória dele inventamos as Semanas Teológicas.

As Semanas Teológicas Pe. José Comblin.

A primeira Semana Teológica foi realizada em 2011. Em 27 de Março daquele ano aconteceu a páscoa de Pe. José; no túmulo dele em Santa Fé foi colocado o apelido “profeta da liberdade”.

Nas Semanas Teológicas estudamos temas significativos e relevantes para a Igreja e para a Sociedade, como: o Espírito Santo no mundo, o protagonismo da Juventude, a vocação e a missão dos Leigos e das Leigas, o problema ecológico, as migrações, e hoje o Feminismo. Ao longo destas semanas construímos até um “diálogo implícito” entre Comblin e o Papa Francisco, tendo notados grandes afinidades entre os dois, como a “saída” para a missão e a presença da Igreja no mundo.

Na realização das Semanas, nestes últimos anos, acertamos uma dinâmica que se mostrou fecunda, envolvendo grupos e comunidades da base. O Grupo Comblin escolhia um tema e produzia um texto com perguntas para que os diferentes grupos, do campo e da cidade, fizessem o estudo realizando Jornadas Comunitária em suas áreas, se preparando assim para a Sessão de Encerramento, como esta de hoje, quando a gente convidava uma pessoa mais qualificada para o aprofundamento do tema.

As “Semanas Teológicas Pe. José Comblin” carregam a memória deste teólogo, como também “bebem” do poço da sabedoria e da fé do Povo de Deus e da sua caminhada como Igreja dos Pobres e da Libertação, ao longo destes 50 anos.

1970-2020, são 50 anos de caminhada e de vivência eclesial. Falta aqui lembrar muitos outros fatos, muitas outras pessoas e organizações que participaram como protagonistas desta fecunda história, O período merece um aprofundamento e uma memória mais aprimorada do que esta.

Certamente esta caminhada de vida e de compromisso deixou marcas profundas em nossos corpos e em nossas almas, marcas que carregamos ainda hoje com infinita gratidão ao Paráclito de Deus.

*O autor é sacerdote católico.

Fonte: Teologia Nordeste

(26-10-2020)

 

X Semana Teológica Pe. José Comblin : Por que e para que uma Teologia Feminista?

Começará no próximo sábado(3), a partir das 9h, o encerramento da X Semana Teológica Pe.José Comblin, tendo como tema central “Por que e para que uma Teologia Feminista ?”

Este ano, por causa da pandemia do coronavirus, a Semana Teológica Pe.José Comblin teve que ser adaptada à nova realidade, agora totalmente virtual(antes acontecia em João Pessoa-Paraíba), o que não afetou o alto nível de comprometimento da organização com todo o processo, desde os palestrantes-convidados(as) até a escolha do tema central, a metodologia e a logística do evento. Portanto, a organização da Semana Teológica convida todos(as) os cristãos e cristãs, agentes de pastorais, militantes sociais e educadores/as  a participarem, inclusive, contribuindo com o tema, discutindo nos grupos, comunidades, igrejas.

Este ano, a organização convidou a teóloga e filósofa Ivone Gebara para a abordar o tema central “Por que e para que uma Teologia Feminista ?”, que acontecerá às 09h, do dia 3.

O CEBI Paraíba está envolvido nos processos de organização e mística desse evento, através de Juliana Henrique, Edna Maria e Glória Carneiro. A Comissão da Pastoral da Terra-CPT e o Grupo Kairos também estão na organização da Semana Teológica.

A transmissão será feita pela página Teologia Nordeste  no Facebook: https://www.facebook.com/teologianordeste

Pelo site : https://teologianordeste.net/ (onde também ficará gravada a filmagem da Semana Teológica)

E pelo canal do Teologia Nordeste no Youtube: https://www.youtube.com/channel/UC2b7imhvckojxiC2TcyhtDw

Segue abaixo o texto de apresentação da X Semana Teológica Pe.José Comblin para entendimento, reflexão e estudo.

 

 

POR QUE E PARA QUE UMA TEOLOGIA FEMINISTA?

