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Mensagem do Papa Francisco

“Regina Coeli,” 02-04-2021

Caros irmãos e irmãs,

No Evangelho deste quinto Domingo de Páscoa, o Senhor se apresenta como a verdadeira videira e fala de nós como ramos que não podem viver sem permanecerem a Ele. Ele diz assim: “Eu sou a videira e vocês são os ramos”. Não há videira sem ramos, e vice-versa. Os ramos não são auto-suficientes, mas dependem totalmente da videira, que é a fonte da sua existência.

Jesus insiste no verbo “permanecer”. Ele o repete umas sete vezes na passagem do Evangelho de hoje. Antes de deixar este mundo e ir para o Pai, Jesus quis tranquilizar Seus discípulos para que possam continuar unidos a Ele. Ele diz: “permaneçam em Mim e Eu permanecerei em vocês”. Este “permanecer” não é um permanecer passivo, um adormecimento no Senhor, deixando-se levar pela vida. Não, não é isto. O permanecer Nele, o permanecer em Jesus que Ele nos propõe é um permanecer ativo, e também recíproco. Por que? Porque os ramos sem a videira nada podem fazer, têm necessidade da seiva para crescerem e dar fruto; mas também a videira precisa dos ramos, porque os frutos não despontam no tronco da árvore. Trata-se de uma necessidade recíproca, é um permanecer recíproco para produzir fruto. Nós permanecemos em Jesus e Jesus permanece em nós.

Antes de tudo, nós temos necessidade Dele. O Senhor nos quer dizer que, antes da observância dos Seus mandamentos, antes das bem-aventuranças, antes das obras de misericórdia, necessitamos estar unidos a Ele, permanecer Nele. Não podemos ser bons cristãos, se não permanecermos em Jesus. Ao invés, com Ele, tudo podemos. Com Ele, tudo podemos.

Mas também Jesus, assim como a videira com os ramos, tem necessidade de nós. Talvez pareça uma ousadia dizer isto, e então nos perguntamos: em que sentido Jesus tem necessidade de nós? Ele precisa do nosso testemunho. O fruto que, enquanto ramos, devemos produzir é o testemunho de nossa vida cristã. Depois que Jesus subiu para o Pai, é dever dos discípulos – é dever nosso – continuar o anúncio do Evangelho, com a Palavra e com as obras. E os discípulos – nós, discípulos de Jesus – o fazem testemunhando Seu amor: o fruto a transmitir é o amor. Ligados a Cristo, recebemos os dons do Espírito Santo, e assim podemos fazer o bem ao próximo, fazer o bem à sociedade, à Igreja. Pelos frutos se conhece a árvore. Uma vida verdadeiramente cristã dá testemunho de Cristo.

E como podemos consegui-lo? Jesus nos diz: “Se vocês permanecerem em Mim e as Minhas palavras permanecerem em vocês, podem pedir o que quiserem e isto lhe será feito”. Também isto é uma ousadia: a segurança de que o que pedimos nos será dado. A fecundidade da nossa vida depende da oração. Podemos pedir que pensemos como Ele, que ajamos como Ele, que vejamos o mundo e as coisas com os olhos de Jesus. E assim amarmos os nossos irmãos e irmãs, a começar pelos mais pobres e sofredores, como Ele fez, e amá-los com seu coração e levar ao mundo frutos de bondade, frutos de caridade, frutos de paz.

Confiemo-nos à intercessão da Virgem Maria. Ela sempre permaneceu unida a Jesus e produziu muito fruto. Que ela nos ajude a permanecermos em Cristo, em Seu amor, em Sua Palavra, para testemunharmos no mundo o Senhor Ressuscitado.

Trad: AJFC

Digitação: EAFC

Páscoa como resistência

A Páscoa como relação e resistência

Neste 3º domingo da Páscoa, o evangelho de Lucas (Lc 24, 35- 48) nos pinta um retrato da comunidade dos discípulos e discípulas de Jesus bastante sombrio. De acordo com o texto, os discípulos, reduzidos a onze, estavam fechados em uma sala, aprisionados pelo medo e pela descrença. Provavelmente, esta realidade era como se sentia o pequeno grupo de cristãos na região da Judeia ou no norte da Síria nos anos 80. Os romanos tinham destruído Jerusalém e o templo. Os cristãos tinham rompido com o Judaísmo e os rabinos os tinham expulsado da sinagoga. Eles estavam sem saber o que fazer e sem segurança em quem e em que ainda acreditar. Estavam assustados, preocupados e com muitas dúvidas. Sentiam-se culpados por não serem capazes de defender publicamente suas posições. Como os apóstolos no tempo de Jesus.

De acordo com os evangelhos, na hora em que Jesus foi preso, eles fugiram e o abandonaram nas mãos dos seus inimigos. É a este grupo que, depois da Páscoa, Jesus se faz ver. Eles abandonaram Jesus, mas Jesus não os abandona. O problema deles é que tinham de abrir os olhos para ver a presença do Cristo ressuscitado em meio a eles ou entre eles e elas. (O Cristo ressuscitado presente na própria comunidade).

O texto não descreve o Ressuscitado, nem diz como ele se manifestou. A atenção do evangelista não se centra na pessoa do Ressuscitado. Realça mais a relação que Ele estabelece com os discípulos. Primeiramente lhes comunica o dom da Paz. Não só deseja que tenham a paz. Faz mais do que isso. Traz para eles a Paz. A surpresa foi que no lugar de se alegrarem ao vê-lo, eles se assustam mais ainda.

Nas culturas antigas, quando alguém era morto de forma violenta e não era bem sepultado, o seu espírito ficava vagando pelo mundo e aparecia aos vivos para se vingar. E aquele grupo se sentia culpado por ter fugido e abandonado o mestre. E Jesus foi morto violentamente e sepultado às pressas sem que os parentes ou amigos pudessem cumprir os ritos fúnebres. Enterraram-no apressadamente porque já era sexta feira no final da tarde e depois do cair do sol seria o Sábado da Páscoa. Então, agora, naquele domingo, ao verem Jesus, pensavam estar vendo um fantasma. Por isso, Jesus insiste em mostrar suas feridas nas mãos e nos pés e come diante deles pão e peixe assado. Sempre que Jesus ressuscitado aparece, a primeira pergunta que faz é sempre: Vocês têm aí alguma coisa para comer?

Hoje, no Brasil, Jesus ressuscitado aparece mostrando as consequências de uma pandemia assassina e de um governo aliado da pandemia. As feridas do corpo de Cristo hoje tomam as formas das diversas formas de sofrimento que as pessoas enfrentam nas UTIs de hospitais ou pior ainda aonde caem doentes sem atendimento apropriado. E a pergunta sobre o que comer denuncia o sofrimento de 120 milhões de pessoas que no Brasil vivem, hoje, em situação de insegurança alimentar.

Esta cena na qual Lucas conta a manifestação de Jesus Ressuscitado na comunidade é como um apelo à resistência dos discípulos e discípulas naquela terrível situação de crise e desolação pós-guerra e situação de exclusão religiosa que eles experimentavam.

Hoje no Brasil, não vivemos uma situação de profunda desolação como em uma guerra que a cada dia perdemos milhares de pessoas? Nas Igrejas, há muita coisa boa, muita solidariedade e muito caminho bom de cristãos e cristãs. A profecia de padres como Júlio Lancelotti e de pastores como Henrique Vieira ou Romi Bencke nos alegra e conforta. Mas, ainda há boa parte das Igrejas presa somente ao Cristianismo ritual do templo e a uma interpretação da fé e modo de falar de Deus que a ressurreição de Jesus veio subverter.

Nesta cena do evangelho de hoje, Jesus faz com os discípulos uma releitura da Bíblia para que a interpretem de um modo diferente, a interpretem a partir da ressurreição e lhes confirma na missão de serem testemunhas desta resistência na fé e no amor que é, como dizia Pedro Casaldáliga: espalhar ressurreição por este mundo. Ao ler e ouvir este evangelho neste momento que vivemos, se torna importante que, hoje, façamos a mesma coisa, reler os textos bíblicos de modo que possam nos dizer alguma coisa de novo sobre nossa missão de testemunhas da ressurreição hoje.

(17-04-2021)

Adoro Te Devote

Adoro te devote, latens Deitas

Deus de Amor, nos pequenos Tu te escondes

Nos Sem-teto, nos Sem-terra, eis bem onde

Tu te encontras, ao seu lado Tu te deitas

Aos que nesta endemia míngua receita

Crescem as trevas, e os sentidos já são falhos

Filhos choram e já não há mais trabalho

Só lhes resta a esperança que lhes dás

Juntamente à ação de buscar paz

Só de Ti – eles dizem – é que me valho

 

Ao soberbo, ao ricaço, Tu ocultas

Teu tesouro aos pequenos só revelas

E nos dás contemplar as coisas belas

Teu mistério escondendo a gente “culta”

Ao humilde penitente Tu indultas

E socorres, bondoso, aos aflitos

Da penúria dos pobres ouves o grito

De seus tronos derrubas o tirano

Nos movendo a lutar contra os insanos

Tu perdoas a quem se faz contrito

 

Quinta e Sexta são dias de deserto

A buscar um sinal que nos ajude

A assumir de Jesus a atitude

Ao Domingo estando sempre abertos

Do pequeno a serviço, sempre perto

Nos dispondo a mudar-nos, e ao sistema

Produtor de miséria e fome extrema

Combatendo o furor das distopias

Que a Natura e os humanos avaria

Na Esperança da Páscoa – eis nosso lema

 

João Pessoa, 02 de abril de 2021 (Tríduo Pascal)

Formação missionária, hoje: desafios, apelos e compromisso

Uma primeira inquietação que cuidamos de expressar, tem a ver com  o entendimento de “Missão” como uma  experiência que também comporta uma dimensão comunicativa, inclusive vocabular. A Missão, como sabemos, é uma busca de resposta fiel a um chamamento. Sendo uma experiência, também pode ser avaliada, ainda que de modo limitado, pela propriedade ou impropriedade dos termos empregados.

