Arquivo da tag: Cesare Battisti

Mino Carta se vê como Deus revelando a verdade sagrada. E o resto do mundo o vê como Napoleão de hospício.

Incorrigível, Mino Carta volta a engrossar o lobby italo-brasileiro na caça a Cesare Battisti, em besteirol  publicado na Carta Capital e reproduzido pela Folha de S. Paulo, com o evidente objetivo de influenciar a decisão que a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal tomará amanhã (24), ou salvando o escritor da tramoia eivada de ilegalidades com que se pretende entregá-lo à vendeta italiana ou repetindo a ignóbil decisão adotada em 1936, quando autorizou a extradição de Olga Benário para a Alemanha nazista.

Quando li o texto do Mino, tão rancoroso quanto inconsistente, pensei até em refutá-lo ponto por ponto. Mas, isto caberia caso houvesse algo a refutar. Não há nada. 

É uma narrativa que não se sustenta em evidência nenhuma, testemunha nenhuma, comprovação nenhuma, citação nenhuma. Apenas na megalomania desmedida de um indivíduo que pensa ser tão superior aos comuns mortais a ponto de apenas dar a público o que, no seu entender, é a verdade definitiva e incontestável, ponto final. Chamavam-no, não sem um tanto de ironia, de imperador, mas ele já ultrapassou tal estágio. Agora seu discurso é de quem, intimamente, acredita ser Deus. Pena que, para a maioria dos leitores dotados de espírito crítico, ele não passe de um Napoleão de hospício…

Eis a tábua dos 10 mandamentos ditados por Mino Carta para serem entregues à plebe ignara, que os deve aceitar sem o mais ínfimo questionamento, decorá-los e depois repeti-los com muita fé e devoção:

1º que os biógrafos estão todos errados e o Cesare não teria nascido e sido criado numa família comunista;

2º que, também na contramão de tudo que autores isentos já publicaram, ele teria sido um criminoso comum, só se politizando na prisão;

3º que, nos anos de chumbo, a Itália teria continuado a ser um Estado democrático de Direito e não a democracia com áreas cinzentas a que se referiu com muita propriedade Tarso Genro (havia eleições, as instituições funcionavam, mas a Justiça e a polícia agiam como nas piores ditaduras, o que foi reconhecido até pelo grande Norberto Bobbio);

4º que não teriam ocorrido arrependimentos arrancados sob torturas na Itália, sendo, portanto, mentirosos todos quantos denunciaram maus tratos, todos os que os documentaram e todas as entidades de defesa dos direitos humanos que cansaram de protestar contra as sevícias e as mortes delas decorrentes;

5º que os jovens militantes de esquerda não teriam aderido à luta armada em razão do seu profundo desencanto com a traição histórica cometida pelo Partido Comunista Italiano ao se mancomunar com a reacionária, corrupta e mafiosa Democracia Cristã, mas sim por instigação da eterna vilã, a CIA (!!!);

6º que Battisti não correria perigo se extraditado para a Itália, embora carcereiros tenham declarado à imprensa que ansiavam por matá-lo e um ministro de Estado haja afirmado quase a mesma coisa, babando de ódio;

7º que os processos italianos dos anos de chumbo teriam sido “conduzidos por uma Justiça independente dentro de um conceito democrático inquestionável”, embora as leis de exceção vigentes naquele melancólico período possibilitassem até que um suspeito permanecesse em prisão preventiva (sem haver sofrido condenação nenhuma, portanto) durante 10 anos e meio (!!!), tendo sido revogadas quando a Itália acordou de sua histeria antibrigadista;

8º que os Proletários Armados pelo Comunismo assaltariam “para garantir seu sustento (!!!) e não para retaliar ultradireitistas culpados de atos violentos (nem nos delírios dos promotores italianos encontramos afirmação tão estapafúrdia, é a história reescrita ao sabor dos preconceitos!):

9º que o relatório mais tendencioso jamais apresentado por um ministro em toda a história do STF, o de Cezar Peluso 100% contra Battisti, em 2009, teria sido um “impecável pronunciamento”;

10º e que eu, apelidado de “setores da chamada esquerda nativa”, teria encarado o “terrorismo como um movimento de resistência similar à luta armada em que alguns brasileiros se engajaram contra a ditadura” (o que nunca declarei, tendo apenas constatado que aqueles equivocados contestadores italianos, levados ao desespero pela traição histórica do PCI, sofreram uma repressão que, em tudo e por tudo, se assemelhou ao festival dos horrores dos DOI-Codi’s e aos julgamentos farsescos que tinham lugar nas auditorias militares).

Já que o Mino não se deu sequer ao trabalho de tentar comprovar qualquer um destes disparates (tarefa impossível!), deixo aos leitores as conclusões. Que necessidade eu teria de repisar o que já é do conhecimento de todos os que procuram informar-se com autores isentos?

Encerro com a reedição de um artigo meu de abril de 2014, que considero muito relevante neste instante, por dizer tudo que se precisa saber sobre a autoridade moral que Mino Carta não tem para deitar falação sobre Cesare Battisti:

“ENQUANTO MALHÃES LANÇAVA CORPOS EM RIOS, MINO CARTA BATIA BUMBO PARA MÉDICI”

Em 1970 ele escrevia editoriais puxando o saco…

Quando Mino Carta fez de sua revista um house organ no pior sentido da palavra, infestando-a de textos panfletários e lobistas que secundavam a caça a Cesare Battisti deflagrada por Silvio Berlusconi, cansei de desafiá-lo para defender sua postura inquisitorial numa polêmica.

Adivinhava que se acovardaria, como sempre se acovardou. 

Já amarelara em 2004, quando uma repórter da Carta Capital me entrevistou sobre o 25º aniversário da Lei da Anistia e ele ordenou, na enésima hora, que fossem suprimidas todas as referências ao meu nome. 