“Do vazio abismal do mundo dos homens era possível ver os movimentos (das categorias oprimidas), cantando e dançando, soprando sobre os ossos secos, espalhando a carne e restituindo a vida. Os ossos secos se moviam, eram machos e fêmeas, mulheres e homens, que faziam… o mesmo movimento vital sobre outros tantos ossos secos… Era o anúncio do fim dos privilégios, a destruição do cativeiro, a restauração da vida, da igualdade e da justiça.” (Releitura de Ezequiel 37:1-10)

Nesse momento de maior atenção ao Cuidado aos corpos ameaçados, em tempos de Pandemia, a discussão da igualdade e das políticas do bem comum, vem alicerçada com as ações de solidariedade e experiencias de autonomias comunitárias que apontam para mudanças.

Assumimos que a formação nos conduziria pelo caminho desafiador de refletir e construir pontes e diálogos, sobre gênero, poder, masculinidades, provocando as mulheres e os homens a efetivarem a proposta de relações de igualdade.

A dança Celta, uma dança de roda onde os passos que a movimentam significam: “Eu te saúdo, eu te dou espaço e eu caminho contigo”, nos faz pensar que não basta dar espaço e saudar, é preciso, como diz a dança, caminhar juntos. Por que é tão difícil para as pessoas viverem juntas em igualdade? O que é esta resistência à igualdade em si? Por que algumas vidas são consideradas importantes e outras não? Ou umas mais importantes que outras? Essas e outras perguntas, nós fazemos todos os dias individual e coletivamente?

Nossa proposta para iniciar a conversa é abrir o coração ao diálogo com nós mesmos, com quem está ao nosso lado e com as companheiras e companheiros, sobre as estruturas que nos cercam e que trazem “Da alma dos homens? Ouro, conquista, lucro, logro. E os nossos ossos, E o sangue das gentes, E a vida dos homens, Entre os vossos dentes…”

A poesia nos ajuda pensar…

Poemas aos Homens do nosso tempo

Amada vida, minha morte demora.
Dizer que coisa ao homem,
Propor que viagem? Reis, ministros
E todos vós, políticos,
Que palavra além de ouro e treva
Fica em vossos ouvidos?
Além de vossa RAPACIDADE
O que sabeis
Da alma dos homens?
Ouro, conquista, lucro, logro
E os nossos ossos
E o sangue das gentes
E a vida dos homens
Entre os vossos dentes.

***********

Ao teu encontro, Homem do meu tempo,
E à espera de que tu prevaleças
À rosácea de fogo, ao ódio, às guerras,
Te cantarei infinitamente à espera de que um dia te conheças
E convides o poeta e a todos esses amantes da palavra, e os outros,
Alquimistas, a se sentarem contigo à tua mesa.
As coisas serão simples e redondas, justas. Te cantarei
Minha própria rudeza e o difícil de antes,
Aparências, o amor dilacerado dos homens
Meu próprio amor que é o teu
O mistério dos rios, da terra, da semente.
Te cantarei Aquele que me fez poeta e que me prometeu

Compaixão e ternura e paz na Terra
Se ainda encontrasse em ti, o que te deu.

(Hilda Hilst)

Quem são os homens e mulheres do nosso tempo? Que tipo de homens e mulheres precisamos ser para construir um novo tempo?

Primeiro é bom fazer a memória do tempo:

“E Deus fez a Terra” – Mãe, do ventre da terra fez nascer a humanidade – fêmeas e machos, feitos a sua imagem e semelhança, com diferenças biológicas, iguais capacidades criativas e sensitivas. À mulher, assim como à Gaia, foi dado o dom de gerar a vida e ao homem, a possibilidade de participar da procriação.

Nesse tempo, ouvia-se forte a voz da mulher, que se misturava com a voz da Terra. A forma da beleza era a diversidade, a plenitude do conhecimento estava na multiplicidade e o equilíbrio na reciprocidade. Existiam sociedades governadas por mulheres, algumas existem até hoje, sociedades matriarcais ancestrais, regidas por deusas que se fundem com os elementos da natureza e agem para manter o equilíbrio das relações e da vida em sua totalidade.

Onde estão as nossas matriarcas? Para onde foram as deusas ancestrais?

O homem sentiu vontade de dominar; utilizou o privilégio da força e o fez, passou a dominar a terra e as mulheres, e também outros homens e nações. Com o desequilíbrio nas relações, a escuridão se espalhou por toda parte, a terra tomou as cores da fumaça, do sangue e da fome, e já não se ouvia a voz das deusas, nem de Gaia, apenas gritos de dor, das mulheres, das diversidades oprimidas, dos próprios homens que se sentiam aprisionados num sistema de dominação que eles mesmos criaram.