A exemplo de tantas outras expressões, inclusive as que se referem ao ambiente acadêmico, tende ao desgaste sofrido pelas palavras, pelas expressões, pelas categorias, isto se dá, sobretudo, em épocas de pós-verdade, como os tempos em que estamos vivendo. O termo  “Missão” é derivado do verbo Latino “mittere” (enviar), nos remetendo a um exame inicial do seu significado. Julgamos, com efeito, pertinente destacar o sentido etimológico de “Missão” – do verbo mittere ( mito, mitis, misi, missun, mitere). Este exercício etimológico nos ajuda a entender melhor o que estamos a dizer com a palavra “Missão”. Na verdade, o ato de enviar implica saber também: quem chama, chama a quem e envia a quem? Quem chama e envia, o faz em que contexto? Envia para o meio de quem, e envia para proceder de que modo? Com certa frequência, em especial, em função das emissões rádio-televisivas protagonizadas por Igrejas ( Católica, Reformadas…) , temos a impressão de que se trata, por vezes, de entendimento no mínimo incompleto, para não dizer equivocado, à medida que passam uma ideia de Missão como algo fundamentalmente ligado aos planos daquela rede ou, quando  muito, esgotando-se na esfera eclesiástica. Isto contribui notavelmente para um certo ocultamento do próprio Evangelho, do próprio Jesus, a figura que nos envia. Para não poucos cristãos – católicos, ortodoxos e reformados -, prevalece o sentimento de que, ao realizarem suas atividades, suas tarefas, o fazem sobretudo em nome da igreja, restando pouco visível a verdadeira fonte da Missão: o Deus de Jesus de Nazaré. Daí decorrem não poucos equívocos e distorções. Os missionários e missionárias são vistos, com mais ênfase, como meros membros ou funcionários de uma instituição ou empresa  do que como enviados e enviadas pelo próprio Jesus. Em sendo enviados e enviadas apenas de uma instituição eclesiástica, seu compromisso mais forte se verifica para com a própria instituição e, apenas em segundo plano, com Aquele que os enviou. Em outras palavras, não poucos ditos missionários e missionárias se sentem e agem mais como funcionários de rede rádio-televisivas ou de comunidades religiosas , ao interno da respectiva igreja, bem menos como pessoas animadas pelo Espírito do Ressuscitado, ainda que por intermédio de sua Igreja, Tal entendimento que secundariza a fonte primeira, o Evangelho, faz ouvidos moucos à Palavra de quem envia: ”Não foram vocês” que me enviaram, mas fui eu quem os/as enviou, para que vocês vão e dêem fruto e este fruto permaneça.” ( Jo 15, 16).  Atitude que também se desdobra em uma série de outros equívocos, muitos dos quais profundamente nocivos ao Reino de Deus e sua justiça. Adere-se, não raramente, mais a uma igreja do que ao Reino de Deus,  ao apelo Daquele que envia, o Espírito do Ressuscitado.

Nas linhas que seguem, movido pela necessidade de nos situar perante esse pandemônio de opiniões emitidas acerca de Missão, cuidamos de compartilhar alguns aspectos que entendemos centrais na compreensão de Missão: quem chama, chama a quem e envia a quem? Quem chama e envia, o faz em que contexto? Envia para o meio de quem, e envia para proceder de que modo? Em seguida, cuidamos de situar o que entendemos como relevantes desafios em nossa caminhada atual, no que toca à ação missionária. Antes disto, tratamos de sublinhar a importância de se trazer presente os desafios do atual contexto. Outro aspecto que destacamos, neste texto, tem a ver com os apelos mais fortes que o exercício missionário nos convida a reconhecer e a atender.  Por fim, acentuamos alguns compromissos que nos ajudam a manter uma ação missionária que se queira no seguimento do movimento de Jesus, é algo que supõe um processo formativo daqueles e daquelas que são chamados ao exercício da Missão proposta por Jesus, por meio do seu Espírito, que nos anima, diante dos grandes desafios do mundo presente.

Um dos graves equívocos em que se tem incorrido, quando não se tem clareza do significado próprio de Missão, consiste na substituição da fonte originária do envio, isto é, do próprio Jesus – Ele mesmo, o Enviado do pai (cf. Jo: 3, 34.). Com a instituição eclesial, que serve de mediação para a efetivação do chamamento em se substituindo à fonte originária, o Espírito do Ressuscitado, pela ação mediadora da comunidade eclesial, passa-se a se comportar como um funcionário desta ou daquela igreja, ao tempo em que se esquece ou se secundariza Aquele que nos envia. É claro que tal confusão implica em graves erros, à medida que perdemos de vista a figura de Jesus e, por conseguinte, seu apelo originário a cada um, a cada uma daqueles e daquelas chamados por Ele.

Com frequência, corre-se o risco de reduzir-se o campo de Missão ao território paroquial, enquanto muitos – a enorme maioria – daqueles e daquelas a quem se vai para anunciar Boa Nova do Reino de Deus e sua justiça, acabam sendo esquecidos ou marginalizados, uma vez que os/as que frequentam a paróquia constituem uma ínfima porção dos destinatários e destinatárias desta Boa Nova.

Equívoco em que se costuma incorrer também tem a ver com o próprio conteúdo da Boa Nova a ser comunicada. Quando não se tem clara a natureza da Missão a que Jesus nos chama, tende-se a confundir o conteúdo da mensagem, não com a fonte originária que nos confiou a Missão, mas com conteúdos mais do interesse institucional, de auto-preservação, do que com o que o Espírito do Ressuscitado nos manda anunciar e testemunhar.

No que diz respeito a como, isto é, a forma de atuação dos Missionários, das Missionárias, importa ter presente, de modo igual, a relevância do jeito do método, do modo de atuar. Diferentemente do modo predominante em muitas instituições eclesiásticas, inclusive ao interno da Igreja Católica Romana é fundamental ter presente a necessária humildade de quem se dispõe ao trabalho missionário, buscando evitar a impressão por tantos deixada, de que o aprendizado é algo exercitado apenas pelas comunidades alvo da Missão, quando devemos lembrar que missionários, missionárias e comunidades onde se realizam estas Missões, todos somos chamados à evangelização comum uns dos outros, uns aprendendo e compartilhando com os outros. Nunca se tendo uma atitude de que o missionário, a missionária seja portador exclusivo da Boa Nova, cabendo-lhe, ao contrário, perceber os sinais da presença do verbo naquelas situações de Missão.

 

O exercício da Missão requer um processo de formação 

Isto, no entanto, passa necessariamente por todo um processo contínuo de formação missionária. Lembremos o precioso tempo que Jesus dedicou ao processo de formação dos seus discípulos e discípulas a começar pelos apóstolos. Sua intensa convivência com seus discípulos e discípulas sempre implicava uma tarefa de formação, de preparação de instrução, de testemunho missionário, por parte de Jesus, Ele mesmo o Enviado do pai, o missionário por excelência.

Mas, de que formação se trata? Seria algo análogo ao que se passa em uma escola convencional ou mesmo em uma universidade? Ora, os espaços formativos oficiais tem uma característica própria, não se trata de uma formação contínua, permanente. O tempo da escola ou da universidade dura apenas alguns anos, diferentemente da formação missionária, na perspectiva do movimento de Jesus, implica dedicação permanente, por toda a vida, tanto dos formandos quanto dos formadores. Uma escola ou uma universidade, em sua maioria ou quase totalidade, controlada pelo Estado e pelo Mercado, não tem compromisso com a continuidade do processo formativo. Passados 4, 8, 10 anos, acaba o tempo da formação, os formandos, as formandas, uma vez tendo adquirido seu diploma, cuidam de sua vida profissional, que nem sempre tem uma exigência de continuidade formativa.

Outras que devem ser observadas: uma marca da formação missionária, na perspectiva da tradição de Jesus, tão fortemente lembrada pelo padre José Comblin, é a necessidade de formandos e formandas, formadores e formadoras se terem, antes de tudo, como aprendizes uns dos outros, até porque só reconhecem um único Mestre, Jesus de Nazaré. Outra diferença tem a ver com o exercício do protagonismo. Neste caso, formandos e formadores são chamados a exercerem um protagonismo, cada grupo ao seu modo, conforme seus dons, conforme sua função no processo formativo. Todos, no entanto, são chamados a tomarem parte nas decisões, em todos os momentos do processo formativo, seja na concepção do projeto formativo a ser realizado, seja na concepção, seja no planejamento, seja na implementação, seja na avaliação, seja igualmente no necessário processo de acompanhamento permanente.

Outra diferença também se observa quanto aos conteúdos oferecidos e quanto à metodologia seguida. Com relação aos conteúdos, trata-se de adotar critérios inspirados na vocação ao seguimento de Jesus, nas comunidades cristãs primitivas, nas experiências formativas, ao longo da história, que tiveram comprovação de sua eficácia, pela observação dos frutos oferecidos. Trata-se, portanto, de enfrentar temas os mais variados e de modo interconectado (tratando-se de um trabalho intertemático), decorrentes da conjuntura social e eclesial, bem como de estarem apontando para a necessidade, não apenas de uma compreensão intelectual do que se passa na realidade, mas também de pensar passos concretos de superação dos desafios identificados, seja no campo da sociedade civil e dos movimentos sociais populares, seja no campo eclesial.

