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Identidad

La necesidad de tener un lugar para mí. Un lugar a salvo de miradas indiscretas. No por tener algo que no deba o pueda ser conocido de tan terrible que pueda llegar a ser, sino más vale por un motivo muy simple. No todo debe ser público. Tenemos los humanos un lugar que debe ser solamente nuestro. Intimidad. Privacidad. Un diario íntimo. Un cuaderno de anotaciones, donde nos podamos expresar libremente.
Un lugar donde pueda yo respirar sin ser juzgado,  interpretado, aconsejado. Tengo la impresión de que ese lugar es precario, si es que vivimos en relación. He aprendido (o estoy aprendiendo) a hablar de mí mismo sin necesidad de revelar secretos. Decir de qué se trata, qué es lo que me está sacando el sueño o cuál es la piedra en el zapato, sin que deba hacer un escándalo, dramatizar, acusar, patear la mesa o dar un portazo.
No sé si esto me está llegando como consecuencia de los años, o como resultado de una mayor convivencia social virtual en la que se puede decir mucho casi sin decir nada. Puedo estar solo sin necesidad de estar solo. Basta estar conmigo. Muchas veces digo más cuando no digo nada, cuando solamente estoy en mí mismo de manera tal que todo mi ser está plenamente allí. Viendo, sintiendo, percibiendo, diciendo con un mero estar allí tan pleno que las palabras son casi o del todo prescindentes.
Creo que este aprendizaje deriva en no pequeña medida del hecho de que con relativa frecuencia me sumerjo en las páginas de libros poéticos y literarios. Ese es el mundo más real, donde la gente es lo que es, en toda su plena contradictoriedad y multiplicidad. Allí el cielo está aquí, no debe ser alcanzado porque ya es lo que uno es, es la circunstancia en que vivo, la gente con quien convivo, las corrientes subterráneas e impetuosidades que me constituyen o recorren. Tan lejos del mundo de las normas, los debe, los debería, los tendrías que, los tendría que ser no sé como. Si algo tengo es lo que soy, esta diversidad sutil y tenue, una filigrana si se quiere, cosida en el tejido fino de la vida.

“Florestan é nome para gente de classe alta, não de filho de lavadeira! O nome dele é Vicente!”