Para pensar sobre relações de poder, patriarcado, feminismos, masculinidades, é preciso lembrar que não basta… Precisamos mudar radicalmente as estruturas patriarcais elaboradas a partir da construção das desigualdades, brancos “valem mais” que negros/as, Europa “vale mais” que América latina; Homens “valem mais” que mulheres”.

Com estas ou, dentro destas estruturas violentas e opressoras, como podemos cantar nosso amor uns aos outros? Como irmos ao “encontro” de algo que significa a busca pela manutenção “…de uma cultura que nega a diferença e as submete as normas ‘masculinas’ preestabelecidas como sendo ‘natureza’ e ordem divina. Como apenas abraçar aquilo que nos faz entrar em modelos de comportamento e em predefinições de conteúdos identitários que culpabiliza quem não corresponde a eles? ” já nos alertava Ivone Gebara desde 2011.

A construção destas diferenças acabou erguendo barreiras entre os povos, entre homens e mulheres e impediu uma efetiva partilha de saberes. Seja na família, seja no trabalho, ou pela grande mídia, historicamente as mulheres foram excluídas dos processos de construção de conhecimentos. As mulheres, são uma parte das maiorias excluídas, aquelas que devem replicar os modelos de pensar e agir impostos, e na maioria das vezes, não há interesse em como sentem e pensam a vida, as mulheres o os ninguéns como diz Eduardo Galeano no poema “Os ninguéns”.

Os ninguéns: os filhos de ninguém, os donos de nada

Os ninguéns: os nenhuns, os nenhuneados, correndo como

lebres, morrendo na vida, fodidos, refodidos

Que são, embora não sejam

Que não falam idiomas, mas dialetos

Que não professam religiões, mas superstições

Que não fazem arte, mas artesanato

Que não praticam cultura, mas folclore

Que não são seres humanos, mas recursos humanos

Que não têm rosto, mas braços

Que não têm nome, mas número

Que não figuram na História Universal, mas nas páginas

policiais na imprensa local

Os ninguém custam menos que a bala que os mata.

(Texto elaborado pela CPT-Comissão Pastoral da Terra). Seguem as perguntas em

preparação da “10ª Semana Teológica Pe. José Comblin”, convidamos grupos, comunidades, movimentos e você pessoalmente a fazerem uma leitura atenta deste texto e sugerimos duas perguntas:

  1. Que aprendizados este denso texto nos traz, a cada uma e a cada um de nós?

  2. Que passos somos chamados/as a usar, na busca de um enfrentamento desta realidade, em nosso meio?

Leia também Memória das Semanas Teológicas Pe. José Comblin, aqui

Fonte: CEBI – Centro de Estudos Bíblicos

(29-09-2020)

X Semana Teológica Padre José Comblin. Por que e para que uma teologia feminista?

X Semana Teológica Padre José Comblin. Por que e para que uma teologia feminista?

Sessão de encerramento: 03/10/2020

Em razão das condições impostas pela Covid 19, os grupos organizadores desta X Semana Teológica Pe. José Comblin tiveram que propor uma adaptação, nos seguintes termos:

– Em vez da realização presencial das Jornadas Comunitárias (no campo e nas periferias urbanas), passamos a realizar estas experiências, de modo virtual;

– Em vez das costumeiras Jornadas Comunitárias, têm sido vivenciadas, por vídeo conferências, as Noites Comunitárias;

– Também virtualmente, será realizada a Sessão de Encerramento, no dia 3 de Outubro de 2020, a partir das 09:00h até às 12:00h.

Profeta Missionário, o padre José Comblin segue inspirando comunidades, grupos e pessoas, pelo mundo afora, especialmente na América Latina, no Brasil, no nordeste. Sua Páscoa aconteceu em 27 de março de 2011 a partir de quando foram vivenciadas sucessivas edições da semana teológica Padre José Comblin, este ano de 2020 em sua 10ª edição. Trata-se de uma iniciativa tomada por distintos grupos de amigos e amigas do Padre José, com o objetivo de prestar-lhe justa homenagem e, acima de tudo, buscar rememorar o seu legado de missionário, profeta, teólogo e cidadão. Com efeito, vasto e profundo é o legado do padre José Comblin tomando em consideração, mais do que sua vasta produção teológica (cerca de 70 livros e de 413 artigos publicados em diversas revistas internacionais e nacionais de teologia), O Legado de Padre José Comblin se manifesta pelo seu exemplo de vida. As pessoas que com ele viveram, que o conheceram, dão testemunho do denso aprendizado junto a este profeta da Liberdade.