Com efeito, o processo de formação missionária, na perspectiva da tradição de Jesus, seguida atentamente pela pedagogia de José Comblin, comporta uma série de requisitos. É uma formação que parte de um horizonte, do Reino de Deus. É um processo formativo que supõe um constante exercício da memória de Jesus e seus discípulos e discípulas, tarefa eminentemente cumprida pela ação profética, conduzida pelo Espírito do Ressuscitado. Constitui um processo de formação que assume o compromisso de superação entre teoria e prática, discurso e realidade. É um processo formativo que conjuga uma dimensão eminentemente pessoal com com uma dimensão fortemente comunitária, daí a necessidade de um processo formativo que se faça no convívio, na convivência fraterna dos participantes, quer se trate dos formandos, das formandas, quer se trate dos formadores, das formadoras. É um processo formativo que conjuga, de maneira orgânica, conteúdos e metodologia. A este respeito, tomamos a liberdade de recomendar a leitura do texto que orienta o primeiro ano do curso de formação da Associação Árvore, mais precisamente o curso base, editado pela Paulinas, há alguns anos. Nele se constata, de maneira enfática, o esforço contínuo de conjugação, de conexão dinâmica entre os conteúdos oferecidos. Naquele texto referente ao 1º ano do curso da Árvore, são propostos como temas 7 assuntos: 1. Igreja Comunidade; 2. O mundo dos pobres; 3. A Missão; 4. Vocação; 5. Oração; 6. Ministérios; 7.Povo de Deus. Com relação à metodologia vivenciada, o livro “Curso base”, propõe 8 passos a serem vivenciados: oração inicial, motivação, troca de experiências, caixa de retratos, história dos Santos, trechos de documentos da Igreja, nossa ação, oração final.

Mencionamos este exemplo como um meio de destacar o lugar privilegiado, no processo de formação missionária, atribuído à dinâmica e orgânica conexão entre conteúdos e metodologia. Acrescentando a observação de que o curso acentua bastante a intensa participação de formandos e formadores de modo a não permitir que a pessoa encarregada de animar/facilitar o curso seja entendida como um professor convencional, uma professora comum, a quem compete tudo transmitir, cabendo aos formandos apenas uma escuta passiva. Trata-se, ao contrário,de um processo formativo revolucionário, no sentido de levar a sério o protagonismo do conjunto de participantes deste processo.

Em que contexto, e que desafios somos chamados a enfrentar?

Com relação aos desafios mais relevantes que somos chamados a enfrentar, no exercício da Missão, destacamos os que consideramos mais tocantes. Um primeiro desafio tem a ver com a natureza da atual conjuntura Mundial, tanto no que toca aos aspectos macro sociais, quanto no que diz respeito à caminhada cristã, em nossas igrejas. Com efeito, os tempos de grave pandemia, de crise sanitária que enfrentamos, vem associada a outras crises não menos graves, tais como a crise socioambiental, a crise econômica, a crise política, a crise ética, a crise religiosa, entre outras. No caso da pandemia sanitária, ela vem organicamente associada às demais manifestações de crise acima mencionadas. É, por exemplo, o caso dos vínculos estreitos que a atual pandemia sanitária guarda com as agressões profundas que vem sofrendo a Mãe-Natureza, razão por quê os estudiosos apontam o comportamento dominante dos seres humanos como uma das causas do aparecimento do vírus que nos acomete, com seu enorme potencial letal, de modo a ter provocado até o presente, mais de trezentas mil mortes no Brasil, tendo chegado até a uma média diária de mais de três mil mortes.

Também, no caso do Brasil, vem sendo deletério o comportamento dos setores dominantes – as grandes transnacionais, o agronegócio, as grandes empresas de mineração, a agropecuária, entre outros fatores – vêm correspondendo a fatores determinantes das mais profundas degradações do nosso meio ambiente, bem como dos povos originários, das comunidades quilombolas, das comunidades ribeirinhas, dos agricultores, bem como de tantos grupos componentes da maioria da sociedade brasileira. Nossa querida Mãe Terra geme em profundas dores, e, com ela, seus filhos e filhas, não apenas os humanos, também os de outras espécies. Sofrem com os incêndios criminosos da floresta, sofrem pela invasão de seus territórios pelas práticas criminosas de garimpos ilegais, sofrem pelo espalhamento de agrotóxicos a envenenarem nosso solos, nosso subsolo, nossas fontes, nossos rios, nossas plantas, nossos animais, e a nós próprios que consumimos veneno, por conta da ambição do lucro de grandes empresas da monocultura e de outras atividades desrespeitosas de nossa Mãe Natureza. Somos chamados e chamadas a, não apenas expressar nosso sentimento de dor e de oposição a estas práticas, mas também a agirmos em defesa de nossa Mãe Natureza e de toda a criação, enquanto missionárias e missionários fiéis ao seguimento de Jesus.

Vivemos, ainda, além de uma crise sanitária profunda e uma crise socioambiental sem precedentes e sua estreita vinculação com a grave crise econômica que nos acomete, também uma crise política de enormes consequências. Movidos por um ódio cego a determinada força política, os eleitores brasileiros, em sua maioria, induzidos pela elite escravagista brasileira, acabaram cometendo um erro gravíssimo: o de elegerem para presidente e para representantes, no âmbito do congresso, pessoas, na enorme maioria, sem compromissos efetivos com a causa da vida do Planeta e dos humanos. Há três anos, amargamos terríveis consequências de um desgoverno descomprometido com a causa da vida do planeta e dos humanos, bem assim dos brasileiros e brasileiras. Uma gestão que se vem comprovando, dia após dia, desde o golpe perpetrado em 2016 e reeditado, ao seu modo, em 2018, um quadro deletério, de desordem generalizada.

A essas crises também importa acrescentar uma outra, de dimensão ética. Trata-se de uma completa inversão de valores: em vez de um compromisso assumido pela vida ambiental, sanitária, econômica, política, cultural do nosso povo, eis que as práticas governamentais e outras se tem, em grande medida transformado em práticas genocidas, racistas, misóginas, androcêntricas, ptocofobicas, ecocidas, desrespeitosas dos valores em defesa e em promoção de uma vida em plenitude. E o que é pior: muitas vezes, estes males são praticados em nome de Deus, em nome do cristianismo, convertendo-se exatamente no oposto do que foi anunciado e testemunhado por Jesus de Nazaré e a sua Tradição.

No plano interno às igrejas cristãs – Igreja Romana, Igrejas Ortodoxas, Igrejas Reformadas – , são igualmente de monta os desafios que nos cercam. Um primeiro aspecto pode ser observado em nossa incapacidade de ler a realidade em volta, de modo crítico, isto é, com critérios pertinentes à tradição de Jesus. Por vezes, temos a impressão de que incide sobre nós aquela alegoria referida no Salmo 115, atinente aos Deuses: temos olhos, mas não enxergamos; temos ouvidos, mas nos comportamos como surdos; temos boca, mas silenciamos, quando nos é mandado falar, denunciar, anunciar. Muitas vezes, por demais confiantes em que Deus fala por nós, sem nos exigir qualquer esforço de criticidade, pondo-nos a julgar e condenar o mundo, sem reconhecermos nossos próprios limites. Muitos de nós, ao estarmos por demais convencidos de que somos melhores do que os outros, aferrando-nos ao título de missionários e missionárias (leigas, leigos, religiosas e religiosos, diáconos, presbíteros, bispos e pastores, pastoras…), sucumbimos à tentação de pararmos acima dos demais, a quem nós dizemos comprometidos a evangelizar, mas, por outro lado, indispostos a perceber nestas mesmas pessoas e comunidades a presença da Boa Nova, em sua convivência. A consequência desta atitude não é outra senão a de cometermos os mesmos ou ainda maiores pecados que vemos nas outras pessoas, nas outras comunidades. Sobre isto, mais adiante, voltaremos, lembrando um episódio envolvendo o padre José Comblin, quando convidado a comemorar importante data da presença e da atuação de missionários “Fidei donum”, no Brasil, na Paraíba.

Na conversão, a que somos diariamente chamados e chamadas, temos a tentação de atribuir apenas aos outros, esquecidos do alerta paulino: “quem estiver de pé, cuide para não cair” (1 Cor 10,12).

 

Quais apelos sentimos da parte do Espírito do Ressuscitado?

Vem-nos à lembrança a conhecida passagem do Livro do Apocalipse, relatando o que o Espírito tem a dizer às diferentes igrejas (a partir de Ap 2). Aí se acham relevantes apelos, e extensivos, também para os missionários e missionárias dos dias de hoje.