Também naquela ocasião mandei uma veemente contestação da atitude despótica que, com a mesma prepotência dos censores da ditadura, ele tomou.


Em vão: não deixou que publicassem, nem respondeu. Estava ciente de que todo seu poder de nada valeria num confronto de textos, pois eu pulverizaria facilmente sua algaravia pomposa. 

A que se devia tal antipatia gratuita? É simples: ele odeia os contestadores de 1968. Sempre nos detestou. Como boa parte dos comunistas da velha guarda, naquele ano decisivo ele se posicionou, junto com os partidões da Itália e da França, do outro lado da barricada. Entre as forças da ordem e os jovens rebeldes, ficou com as primeiras.

…do ditador mais sanguinário de todos.

E contraiu ódio eterno pelos verdadeiros esquerdistas, que expuseram a cumplicidade dos PC’s com a burguesia (o PC francês tudo fez para minar o apoio dos operários à revolução que já estava nas ruas, enquanto o italiano compartilhou o poder com ninguém menos que a Democracia Cristã, podre até a medula).

Então, mesmo sem ter identificação ou simpatia pelo Demétrio Magnoli, não posso deixar de aplaudir as estocadas certeiras que ele deu no Mino Carta, na Folha de S. Paulo.

Começa citando a ode ao golpe de 1964 que o próprio Mino fez publicar na Veja de 1º de abril de 1970 (ou seja, o editorial que ele assinava com suas iniciais, MC), ajudando os milicos a soprarem as seis velinhas:

Propostos como solução natural para recompor a situação turbulenta do Brasil de João Goulart, os militares surgiram como o único antídoto de seguro efeito contra a subversão e a corrupção (…). 

Mas, assumido o poder, com a relutância de quem cultiva tradições e vocações legalistas, eles tiveram de admitir a sua condição de alternativa única. E, enquanto cuidavam de pôr a casa em ordem, tiveram de começar a preparar o país, a pátria amada, para sair da sua humilhante condição de subdesenvolvido. Perceberam que havia outras tarefas, além do combate à subversão e à corrupção —e pensaram no futuro.

Como polemista, Magnoli fez picadinho…

Hoje, muitos companheiros desavisados mostram deferência e respeito por esse sujeitinho que via os Ustras e Curiós como “único antídoto de seguro efeito contra a subversão e a corrupção” (exatamente a desculpa esfarrapada que utilizaram para a usurpação do poder), atribuía-lhes relutância em incidirem nas práticas hediondas (todos que passamos pelas câmaras de tortura podemos afiançar que, sádicos como eram, eles extraíam visível prazer do que faziam), louvava a preocupação deles com o futuro (qual, a de assegurarem a própria impunidade antes de serem enxotados?) e a firmeza com que botavam “a casa em ordem” (nela impondo a paz dos cemitérios!)

Espero que doravante passem a ser mais seletivos em suas devoções, não engolindo gato por lebre.

Enfim, está certíssimo o Magnoli ao jogar na cara do Mino o seguinte:

Enquanto Paulo Malhães lançava corpos em rios, Mino Carta batia bumbo para Médici.

…do lobista do Berlusconi.

A censura não tem culpa: os censores proibiam certos textos, mas nunca obrigaram a escrever algo.

Os proprietários da Abril não têm culpa (ou melhor, são culpados apenas pela seleção do diretor de Redação): segundo depoimento (nesse caso, insuspeito) de um antigo editor da revista e admirador do chefe, hoje convertido, como ele, ao lulismo, Carta dispunha de tal autonomia que os Civita só ficavam sabendo do conteúdo da Veja depois de completada a impressão.

Desta vez, mesmo que encontre uma insuspeitada e até agora inexistente coragem, de nada lhe adiantará. Não existe resposta nem justificativa possíveis.

Itália continua caçando Battisti, hoje um sexagenário pacato e combalido, com esposa e filho brasileiros.

Notícia desta 2ª feira, 25, do jornal O Globo:

Condenado à prisão perpétua na Itália e mantido no Brasil após decisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seu último dia de governo em 2010, o italiano Cesare Battisti corre o risco de perder o direito de permanecer no país. 
 

Em sigilo, o governo da Itália apresentou pedido para que o presidente Michel Temer reveja a decisão de Lula que garantira a Battisti residência em território brasileiro, evitando uma extradição para cumprir a pena em seu país de origem.

 

O pedido está no Palácio do Planalto, e já foi submetido a uma primeira análise técnica. Agora, cabe à consultoria jurídica da Presidência da República emitir um parecer. Até agora a gestão de Temer não encontrou problemas jurídicos que impeçam uma nova decisão sobre o caso.

 

Segundo integrantes do governo, dois ministros já teriam dado sinal verde para um ato de Temer a favor do pedido italiano: o ministro da Justiça, Torquato Jardim, primeiro a analisar a demanda do governo estrangeiro; e o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira, por considerar o ato como um gesto importante diplomaticamente.

 

Do ponto de vista jurídico, o governo já encontrou uma fundamentação em súmula do Supremo Tribunal Federal de 1969, tradicionalmente citada por especialistas em direito administrativo. Essa súmula, que resume o entendimento da Corte sobre tema específico, diz que “a administração pode anular seus próprios atos” quando houver vícios ou revogá-los “por motivo de conveniência ou oportunidade”. Ou seja, um ato de Lula pode ser revisto por Temer.

Mas, por enquanto, o presidente prefere ficar longe do tema. E, neste momento, não deve haver decisão, apesar das pressões. Oficialmente, o governo é ainda mais cauteloso. Procurada pelo Globo, a presidência da República disse que o assunto não está sendo tratado no Palácio do Planalto. O Globo  confirmou, no entanto, que o pedido formal foi feito pelas autoridades italianas e o processo remetido ao governo brasileiro.