Há cerca de 5 anos, os grupos organizadores da semana teológica Padre José Comblin (Kairós, CEBI, Escola de Formação Missionária de Santa Fé, Grupo Igreja dos Pobres, MTC, entre outros)  houveram por bem estender os dias da semana teológica, de modo a distribuir por dois ou três meses. Sempre contando com a sessão de encerramento. Esta tem sido precedida, desde de então, pelas jornadas comunitárias, realizadas junto a diferentes comunidades do campo e da Periferia Urbana durante cada uma dessas jornadas (3 ou 4). Os grupos organizadores desta semana teológica reúnem, em determinada comunidade, diferentes grupos e pessoas, com objetivo de, a partir de um tema proposto, debaterem comunitariamente os desafios eclesiais locais, regionais, nacionais e em âmbito internacional.

O tema de cada uma dessas edições da semana teológica Padre José Comblin é definido pelos seus organizadores e organizadoras, a partir de cada contexto histórico sócio eclesial, contando sempre com artigos do padre José Comblin que mais diretamente se ligam a este contexto. Durante as jornadas comunitárias – hoje substituídas pelas noites comunitárias, em razão da pandemia – aos textos propostos seguem-se duas ou três perguntas, com o intuito de provocarem reflexão em pequenos grupos. Na página eletrônica www.teologianordeste.net encontram-se cópias de cada Folder relativo as nove semanas já realizadas, desde 2011 temas diversos, tais como: ação do Espírito Santo no mundo, formação missionária, Juventude, desafios sócio ambientais, entre outros. Nesta décima edição, em vista do que foi deliberado comunitariamente na sessão de encerramento da última edição, ficou acordado o tema a cerca do lugar das mulheres na igreja e na sociedade, razão por quê foi definido como tema central desta décima semana teológica Padre José Comblin o seguinte tema: “Por que e para que uma teologia feminista?”

Sendo a sociedade e a igreja compostas majoritariamente pelas mulheres, que também tem contribuído decisivamente, em várias frentes, para a formação de uma consciência de Justiça e de respeito aos direitos humanos, não surpreende a escolha temática deste ano.

Com relação à contribuição do padre José Comblin, acerca deste tema, é certo que não se deteve prioritariamente em Sua obra sobre esta questão, ainda que de modo fragmentário, esta questão emerge em alguns dos seus escritos. Tornou-se, por exemplo, bem conhecida sua posição profética, em defesa da posição assumida pela então presidenta Dilma, em sua defesa enfática dos direitos das mulheres em um dos casos relativos a questão do aborto, escreveu uma carta aberta, na qual chamava a atenção dos bispos sobre sua posição condenatória de milhares de mulheres pobres, obrigadas a recorrerem a situações semelhantes. A este respeito, o padre José se confessava muito próximo das vítimas, sem qualquer ímpeto condenatório. Situação que volta a tona graças ao recente caso da menina que engravidou, em decorrência de um estupro cometido pelo próprio tio, vozes condenatórias emergem contra aquela criança, os médicos e pessoas que dela cuidavam, sem contar com a solidariedade de importantes figuras do episcopado brasileiro.

Um simples olhar para os índices de feminicídios e de violências praticadas contra as mulheres é suficiente para se compreender a urgência de trazermos ao debate semelhante tema relativo à teologia feminista.

Fonte: Teologia Nordeste

(12-09-2020)

Papa: a criação geme, a pandemia é uma encruzilhada

Por Bianca Fraccalvieri

O dia 1o de setembro assinala, para a família cristã, o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação; e com ele se abre o Tempo da Criação que se conclui no dia 4 de outubro, memória de São Francisco de Assis.

Durante este período, os cristãos renovam em todo o mundo a fé em Deus criador e unem-se de maneira especial na oração e na ação pela preservação da casa comum.

Inaugurando este Tempo da Criação, foi divulgada a mensagem do Papa Francisco, cujo tema é «Jubileu pela Terra», tendo em vista que se celebra precisamente este ano o quinquagésimo aniversário do Dia da Terra.