Assim como ontem, o Espírito do Ressuscitado segue, também hoje, conduzindo missionárias e missionários pelos caminhos desafiadores que nos cercam. Muitos são os seus apelos pessoais e coletivos. Um deles prende-se à necessidade de termos sempre presente o conjunto das pessoas a quem somos chamados e chamadas a anunciar e a testemunhar a Boa Nova do Reino de Deus. Isso significa, na prática, assumirmos o tão conhecido lema do Papa Francisco, “uma Igreja em saída”. Neste sentido, o Bispo de Roma tem seguidamente dado testemunho da seriedade com que assume este chamado, fazendo seja em seus numerosos pronunciamentos, seja por meio de seus escritos, seja em suas 33 viagens apostólicas, alcançando os cinco continentes. Ao mesmo tempo, este chamamento nos alerta para os graves riscos de ficarmos limitados a uma ação missionária confinada no templo, em quatro paredes, contrastando com o exemplo de Jesus de Nazaré: “As raposas têm suas tocas e as aves do céu têm seus ninhos, mas o Filho do homem não tem onde repousar a cabeça” (Mt, 8:20), e de seus discípulos e discípulas, das Comunidades cristãs primitivas, figuras proféticas de ontem e de hoje, inclusive na companhia do Bispo de Roma e do missionário José Comblin.

Mas é importante, ainda, sublinhar o sentido da Missão e itinerante, tal como aprendemos na experiência missionária do grande Peregrino Jesus de Nazaré e de seus discípulos e discípulas. De certa maneira, só podemos compreender bem o espírito da Missão dentro de uma experiência Itinerante, peregrina, inclusive  nas escolas de Formação Missionária, inspiradas na pedagogia de Padre José Comblin. Esta é uma marca importante, a dos missionários e missionárias peregrinos, itinerantes, a este respeito, vale a pena trabalharmos bem o livro proposto por Frei Roberto Eufrásio de Oliveira, “experiência missionária no nordeste”, em que reflete, compartilha suas atividades missionárias no nordeste, em Sergipe, na Paraíba, em Pernambuco, no Ceará… no processo formativo a dimensão Itinerante há de ser alimentada continuamente, até porque somos todos peregrinos e peregrinos na Terra, chamados a testemunhar e anunciar o Reino de Deus.

Voltando ao que, de leve, acima assinalamos acerca de um episódio vivenciado pelo padre José Comblin, na Paraíba, em meados da década de 1990, quando foi convidado a refletir conjuntamente com outros convidados, sobre a presença dos Missionários “Fidei donum”, no Brasil. Esperava-se do padre José uma reflexão que trouxesse sobretudo elementos de reconhecimento e de aplausos a estes missionários, ele próprio, José Comblin, um desses missionários. As palavras dele, no entanto, sem deixarem de reconhecer a importância da Missão dos “Fidei donum”, no Brasil e na Paraíba foram bem além de tal reconhecimento. O forte de sua reflexão foi pautada em um questionamento incômodo. De tal modo incômodo que, o que estava previsto para refletir-se durante todo um dia, acabou resumindo-se a uma manhã. E de que se tratava? Fazia uma reflexão crítica, avaliativa acerca da tentação e dos riscos corridos, não raramente, por missionários e missionárias europeus ou não nascidos no Brasil, quanto a uma tendência colonialista, isto é, de quem se pretende muito mais a ensinar, “ex-cathedra”, do que a compartilhar, de igual para igual, as experiências que o Espírito do Ressuscitado nos inspira.

Também nos sentimos remetidos, quanto à tentação e aos riscos de uma prática missionária de caráter colonialista, a dois outros episódios, ambos atinentes à experiência missionária da igreja de Crateús, entre os anos 1964 e 1998. Dom Fragoso era o Bispo daquela diocese. Ao receber convidados e convidadas comprometidos com a ação missionária junto aos pobres de Crateús, tinha o cuidados de prevenir aqueles convidados e convidadas a não chegarem de vez com determinada pregação, mas delas e deles solicitava um período de inserção nas várias comunidades urbanas e rurais daquela diocese, com o propósito explícito de permitir um aprendizado prévio com com o povo dos pobres daquela região. Somente após esta experiência de inserção missionária, eram eles e elas convidados a atuarem, de modo mais direto, junto a esta ou aquela comunidade. Assim sucedeu a vários missionários e missionárias da região, diversos dos quais vindos de outros países, como no caso de Padre Alfredo, nosso querido Padre Alfredinho, de saudosa e rica memória. Assim sucedeu, também, a diversas missionárias, vindas ou não de fora da região: por exemplo, à irmã Siebra Oliveira e à irmã Ana Vigarani, entre tantas que lá atuaram.

Outro episódio assinando para a disposição daquele Bispo e de sua equipe de coordenação diocesana dizia respeito à preocupação zelosa do Bispo, quanto ao modo como aquela diocese recebia ajuda de igrejas particulares de outros países. Tal era a preocupação de Dom Fragoso, com relação a evitar que tais ajudas implicassem dependência de toda ordem, que ele sempre cuidava de alertar os doadores quanto à gratuidade de seu gesto, de modo a não implicar qualquer tipo de dependência por conta daquelas ajudas. Dom Fragoso levava esta questão ao ponto de chegar, em determinado período, já nos inícios dos anos 80, a negar toda e qualquer ajuda que implicasse algum tipo de dependência de ordem pastoral ou de outro tipo.

Consequência disto é que frequentemente se passa a impressão de que estes missionários têm sempre a ensinar e pouco ou nada a aprender. Esta tentação e estes riscos, bem o sabemos, não correm apenas os missionários e missionárias não nascidos no Brasil. Também os e as que são brasileiros e brasileiras, especialmente quando vindos de regiões desenvolvidas em direção a comunidades pobres nordestinas, também experimentam esta tentação e estes riscos.

Algo que, por outro lado, nos conforta, nestas situações, é nosso esforço de nos lembrarmos sempre de quem é a autoria da Missão, remeter à fonte do nosso envio, ao Espírito do Ressuscitado que nos conduz a diferentes comunidades, para nelas e com elas aprendermos o que o Espírito tem a dizer a todos nós.

Algo importante que o Espírito Santo não cessa de fazer às missionárias e aos missionários também de hoje, diz respeito à indispensável disposição de abrir-se em diálogo, não apenas ecumênico, mas também inter-religioso. Os missionários e missionárias são chamados a entender o significado do apelo de unidade feito por Jesus, pelo seu espírito, no sentido de reconhecer a presença do Reino de Deus entre todos e todas, independentemente de sua filiação confessional e mesmo independentemente de identificar-se com qualquer crença religiosa.

Outro apelo que o Espírito do Ressuscitado nos dirige, a cada uma, a cada um de nós, tem a ver com o relato do livro do Apocalipse. Assim como as igrejas destinatárias do apelo do Espírito Santo, naquele relato, nós somos chamados e chamadas a examinar nossa atitude de abertura ou de recusa ao que o Espírito tem a nos dizer.

 

À bendita memória do Pe José Comblin, missionário e profeta da liberdade

Ao concluirmos estas linhas, justamente na antevéspera das comemorações do décimo aniversário da Páscoa do padre José Comblin, de quem tivemos a ocasião de compartilhar recentemente cerca de 40 testemunhos, oferecidos quando de sua Páscoa, por meio da Revista Consciência Net, somos instados a nos associar a quantas e quantos lhe prestam justa reverência, pelo seu legado perene, motivo de nossa Ação de Graças ao Deus da vida.

De tantas iniciativas missionárias nele inspiradas, e que tem seguimento também no Nordeste, gostaríamos de destacar apenas uma delas – a iniciativa correspondente às Escolas de Formação Missionária, espalhadas pelo Nordeste e também presente em São Félix do Araguaia. Trata-se de uma experiência que já conta com mais de 30 anos e que vem apresentando frutos abundantes, em nossa região. Alegra-nos reconhecer os bons frutos que vêm sendo colhidos por parte daquelas e daqueles que se têm empenhado na manutenção, na animação das Escolas de Formação Missionária.

Ainda recentemente, o Pe Hermínio Canova, nas páginas do site Teologia Nordeste, teve a oportunidade de nos trazer uma reflexão densa acerca dos frutos destas escolas missionárias. Após ter feito repercutir importante documento elaborado por coordenadores, formadores e formandos destas escolas, em assembleia realizada em Juazeiro na Bahia, expondo as marcas centrais, as características básicas destas escolas, trazendo, inclusive, o perfil de seus formandos e formandas, as características desta experiência, bem como alguns desafios que todos são chamados a enfrentar, também ele, o Pe Hermínio Canova, trata de nos trazer segundas provocações, especialmente no que concerne à necessidade contínua de renovação deste tipo de experiência missionária. Um dos desafios apontados tem a ver com a necessária atualização da própria forma de nos organizarmos, especialmente com relação a um tópico indispensável: a urgência de assegurar um acompanhamento sistemático daqueles e daquelas que concluem a primeira etapa desta caminhada, tarefa que supõe várias equipes que acompanhem os formandos, em suas atividades contínuas. Isto atesta a vitalidade desta experiência missionária plantada, há mais de 30 anos, com o protagonismo de tantas e tantos, inspirados na pedagogia do nosso querido Pe José Comblin, a quem rendemos nosso preito de gratidão.

 

João Pessoa, 25 de março de 2021.

Foto: Pe. José Comblin

A Páscoa de Jesus e a casa de Deus em nós

Neste 3º domingo da Quaresma (ano B), o evangelho é João 2, 13 a 25. Todos os quatro evangelhos se referem a um gesto agressivo de Jesus contra o templo. Os outros evangelhos situam esse incidente na última semana de  Jesus, poucos dias antes de morrer. O evangelho de João o coloca logo no início da missão. Logo depois de fazer o seu primeiro sinal em Caná da Galileia, ele vai a Jerusalém para a Páscoa e faz um gesto provocatório e agressivo em relação ao templo. 