As tratativas para a extradição de Battisti começaram no ano passado. O primeiro-ministro italiano Matteo Renzi chegou a declarar publicamente que esperava por uma mudança de posição brasileira sobre Battisti na gestão de Temer. Na época, Renzi evitou confirmar se sua administração pretendia tomar a iniciativa de pedir a revisão da decisão de Lula. O assunto passou a ser tratado, então, com discrição pelas autoridades.

Primeiro, o pedido foi levado por representantes do governo italiano ao então ministro da Justiça Alexandre de Moraes. O caso voltou a ser tratado com o sucessor dele na pasta, o deputado Osmar Serraglio.

Cesare, o 1º da esq. p/ a dir., ao ser julgado na Itália.

O porta-voz do pedido junto ao governo brasileiro foi o embaixador da Itália no Brasil, Antonio Bernardini. Ele teve uma série de reuniões com autoridades brasileiras. Procurado pelo Globo o embaixador não quis falar sobre o assunto.


A divulgação do pedido italiano antes de Temer tomar a decisão preocupa as autoridades daquele país. Há receio de que Battisti acione sua rede de proteção no Brasil e tente travar, pela via judicial, um eventual novo ato que o presidente da República pode tomar.

A preocupação das autoridades italianas é baseada na conduta do próprio Battisti. Logo após Renzi declarar que gostaria de ver uma mudança de posição do governo brasileiro na gestão Temer, o italiano, condenado pelo assassinato de quatro pessoas em seu país entre 1977 e 1979, recorreu ao Supremo Tribunal Federal.

Em setembro, o ministro Luiz Fux rejeitou o pedido feito pela defesa de Battisti para que fosse concedido um habeas corpus preventivo. Fux alegou que não havia nada de concreto na ocasião que justificasse o temor do italiano. 
 

Na decisão, o ministro do STF lembrou, entretanto, que o presidente da República tem poder para tomar decisões relacionadas à presença de estrangeiros no país. Fux citou o julgamento do próprio STF em 2009, quando, após uma grande polêmica e numa votação apertada, os ministros entenderam que Battisti deveria ser extraditado para a Itália, mas caberia ao presidente da República decidir se iria ou não executar a extradição.

Lançando livro na França, em 2004.

Lula passou quase um ano para decidir o que fazer. No último dia de seu segundo mandato, em 31 de dezembro de 2010, uma edição extra do Diário Oficial publicou a decisão: parecer da Advocacia Geral da União dizia que a extradição não precisaria ser obrigatoriamente cumprida, e Lula deixou Battisti viver no Brasil.

Após a negativa de Fux ano passado, a defesa de Battisti recorreu de novo. O processo tramitou no plenário virtual do STF, um sistema em que cada ministro apresenta seu voto por computador. Os advogados do italiano ainda tentaram argumentar que o caso era polêmico e merecia ser levado a julgamento no plenário tradicional em que as sessões são transmitidas pela TV Justiça. O pedido foi rejeitado.

Em maio deste ano, a maioria dos ministros, no plenário virtual, seguiu voto de Fux, e entendeu que não havia motivos para conceder um salvo-conduto a Battisti. O processo foi arquivado na semana passada.
 

…A última notícia que se tem dele é que estaria morando na cidade de Rio Preto, no interior de São Paulo, onde fez tratamento pelo SUS contra hepatite C. No último recurso que enviou ao STF, o italiano informou ter se casado com a brasileira Joice Passos dos Santos, em 2015. A Justiça de São Paulo reconheceu que o italiano é pai de um menino, nascido em novembro de 2015…

Com seu costumeiro viés reacionário, O Globo chega ao absurdo de continuar desinformando os leitores sobre a segunda condenação italiana de Cesare Battisti, inteiramente lastreada em declarações mentirosas de delatores premiados que tranquilamente descarregaram sobre ele as próprias culpas, supondo que estivesse a salvo da vendetta italiana graças à solene promessa do premiê François Mitterrand (este assegurara aos perseguidos políticos da Itália o direito de viverem e trabalharem em paz na França, desde que não retomassem a militância política).

Casamento de Battisti com Joice Lima em junho de 2015

Assim como agora, a Itália aproveitou a troca de mandatário para tentar obter o troféu há muito ambicionado pelos conservadores e pelos neofascistas de lá: a extradição do escritor que denunciava as arbitrariedades policiais e as farsas jurídicas dos anos de chumbo na Itália, para poder silenciá-lo, trancafiando-o numa masmorra sob regime carcerário extremamente desumano, causador de um sem-número de suicídios de contestadores políticos.


Quanto à desinformação a que aludo acima, trata-se da referência a QUATRO assassinatos. Era a fábula que constava inicialmente da acusação, mas a defesa de Battisti demonstrou a inexistência de tempo hábil para ele locomover-se entre duas cidades distantes onde o grupo Proletários Armados pelo Comunismo desenvolveu duas ações praticamente simultâneas. 

Como o processo era grotesco e burlesco, os promotores simplesmente deram o dito por não-dito, passando a inculpar Battisti por responsabilidade direita em três homicídios e autoria intelectual do quarto (embora jamais tivesse ficado estabelecido que ele fosse o planejador de ações do PAC; na verdade, já deixara este agrupamento quando os fatos ocorreram).
 

E, no Brasil, o tendenciosíssimo relator do processo de extradição no Supremo, Cezar Peluso (um fanático defensor dos dogmas do catolicismo medieval), preferiu adotar a versão derrubada e alterada do que ser fiel aos autos italianos; no que foi caninamente seguido pela grande imprensa brasileira, apesar da infinidade de didáticos desmentidos que Carlos Lungarzo, Rui Martins e eu lhe encaminhamos, todos olimpicamente ignorados.