Na Sagrada Escritura, recorda o Pontífice, o Jubileu é um tempo sagrado para recordar, regressar, repousar, restaurar e rejubilar.

Fonte: Vatican News

João Crisóstomo nos deixa um testamento. No primado do pobre, é radical

João Crisóstomo nos deixa um testamento. No primado do pobre, é radical

João Crisóstomo nasceu em Antioquia

De família distinta, à fé atenta

Com a morte do pai a mãe enfrenta

Educar o seu João com maestria

Protegendo seu filho, se daria

Cedo, João se mostrava genial

Da oratória serviu-se de canal

Do Evangelho tornou-se mais sedento

João Crisóstomo nos deixa um testamento

No primado do pobre, é radical

 

Poucos anos após trezentos e cinquenta

Perde o pai, prestigiado oficial

Mãe Anthusa assume o leme, afinal

O educar do seu filho assim enfrenta

Ao melhor do seu tempo, estando atenta

E faz João frequentar curso geral

Bem entregue a Mestre genial

Donde vem um fecundo argumento

João Crisóstomo nos deixa um testamento

No primado do pobre, é radical

 

Preferindo uma vida retirada

Mas, da mãe garantindo a companhia

Hermitério em casa ergueria

Só depois da passagem da amada

Ao deserto se põe em caminhada

São seis anos de vida crucial

De saúde sentindo-se muito mal

O Evangelho curtiu, de modo atento

João Crisóstomo nos deixa um testamento

No primado do pobre, é radical

 

De amigo prezado ouviu o pedido

Assumindo missão diaconal

Superou desafio, por igual

Dos aflitos se move ao gemido

Assumindo a causa dos ofendidos

Do Evangelho sorvendo força vital

Segue muito de perto o seu sinal

Do conforto procura estar isento

João Crisóstomo nos deixa um testamento

No primado do pobre, é radical

 

Ordenado Presbítero logo mais

Na missão prosseguiu, sempre engajado

Tendo o amigo Basílio incentivado

Todos dois são teólogos colossais

Semeando justiça, colhendo paz

E discípulos do Reino são sinal

Na oratória, Crisóstomo é sem igual

Na escritura, fazendo-se muito atento

João Crisóstomo nos deixa um testamento

No primado do pobre,é radical

 

Multidões, atraía seu sermão

De início, aos domingos tão somente

E depois mais dois dias, pede a gente

Os pedidos não foram algo em vão

E diária será a pregação

Várias vezes ao dia, afinal

Mesmo longa, a prédica é genial

A expressão do seu dom, do seu talento

João Crisóstomo nos deixa um testamento

No primado do pobre, é radical

 

Ao trabalho dedica tempo imenso

Meditando, escrevendo e predicando

Do Espírito ouvindo, dócil, o mando

Seu agir é repleto de bom senso

Seus escritos prosseguem sendo densos

Da Turquia é chamado à capital

Lá prossegue seu trabalho pastoral

E aqui, como Bispo bem atento

João Crisóstomo nos deixa um testamento

No primado do pobre, é radical

 

Em se opondo ao interesse coletivo

Propriedade privada não faz bem

Ao discípulo fiel já não convém

Cada um dele acaba um cativo

É Jesus Nazareno o nosso crivo

A riqueza é a raiz de todo mal

Sua origem é o roubo, tal e qual

Diabo se torna um instrumento

João Crisóstomo nos deixa um testamento

No primado do pobre, é radical

 

Não somente pregava, dava prova

No vestir, no comer, era Modesto

Se eu falar se expressava pelos gestos

O império a elite o desaprova

Mas o espírito do tempo ele renova

Seu trabalho dá fruto Divinal

Tanto séculos após, é atual

Inconteste seguindo seu argumento

João Crisóstomo nos deixa um testamento

No primado do pobre, é radical

 

700 sermões nos são legados

Só de cartas deixou centena e meia

Sua obra fecunda nos rodeia

E por séculos ressoa seu firme brado

Nele, os pobres exultam, agraciados

Seu saber edifica, é um canal

Glória a Deus por sua vida pastoral

Pois na massa tornou-se um fermento

João Crisóstomo nos deixa um testamento

No primado do pobre, é radical

 