É bom lembrarmos que Jesus ia ao templo ao menos uma vez por ano. Portanto, estava habituado a ver no átrio do templo o pátio dos vendedores de animais para os sacrifícios e os cambistas. Sempre funcionou assim. Por que, então, de repente, dessa vez e só dessa vez, pega um chicote de cordas e expulsa os vendedores do átrio do templo. De acordo com o evangelho, briga mais diretamente com os vendedores de pombas. Como as pombas eram vendidas aos mais pobres, Jesus diz: “Tirem isso daqui. Não façam da casa do meu Pai um mercado”.

Ao verem isso, os discípulos interpretam no sentido da tradição judaica. O evangelho diz que eles lembram o salmo 69 que diz: O zelo da tua casa me consome. Então, pensam que Jesus teria sido movido por este zelo com a casa de Deus. Jesus queria purificar o templo, profanado pelo mercado. Até hoje, muitos padres e pastores entendem assim. Há até Bíblias que intitulam esta cena: “A purificação do templo”. E assim se continua a fazer divisão entre religião e vida, material e espiritual, fé e política.

Jesus não queria purificar templo nenhum e a comunidade de João sabia disso. Parece que os religiosos e sacerdotes do templo também sabiam que o conflito era mais profundo. O evangelho começa dizendo: Estava próxima a Páscoa dos judeus, isso é, do sistema judaico.

Para a Bíblia a festa sempre é chamada: “A Páscoa do Senhor”. Mas, João critica. Diz que a Páscoa do Senhor, conforme o livro do Êxodo, não era feita no templo. Não tinha sacerdotes. Quem matava o cordeiro pascal era cada família e o comiam por família ou com os vizinhos. Agora, na época de Jesus, o cordeiro pascal só podia ser imolado no templo, pelos sacerdotes. Em seu livro, “Jerusalém no tempo de Jesus”, Joachim Jeremias calcula que, em cada Páscoa, mais ou menos 18 mil cordeiros eram sacrificados no templo. E os sacerdotes ganhavam muito com esse negócio. Por trás desse sistema religioso, estava a compreensão de que para se ter a bênção de Deus tinha que se pagar sacrifícios. Em muitas religiões, até hoje, existe ainda esse mesmo sistema: “Os búzios indicaram que eu devo me iniciar. Se não me iniciar, o Orixá me castiga”. No Catolicismo popular, as pessoas fazem promessa. Se não cumprirem, Deus castiga. O problema pior das religiões do templo nem é o comércio. É que usam Deus e condicionam a graça ao poder dos sacerdotes e a seus interesses. Até hoje, isso ocorre. Na Igreja Católica, há padres que pregam que sem sacramentos não há salvação. Nas Igrejas de teologia da prosperidade, sem dar dinheiro ao pastor não se obtém a graça de Deus. E em outras religiões, se têm de oferecer sacrifícios.

No evangelho de João, não se fala em purificação. Fala-se em expulsão. O verbo grego é exebalen. É o mesmo termo usado para o exorcismo que Jesus usa para expulsar o mal. Jesus quer livrar a fé do espírito religioso e sacrificial. Tira os animais do templo não apenas porque é contra o comércio. Ele profetiza que Deus não quer sacrifícios, nem de animais, nem da vida de ninguém. Jesus desautoriza a religião do sagrado. Diz que os sacrifícios não têm sentido. Mesmo as nossas liturgias, ou são vividas como atos de comunhão e gratuidade, ou são arremedos dos antigos sacrifícios e cultos que Jesus condenou. Todas as vezes que ia ao templo, nunca foi para o culto. Ia para ensinar. Ele mesmo disse isso ao ser interrogado pelo sacerdote: “Todos os dias estava no templo para ensinar e não me prendestes” (Mt 26, 55). Ou a nossa fé é profética, ou não é a mesma de Jesus. Deus não quer sacrifícios e sim amor e misericórdia. Nunca quis Quaresma de penitência. Quer Campanha da Fraternidade e Ecumenismo.

Os sacerdotes e religiosos do templo perceberam corretamente o sentido do gesto de Jesus e se sentiram ameaçados. Mais ameaçados do que os vendedores de animais, embora muitos daqueles comerciantes trabalhavam para eles, sacerdotes. O chicote que Jesus levantou para tirar dali os animais atingia a eles e a seus interesses. Por isso, perguntaram: Que sinal você dá para agir dessa forma? Quem lhe deu autoridade para agir assim?( Para acabar com a religião e o sistema de vender a graça de Deus?)

O papa Francisco tem muitas vezes denunciado o clericalismo na Igreja Católica. Mas, é possível religião sem clericalismo? Como?   Penso que Jesus responderia: Sim, uma fé profética vivida em comunidade que pode ter elementos religiosos mas não centrados na instituição e sim na profecia. Por isso, ele responde aos sacerdotes: Podem desfazer (o verbo é este) este santuário (isso é, esse tipo de religião do templo) e eu reconstruirei um outro santuário. E diz o evangelho:  ele falava do templo do seu corpo ressuscitado.

A Páscoa deveria ser para nós a reconstrução em nós e na nossa vida disso que, nesse evangelho, Jesus chamou: a casa do meu Pai. É a mesma expressão que na ceia o fará dizer aos discípulos: Na casa do meu Pai há muitas moradas, no acampamento do meu Pai há muitas tendas. Somos nós as tendas do Espírito no qual Deus vem morar. É essa a nossa tarefa pascal. Deixar que Jesus reconstrua em nós a casa de Deus. É isso o que evangelho diz ao insistir: Ele disse: Podem destruir  esse templo (o verbo grego usado é katalyô: desatar ou mais precisamente invalidar/ anular (Cf. Juan Mateos) e em três dias, eu o reerguerei” (v 19). E o evangelho comenta que ele se referia ao templo do seu corpo e os discípulos se recordaram disso depois que Jesus foi reerguido dos mortos (modo de falar como se o corpo fosse uma construção). É essa a nossa fé pascal.

(06-03-2021)

Os primeiros escritos de José Comblin

Por Eduardo Hoornaert

Proponho-me a comentar aqui escritos menos conhecidos de José Comblin, principalmente os que ele elaborou ainda na Bélgica antes de viajar ao Brasil (1950-1958) ou nos primeiros anos do Brasil, quando ele ainda escreveu em francês (1958-1965). Penso em juntar também um comentário aos dois volumes de sua Teologia da Revolução, igualmente escritos em francês e publicados no início dos anos 1970. A intenção é de realçar a figura intelectual de Comblin, um aspecto talvez menos conhecido de sua personalidade.

Vamos aos seus primeiros escritos, elaborados em torno de sua Tese de Doutorado em Teologia na Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica, no início da década de 1950.

Bem jovem, Joseph Comblin (1923-2011, ainda não José) entra no seminário católico de Malinas, na Bélgica, e, se revelando bom nos estudos, é enviado à Universidade de Lovaina para estudar teologia.

Por que o estudante escolhe, para a difícil prova do Doutoramento em Teologia, trabalhar sobre o Apocalipse de São João? Curvado sobre o texto, no silêncio de seu quarto de estudos, lendo as primeiras palavras do Apocalipse: Desvelamento de Jesus Cristo, ele se sente atraído pela poderosa mística que emana do texto. Assim imagino. A mística que fez com que Mateus, em seu Evangelho, escevesse: nada que é velado deixará de ser desvelado, nada que é escondido ficará desconhecido. O que lhes digo na escuridão, repitam à luz do meio dia, o que se lhes sussurra na orelha, gritem em cima dos telhados (10, 26-27). Urge revelar Jesus Cristo o mais depressa possível, pois Jesus fica escondido por demasiado tempo. Há de se gritar em cima dos telhados o que se sussurra na orelha. Urge mostrar o que se deve mostrar, o mais depressa possível (Apoc. 1, 1). Nos textos do Novo Testamento se encontram nada menos de cem exortações acerca do que ‘deve’ acontecer, do que ‘deve’ ser anunciado: O Filho do Homem deve sofrer e morrer (Mt 8, 31), eu devo ocupar-me das coisas de meu Pai (Lc 2, 49), O Filho do Homem deve ser elevado da terra (Jo 3, 14). Tudo isso urgentemente, o mais depressa possível. Para João, o místico judeu que escreve setenta anos após a morte de Jesus, não há mais tempo a perder. Jesus Cristo tem de ser revelado logo:

Feliz quem lê e os que escutam

As palavras da profecia

E que guardam as coisas nelas expressas

Pois o momento, sim, urge (Apoc. 1, 3).

Como ressoam essas palavras na alma de um estudante, que cursa numa Universidade conhecida e estimada por procurar alcançar ‘ideias claras e precisas’ sobre o que vai escrito? Onde textos considerados obscuros e enigmáticos, permeados de imagens de difícil interpretação, costumam ser deixados de lado?

Aqui já temos uma primeira imagem do intelectual Joseph Comblin. Em meio a um ambiente intelectual impregnado de ‘cartesianismo’, ele se abre a um texto místico, cuja leitura postula, antes de tudo, o exercício de uma inteligência intuitiva, aquela inteligência que consiste em ver Deus nas coisas, como escreve Spinoza em sua ‘Ética’. Joseph não tropeça sobre imagens como a da luta entre a ‘Besta’ e os seguidores do ‘Cordeiro imolado’, do ‘Cavaleiro montado num cavalo branco’, do ‘Filho do homem’ a segurar sete estrelas na mão direita e uma espada afiada (que corta de dois lados) saindo da boca, etc. Ele não fica assustado com o turbilhão de imagens do Apocalipse, pois capta a inspiração geradora dessas imagens, dos símbolos, sugestões e evocações fortes e impactantes.