Finalmente: uma mudança de posição do governo brasileiro hoje atingiria um sexagenário que, vivendo em liberdade há mais de seis anos, jamais infringiu as leis brasileiras nem hostilizou a Itália; manteve-se ativo como escritor, ganhando honestamente seu sustento; constituiu família, tendo agora esposa brasileira e filho brasileiro; tornou-se idoso (está com 62 anos) e faz tratamento de saúde.

Torçamos para que Michel Temer, apesar dos maus conselhos do ex-guerrilheiro Aloysio Nunes Ferreira Filho (um esquerdista que se tornou ultradireitista, como Carlos Lacerda), não queira para si o opróbrio de Getúlio Vargas, que entregou Olga Benário aos nazistas. 

E para que o STF garanta proteção legal ao Cesare, não fazendo do seu filho uma nova Anita Leocádia Prestes, privada de um dos pais devido a uma decisão atroz da Justiça brasileira. 
 

E o motivo para tanto é óbvio e inequívoco: a súmula do Supremo que veda a expulsão de estrangeiro casado com brasileira ou que tenha filho brasileiro. (por Celso Lungaretti)

FACE AOS ABUSOS DE PODER DOS INJUSTOS, APELO À SOLIDARIEDADE DOS JUSTOS

Conforme relato na segunda metade deste texto, a União tem utilizado todo seu arsenal jurídico para retardar o cumprimento da decisão do ministro da Justiça, que em outubro de 2005 me concedeu indenização retroativa por haver tido minha carreira profissional extremamente prejudicada pela ditadura de 1964/85.

 Os leigos podem estranhar a ênfase que a Comissão de Anistia deu ao dano profissional, colocando-o, na fixação das reparações, em plano superior aos transtornos de ordem física, psicológica e moral sofridos pelos resistentes.

Mas, ainda que discutível, o critério tinha lá alguma razão de ser: quase todos que lutamos contra o arbítrio enfrentamos dificuldades imensas em nossas trajetórias profissionais, sujeitos a demissões injustificadas, a uns patrões que não nos empregavam por preconceito ideológico, outros por temerem ser, de alguma forma, prejudicados, etc.

 Assim, um Carlos Heitor Cony, escritor e jornalista consagrado, de repente viu todas as portas se fecharem, exceto uma: só não ficou na rua da amargura porque o direitista Adolpho Bloch lhe estendeu a mão. Ou seja, salvou-o a solidariedade judaica, enquanto lhe faltava a dos que tinham afinidade com seus ideais.

Até o fim da ditadura só consegui trabalhar à margem dos veículos importantes, tendo de atuar em assessorias de imprensa e revistas de cinema e música (nas quais era obrigado a utilizar pseudônimo para não atrair a atenção da censura, e mesmo assim não escapei de um processo desta ordem, que acabou não dando em nada além de muita amolação).

 Minha carreira jornalística foi, ainda, comprometida pela má audição, pois as torturas me causaram uma lesão permanente no tímpano do ouvido direito. Impossibilitado de fazer entrevistas ao vivo, jamais pude trabalhar nas tevês e só atuei em rádio durante um semestre,  na retaguarda.

Os valores que me foram atribuídos pela Comissão de Anistia bastariam para minha subsistência e para fazer frente aos compromissos com meus vários dependentes, desde que recebesse tudo que a portaria ministerial determinou: pensão vitalícia e indenização retroativa.

 Quando a segunda se tornou uma história sem fim, passei a me defrontar com sucessivos apuros financeiros. Minha atuação no Caso Battisti acabou com qualquer chance que ainda pudesse ter de voltar a atuar na grande imprensa (preconceitos relativos à idade também pesam contra mim). Mas, confiante em que o desfecho do mandado de segurança não tardaria, fui sobrevivendo, do jeito que deu. Algumas pequenas heranças me ajudaram a manter-me à tona.

Mas, como o processo se alonga muito além do plausível e aceitável, é cada vez maior minha dificuldade para continuar administrando as situações críticas.

Então, sou obrigado a, como o saudoso Joe Cocker, pedir a little help from my friends (e também dos que, mesmo não sendo meus amigos ou companheiros de ideais, ainda conservaram o espírito de Justiça e a capacidade de indignar-se com os abusos dos poderosos). Eis algumas possibilidades:

  • publicarem e/ou repassarem esta mensagem, pois assim aumentará a chance de chegar às mãos de quem possa solucionar o problema;
  • alertarem associações e cidadãos defensores dos direitos humanos;
  • enviarem mensagens ao novo titular da AGU, José Eduardo Cardozo (Advocacia-Geral da União — Setor de Indústrias Gráficas (SIG) — Quadra 06 — Lote 800 — CEP 70610-460 — Brasília/DF), na esperança de que, também neste caso, eles coloque o dever funcional acima das considerações de outra ordem; e
  • lembrarem/indicarem meu nome a quem estiver precisando de serviços jornalísticos e de assessoria de imprensa. Tenho longa experiência como repórter, redator, editor, editorialista, articulista, crítico e administrador de crises.

Toda ajuda será muito bem-vinda. Iniciei minha militância num momento em que, enfrentando um inimigo bestial, tínhamos bem clara a necessidade de unirmo-nos, independentemente de linhas, facções, partidos e tendências, e até contra as posições mesquinhas de certos dirigentes.

 Quando conseguimos reencontrar este espírito, conquistamos uma vitória épica, salvando o companheiro Cesare Battisti das garras do Berlusconi.  Temos de continuar buscando a união e solidariedade das forças verdadeiramente de esquerda, pois ela será fundamental na travessia dos tempos duros que vêm por aí.

EU, CELSO LUNGARETTI, 65 ANOS, ANISTIADO POLÍTICO, INJUSTIÇADO EM PLENA DEMOCRACIA!