Por Laurez Cerqueira*
Dona Maria, mãe de Florestan, ouviu isso da patroa como uma ordem, dias antes do batismo dele, de quem ela seria madrinha. Ele ficou sendo chamado de Vicente até que o Florestan, já na universidade, se igualasse a Vicente e os dois pudessem conviver na harmonia possível.
Florestan é o nome de um personagem da ópera Fidélio, de Beethoven, e também do namorado de uma amiga de Dona Maria, que era motorista na casa que ela trabalhava. Esse moço foi tão gentil e generoso com ela, durante a gravidez, que o nome Florestan foi dado ao filho em homenagem a ele. Mais do que uma exaltação ao amor, a ópera é um hino à liberdade, à lealdade e à justiça.
A madrinha não tinha filhos, Florestan, uma criança astuta, simpática, tornou-se o centro das atenções na convivência familiar. Ganhava revistinhas, livros infantis, e o casal lia para ele. O Tico-tico era a que ele mais gostava. Dizia que essa o levava a cantos da imaginação nunca antes visitados.
Certo dia, num rompante, a patroa pediu a Dona Maria que lhe desse Florestan definitivamente.  Aquela proposta foi a gota dágua. Com sua dignidade ultrajada, ela mirou os olhos da patroa e deu uma resposta à altura: “Não se dá filhos, o que se dá são cães!”. Dona Maria pegou o filho pelo braço foi até o quarto, arrumou as malas e foi embora morar na periferia de São Paulo.
Ela voltou a lavar roupas e ele foi para as ruas de São Paulo, trabalhar como um adulto, como dizia, para ajudar nas despesas de casa. Primeiro numa barbearia, varrendo os cabelos cortados dos fregueses. Depois numa alfaiataria, como auxiliar; em feiras, carregando compras para as casas de famílias; numa marcenaria; engraxando sapatos; como vendedor; enfim, em qualquer atividade que lhe rendesse alguns trocados para levar pra casa.
Por ser mais rentável, os pontos de engraxates, no Largo Ana Rosa, eram disputados a porradas. Apesar de franzino, tinha agilidade com o corpo, saiu no braço com alguns até conquistar seu ponto. Ali, ele trabalhou por um bom tempo.
Mas foi como garçom que o Florestan começou a preparar a despedida do Vicente. No Bar Bidú, no centro de São Paulo, onde trabalhava como garçom, um jornalista, frequentador do bar, sempre comentava com os amigos sua admiração por Florestan, impressionado com os livros que ele lia atrás do balcão, nos intervalos entre um atendimento e outro. Àquela altura, ele já havia lido clássicos da literatura, da filosofia, da sociologia, muito influenciado pelo companheiro de sua mãe, que também era garçom  e um leitor voraz. Ambos andavam com livros e lia em qualquer canto.
Foi o jornalista que o aconselhou a voltar a estudar. Ele havia cursado apenas até o terceiro ano primário, no período em que morou na casa da madrinha. Animou-se, fez o curso supletivo, na época chamado Madureza. Quando comentou com a mãe que estava decidido entrar para a universidade, achando que ela receberia a notícia com alvíssaras, Dona Maria não gostou do que ouviu. Disse preocupada com a possibilidade de ele passar a fazer parte da elite, de ter vergonha dela, por ser analfabeta, e abandoná-la.
Ele queria estudar química, certamente influenciado pelo novo trabalho de vendedor de produtos dentários, mas mudou de ideia. Prestou exame para a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, onde não foi bem recebido no início, por ser vendedor, trajar roupas e sapatos modestos, sempre suado, por andar muito a pé. Aos poucos, conseguiu ser respeitado, levava os estudos a sério, tirava boas notas. Os grupos formados para trabalhos passaram a querer Florestan, devido a sua desenvoltura nos estudos.
Florestan fez a graduação em sociologia, depois mestrado e doutorado em sociologia e antropologia, numa carreira onde conquistou lugar de destaque, como um dos acadêmicos mais importantes do país. Escreveu mais de 50 livros, entre esses, os clássicos: A Revolução Burguesa no Brasil; A Integração do Negro na Sociedade de Classes; e A Organização Social dos Tupinambá.
A Revolução Burguesa no Brasil começou a ser escrito em 1966, em resposta ao golpe militar de 1964. Num breve resumo, o clássico da sociologia expões as estruturas e os vínculos que mantém o caráter autocrático da burguesia numa sociedade como a brasileira.
A Integração do Negro na Sociedade de Classes foi traduzido para o inglês, rendeu ao Professor Florestan Fernandes viagens aos Estados Unidos, para palestras nas universidades, influenciou o movimento radical dos Panteras Negras e dos direitos civis.
A Organização Social dos Tupinambá foi classificado pelo antropólogo francês, que deu aula na USP, como marco no desenvolvimento da antropologia. O Professor Florestan Fernandes reconstituiu a organização social dos Tupinambá, extinta no século XVII, a partir dos cronistas e de relatos de viajantes.
O Professor Florestan Fernandes costumava dizer que começou a estudar sociologia ainda criança,  trabalhando nas ruas, quando percebeu as relações de poder, as injustiças sociais, na pedagogia do cotidiano, na gangorra de uma existência privada das facilidades reservadas aos bem nascidos.
O Professor Florestan Fernandes disse certa vez: ”a coisa mais difícil que fiz na vida foi permanecer fiel à minha classe de origem”. E que “Vicente era a base do Florestan. Sem ele, talvez o Florestan nem existisse”.
A universidade finalmente deu a Dona Maria seu Florestan de volta, que não a abandonou, e o Brasil ganhou um dos intelectuais mais importantes da sua história, que soube interpretá-lo como poucos, criou bases científicas para uma geração de acadêmicos e intelectuais, capazes de apontar as raízes das mazelas do Brasil e o futuro da desejada nação democrática, igualitária, justa e livre.
A coerência com suas ideias, lealdade, rebeldia e o senso agudo de justiça, pareciam ser o esteio de sua vida. Foi assim desde criança,  talvez influenciado por sua mãe, que demonstrou dignidade e firmeza de caráter nos momentos mais difíceis da vida dos dois; durante o  período em que se dedicou à academia; como deputado constituinte;  na vida pública; e até em situações cotidianas.
Certo dia, ele passou mal em casa, devido a complicações da hepatite C, (que  mais tarde o levou à morte), chamou um táxi e foi para o Hospital do Servidor. Quando seu filho Florestan Fernandes Júnior chegou ao hospital, ele estava muito abatido, mas numa fila. Perguntou por que ele estava naquele hospital, se ele era deputado, podia ir para o Sírio Libanês, Albert Einstein, ou outro bom hospital, e por que ele estava na fila? Ele disse que foi para aquele hospital porque ele era servidor público e que aquele hospital era o que devia cuidar dele. E que ele estava na fila porque havia fila, cada uma daquelas pessoas estava com necessidade de atendimento como ele.
Quando a saúde dele se agravou a ponto de restar como única alternativa o transplante de fígado, Fernando Henrique, seu ex-aluno e assistente, era presidente da República, ligou e ofereceu-lhe a possibilidade de fazer o transplante numa clínica em Cleveland, nos Estados Unidos. Ele agradeceu a gentileza e disse que não poderia aceitar aquele privilégio. Aceitaria se todas as pessoas que estavam em situação de saúde mais grave que a dele tivessem a mesma oportunidade. Ele fez o transplante em São Paulo e morreu em decorrência de erro durante a recuperação da cirurgia.
No Congresso, ele se comportava como aluno disciplinado, chegava pontualmente nos horários das sessões, tanto no plenário como nas comissões, ouvia atentamente e participava dos debates. Apesar de não ser obrigado, se sentava na mesma cadeira. Percebendo o hábito dele, os parlamentares até protegiam a cadeira para que ninguém se sentasse. A cadeira era do Professor Florestan Fernandes.
Certa vez Vicente, o homem rústico, apareceu na tribuna da Câmara. O Professor Florestan Fernandes estava discursando, quando um parlamentar de posições de direita pediu um aparte e começou a fazer-lhe provocações do mais baixo nível. Florestan, educadamente foi respondendo às provocações e o deputado insistindo, agredindo. Num dado momento, Florestan perdeu a paciência, disse ao parlamentar que não era homem de engolir desaforos, que se ele quisesse fosse para fora do Congresso, que estava disposto a resolver  a pendenga no braço.
O deputado Vladimir Palmeira, líder da bancada, avisado que Florestan estava querendo ir às vias de fato com um parlamentar no plenário correu às pressas para tentar acalmar os ânimos. Professor Florestan estava  furioso, dizendo ao parlamentar: “já que o senhor não tem argumentos, só provocações, vamos lá pra fora!… Vamos! A gente resolve isso de outra maneira.” O deputado Vladimir Palmeira conseguiu demovê-lo daquela porfia.
O impressionante é que o Professor Florestan Fernandes furioso, que reagia com indignação às provocações de um parlamentar, desafiando-o a ir às vias de fato, era o mesmo que chegava à Câmara cumprimentando parlamentares, funcionários, desde os que trabalhavam na portaria, nas comissões, no plenário, com aperto de mão. Era amável, despojado, bem humorado, sempre com brincadeiras inteligentes e divertidas. Tudo isso é um pouco do Professor Florestan Fernandes.
O Brasil é um país de Vicentes e Florestans.
Quanta falta ele faz, nesse momento tão dramático que vivemos em nosso país!
________________
* O autor escreveu entre outros trabalhos: “Florestan Fernandes – vida e obra”; “Florestan Fernandes – um mestre radical”; e “O Outro Lado do Real”. Artigo publicado originalmente no site www.brasil247
Fonte: Brasiliários
(22-07-2020)

Dom Vicente Ferreira na Live "Fora, Bolsonaro e o (des)governo federal?" – Debate Inter-Religioso

Dom Vicente Ferreira na Live “Fora, Bolsonaro e o (des)governo federal?” – Debate Inter-Religioso, dia 12/7/2020.