Hoje em dia, enfrentamos grande impasse

De cristãos se afastarem de sua fonte

Esquecendo qual rumo o Reino aponte

Não se importam que o número da massa grasse

Já não levam em conta sua face

Dói saber que o espírito pastoral

Vem perdendo sabor – estéril sal

Pois na massa deixou de ser fermento

João Crisóstomo nos deixa um testamento

No primado do pobre, é radical

 

Um “restinho” ainda hoje segue adiante

De teólogos fazendo a diferença

Com teólogas a lista faz-se extensa

Seu legado se mostra fulgurante

Gutiérrez, Comblin são diamantes

Com Forcades, Gebara, Boff, Dussel, que tal:

Esta gente pra nós é um fanal

Outros tantos aqui têm seu assento

João Crisóstomo nos deixa um testamento

No primado do pobre, é radical

 

Seu legado se estende a campos vários

Só tratados deixou pra mais de cem

Cada qual importância grande tem

Mui diverso e complexo, seu temário

Pastoral, Liturgia e viver diário

Seus sermões priorizam a Pastoral

À justiça confere tom central

Bem extenso é o leque de documentos

João Crisóstomo nos deixa um testamento

No primado do pobre, é radical

 

Pelo bom Papa João foi proclamado

Do Concílio Patrono – gesto eloquente

E compromisso inspirando bem a gente

Mas, na prática, se deixa João de lado

Num evento contudo, é bem lembrado

Lá no Pacto Catacumbas, afinal

Se revive seu legado pastoral

Por quarenta colegas – belo “tento”

João Crisóstomo nos deixa um testamento

No primado do pobre, é radical

 

Nesta linha, homenagem aqui se presta

A figuras de bispos exemplares

Ilustrando com nomes de alguns pares

Helder Câmara, Lercaro animam a gesta

Dom Fragoso, Francisco estavam nesta

Mais adiante, quinhentos lhes dão aval

João, presente naquele Texto final

Treze pontos que servem de alento

João Crisóstomo nos deixa um testamento

No primado do pobre, é radical

 

Este evento outros mais desencadeia

Medellín, TdL e outros mais

Movimentos, setores pastorais

A América Latina incendeia

Aos mais pobres já não se faz alheia

No Brasil, mesmo em tempo martirial

Ditadura infligindo tanto mal

Profecia se faz novo rebento

João Crisóstomo nos deixa um testamento

No primado do pobre, é radical

 

O caráter de CLASSE subjaz

A um enorme conjunto de matérias

Que circulam nas redes, deletérias

Quase sempre escapando a olhar fugaz

Até mesmo de quem do pobre faz

Grande alvo de interesse especial

Eis um risco prevenindo um vendaval

E se aplica no pobre a ser fermento

João Crisóstomo nos deixa um testamento

No primado do pobre, é radical

 

Cento e cinquenta dos bispos nacionais

Numa carta enviada à nossa gente

Denunciam o Governo impenitente

Por seus crimes atrozes, seriais

E extensa é a lista, por demais

Na esteira de João, confrade igual

No Evangelho embasados,ferem o mal

Defendendo as vítimas do opulento

João Crisóstomo nos deixa um testamento

No primado do pobre, é radical

 

Estes Bispos, porém, são minoria

Outra parte silente continua

Mesmo diante de tão graves falcatruas

A palavra do Papa soa vazia

Não parecem estar em sintonia

Sua postura ao sistema, funcional

No Evangelho e em João, dele sinal

Não parecem apoiar-se, no momento

João Crisóstomo nos deixa um testamento

No primado do pobre, é radical

 

Mas, as leigas e leigos conscientes

Consequentes à Missão, e solidários

Deixam expresso seu apoio aos signatários

E, ao lado dos pobres, nossa gente

Seguem firmes, lutando e resistentes

Mesmo em meio a uma luta desigual

Não hesitam em lançar-se contra o mal

Na esperança de um novo advento

João Crisóstomo nos deixa um testamento

No primado do pobre, é radical

Onde Deus se esconde

Onde a Palavra se esconde e a gente conspira

Neste XV domingo comum do ano A, somos convidados/as a escutar e meditar Mt 13, 1- 23. É o início do terceiro dos cinco discursos de Jesus no evangelho de Mateus. Este é sobre o reinado divino no mundo e é composto por sete parábolas ou comparações. Neste domingo, escutamos a primeira delas. A parábola do semeador.