Depondo numa auditoria, após a fase de torturas…

O intertítulo pode parecer bombástico, mas tem sua razão de ser. Pois é verdadeira aberração um mandado de segurança –instrumento criado para o cidadão obter o reconhecimento de um direito líquido e certo que esteja sendo escamoteado pela autoridade pública–, cujo trâmite, por sua própria natureza, deveria ser ágil, estar arrastando-se por mais de nove anos, como acontece com o meu.

Para piorar, o julgamento do mérito da questão foi realizado em 23 de fevereiro de 2011, sem que até agora a decisão tenha sido cumprida, pois desde então a Advocacia Geral da União recorre a uma medida protelatória após outra, sobre aspectos periféricos e secundários, como ser ou não mandado de segurança o instrumento jurídico adequado num caso desses (a corte decidiu que sim, depois de uma eternidade!). Tudo isso pode ser facilmente constatado no site do Superior Tribunal de Justiça; meu processo é o de nº 0022638-94.2007.3.00.0000.

 Assim, de nada adiantou eu haver vencido o julgamento de mérito por 8×0, nem haver derrubado dois embargos de declaração por 7×0 e 8×0. Derrotada no STJ, a AGU conseguiu fazer com que o meu processo fosse colocado na dependência do resultado de outro semelhante, relativo a vários anistiados, que tramita desde 2007 no Supremo Tribunal Federal, no qual sua argumentação é a mesmíssima que o STJ rechaçou por maioria absoluta no meu caso.

…e dias depois de ser preso.

O pomo da discórdia é o pagamento da indenização retroativa concedida pela União a anistiados políticos que tiveram suas carreiras profissionais gravemente prejudicadas pela ditadura de 1964/85. Pela lei e normas da Comissão de Anista do Ministério da Justiça, tal indenização deveria ser paga em até 60 dias após a publicação da decisão do ministro da Justiça referente àquele anistiado.

Depois de esperar mais de um ano que a quantia fosse depositada ou que a União prestasse algum esclarecimento a respeito, dei entrada num mandado de segurança para exigir que a lei fosse cumprida.

Duas ou três semanas depois, todos os anistiados recebemos da União, para devolvermos assinado, um documento pelo qual voluntariamente abdicaríamos do recebimento imediato, concordando com o parcelamento do retroativo em prestações mensais que iriam até dezembro de 2014, ou seja, quase sete anos depois.

E é aqui que a coisa piora mais ainda: se a União cumpriu sua promessa de zerar até dezembro de 2014 o débito que tinha com os milhares de aderentes ao plano de pagamento parcelado e utiliza todo seu arsenal jurídico para retardar o pagamento a uns poucos não aderentes, estabelece-se uma desigualdade injusta e iníqua no universo dos anistiados.

Utilizar medidas protelatórias para retardar o cumprimento de decisões judiciais, aproveitando-se da lerdeza da Justiça brasileira, já se constituía num flagrante abuso de poder, dada a disparidade de forças existente entre simples cidadãos e a poderosa máquina governamental. E, a partir de janeiro de 2015, a pirraça da AGU terá se tornado simplesmente discriminatória, ao negar a alguns o que tantos e tantos iguais já receberam.

A injustiça é clamorosa e gritante. A retaliação contra quem não se curvou aos desejos da Corte, claríssima.

Quanto ao fato de um dos injustiçados ser notório opositor de esquerda aos últimos governos, pode ser ou não coincidência; afinal, entre 2002 e 2005, eu encontrara idênticas dificuldades para fazer com que a Comissão de Anistia respeitasse suas próprias normas de priorização processual, tendo de recorrer a um sem-número de entidades e instituições até conseguir que meu direito fosse, daquela vez, respeitado. Mal sabia que outra via crucis me aguardava adiante.

Ombudsman da “Folha” ou guarda-costas do Reinaldo Azevedo?

Reinaldo Azevedo: pego na mentira.

Há exatas duas semanas a Folha de S. Paulo publicou uma coluna de Reinaldo Azevedo na qual, para satanizar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (o que ele e a veja fazem dia sim, outro também, há anos), mentiu descaradamente sobre o desfecho do Caso Battisti.

Após sustentar que Lula se consideraria “o inimputável da República”, Azevedo foi mais além em suas invencionices manipulatórias:

Vai ver isso decorre daquela maioria excêntrica formada no STF, em 2009, que decidiu que o refúgio concedido a Cesare Battisti era ilegal, mas que cabia a Lula decidir se o terrorista ficaria ou não no Brasil. Ficou. Assim, os excêntricos de toga lhe concederam a licença única para decidir contra a lei.

No mesmo dia (15/01/2016), os três principais defensores de Battisti na batalha de opinião publica outrora travada escrevemos à ombudsman da Folha, Vera Guimarães Martins, pedindo um posicionamento do jornal com relação a quem utiliza suas páginas para falsear a História e insuflar campanhas de ódio.

Eu pedi à ombudsman que cumprisse a sua missão de defender as boas práticas jornalísticas, evitando que fosse estigmatizado um escritor já sexagenário, que está aqui em situação perfeitamente legal e leva vida produtiva e pacata em nosso país, tendo esposa e filho brasileiros.

Cesare Battisti, hoje: um sexagenário pacato e produtivo.

E expliquei o que o Supremo Tribunal Federal realmente decidira, ao cabo de três longas e dramáticas sessões de julgamento, cujas três votações tiveram o mesmo placar de 5×4, atestando a complexidade do assunto que Azevedo pretendeu esgotar de forma tão leviana e superficial:

1. anular a decisão do então ministro da Justiça Tarso Genro de conceder refúgio humanitário a Battisti, por considerar que os motivos alegados eram insuficientes para tanto;

2.     autorizar a extradição de Battisti, solicitada pela Itália;

3.   reafirmar a jurisprudência de que cabe ao presidente da República, como condutor das relações internacionais do País, a palavra final sobre pedidos de extradição.