Para iniciar nosso Debate Inter-Religioso sobre uma pergunta que precisa interpelar nossa consciência: Fora, Bolsonaro e todo o (des)governo federal? O Movimento Inter-Religioso do Vale do Aço, em Minas Gerais, pela Democracia, Justiça, Paz e Vida, promove mais uma Live com o objetivo de contribuir para que as pessoas religiosas se posicionem de forma ética, responsável, justa e coerente com o Evangelho de Jesus Cristo e com a fina flor da sua fé que precisa ser libertadora e jamais conivente com opressões de nenhuma espécie. Quem votou em Jair Bolsonaro e em políticos que estão na prática defendendo posturas contrárias ao bem comum que arrume um jeito de “compensar” esse erro gravíssimo. Conclamamos todos/as ao compromisso com o Movimento de luta pela Democracia, Justiça, Paz e Vida, o que passa necessariamente por FORA BOLSONARO E TODO O (DES)GOVERNO FEDERAL, pois não podemos ser omissos e nem cúmplices diante de um (des)governo genocida que está matando de inúmeras formas. Estão gritando por direitos a mãe Terra, a irmã Amazônia e os outros biomas, a irmã água, os povos indígenas, os quilombolas, os LGBTQIs, os sem-terra, sem-teto, os desempregados, o povo negro, os povos das periferias, os 500 mil irmãos nossos que estão em situação de rua, as mulheres vítimas de feminicídio, o povo ludibriado por falsos pastores, por falsos padres, por falsos líderes religiosos que barganham com um governo fascista e abusam do nome de Deus e de textos bíblicos para acumular dinheiro, se aproveitando das angústias das pessoas com discursos religiosos “sem pé nem cabeça” … Todos esses gritos ensurdecedores precisam interpelar nossa consciência. Desta Live participaram: 1) Dom Vicente Ferreira, bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte e da Comissão de Ecologia Integral e Mineração da CNBB; 2) Makota Celinha, coordenadora do CENARAB e do Candomblé; 3) Filipe Gibran, pastor da Frende de Evangélicos pelo Estado Democrático de Direito; 4) Irmã Claudicéa Ribeiro, da Congregação de Filhas de Maria Missionárias; 5) Paulo Amaral, do Movimento Inter-Religioso pela Democracia, Justiça, Paz e Vida e Movimento Negro do Vale do Aço, MG; 6) Frei Gilvander Moreira, da CPT e CEBI. Aqui neste vídeo o pronunciamento do bispo Dom Vicente Ferreira na Live “Fora, Bolsonaro e o (des)governo federal?” – Debate Inter-Religioso, dia 12/7/2020. Com cabeça erguida, de forma profética, Dom Vicente Ferreira se posicionou exigindo Fora, Bolsonaro e todo o (des)governo federal.

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Corrupção é exemplo ilustrativo da mais torpe estratégia do sistema

Corrupção é exemplo ilustrativo

Da mais torpe estratégia do sistema

Corrupção sinaliza, entre os humanos

Um limite a que todos estão sujeitos

Mais “prosperam”, mais exibem tais defeitos

Em sistemas de classes, tem mais danos

Os instintos do ter explodem, insanos,

O ter mais se torna lema

Cada qual de si mesmo a cuidar rema

Seu modelo “ideal”: senhor-cativo

Corrupção é exemplo ilustrativo

Da mais torpe estratégia do sistema

 

Já com séculos de história, o Capital

Acumula e recria estratégias

Auferindo assim vantagens régias

Combinando mil truques, afinal

Recolhendo um temível arsenal

Estes versos se atêm a um só tema

Nas idéias, como atua seu esquema?

Povo em massa transforma em cativo

Corrupção é exemplo ilustrativo

Da mais torpe estratégia do sistema

 

Qual é, pois, como atua a ideologia?

Como, então, a põem em marcha os dominantes

Como nisto se tornam uns gigantes

Quais seus truques, e manhas que irradia?

A serviço da mesma burguesia

Aqui vamos tratar deste problema

Procurando despir os seus esquemas

Morre o povo, enquanto ele fica vivo

Corrupção é exemplo ilustrativo

Da mais torpe estratégia do sistema

 

São ideias que movem as pessoas 

Quer almejem o bem, ou visem ao mal

Liderar o pensar é crucial

Influir neste jogo não é à toa

O setor mais ativo guia a canoa

A raiz do enigma, do problema

Nos induz a enfrentar um tal esquema

O moral sustentando sempre vivo

Corrupção é exemplo ilustrativo

Da mais torpe estratégia do sistema

 

Intrigante é a crítica burguesa

Dirigida ao papel do seu Estado

Acusando-o de ser agigantado 

Justo ela que o mantém por sua presa

Da fatiga do erário em sua mesa

O filé do Estado pra ela rema

Abocanha com seus estratagemas

Urge haver um modelo alternativo

Corrupção é exemplo ilustrativo

Da mais torpe estratégia do sistema

 

Empresários se apossam do Estado

Dependendo também da conjuntura

Não se exibem de cara, na linha dura

Mas, no caso atual, são mais ousados

Seus prepostos se fixam em todo lado

Paulo Guedes é a prova deste emblema

Segurando os banqueiros neste esquema 

Deste truque sutil, mas criativo

Corrupção é exemplo ilustrativo

da mais torpe estratégia do sistema.

 

Cavalar é a dose de hipocrisia

Do agir dos burgueses e seu Mercado

Incriminam sem dó, furtos minguados 

Ocultando a gravíssima sangria

Do filé do erário se apropria

Obtendo isenções, sonega esquema

Seus impostos devidos são emblema 

Quando o cerco se fecha, são furtivos

Corrupção é exemplo ilustrativo

Da mais torpe estratégia do sistema

 

O padrão governança é a propina 

O importante é fazê-lo às escondidas

Esperteza é o segredo das “medidas”

Algum dia, porém, a coisa mina

E fracassam as aves de rapina

Quase nunca, porém, o estratagema

Ameaça a voraz classe suprema

Veem o cisco, poupam o crime mais nocivo

Corrupção é exemplo ilustrativo

Da mais torpe estratégia do sistema

 

O mercado e o Estado são parceiros

Cuja marca não poupa as falcatruas

Corrupção é também uma praxe sua

Seus negócios são sempre sorrateiros

Tudo fazem a punir os derradeiros

Seguem firmes, em seu estratagema 

Com medidas injustas e extremas

Representam o Império que é lesivo

Corrupção é exemplo ilustrativo

Da mais torpe estratégia do sistema

 

A baliza do Império é bipolar

Sua ética só lhe indica o que convém

Aos de fora, só chicote;  aos meus, o bem

Não hesitam o povo esfolar

A “reforma” atual é exemplar

Seu sistema de dívida é uma algema

Extorsivos os seus juros, eis o esquema

Evitando que o povo seja ativo

Corrupção é um exemplo ilustrativo

da mais torpe estratégia do sistema


Lava-jato nenhuma é capaz

De alvejar a raiz da corrupção

Sendo estéril seu alvo, qual então

Seu papel, neste jogo e outros mais?

Ao sistema servir de capataz!