O capítulo anterior de Mateus mostra Jesus no espaço da comunidade que é uma casa (Mt 12, 46- 50). Corresponde à Igreja doméstica que seria a forma original de Igreja. Este modelo de comunhão eclesial é o objeto da missão dos discípulos no discurso do capítulo 10. “Vão de casa em casa”. A partir de agora, o evangelho mostra Jesus na beira do lago, em relação não mais somente com discípulos e discípulas, mas com o povo da Galileia, gente pobre e sofrida. Mateus tinha dito que, depois do batismo e do seu retiro no deserto, Jesus foi para a Galileia, para se inserir entre a população mais empobrecida e considerada pecadora e misturada com estrangeiros. (Ver Mt 4, 12- 25). É este tipo de gente que ele reúne na beira do lago e anuncia o que Mateus chama de reino dos céus.

A primeira coisa que chama a atenção é que o reino dos céus vem, mas vem de modo secreto ou íntimo. Vem como parábola ou enigma. Na intimidade, o grupo de discípulos e discípulas pergunta Por que Jesus fala em parábolas. Jesus explica que a parábola não é para revelar. É para esconder. Cita Isaías para dizer que, de fora, as pessoas olham sem ver, ouvem sem escutar e não interiorizam o que veem nem o que escutam. É preciso primeiramente se colocar dentro para compreender com o coração. O segredo do reino só é revelado ao pequeno grupo que Dom Helder Camara chamava de “minorias abraâmicas” e que podemos chamar de “cenáculos de resistência”.

Na época de Jesus e dos evangelhos, anunciar que o reino ou reinado dos céus ou de Deus estava chegando era um ato subversivo. Implicava em romper com os impérios do mundo, especificamente, na época, o império romano que dominava a terra de Jesus.  Jesus manda os seus discípulos anunciar isso às aldeias mais pobres e ao povo da terra no campo. Os sacerdotes de Jerusalém compreenderam isso muito bem e quando o entregaram a Pilatos disseram: Se não condenas este homem, não és amigo de César, o imperador. Ou o reinado divino ou o império de César.

Aos que lhe cobram porque este reinado divino que ele tinha anunciado, de fato, ainda não tinha chegado, Jesus responde com uma comparação. O lavrador pobre joga a semente na terra. Na época de Jesus, os terrenos da Galileia estavam nas mãos dos donos do império. Só restava aos lavradores as faixas de terra entre o cercado e as estradas, os terrenos estreitos das encostas das pedras. O lavrador não pode escolher. Nem dava para arar ou preparar a terra. No tempo de Jesus, o costume era semear antes de arar o terreno. Jesus diz que uma parte do terreno caiu na beira da estrada e logo foi pisada. A outra nasceu no meio das pedras, mas não tinha raiz morreu. E só uma parte caiu em terra boa e frutificou. Jesus diz que a semente é boa e é a mesma. O lavrador a reparte generosamente, mas o resultado da colheita depende do terreno. Se o terreno não é favorável, a semente morre. Fica infecunda. A semente é a mesma, mas os resultados podem ser opostos.

Basta ver isso no próprio evangelho. Jesus curou um doente. Para quem foi curado e para os discípulos, aquela cura era sinal da vinda do reino de Deus. No entanto, para os professores de Bíblia e religiosos de Jerusalém, só podia ser sinal que Jesus agia por obra do espírito mau. O mesmo sinal provocava fé em algumas pessoas e escândalo em outras. Até hoje, é assim.  A proposta de reforma agrária que o MST está propondo para uns é questão de justiça. Para outros é comunismo e destruição da economia.

Uma coisa que impressiona é apesar de tudo a confiança de Jesus. Um otimismo quase ingênuo imaginar que a pequena parte que sobrou, a semente que caiu em terra boa possa dar cem por cento, ou mesmo trinta por cento. É muito. É quase impossível. De todo modo, a palavra de Jesus é este apelo à confiança. Apesar de que ainda estamos em tempo de plantio, confiemos que, apesar de tudo, a colheita pode ser muito boa.

Ao concluir esta meditação, sugiro que cada um/uma de vocês medite qual a ou as parábola/s do reinado divino, Deus tem suscitado na sua vida. Pode ser que só quem está por dentro possa perceber aquilo como parábola do reino e possa compreender. Neste mundo urbano e da informática, vamos descobrir as parábolas através das quais o reinado divino tem sido semeado em nossas vidas pessoais e no trabalho de gerar um novo mundo possível.