Foi, portanto, uma mentira cabeluda do Azevedo: Lula não decidiu ‘contra a lei’, apenas exerceu uma prerrogativa presidencial que sempre existiu em nossa tradição republicana.

Azevedo também tenta vincular demagogicamente a terceira decisão à primeira, o que é uma ofensa à inteligência dos leitores da Folha. O refúgio humanitário foi anulado, mas isto apenas impedia Lula de o restabelecer. A decisão presidencial foi outra, a de não autorizar a extradição.

Para Dallari, negar extradição foi “ato de soberania”.

O valoroso jornalista Rui Martins solicitou que se publicasse algo “para retificar erro do colunista Reinaldo Azevedo, em nome da equidade e veracidade  na imprensa”. E deu dois links para a ombudsman informar-se melhor sobre o assunto, em termos legais: um do respeitadíssimo site Consultor Jurídico e outro do maior jurista brasileiro vivo, Dalmo de Abreu Dallari.

E Carlos Lungarzo, professor universitário, escritor e defensor histórico dos direitos humanos, depois de esmiuçar os aspectos jurídicos do caso, desabafou:

A posição da Folha no caso Battisti é conhecida não apenas no Brasil, mas também no exterior, bem como suas interpretações do caso e suas fontes, nem sempre isentas.

Entretanto, a matéria do colunista Reinaldo Azevedo excedeu tudo o que já lemos na Folha e mesmo em outros veículos…

O que fez a ombudsman, diante de tais queixas consistentes, apresentadas por leitores e cidadãos respeitáveis, os três idosos, os três com um currículo inatacável como paladinos dos direitos humanos?

 Passado condena: ajudando Médici a soprar as velinhas.

Nada, absolutamente nada. Nem publicou a retificação que se impunha, nem mesmo respondeu aos três e-mails. Foi uma ofensa inédita: todos os ombudsman anteriores achavam algo para dizer em tais situações, ainda que não passassem de platitudes ou desculpas esfarrapadas.

Ou seja, Vera Martins não cumpriu sua obrigação profissional, não se comportou com um mínimo de civilidade e nem mesmo levou em consideração a condição de idosos dos seus interlocutores.

Ficou muito aquém de sua digna antecessora, Suzana Singer, que teve coragem de discordar da outorga de um espaço semanal para Reinaldo Azevedo fazer sua panfletagem ultradireitista, argumentando que no jornalismo impresso “espera-se mais argumento e menos estridência; mais substância, menos espuma; do contrário, a Folha estará apenas fazendo barulho e importando a selvageria que impera no ambiente conflagrado da internet”.

Mas, só pessoas muito especiais ousam remar contra a corrente. E Reinaldo Azevedo parece ser exatamente o tipo de colunista que a Folha gosta de ter, tanto que acaba de admitir um filhote do dito cujo como colunista júnior no seu site.

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Meus leitores habituais já sabem que tenho ojeriza profunda aos fanáticos religiosos que exumaram e exacerbaram o terrorismo clássico. Vale a pena explicar os motivos.

Ao contrário de considerável parcela dos articulistas ditos de esquerda, li muito Marx, Engels, Lênin e Trotsky nos meus anos de formação política. E aprendi que a abolição do capital e o fim da sociedade de classes seriam o coroamento da marcha civilizatória, o final de uma longa caminhada das trevas para as luzes, do tacão da necessidade para a plenitude da liberdade.

Então, como os autores citados, só posso considerar patética a tentativa de fazer o relógio da História retroceder à Idade Média, quando os pastores de cabras aceitavam que a idiotia religiosa regesse cada esfera da vida social e da moral individual, e acreditavam que dizimar infiéis lhes abriria as portas do paraíso.

Desde o aiatolá Khomeini, sou totalmente contrário ao oportunismo da má parte da esquerda que, trocando o marxismo pela geopolítica, alinha-se com os inimigos da civilização, apenas porque, circunstancialmente, estão na contramão de EUA, Israel, França ou qualquer outro vilão da vez. É simplesmente aberrante a esquerda, filha do iluminismo, dar as mãos a quem quer anular o iluminismo e todas as suas consequências!

Também me irrita profundamente a forma como os terroristas de Alá ajudam a indústria cultural a incutir no cidadão comum a paranoia face aos diferentes. Num momento em que o capitalismo putrefato o expõe aos piores rigores econômicos e à vingança da natureza, a existência de um bicho papão é mais do que conveniente para quem pretende mantê-lo submisso e conformado, encarando as catástrofes climáticas como fatalidades, a desigualdade como ordem natural das coisas e a polícia como protetora, suportando sem chiar as  agruras nossas de cada dia.

O que a indústria cultural insidiosamente incute nos seus públicos, martelando sem parar? A sensação de que tudo vai bem na vidinha de todos até que surge qualquer ameaça externa, como assassinos seriais, zumbis ou… terroristas. Os papalvos devem prezar a normalidade e temer unicamente aquilo que a quebre. É onde se encaixa, como uma luva, a bestial matança perpetrada pelo Estado Islâmico na 6ª feira 13.

Desconheço autoproclamados inimigos do sistema mais convenientes para o dito cujo do que os carniceiros de Alá. O ataque pirotécnico da Al Qaeda ao WTC deu pretexto a uma longa e terrível temporada internacional de estupro dos direitos humanos, da qual finalmente estávamos emergindo quando o EI entrou em cena para fornecer novos e valiosos trunfos propagandísticos para os trogloditas da direita. Se depender dos jihadistas, a guerra ao terror nunca acabará.

Por último, os verdugos de Alá, com seus atentados covardes contra civis e suas repugnantes execuções de prisioneiros, agridem de tal forma a sensibilidade dos cidadãos equilibrados que facilitam a disseminação de preconceitos contra qualquer forma de resistência armada a governos totalitários.