Penso que a opção do estudante Joseph Comblin, no sentido de escolher trabalhar em cima do Apocalipse, diz muito, não só sobre seu perfil intelectual, mas também sobre seu temperamento.  Ao longo de sua vida posterior, ele vai demonstrar que vem para ‘desvelar’, ‘revelar’, provocar, desafiar a inteligência de seus ouvintes, leitores e interlocutores.

O estudante Joseph se sente atraído pelo visionário judeu João, que ‘descobre’ Jesus Cristo, retira o véu da incompreensão, por meio de uma compreensão intuitiva de sua figura. Sua poderosa prosa, ‘obra de furor e paz, sangue e luz’, não amedronta o estudante, que resolve fazer sua Tese de Doutoramento em Teologia em cima de uma leitura do penúltimo capítulo do Apocalipse, o capítulo 21, acrescido dos primeiros 5 versículos do capítulo 22, à qual  dá o título La Liturgie de la Nouvelle Jérusalem (Apoc 21,1-22,5). No referido capítulo surge a esplendorosa visão da Nova Jerusalém, finalmente vencedora da Babilônia, onde reina a ‘Besta’ com seus lacaios. A Nova Jerusalém desce do céu num fulgor de luz e de paz. O jovem teólogo capta por que João opõe Jerusalém a Babilônia. E, logo após a conclusão de seu Doutorado, ele resolve retrabalhar o texto, alargar o tema e abarcar uma leitura do Apocalipse inteiro. Assim sai à luz seu primeiro livro: Le Christ dans l’ Apocalypse (Bruxelles, Desclée, 1965).

O livro, editado 56 anos atrás, ainda hoje merece ser lido. Consta do acervo de livros que Comblin, alguns anos antes da morte, doou para a Biblioteca da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Como sou feliz possuidor de um exemplar, dou aqui um breve comentário.

Não é à toa que Joseph retoma pacientemente a longa lista de comentários do texto, que cobrem dois mil anos (como você pode conferir por meio do verbete ‘Apocalipse’ no ‘Dicionário Patrístico e de Antiguidades Cristãs’, editado pela Vozes em 2002, pp. 126-127). Mas, enquanto muitos desses comentários, ao longo dos tempos, se atêm a estranhezas (o número 616; as sete trombetas e as sete taças, os quatro cavaleiros, a espada que corta de dois lados, os candelabros etc.), Comblin focaliza logo o cerne da questão: Babilônia e Jerusalém. A Babilônia, ‘a grande prostituta’ (19, 2), a ‘moradia dos demônios’ (18, 2), hospeda a Besta ‘que só abre a boca para proferir blasfêmias contra Deus’ (13, 6).Ela simboliza sucessivas dolorosas histórias, vividas pelo povo judeu, como o exílio babilônico do século IV aC, por exemplo. A história mais dolorosa se refere à corrupção própria Jerusalém, que decide, por meio de seu Sinédrio, crucificar Jesus. Eis o ponto fundamental, em torno do qual tudo gira. No momento em que Jerusalém condena Jesus, ela se torna cúmplice de Roma, a Babilônia. Mais: ao ‘matar o profeta de Deus’ (11, 8), Jerusalém vira uma nova Babilônia, domínio do Satã (11, 7-8) e executora dos profetas. Ao se alinhar com Roma, ela não é mais o ponto de convergência dos povos. Nasce uma Nova Jerusalém entre os cristãos, seguidores do mártir Jesus. Relacionando o drama de Jerusalém ao drama de Jesus, o Apocalipse projeta esse último num cenário mundial. Roma significa a mundialização da profecia de Jesus. Aqui vale a pena ler (para os que estão em condição!) a longa nota 2 das páginas 88-89 do livro que estou comentando, e que não cito aqui por falta de espaço.

A derrota política de Jerusalém no ano 70 dC (movimento dos zelotes) confirma a visão de João. A cidade histórica deixe de ser referência. Os cristãos fogem da cidade para Pella e aí se tornam o ‘resto espiritual de Sião’. Carregam consigo a Jerusalém espiritual. Como Jesus foi condenado em Jerusalém por Roma, os cristãos fogem de Jerusalém de Roma. A Nova Jerusalém é irredutível a Roma. No momento em que Roma reivindica a supremacia sobre o mundo, ela entra em conflito com Jesus (veja pp. 190-191).

Embora seu primeiro livro seja um primor, Joseph não se dá por satisfeito, pois sabe que esse livro nunca será lido por um público não versado em teologia. Então resolve retrabalhar o tema de modo menos acadêmico, em forma de ensaio, deixando de lado o pesado aparelho bibliográfico e mesmo a referência ao Apocalipse. Assim aparece em 1959 um novo livro, intitulado La réssurrection de Jésus Christ. Essai (Paris, Éditions Universitaires, 1959) e logo traduzido em neerlandês Hij is verrezen. Essay (‘Ele ressuscitou. Ensaio’; s’ Gravenhage, Pax, 1963). O livro é bem acolhido, ganha um elogio do professor holandês Grossouw, na época uma referência no mundo teológico e pastoral de língua neerlandesa: ‘Comblin é legível por um leigo não especializado, mas não é superficial. Não procura sensação por teses ousadas. Ele é um verdadeiro ensaísta. Paira um ar de liberdade. O leitor se sente bem, pois o autor não se exibe conhecimentos e conduz o leitor pela mão, como um guia. Ele é um autor ‘profano’, ou seja, dialoga com o mundo profano. Critica a teologia medieval que não entende a ressurreição, pois vive encapsulada na cristandade e não tem perspectiva de futuro diferente, democrático e secular. Mostra-se a favor da secularização e da democracia’ (edição neerlandesa, pp. 9-11).

Esses elogios fazem pensar em algo que permeia toda obra teológica de Comblin: ele não está empenhado em provar que ‘entende do assunto’, mas quer dialogar com seu leitor, sua leitora. Escreve em tom ‘ensaístico’, não ‘dogmático’, e nisso acompanha diversos bons teólogos da época, como Michel de Certeau, que não se refugiam numa ‘especialidade’, mas transitam livre e competentemente por diversos campos de conhecimento. Teólogos que não têm medo de enfrentar os grandes temas do cristianismo, acima das controvérsias, não se perdem em minúcias, não apresentam erudição, não entram em discussões e controvérsias, não discutem pormenores, mas só tratam de dados primários e fundamentais. Comblin não se exibe, vai direto ao assunto e pressupõe, por exemplo, que seu leitor seja bastante inteligente para captar que, em seu livro ‘A ressurreição de Jesus Cristo’, por exemplo, ele se move em campo místico, não definidor nem doutrinador. O autor nada mais pretende que apresentar uma síntese, provocar uma conversa com o leitor e, ao mesmo tempo, instigar a reflexão.

Desde esses primeiros livros, ao comentar o Apocalipse e o Evangelho de João, escritos considerados difíceis pelos exegetas, ele revela a humildade e sinceridade de um grande intelectual. Não pretende dizer a última palavra, não se refugia atrás de seu título de ‘Doutor em Teologia’, não se exibe como exegeta, conversa com seu leitor, sua leitora, está interessado em fazer com que se reflita. Enquanto os exegetas têm medo de comentar o Apocalipse, dizendo que não dominam a complexa literatura apocalíptica judaica da época, Joseph avança e depura o que está ‘por trás das palavras’ desse texto em muitos pontos enigmático. Permanece ‘provisório’, ‘incompleto’, consciente da provisoriedade de qualquer interpretação de textos tão complexos como são os textos atribuídos a João Evangelista.

Acrescento aqui um dado importante. Joseph vê no Apocalipse a chave de compreensão do quarto Evangelho. Uma fértil intuição, embora não aceita por todos os especialistas. Comblin enxerga no Evangelho a mesma poderosa prosa que ele encontrou no Apocalipse. João é alguém que parece dizer, a cada momento: como foi possível aparecer no mundo uma figura humana como Jesus!  Ele eleva a figura de Jesus ao mais alto dos céus, ao mundo sublime de Deus, à própria convivência divina. O que atrai no texto de João é a mais viva emoção que transparece a cada momento: a Verdade, a Luz e a Glória alcançam nosso mundo na pessoa de Jesus de Nazaré! Uma obra de excepcional inteligência intuitiva. Embora provavelmente poucos episódios narrados por João tenham a ver com acontecimentos reais, ocorridos na vida de Jesus, eles (as conversas com Nicodemos e com a mulher samaritana, a ressurreição de Lázaro, etc.) captam maravilhosamente o espírito de Jesus e do primeiro cristianismo.

Hoje temos o ‘best seller’ ‘The fourth Gospel’ (O quarto Evangelho, Harper One, 2013), do exegeta e bispo norte-americano (da igreja episcopal) John Shelby Spong. Mas quando lemos esse livro, verificamos – não sem surpresa – que, no fundo, o Comblin de 1959 combina com o Spong de 2013. Claro, o primeiro não dispõe do instrumental de análise linguística do segundo (escreve numa antecedência de mais de 50 anos), mas é interessante verificar que ambos concordam no essencial: a obra de João Evangelista e a obra de um místico judeu do final do século I dC, dotado de grandes habilidades literárias, de uma inteligência intuitiva excepcional.

Gostaria, para terminar, de comentar a impressão que o teólogo francês Yves Congar teve dos primeiros trabalhos de Comblin, especificamente dos dois volumes da sua Théologie de la Paix (Principes, editado em Bruxelles, Éditions Universitaires, em 1960, e Applications, pela mesma editora, em 1963), que Joseph – por sinal – redigiu a pedido do Cardeal Léon Suenens, da Bélgica. Congar escreve que esses livros são um peu touffus (‘um pouco espessos’, ou seja, sobrecarregados de detalhes).