Ao focar no miúdo do esquema

Propagando a verdade ter por lema

Desviando a atenção do vero crivo

Corrupção é exemplo ilustrativo

Da mais torpe estratégia do sistema

 

Bolsonaro é expressão do mesmo enredo

Do projeto da própria burguesia

No detalhe se excede, se desvia

Eficaz se mostrou, e desde cedo

Na campanha se uniram, sem qualquer medo

A postura do chefe às vezes extrema

Desagrada, extrapola e traz problema

O projeto econômico é decisivo

Corrupção é exemplo ilustrativo

Da mais torpe estratégia do sistema

 

No que toca à essência, a coisa anda

No Congresso, respaldo não lhe falta

Tem apoio expressivo, a base é alta

Bolsonaro “distrai”, prospera a banda

Mesma elite, afinal, é quem comanda

Neste ínterim, concebem um emblema

“Frente Ampla” é tirada de cinema

E assim, vão levando o morto-vivo

Corrupção é exemplo ilustrativo

Da mais torpe estratégia do sistema

 

Não respeita o Brasil e os brasileiros

Quem destrói nossas matas e florestas

Continência a estranho chefe presta

Idolatra o Império e seus parceiros

Não se empenha em projeto alvissareiro

O país é refém, e com algemas 

Complicando ainda mais seu dilema 

Ameaça letal pra quem é altivo

Corrupção é exemplo ilustrativo

Da mais torpe estratégia do sistema

 

Todo tipo de furto nos deprecia

Inclusive os famosos mais recentes

Envolvendo empreiteiras, mais agentes

Toda a soma, porém, desta sangria

É o assalto maior da burguesia

Cujos truques superam os de cinema

É aí que reside o tal problema 

Que nem sempre alcança o nosso crivo

Corrupção é exemplo ilustrativo

Da mais torpe estratégia do sistema

 

Espantosa é a massa digital

De notícias que correm mundo afora

Uma espécie de caixa de Pandora

Circulando ao sabor do Capital

Com efeito inclusive eleitoral

Na Hungria, Polônia, o mesmo esquema

Deste “ovo”, o Brasil detém a gema

Este truque se mostra destrutivo

Corrupção é exemplo ilustrativo

Da mais torpe estratégia do sistema

Luta pela terra é também luta espiritual e profética

Luta pela terra é também luta espiritual e profética. Por Gilvander Moreira[1]

43ª Romaria da terra do Rio Grande do Sul, em Mormaço, Diocese de Cruz Alta, dia 25/02/2020. Divulgação / http://www.diocesecruzalta.com.br