A direita deita e rola nesse clima de rancor cego, que propicia a satanização dos combatentes que, em situação de extrema inferioridade de forças, desafiaram heroicamente o terrorismo de estado nos anos de chumbo; propiciou a satanização de Cesare Battisti, mediante a afixação de um rótulo que nem sequer fora utilizado no momento dos acontecimentos (a Justiça italiana não o acusou nem condenara como terrorista). Serve para tentar socar-nos goela adentro uma lei que permitirá enquadrar as mais inofensivas formas de protesto como crimes gravíssimos.

Sou veterano de uma organização armada que erigia como inimigos apenas os torturadores, assassinos e dirigentes da ditadura militar, fazendo tudo para evitar que civis e os inconscientes úteis apanhassem as sobras dos confrontos. Preferíamos sacrificarmo-nos do que sacrificar os inocentes. Então, é chocante ao extremo para mim constatar a falta de um mínimo resquício de humanidade, de compaixão, de empatia com outros seres humanos, nesses autômatos de Alá.

Mandar bala em jovens que alegremente socializavam num boteco é coisa de nazista, de psicopata! Para tentar compreender personalidades tão monstruosas, só mesmo uma abordagem psicanalítica como a do escritor português João Pereira Coutinho (vide íntegra aqui), com a qual encerro esta divagação:

…quando olho para o rosto dos terroristas, o que vejo é a felicidade da matança. Eles não matam apenas por uma religião (que mal estudaram) ou por razões geopolíticas (que nem sequer entendem).

Eles matam porque gostam de matar. Como dizia Ernst Jünger, eles estão tomados pela ‘vermelha embriaguez do sangue’.

…o que me interessa no relato [de Jünger em seu livro A Guerra como Experiência Interior] é a dimensão de êxtase que o combatente sente na batalha. A sociedade pode refrear ‘a pulsão dos apetites e dos desejos’, escreve ele (como escreveu Freud). Mas a parte bestial do ser humano não pode ser abolida da nossa natureza.

Somos feitos de razão e sentimento. Mas também de fúria e instinto. E, quando provamos a loucura da guerra, emergimos como ‘o primeiro homem’, o homem das cavernas.

…embalados pelo conforto da paz, somos incapazes de entender, muito menos aceitar, a felicidade dos terroristas. A felicidade de homens como nós que provaram e gostaram do sangue. E que exatamente por isso querem mais e mais e mais –até que a morte nos separe.

OUTROS POSTS RECENTES DO BLOGUE NÁUFRAGO DA UTOPIA (clique p/ abrir):

O Exército o executou. Os clubes militares torturam sua família.

Assim como uma juíza de 1ª instância do DF tentou alterar o que o Supremo Tribunal Federal e o presidente da República decidiram com relação ao escritor Cesare Battisti, recebendo um enfático puxão de orelhas de autoridade judiciária superior, agora é a vez de um juiz substituto da 1ª instância do RJ querer, com uma penada, anular todo o entendimento dos povos civilizados e do Estado brasileiro sobre o direito de resistência à tirania.

Carlos Lamarca e quaisquer outros que pegaram em armas quando usurpadores do poder submetiam o povo brasileiro ao arbítrio e à truculência têm todo direito de receberem tratamentos de heróis e vítimas; e de serem (ou suas famílias) indenizados(as) pelos danos físicos, psicológicos, morais e profissionais que lhes foram infligidos pelos tiranos e seus esbirros.

Em termos morais, aliás, é inacreditável que se questione exatamente a reparação de um brasileiro capturado com vida e executado a sangue-frio por forças ajagunçadas do Estado. O ignóbil e covarde assassinato de Lamarca manchará para sempre a farda do Exército Nacional.

Vale lembrar que até mesmo o cabo Anselmo, uma das figuras históricas mais deploráveis dos anos de chumbo, teria direito à reparação. caso sua colaboração com as forças repressivas datasse de depois do golpe.

Ou seja, seria mais uma vítima  da quebra da ordem institucional no nefando 1º de abril de 1964, embora houvesse, em seguida, se tornado um dos piores vilões do período.

A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, contudo, negou-lhe o benefício porque conseguiu provar que ele era um agente duplo desde bem antes, quando liderava movimentos de marinheiros e, na verdade, agia como provocador, estimulando uma radicalização que convinha ao esquema golpista.

Enfim, a ação movida pelos clubes militares tem endereço certo, a lata de lixo. Lamentavelmente, o pagamento de reparações aos herdeiros de Lamarca continuará suspenso enquanto a sentença iníqua não for corrigida por instância superior, como inevitavelmente será.

É vergonhoso que esta situação perdure 43 anos após o bestial homicídio de um dos maiores heróis e mártires do povo brasileiro. Os verdadeiros democratas não podem continuar omitindo-se, como muitos têm feito até agora.

(clique aqui para acessar o vídeo do filme Lamarca)

COMANDANTE CARLOS LAMARCA (1938-1971): VENCER OU MORRER!

Já lá se vão 43 anos e oito meses desde que o comandante Carlos Lamarca, debilitado e indefeso, foi covardemente executado pela repressão ditatorial no sertão baiano, em setembro de 1971, numa típica  vendetta  de gangstêres.

O que há, ainda, para se dizer sobre Lamarca, o personagem brasileiro mais próximo de Che Guevara, por história de vida e pela forma como encontrou a morte?

Foi, acima de tudo, um homem que não se conformou com as injustiças do seu tempo e considerou ter o dever pessoal de lutar contra elas, arriscando tudo e pagando um preço altíssimo pela opção que fez.

Teve enormes acertos e também cometeu graves erros, praticamente inevitáveis numa luta travada com tamanha desigualdade de forças e em circunstâncias tão dramáticas.