É verdade. Mas há como argumentar que esses detalhes e essas frequentes anotações ao pé das páginas revelam algo que, com os anos, desaparecerá dos livros de Comblin: a preocupação em fundamentar a teologia na história concreta dos homens. Ao longo de toda a sua produção intelectual, José aborda sempre seus temas teológicos por meio de considerações históricas, e isso exige entrar em pormenores, escrever longas páginas para apresentar temas que, para muitos, pertencem a um passado morto. Acontece que o passado não está morto, mas vive no presente. ‘Quem desconhece o passado está condenado a repeti-lo’, diz o ditado. Ao longo de sua vida de intelectual, Comblin se distingue de muitos de seus colegas teólogos por nunca omitir a dimensão histórica do estudo teológico de não ‘pular’ em cima da história e evocar simplesmente a vida dos primeiros cristãos para apresentar experiências de hoje (na apresentação das Comunidades Eclesiais de Base [CEBs], por exemplo). José nunca passa diretamente da Bíblia ou dos primeiros tempos cristãos para a situação atual. Sempre considera a ‘tradição’, ou seja, a mediação dos dois mil anos de cristianismo. Assim ele não fala em CEBs sem falar da paróquia. Convencido que ‘o passado vive em nós’, não é nunca página virada. Negligenciado, pode se vingar, de modo inesperado.

Concluindo. Nos primeiros livros de Joseph Comblin, ainda dos anos 1950, que acabei de comentar acima, encontramos um estudante em teologia que consegue ver claro num turbilhão de imagens e símbolos, muitos deles enigmáticos para nós hoje. Um estudante capaz de superar a condição de ‘inteligência confusa’ e dizer as coisas com clareza meridiana. Uma clareza que – à primeira vista – se apresenta como ousadia, mas que na realidade é uma clarificação do pensamento (embora a muitos se apresente como provocação). Nesse sentido, o ‘Desvelamento (a apocalipse) de Jesus’ é o desvelamento da história do mundo, simbolizada pela transformação da Antiga Jerusalém, vergonhosamente humilhada pela Babilônia e que acabou se submetendo ao poder da ‘Besta’, em uma Nova Jerusalém, espiritual, que desce do céu e liberta os habitantes dos poderes imperiais deste mundo. Encontramos aqui outra poderosa imagem metafórica, a do Reino de Deus, que subjaz às falas de Jesus de Nazaré.

Fonte: Teologia Nordeste

(23-02-2021)

Francisco: a Quaresma é uma viagem de regresso a Deus

“A Quaresma é uma viagem que envolve toda a nossa vida, tudo de nós mesmos. É o tempo para verificar as estradas que estamos percorrendo, para encontrar o caminho que nos leva de volta a casa, para redescobrir o vínculo fundamental com Deus, do qual tudo depende”, disse o Papa em sua homilia.

O Papa Francisco presidiu a missa com o Rito de imposição das Cinzas, na manhã desta quarta-feira (17/02), na Basílica de São Pedro, no início do tempo da Quaresma.

“Convertei-vos a mim. A Quaresma é uma viagem de regresso a Deus” que “lança um apelo ao nosso coração. Na vida, sempre teremos coisas a fazer e desculpas a apresentar, mas agora é tempo de regressar a Deus”, disse o Pontífice em sua homilia. A seguir, acrescentou:

A Quaresma é uma viagem que envolve toda a nossa vida, tudo de nós mesmos. É o tempo para verificar as estradas que estamos percorrendo, para encontrar o caminho que nos leva de volta a casa, para redescobrir o vínculo fundamental com Deus, do qual tudo depende. A Quaresma não é compor um ramalhete espiritual; é discernir para onde está orientado o coração. Tentemos saber: Para onde me leva o «navegador» da minha vida, para Deus ou para mim mesmo? Vivo para agradar ao Senhor, ou para ser notado, louvado, preferido? Tenho um coração «dançarino» que dá um passo para a frente e outro para trás, amando ora o Senhor ora o mundo, ou um coração firme em Deus? Sinto-me bem com as minhas hipocrisias ou luto para libertar o coração da simulação e das falsidades que o têm prisioneiro?

O perdão do Pai sempre nos coloca de pé

“A viagem da Quaresma é um êxodo da escravidão para a liberdade”, disse ainda o Papa. “São quarenta dias que recordam os quarenta anos em que o povo de Deus caminhou pelo deserto para voltar à terra de origem. Mas, como foi difícil deixar o Egito! Ao longo do caminho, nos seus lamentos, sempre se sentiam tentados pelas cebolas, tentados a voltar para trás, presos às memórias do passado, a qualquer ídolo. O mesmo se passa conosco: a viagem de regresso a Deus vê-se dificultada pelos nossos apegos doentios, impedida pelos laços sedutores dos vícios, pelas falsas seguranças do dinheiro e da ostentação, pela lamúria que paralisa. Para caminhar, é preciso desmascarar estas ilusões”.

A seguir, Francisco convidou a olhar para o filho pródigo para compreender “que é tempo também para nós de regressar ao Pai”.

Como aquele filho, também nós esquecemos o ar de casa, delapidamos bens preciosos em troca de coisas sem valor e ficamos com as mãos vazias e o coração insatisfeito. Caímos: somos filhos que caem continuamente, somos como criancinhas que tentam andar, mas estatelam-se no chão precisando uma vez e outra de ser levantadas pelo papai. É o perdão do Pai que sempre nos coloca de pé: o perdão de Deus, a Confissão, é o primeiro passo da nossa vigem de regresso. Recomendo aos confessores: sejam como o pai, não com o chicote, mas com o abraço.

O caminho da humildade

“Depois precisamos de regressar a Jesus, fazer como aquele leproso curado que voltou para Lhe agradecer. Somos chamados também a regressar ao Espírito Santo. As cinzas na cabeça nos lembram que somos pó e ao pó voltaremos”.

Segundo o Papa, o que nos faz regressar a Deus “não são as nossas capacidades nem os méritos que ostentamos, mas a sua graça que temos de acolher. Disse-o claramente Jesus no Evangelho: o que nos torna justos não é a justiça que praticamos diante dos homens, mas a relação sincera com o Pai. O início do regresso a Deus é reconhecermo-nos necessitados d’Ele, necessitados de misericórdia. O caminho certo é este: o caminho da humildade”.

Deus nos espera com a sua infinita misericórdia

Hoje inclinamos a cabeça para receber as cinzas. Quando terminar a Quaresma, nos abaixaremos ainda mais para lavar os pés dos irmãos. A Quaresma é uma descida humilde dentro de nós e rumo aos outros. É compreender que a salvação não é uma escalada para a glória, mas um abaixamento por amor. É fazer-nos humildes. Neste caminho, para não perder o rumo, coloquemo-nos diante da cruz de Jesus: é a cátedra silenciosa de Deus. Contemplemos cada dia as suas chagas. 

“Nas suas chagas”, disse o Papa, “reconheçamos o nosso vazio, as nossas faltas, as feridas do pecado, os golpes que nos fizeram sofrer. Vemos ali que Deus não aponta o dedo contra nós, mas nos abre os braços. As suas chagas estão abertas para nós e, por aquelas chagas, fomos curados”. Nas chagas mais dolorosas da vida, “Deus nos espera com a sua infinita misericórdia. Porque ali, onde somos mais vulneráveis, onde mais nos envergonhamos, Ele veio ao nosso encontro. E agora nos convida a regressar a Ele, para voltarmos a encontrar a alegria de ser amados”, concluiu o Papa.

Fonte: Vatican News

(17-02-2021)