Assim como há ciências, há também teologias que sistematizam a luta pelo bem comum a partir de uma fé emancipatória – fé no Deus da vida e no Evangelho de Jesus Cristo. Na realidade conflituosa e contraditória da sociedade capitalista em que vivemos, marcada por uma das maiores concentrações fundiárias do mundo e por um povo religioso, torna-se necessário analisar a luta pela terra também sob o ponto de vista da teologia bíblica. Em inúmeras passagens  bíblicas, as profetisas e os profetas bradam, em nome do Deus da vida: “Queremos a justiça e o direito”! Isso não se mendiga, conquista-se na luta coletiva e organizada.
Há na Bíblia muitos textos de denúncia da grilagem de terras como, por exemplo: “Não removerás os marcos de teu próximo do lugar em que os puseram teus pais para delimitar a herança familiar, no país que o Senhor teu Deus te dará em posse” (Deuteronômio 19,14); “Maldito aquele que remover os marcos da herança do seu próximo” (Deuteronômio 27,17); “Os maus removem os marcos dos terrenos” (Jó 24,2). Na Bíblia a terra aparece como sendo herança de Deus, algo que deve passar de pai para filha/filho, não pode ser vendida, pois não é mercadoria.
Para os povos indígenas “a terra é sagrada, nela se baseia a organização tribal. Entre os tapirapé, os mortos são enterrados dentro das casas em que viveram e onde continuam vivendo os seus parentes” (MARTINS, 1983, p. 117). No livro Os Camponeses e a Política no Brasil: as lutas sociais no campo e seu lugar no processo político, José de Souza Martins recorda: “A um tapirapé a ideia de sepultar o morto fora da casa em que viveu causa o mesmo terror que causaria a nós a ideia de enterrar os nossos mortos dentro de casa. Seria sinal de abandono do morto por seus parentes, motivo para que viesse assombrá-los. Por isso, a troca ou venda da terra não faria nenhum sentido para um tapirapé, porque significaria, entre outras coisas, o abandono de seus parentes mortos e a quebra dos eixos de sustentação da sua sociedade” (MARTINS, 1983, p. 118).
Na luta pela terra estão envolvidas não apenas questões políticas e econômicas, mas também questões religiosas. Exemplo disso foi que o Estado, por meio da polícia militar, assassinou o monge José Maria em 22 de outubro de 1912. Após sua morte, a guerra do Contestado cresceu muito e se alongou até 1916.
As mulheres parteiras do Egito – a Bíblia registra os nomes de duas: Séfora e Fuá (Êxodo 1,8-22) -, diante de uma “medida provisória” de um faraó (semelhante a um Decreto-Lei) que mandava matar no momento do nascimento as crianças do sexo masculino, organizaram-se e fizeram greve e desobediência civil, política e religiosa. “Não vamos respeitar uma lei autoritária do império dos faraós. O Deus da vida quer respeito à dignidade da pessoa humana e não concorda com a matança de crianças e com nenhuma opressão”, devem ter dito em seus corações as Mulheres do ‘sistema de saúde’ sob o imperialismo egípcio. Diz a Bíblia: “Deus estava com as parteiras. O povo se tornou numeroso e muito poderoso” (Êxodo 1,20), isto é, crescia em quantidade e em qualidade.
Em meados do século IX antes da era cristã, época do profeta Elias, intransigente defensor dos camponeses, a monarquia reinante na Palestina estava reforçando a latifundiarização do país. As pequenas propriedades estavam sendo expropriadas pelos grandes proprietários, entre os quais os detentores do poder político monárquico. Nesse contexto, a Bíblia narra um episódio exemplar. O rei Acab e sua esposa Jezabel cometeram crime de usurpação investindo para açambarcar a pequena propriedade de um posseiro chamado Nabot, nome que significa, em hebraico, aquele que (se) doa. Nabot rejeitou trair os valores dos camponeses da época: “Javé me livre de ceder-te a herança dos meus pais!” (I Reis 21,3). O rei Acab se irritou com a resistência de Nabot. Jezabel, rainha adepta do ídolo Baal – deus da chuva e da fertilidade -, manipulou a religião e a justiça para roubar a terra do posseiro. Caluniou, criminalizou e demonizou Nabot que, com o beneplácito do sistema judiciário da época, foi condenado à pena de morte por apedrejamento. Porém, como a expropriação dos camponeses e o sangue dos mártires suscitam a atuação veemente de profetas, ao ouvir que o rei Acab estava invadindo a pequena gleba do posseiro Nabot, após tê-lo matado, apareceu o profeta Elias e, em alto e bom som, profetizou: “Você matou, e ainda por cima está roubando? Por isso, assim diz Javé (Deus solidário e libertador): No mesmo lugar em que os cães lamberam o sangue de Nabot, lamberão também o seu. Farei cair sobre você a desgraça” (I Reis 21,19.21). O profeta Elias foi veemente na condenação da ação do chefe da monarquia (I Reis 21,17-26). A compreensão da terra como pertencente a Deus permeia e perpassa toda a Bíblia. Por exemplo, no livro de Levítico se afirma: “Assim disse Javé, o Deus da Vida: A terra não será vendida, pois que a terra me pertence” (Levítico 25,23).
O profeta Miqueias nasceu no interior de Judá, sul da Palestina, e atuou entre os anos 725 e 696 antes da era cristã. Miqueias foi provavelmente um camponês empobrecido, marginalizado e vítima de processo de expropriação pela falta de apoio à agricultura camponesa. Miqueias denunciou a cobiça e as injustiças sociais que os dirigentes políticos e religiosos estavam cometendo sobre o campesinato da época. Ele condena a riqueza como fruto da exploração. Profeta dos sem terra, Miqueias defendeu a partilha e a socialização da terra. Vindo do campo, ao chegar à capital Jerusalém, ele se defronta com os enriquecidos – políticos profissionais, especuladores e religiosos funcionários do sagrado -, denuncia a exploração e a expropriação dos camponeses do sul da Palestina. Miqueias, de forma intrépida e contundente, profetiza: “Ai daqueles que, deitados em seus leitos de marfim, ficam planejando a injustiça e tramando o mal! É só o dia amanhecer, já o executam, porque têm o poder em suas mãos. Cobiçam campos, e os roubam. Tomam as casas do povo, oprimem o homem, sua família e sua comunidade; roubam a herança deles, a perspectiva de futuro” (Miqueias 2,1-2).
Para Miqueias, ‘a herança deles’ é a terra, que é roubada. Com o dedo em riste, o profeta acusa os exploradores: “São vocês os inimigos do meu povo: de quem está sem o manto, vocês exigem a veste” (Miqueias 2,8). “Vocês expulsam da felicidade de seus lares as mulheres do meu povo” (Miqueias, 2,9a). “Vocês tiram dos filhos a liberdade que eu lhes tinha dado para sempre” (Miqueias 2,9b). Ele ameaça e condena Israel (o reino do norte da Palestina) e seus chefes exploradores como “aqueles que comeram a carne do povo, arrancaram-lhe a pele…” (Miqueias 3,1-3) e aponta como culpados os militares, os falsos profetas, os chefes, os comandantes, os juízes, os sacerdotes; enfim, a classe dominante da época. Denuncia ainda o profeta Miqueias: “Essa gente tem mãos habilidosas para praticar o mal: o príncipe exige, o juiz se deixa comprar, o grande mostra a sua ambição. E assim distorcem tudo. O melhor deles é como espinheiro, o mais correto deles parece uma cerca de espinhos! O dia anunciado pela sentinela, o dia do castigo chegou: agora é a ruína deles” (Miqueias 7,3-4).
Apesar da opressão e das injustiças contra os camponeses, o profeta Miqueias (e/ou suas/seus discípulas/discípulos), não perde a esperança e anuncia também a utopia que está sendo produzida nas entranhas da luta coletiva pelo bem comum: “Em um campo em ruínas, na Samaria, uma plantação de vinhas – lavouras – será feita.” (Miqueias 1,6). “De suas espadas vão fazer enxadas, e de suas lanças farão foices” (Miqueias, 4,3).[2] Como herdeiro da fina flor libertária da caminhada dos povos da Bíblia, passando pela sabedoria do povo – “Os pobres possuirão a terra” (Salmo 37,11) -, Jesus Cristo ecoa no discurso da montanha a utopia da terra partilhada e socializada com quem precisa: “Felizes os humildes, porque herdarão a terra” (Mateus 5,4). Portanto, a luta pela terra não é apenas uma questão política, mas também uma questão de fé, espiritual e profética. Feliz quem dela participa[3].
Referências
MARTINS, José de Souza. Os Camponeses e a Política no Brasil: as lutas sociais no campo e seu lugar no processo político. 2ª edição. Petrópolis: Vozes, 1983.
MOREIRA, Gilvander Luís. Profeta Miqueias, um camponês que clama por Justiça (Mq 1-3). p. 37-42. In: AMARAL DA COSTA, Julieta (Org.). Em tempos difíceis, o profeta Miqueias aponta saídas: uma leitura do livro de Miqueias feita pelo CEBI-MG. São Leopoldo/RS: CEBI, 2016.
07/7/2020.
Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.
1 – Acampamento Dênis Gonçalves, do MST, em Goianá, MG – luta pela terra. Frei Gilvander – 26/8/2010.

2 – Acampamento Eloy Ferreira, do MST, Engenheiro Navarro/MG: luta pela terra. Frei Gilvander. 02/9/2010

3 – MST na luta pela terra no sul de MG – Grito dos Excluídos – Frei Gilvander/luta por direitos/07/9/10

4 – Palavra Ética: Luta pela terra e por moradia em Pirapora e em Santa Luzia, MG. E Leonardo Boff.

5 – 160 famílias na luta pela terra em Pirapora, MG, há 20 anos. Despejar é injusto/violência. 17/2/2020

6 – CEBs na luta pela terra com o MTC em Córrego Danta, MG: Fé e luta por direitos. Vídeo 3 – 16/8/2019

 
[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –     Facebook: Gilvander Moreira III
[2] Cf. também MOREIRA, Gilvander Luís. Profeta Miqueias, um camponês que clama por Justiça (Mq 1-3). p. 37-42. In: AMARAL DA COSTA, Julieta (Org.). Em tempos difíceis, o profeta Miqueias aponta saídas: uma leitura do livro de Miqueias feita pelo CEBI-MG. São Leopoldo/RS: CEBI, 2016.
 
[3] Gratidão à Carmem Imaculada de Brito, doutora em Sociologia Política pela UENF, que fez a revisão deste texto.
 