O covid-19: ou cooperamos ou não teremos futuro nenhum

Uma pergunta sempre esteve presente nas buscas humanas: qual é a nossa essência específica? A história conhece inumeráveis respostas. Mas a mais contundente, convergência de várias ciências contemporâneas como a nova biologia evolucionária, a genética, as neurociências, a psicologia evolutiva, a cosmologia, a ecologia, a femenologia e outras é essa: a cooperação.
Michael Tomasello, considerado genial na área da psicologia do desenvolvimento de crianças de 1-3 anos, sem intervenção invasiva, reuniu num volume as melhores pesquisas na área sob o título :”Por que nós cooperamos” (Warum wir kooperieren, Berlim, Suhrkamp 2010). Em seu ensaio de abertura afirma que a essência do humano está no “altruismo” e na “cooperação”. “No altruismo um se sacrifica pelo outro. Na cooperação muitos se unem em vista de um bem comum” (p.14).
Uma das maiores especialistas em psicologia e evolução da Universidade de Stanford, Carol S. Dweck, afirma: “mais que a grandeza excepcional de nosso cérebro e de nossa imensa capacidade de pensar, a nossa natureza essencial é esta: a aptidão de sermos seres de cooperação e de relação (Por que cooperamos, op.cit 95).
Outra, da mesma ciência, famosa por suas pesquisas empíricas, Elizabeth S. Spelke, de Harvard, assevera: nossa marca, por natureza, diferencial de qualquer outra espécie superior como a dos primatas (dos quais somos um bifurcação) é “a nossa intencionalidade compartida” que propicia todas as formas de cooperação, de comunicação e de participação de tarefas e de objetivos comuns”(op.cit. 112). Ela caminha junto com a linguagem que é, essencialmente, social e cooperativa, traço específico dos humanos, como o entenderam os biólogos chilenos H.Maturana e F. Varela.
Outro, este neurobiólogo do conhecido Instituto Max Plank, Joachim Bauer, em seu livro “O gen cooperativo”(Das kooperative Gen, Hoffman und Campe,Hamburgo 2008) e especialmente no livro “Princípio humanidade: por que nós, por natureza, cooperamos”(2006) sustenta a mesma tese: o ser humano é essencialmente um ser de cooperação. Refuta com veemência o zoólogo inglês Richard Dawkins, autor do livro muito difundido: “O gene egoísta”(1976/2004). Afirma “que sua tese não possui nenhuma base empírica; ao contrário, representa o correlato do capitalismo dominante que assim parece legitimá-lo” (Op.cit.153). Critica também a superficialidade de outro livro “Deus, uma ilusão”(2007).
No entanto, diz Bauer, é cientificamente verificado, que “os genes não são autônomos e de modo algum ‘egoístas’mas se agregam com outros nas células da totalidade do organismo”(O gene cooperativo,184). Afirma mais ainda:”Todos os sistemas vivos se caracterizam pela permanente cooperação e comunicação molecular para dentro e para fora”(Op.cit.183).
É notório pela bio-antropologia que a espécie humana deixou para trás os primatas e virou ser humano, quando começou,de forma cooperativa, a recoletar e a comer o que recolhia.
Uma das teses axiais da física quântica (W.Heisenberg) e da cosmogênese (B.Swimme) consiste em afirmar a cooperação e a relação de todos com todos. Tudo é relacionado e nada existe fora da relação. Todos cooperam uns com os outros para coevoluirem. Talvez a formulação mais bela foi encontrada pelo Papa Francisco em sua encíclica Laudato Sì: sobre o cuidado da Casa Comum: “Tudo está relacionado, e todos nós, seres humanos, caminhamos juntos como irmãos e irmãs, numa peregrinação maravilhosa…que nos une também, com terna afeição, ao irmão sol, à irmã lua, ao irmão rio e à mãe Terra”(n.92).
Um brasileiro, professor de filosofia da ciência na UFES em Vitória, Maurício Abdala, escreveu um convincente livro sobre “O princípio cooperação” na linha das reflexões acima referidas,especialmenet baseado na biologia.
Por que dizemos tudo isso? Para mostrar quão anti-natural e perverso é o sistema imperante do capital com seu individualismo e sua competição sem nenhuma cooperação.É ele que está conduzindo a humanidade a um impasse fatal. Por essa lógica, o coronavírus nos teria contaminado e exterminado a todos. Foi a cooperação e a solidariedade de todos com todos que nos estão salvando.
De aqui por diante devemos decidir: Ou obedecemos à nossa natureza essencial, a cooperação, no nível pessoal, local, regional, nacional e mundial, mudando a forma de habitar a Casa Comum ou comecemos a nos preparar para o pior, num caminho sem retorno.
Se não ouvirmos esta lição que o covid-19 nos está dando e voltarmos, com mais fúria ainda, ao que era antes, para recuperar o atraso, podemos estar na contagem regressiva de uma catástrofe ainda mais letal. Quem nos garante que não poderá ser o temido NBO (Next Big One), aquele próximo e derradeiro vírus avassalador e inatacável que porá fim à nossa espécie? Grandes nomes da ciência como Jacquard, de Duve, Rees, Lovelock e Chomsky entre outros nos advertem sobre esta emergência trágica.
Lembro apenas as derradeiras palavras do velho Martin Heidegger em sua última entrevista ao Der Spiegel a ser publicada 15 anos após a sua mortereferindo-se à lógica suicida de nosso projeto tecnico-científico: “Nur noch ein Gott kann uns retten” = “Somente um Deus nos poderá salvar”.
É o que espero e creio, pois, Deus se revelou como “o apaixonado amante da vida”(Sabedoria 11,24).
(17-05-2020)

Quando a profecia invade o templo

Quando a profecia invade o templo 
Desde séculos antigos, as Igrejas orientais dedicam o 40º dia depois do Natal (2 de fevereiro) à memória da Apresentação de Jesus no templo e chamam essa festa: Hipapanté: o encontro do Senhor com o seu povo. Para o Judaísmo da época de Jesus, isso se deu no templo. Como conta o Xamã Davi Kopenawa no livro “A queda do céu”, para a espiritualidade ianomâmi, esse encontro do Espírito Divino com o povo indígena se dá quando os Xapuri, espíritos da floresta, vêm dançar no meio da mata para proteger os seres vivos ameaçados e se comunicar com os Xamãs. A celebração dessa memória da apresentação de Jesus no templo nos faz perguntar: Como se dá esse mergulho do Divino em nós, na nossa vida, hoje?
Conforme o Evangelho lido nessa festa (Lucas 2, 22- 40), na hora em que Jesus é apresentado ao templo, ele passa a fazer parte do seu povo. Para os pais (Maria e José) que levam o menino ao templo, o que importa é o cumprimento da lei. Eles são tão pobres que não podem oferecer o sacrifício “normal” para a ocasião e ofertam aquilo que a lei diz que apenas as pessoas mais pobres e indigentes podem oferecer: um casal de rolinhas (Lv 12, 8).
O evangelho de Lucas mistura dois ritos judaicos: 1 – a purificação da mãe e 2 – a apresentação do filho. Conforme a lei, no caso do primeiro filho de um casal, eles deveriam fazer o “resgate do primogênito”, um sacrifício pelo qual a família pedia ao Senhor para ficar com o menino, mas, ao mesmo tempo, prometiam que ele seria sempre consagrado a Deus (Cf. Ex 13, 2. 12. 15). A comunidade de Lucas não faz nenhuma alusão ao rito do resgate do primogênito. Talvez não fale do resgate do menino porque era de pouco interesse para os não judeus, aos quais a comunidade de Lucas se dirige. Antigos pastores da Igreja interpretaram que o evangelho não fala desse rito do resgate do menino para deixar claro: desde o início de sua vida, o menino já pertencia mesmo a seu Pai do céu. Ele é apenas apresentado, não para se purificar e sim para purificar o templo, ou seja para transformar a religião. E como seria essa transformação?
O evangelho conta a apresentação de Jesus no templo, mas no lugar de falar dos sacerdotes que o receberam, prefere destacar duas figuras menos importantes para o templo: dois velhos, um homem e uma mulher que exerciam não o sacerdócio, mas a profecia.
No tempo em que Lucas escreveu o evangelho (anos 80), não existia mais o templo de Jerusalém. Os romanos o tinham destruído. Por causa desse desrespeito trágico à vida e à cultura dos judeus, Lucas sempre mostra o templo de forma positiva. Diferentemente de Marcos e João. No entanto, mostra que, no templo, o importante não é o culto sacerdotal. É o exercício da profecia (Isaías e Amós foram profetas que exerceram a profecia no ambiente de templos).  Assim, até o templo pode ser lugar da profecia. Jesus que antes já fora reconhecido pelos pobres (pastores), agora é reconhecido pelos profetas O Evangelho sublinha que a profecia tem um jeito masculino com Simeão e um estilo feminino com Ana. É a partir daí que Simeão profetiza sobre Jesus: “luz para os gentios, salvação para todos os povos e glória para Israel”. É um casal simbólico: Simeão e Ana. Simeão profetiza que Israel pode alegrar-se porque deu Jesus à humanidade, mas este será luz para todos os povos e não só para uma determinada religião. Esse casal de profetas representa também a importância dos mais velhos na comunidade. Atualmente, nesse nosso mundo dominado pela produção e pelo dinheiro, muitas vezes, as pessoas mais velhas são marginalizadas, ao contrário, de caminhos espirituais como as religiões afro-brasileiras e indígenas, nas quais os mais velhos têm um papel preponderante.
Muitas vezes, as pessoas perguntam: – E essa história de que Jesus vai ser sinal de contradição e uma espada de dor… Ele estava falando da cruz?   Sim e não. Sim porque concretamente há uma referência à morte de Jesus (uma espada de dor traspassará a tua alma). Mas, penso que, mais profundamente, se trata da própria verdade de Deus (e da vida), manifestada por Jesus. Deus sempre pede de nós uma escolha: um sim ou um não. É uma decisão que sempre se traduz em um sim ou um não à vida. Conforme o livro sagrado da mística judaica, o Zohar, o símbolo da espada traduz o Nome de Deus (YHWH). Nesse caso, poderíamos entender que a revelação de Deus que Jesus traz atravessa a vida de Maria tão intimamente que não a livra da exigência de crer e escolher. Essa me parece uma interpretação mais ligada ao contexto e às outras referencias que em Lucas dizem respeito à mãe de Jesus. Na primeira versão do meu livro “Conversa com o evangelho de Lucas”, a querida e saudosa irmã Agostinha comentou: – A velha Ana é símbolo dessa espera feminina do messias: é mulher profetisa, anciã e viúva. No cristianismo primitivo, a categoria das viúvas era muito valorizada na comunidade (Cf 1 Tm 5, 5- 9). A mulher podia ser profetisa, isto é, falar em público na Igreja e ter uma função ativa na comunidade. Hoje, muitos grupos de base são coordenados por mulheres, mas em algumas Igrejas tradicionais, o ministério feminino ainda é pouco reconhecido e valorizado.
Agora, depois do Sínodo da Amazônia, esperamos que na Igreja Católica, esse ministério feminino seja mais valorizado, não apenas abrindo as ordenações para mulheres, mas mais do que isso: encontrando formas femininas de ministérios ordenados e centrais para as comunidades de Deus.