Uma percuciente, atualizada e heurística leitura do pensamento freireano

Concisas anotações sobre o livro de Marcelo Bezerra Oliveira. “A Teoria do Conhecimento em Paulo Freire: pressupostos gnosiológicos da Pedagogia do Oprimido”

Justamente neste período que se situa entre as comemorações dos 50 anos da publicação do livro “Pedagogia do Oprimido”(2018) e o ano (2021) em que vamos comemorar os cem anos do natalício de Paulo Freire, eis que o filósofo Marcelo Bezerra Oliveira nos brinda com a publicação do seu mais recente livro intitulado “A Teoria do Conhecimento em Paulo Freire: pressupostos gnosiológicos da Pedagogia do Oprimido”. ( São Paulo , Edição própria, 2020).

Estamos diante de uma pesquisa  de fôlego, elaborada de forma cuidadosa e percuciente, tematizando os fundamentos epistemológicos do pensamento de Paulo Freire. O autor já havia apresentado em 1988 sua Dissertação de Mestrado à UFPE, sob orientação do professor Michel Zaidan. Ao revisitar este seu trabalho ainda não publicado, em que se debruça sobre a mesma temática, se lança à feliz aventura de, partindo dela, reescrevê-la. Pelo que podemos depreender de sua Dissertação, não hesitamos avaliá-la como uma contribuição notável às pesquisas e estudos sobre o percurso epistemológico perseguido por Paulo Freire. Sucede que a iniciativa de Marcelo B Oliveira resultou em um profundo salto de qualidade, relativamente ao seu trabalho inicial. Diríamos que o autor, ao retomar o tema de sua Dissertação, dispõe-se a aprofundar qualitativamente sua investigação, permitindo-nos interpretá-la como uma valiosa Tese, cuja qualidade não sofre qualquer interferência, pelo fato de não ter passado pelas bancas da Academia.

A iniciativa do autor condiz muito bem com seu perfil de pesquisador cioso de sua autonomia, não apenas quanto a este episódio. Eis por que, antes de nos debruçarmos mais diretamente sobre o seu livro, permitimo-nos fornecer breves linhas sobre seu perfil biobibliográfico.

Singularidades de um filósofo

Resulta insólito, em uma época em que grassa a tendência do academicismo, sob um clima de cultura à fogueira das vaidades, aparecer um filósofo que aprecie o exercício de filosofar, atendo-se  às correntezas subterrâneas. Assim, tem-se mostrado a figura do filósofo Marcelo B. Oliveira. 

Diferentemente do que sói acontecer a figuras convencionais de filósofos, Marcelo B. Oliveira, em sua já considerável produção filosófico-literária, não tem investido em uma estratégia de publicidade de sua obra. Tem preferido exercitar sua produção, por vias próprias sem recorrer a editoras famosas, não obstante a qualidade de sua produção literária e filosófica. De sua lavra já podemos contar com algumas dezenas de livros versando sobre te

 mas diversificados, em especial no âmbito da filosofia  e da poesia, dentre as quais: Folhas e Flores em Poemas, O Encanto dos livros, Pensamento e Poesia, História Rimada das Filosofias, Poetofilosofia, . Para além  de livros, tem também escrito dezenas de folhetos de cordel, tematizando uma diversidade  de situações humanas, inclusive no campo hagiográfico.

Parece-me relevante e oportuno sinalizar aspectos que caracterizam este autor, a partir mesmo de sua auto-apresentação:

“Nasci em 1955, no sertão de Pernambuco. Fui graduado em Filosofia pela UNISINOS, em 1978, e titulado com mestre pela UFPE, em 1988.

Dedico-me ao estudo e elaboração de textos filosóficos e poéticos.

Não escrevo para satisfazer exigência do mercado  editorial, mas unicamente pelo prazer do conhecimento. Por isso gosto de afirmar que sou um pensador independente. Poetizo com liberdade para poder  contestar a decadência da mentalidade dominante, que transformou os livros em simples mercadoria para  consumo.

Estou fora do mercado e não tenho nenhum interesse em escrever para fazer sucesso de venda. O mercado funciona como a censura  de hoje.  A autonomia é minha marca e o meu estilo.

Nesta perspectiva, publiquei também O Encanto dos livros, em edição particular.”

Publicou, ainda, os seguintes textos:                 

– O Encanto dos livros

-Folhas e Flores e poemas

-Pensamento e poesia

-História rimada das filosofias- (Cordel )

-Voos poéticos

-Filosofia popular

-Momentos

-Poetofilosofia

De sua produção filosófica-literária, cumpre destacar algumas qualidades nelas observáveis.  Uma  primeira  que percorre toda sua produção – diz respeito ao  processo de humanização, em uma perspectiva freireana. Assume como seu principal horizonte a  busca incessante de horizonte libertador , no qual os seres humanos se aplicam a desenvolver suas mais distintas potencialidades, em especial a de responderem, a sua vocaçação à Liberdade. Não é por acaso, sua incursão, ainda em fins dos anos 80, pela investigação sobre o legado freireano, da qual resultou sua Dissertação de mestrado, versando sobre a teoria do conhecimento em Paulo Freire, focando mais precisamente os pressupostos gnosiológicos da “Pedagogia do Oprimido”. Pesquisa de fôlego que, a justo título, o autor acaba de converter em livro. A quem deseje apreciar a fecundidade do conhecimento freireano desenvolvido por Marcelo, recomendo a leitura de seu livro recém- publicado, para o que me permito indicar seus contatos: Facebook; literato.20@hotmail.com

Outra característica de sua obra sublinha a importância do quotidiano, chão no qual os mesmos seres humanos – mulheres e homens – empenham-se em plantar sementes existenciais demandando o mesmo horizonte humanizador. Sua condição de poeta  lhe confere um condimento todo especial: nas páginas por ele produzidas, é capaz de ativar os diversos sentidos humanos voltados à percepção e à fruição de detalhes – que não raro nos passam imperceptíveis – , que fascinam pelo seu potencial de penetração no coração humano.

Como prometido, restringi-me a fornecer brevíssimos traços deste filósofo, cuja contribuição segue à contra corrente da lógica de mercado, razão por que entendo como oportuno destacar algumas de suas características, no intuito de expressar reconhecimento e de estimular uma aproximação mais ampla deste autor que prima pela autonomia em um contexto ameaçado pelo pensamento único. 

Anotações em torno de seu mais recente livro

Pontos axiais que recolhemos desta leitura heurística do legado freireano

Impacta-nos, em primeiro lugar, a retumbante atualidade diante da qual o autor nos lança.Resulta confortante,nesta quadra histórica tenebrosa,a iniciativa proposta pelo autor,ao nos proporcionar uma instigante refontização das energias comunicadas pelo legado de Paulo Freire.  Marcelo B.Oliveira nos permite revisitar um Paulo Freire, em sua inteireza,vivo e vivificante, a ressurgir esplendoroso. Permite-nos reexperienciar sua ética, sua estética, sua poética.Mas do que mergulhar no universo vocabular freireano, o autor se empenha, com êxito, em dissecar a figura de Paulo Freire, especialmente como um genial produtor de cultura, de conhecimento, situando-o, a justo título, como um filósofo da História, a partir de sua notável contribuição gnosiológica.

Marcelo B de Oliveira não exita em apresentar-nos um Paulo Freire multidimensional, retratado em sua diversidade, costurada por um fio condutor que atravessa seu percurso existencial, partindo de um exaustivo exercício analítico da teoria do conhecimento presente na obra freireana, e calcado em sólidos fundamentos teórico-metodológicos, Marcelo Bezerra Oliveira faz- nos passear longamente pelos caminhos freireanos, sempre lastreado em uma notável diversidade de autores e autoras nos quais busca trazer à tona relevantes elementos de sua trajetória gnosiológica, sempre conectada a outras dimensões que, não sendo alvo específico da pesquisa, se relacionam dinamicamente com abordagem ensaiada.

Como sói acontecer em espaços destinados à introdução de uma Dissertação, ou de uma Tese, também aí recolhemos uma visão de conjunto do que pretende focar o autor. Tanto na introdução quanto nos capítulos, sentimos eloquente a preocupação do autor em nos apresentar um Paulo Freire bem contextualizado, bem caracterizado, inclusive em sua reiterada vontade de, mais do que repeti-lo ou reeditá-lo vir a ser também reinventado. Neste sentido, do começo ao final do livro, podemos perceber o empenho do autor em dialogar como um interlocutor à altura com Paulo Freire com outras figuras que sobre ele também exerceram influência ou apresentaram afinidades eletivas de relevância. Desde a introdução, antes mesmo, já nos esclarecimentos, Marcelo Oliveira emite sinais de refletir criticamente múltiplos traços da teoria do conhecimento em Paulo Freire embora sublinhando mais fortemente sua “Pedagogia do Oprimido”, em verdade, vai mais longe o empenho do autor, em nos fazer percorrer muitos outros de seus trabalhos – uma vintena -, o que demonstra a qualidade de sua análise. Ao mesmo tempo, sempre ao modo freireano, ocupa-se em nos trazer presentes as linhas- mestras da conjuntura sociocultural, em que Paulo Freire esteve a desenvolver seus trabalhos. Inquietação tanto mais valiosa, quanto o autor seguidamente nos remete à situação presente, lembrando suas aproximações e seus distanciamentos , de modo bem fundamentado.

Não se limitando recorrer aos clássicos,como representantes das correntes mencionadas,também dialoga com diversos dos respectivos representantes,na contemporaneidade.Percorre obras fundamentais de Carlos Alberto Torres, Enrique Dussel, Moacir Gadotti, Álvaro Vieira Pinto,Roland Corbisier,Helder Câmara, Ernane Fiori, Manfredo Berger, Vanilda Paiva- para mencionar apenas alguns de uma extensa lista. 

Não surpreende, destarte, o leque de conceitos e categorias de ( ou associadas a) universo vocabular frereano, resultantes de tão fecundo e instigante diálogo de saberes. Em inúmeras passagens deste livro, deparamo-nos com conceitos e categorias tais como: “Transculturalidade”, “Intransitivação”, “Anadialética” (Enrique Dussel),”Interconscientização”(Freire) “Transitivação” (Freire) “Diálogo” (Freire)” “Inacabamento” (Freire)”,

 Totalidade” (Heegel/ Marx)”, Ser mais” /”Ser para si” (Hegel), “Conscientização” (Freire)…

Ainda no tocante à sua estratégia teórico-metodológica, ou à sua abordagem teórico-conceitual,cumpre bem ressaltar um outro traço não menos relevante em sua pesquisa: o exercício da interdisciplinaridade, bem como da “transdisciplinaridade”.

Em consequência de tal abordagem, o autor cuida de trazer à tona, sempre de modo interconectado, todo um conjunto de saberes disciplinares, interdisciplinares e transdisciplinares, graças ao que faz apelo seja à Filosofia ,seja ao campo científico ( Antropologia, Sociologia, Pedagogia, Ciência da Linguagem), bem como dos saberes populares, dos saberes artísticos, dos saberes religiosos, dos saberes técnicos…

É assim que prossegue, em sua análise percuciente dos traços epistemológicos da pedagogia freireana. Ao fazê-lo, empenha-se em destacar um amplo conjunto de elementos gnosiológicos observáveis na obra de Paulo Freire.

Na elaboração teórica do conhecimento, exercitada por Paulo Freire, vêm à tona marcas relevantes, a exemplo de sua universalidade. Justamente por ter percorrido esses caminhos acima resumidos, é que Paulo Freire se mostra como um arguto Pensador, cujo filosofar transpõe barreiras e limites regionais, logrando, estender-se a uma escala mundial, à medida que seu estilo de filosofar se radica, antes de tudo, no chão da história, no cotidiano dos humanos, em sua relação entre si e com o mundo. Destaca, ainda, o cuidado de Freire em reconhecer o inacabamento dos humanos, sem ignorar suas enormes potencialidades.

É da consciência de seu inacabamento, que os seres humanos passam a galgar, de modo processual, patamares mais elevados, em seu processo de humanização.

Seu senso de universalidade fundamenta-se em sua disposição e auto-vigilância de não reconhecer, entre os humanos, qualquer superioridade de natureza cultural, ou de outras qualidades características dos humanos e dos contextos sócio-culturais respectivos.É, também assim, que refuta radicalmente qualquer legitimidade a pretensões de superioridade, tais como o eurocentrismo ou mesmo as categorias historicamente disseminadas, tais como expressas pelo conceito “primeiro mundo / segundo mundo/terceiro mundo “… ainda que, em várias de suas linhas, acabe recorrendo a semelhantes expressões, tem consciência de sua imprecisão. O mesmo se dá, em relação a tantos outros conceitos e categorias, como no caso das relações sociais de gênero. Reconhece as críticas a ele dirigidas pelas mulheres, por pretender e por utilizar o termo “homem”como capaz de abarcar o conjunto dos humanos, inclusive das mulheres. reconhecimento que se pode observar em passagens como a que ocorre em seu “Pedagogia da Esperança”, em que Freire trata de fazer uma releitura da “Pedagogia do Oprimido”, mais de 20 anos depois da publicação deste último.

O livro também da prova dá capacidade de seu autor, de exercitar uma leitura aguçada de outras categorias freireanas.É, por exemplo, o caso do conceito “diálogo”. Diferentemente do entendimento conferido por figuras de referência da filosofia grega, a exemplo de Platão, em Paulo Freire o sentido de Diálogo traz uma conotação radicalmente distinta à medida que se trata de um exercício entre interlocutores situados no mesmo plano de igualdade e dignidade de tal sorte que um não se situe em plano hierárquico em relação ao outro, em que ambas as partes se ponham na condição de aprendizes uma da outra, em que um polo desta relação não se suponha acima da condição dialogante do outro polo, em que ambos ou ambas busquem intercambiar experiências capazes de inspirar o outro ao outro inspirados em suas respectivas situações existenciais. Trata-se de um exercício de comunhão, como Freire sugeria em seu conhecido livro “extensão ou comunicação ? “tal sentido de diálogo provoca verdadeira revolução na qualidade das relações sociais e intersubjetivas.

Outro elemento gnosiológico sublinhado pelo autor, em sua análise da teoria do conhecimento em Paulo Freire, corresponde à profunda ressignificação que este autor confere a uma adequada avaliação das relações e dos significados entre os saberes humanos (filosófico, científico, técnico, popular, artístico, religioso… ) aqui, também, se observa um salto qualitativo revolucionário na ressignificação dos termos dessas relações, de modo a refletir sua reconhecida dimensão de universalidade, à medida que empreende uma justa e equitativa avaliação entre diversidade de saberes, sem deixar de reconhecer as especificidades de cada um deles, mas entendendo os complementares, ante a totalidade do conhecimento da realidade.

Desde o primeiro Capítulo, sem qualquer hiato com o que foi exposto na introdução, trata de induzir-nos a várias dimensões gnosiológicas presentes na obra freireana, não sem relacioná-las a múltiplas contribuições, no mesmo campo gnosiológico, com os quais Paulo Freire apresenta afinidades relevantes, com umas mais do que com outras. É, sobretudo, no segundo capítulo que o autor passa a aprofundar diferentes liames do pensamento freireano com outras contribuições com as quais se percebe um diálogo explícito ou implícito. O autor cuida, então, de fazer um percurso por uma série de correntes – cerca de 7 -, buscando trazer à tona elementos significativos de interlocução com a obra de Paulo Freire Permite-nos, assim, passear por várias correntes de pensamento, bem como seus respectivos representantes mais reconhecidos, que, de alguma forma, apresentam sintonia gnosiológica. O Legado da obra freireana neste sentido, rememora, a justo título, várias correntes de pensamento, tais como o Marxismo, a Fenomenologia,o Existencialismo, o Personalismo, A fenomenologia, a filosofia da linguagem, a Teologia da Libertação e outros enfoques antropológicos que Paulo Freire, em sua obra, toma como referência ou alvo de interlocução.

No caso específico da corrente marxista, acentua sobretudo a própria figura de Marx, ainda que não descuidando de outras expressões desta corrente, A exemplo de Antonio gramsci, de Marcuse e outros. Quanto à corrente fenomenológica, traz- nos à cena vários representantes, inclusive Heidegger. Quanto a corrente existencialista, também sublinha a importância de figuras como Jean-Paul Sartre, trazendo-nos algumas de suas obras, tais como “questão de método”, como referência de diálogo implícito com Freire relativamente a teologia da libertação, apresenta-nos várias figuras de destaque: Gustavo Gutiérrez, Leonardo Boff, José Comblin, Frei Betto, Luiz Alberto Gomes de Souza, entre outros. Quanto a outras correntes como a corrente do personalismo e do humanismo, discorre com representantes tais como Mounier, Eric from e outros.

Uma marca substantiva do modo freireano de elaboração gnosiológica reside no lugar privilegiado que ele atribui à busca da verdade, demonstrando seu incondicional apreço à esta busca, como, a justo título, assinala Marcelo B. Oliveira. Freire também se vale da Tese II, das onze que Marx contrapõe ao pensamento de Feuerbach de que não é pelo discurso, mas pela prática que se obtém o critério de comprovação da verdade.  Agrada-nos ter isto presente, sobretudo nesses tempos de “pós-verdade”, de constantes “fake news” e outras estratégias do tipo. 

 

A Pedagogia freireana também dialoga fortemente com Gramsci, inclusive no que toca ao reconhecimento de todo o ser humano como ser que exercita o filosofar, não sendo este apanágio de eruditos. Daí a qualidade do diálogo que freire empreende também com as pessoas mais simples. Isto se estende diretamente ao processo educativo, no qual educadores e educandos aprendem uns com os outros, a partir de suas experiências concretas, de seus saberes prévios. Trata-se do reconhecimento da dimensão discente de todo educador, de toda educadora, bem como da dimensão docente dos educandos e educandas. 

 

Freire ainda se mostra inspirado em Gramsci sob outros aspectos, um deles tem a ver com o compromisso de todo educador, de toda educadora em compartilhar seus saberes com os estudantes, comprometendo-se e buscando fazê-los passar de um patamar inicial de conhecimento a outro mais elevado. Em outra tese de Marx a terceira dirigida em contraposição a Feuerbach, tem a ver com o compromisso de todo verdadeiro educador, de toda educadora de estar sempre em processo de educação, educando-se e reeducando-se.  

 

Do ponto de vista da linguagem, Marcelo B. Oliveira chama a atenção para uma qualidade fundamental do educador, da educadora: a de cultivar uma linguagem compreensível pelos educandos e educandas, de modo a desfazer-se de jargões ininteligíveis tão frequentes nos meios acadêmicos. Tal compromisso constitui uma condição para que o educador, a educadora se aproxime cada vez mais da gente simples e dela nunca se distancie, sob pena de não lhe ser fiel, nos compromissos mais relevantes relevantes.

 

Estes breves registros nos sirvam para expressar um reconhecimento público do trabalho do filósofo Marcelo B. Oliveira, cuja análise dos fundamentos da teoria do conhecimento em Paulo Freire se reveste de um caráter percuciente e heurístico, à altura dos bons interlocutores freireanos. 

 

João Pessoa, 1 de julho de 2020.