Mas, nunca impôs a ninguém sacrifícios que ele mesmo não fizesse. Chegava a ser comovente seu zelo com os companheiros –via-se como responsável pelo destino de cada um dos quadros da Organização e, quando ocorria uma baixa, deixava transparecer pesar comparável ao de quem acaba de perder um ente querido.

Dos seus melhores momentos, dois me sensibilizaram particularmente.

Logo depois do Congresso de Mongaguá (abril/1969), quando a VPR saía de uma temporada de luta interna e de  quedas  em cascata, o caixa estava a zero e a rede de militantes, clandestinos em sua maioria, carecia desesperadamente de dinheiro para manter as respectivas  fachadas.

Qualquer anomalia, mesmo um atraso no pagamento de aluguel, poderia atrair atenções indesejáveis.

Mas, o chamado  grupo tático  fora o setor mais duramente golpeado pelas investidas repressivas.

Então, quando se planejou a expropriação simultânea de dois bancos vizinhos, na zona Leste paulistana, o pessoal experiente que sobrara não bastava para levá-la a cabo.

Eu e os sete companheiros secundaristas que acabáramos de ingressar na Organização fomos todos escalados –na enésima hora, entretanto, chegou a decisão do Comando,  designando-me para criar e coordenar um setor de Inteligência, então fiquei de fora.

Lamarca, procuradíssimo pelos órgãos repressivos, fez questão de estar lá para proteger os recrutas no seu batismo de fogo. Os outros quatro comandantes tudo fizeram para demovê-lo, em nome da sua importância para a revolução. Em vão. A lealdade para com a  tropa  nele falava mais alto.

Depois de muita discussão, chegou-se a uma solução de compromisso: ele não entraria nas agências, mas ficaria observando à distância, pronto para intervir caso houvesse necessidade.

Houve: um guarda de trânsito, alertado por transeunte, postou-se na porta de um dos bancos, arma na mão, pronto para atingir o primeiro que saísse.

Lamarca, que tomava café num bar a 40 metros de distância, só teve tempo de apanhar seu .38 cano longo de competição, mirar e desferir um tiro dificílimo –tão prodigioso que, no mesmo dia, a ditadura já percebeu quem fora o autor. Só um atirador de elite seria capaz de acertar.

Como resultado, a repressão teve pretexto para fazer de Lamarca o  inimigo público nº 1 — e, claro, o fez. A imagem dele foi difundida à exaustão, obrigando-o a redobrar cuidados e até a submeter-se a uma cirurgia plástica.

Também teve de brigar muito com os demais dirigentes e militantes, para salvar a vida do embaixador suíço Giovanni Butcher, quando a ditadura se recusou a libertar alguns dos prisioneiros pedidos em troca dele e ainda anunciou que o Eduardo Leite (Bacuri) morrera ao tentar fugir.

Dá para qualquer um imaginar a indignação resultante –afinal, as dantescas circunstâncias reais da morte do  Bacuri (vide aqui) ficaram conhecidas na Organização.

Mesmo assim Lamarca não arredou pé, usando até o limite sua autoridade para evitar que a VPR desse aos inimigos o monumental trunfo que as Brigadas Vermelhas mais tarde dariam, ao executarem Aldo Moro. Sua posição prevaleceu, mas o episódio foi tão traumático que acabou tendo grande peso na sua decisão de deixar a VPR.

E, no MR-8, novamente divergiu da maioria dos companheiros –quanto à sua salvação.

Pressionaram-no muito para que saísse do Brasil, preservando-se para etapas posteriores da luta, pois em 1971 nada mais havia a se fazer. Aquilo virara um matadouro.

Conhecendo-o como conheci, tenho a certeza absoluta de que não perseverou por acreditar numa reviravolta milagrosa. Em termos militares, suas análises eram as mais realistas e acuradas. Nunca iludia a si próprio.

O motivo certamente foi a incapacidade de conciliar a ideia de  fuga  com todos os horrores já ocorridos, a morte e os terríveis sofrimentos infligidos a tantos seres humanos idealistas e valorosos. Fez questão de compartilhar até o fim o destino dos companheiros, honrando a promessa, tantas vezes repetida, de vencer ou morrer.

Doeu –e como!– vermos os militares exibindo seu cadáver como troféu, da forma mais selvagem e repulsiva.

Mas, ele havia conquistado plenamente o direito de desconsiderar fatores políticos e decidir apenas como homem se preferia viver ou morrer.

Deportação de Battisti: a entrevista do procurador ARAS é ou não a ponta de um iceberg?

Battisti: interminável via crucis.

A rocambolesca ordem de detenção de Cesare Battisti (cumprida na tarde do último dia 12 e revogada sete horas depois), atropelou flagrantemente o rito legal, já que antes deveriam ser apreciadas as contestações judiciais já protocoladas e as muitas outras cabíveis contra a sentença de deportação proferida pela juíza de 1ª instância. A possibilidade de detenção só deveria entrar em pauta no final da batalha jurídica, depois de transpostas várias instâncias; ou seja, daqui a alguns anos.

Isto suscitou no advogado Igor Tamasauskas e nos apoiadores do escritor italiano, a partir de paralelos com episódios escabrosos de outros países, fortes suspeitas de que tivesse sido uma tentativa de sequestro relâmpago (como qualificou o professor universitário Carlos Lungarzo, que atua há décadas na defesa dos direitos humanos).

O objetivo final seria o de criar-se um fato consumado: a entrega de Battisti à França, onde existe uma ordem de extradição pendente contra ele. Evidentemente, como o presidente da República e a mais alta corte brasileira proibiram a sua repatriação forçada, ficou automaticamente vedada qualquer triangulação para atingir-se o mesmo resultado por meio de tramoias e atalhos jurídicos.

Lungarzo: “sequestro relâmpago”.

As suspeitas se robusteceram quando se soube de uma entrevista do procurador Vladimir Aras, publicadas neste site italiano.

Eis como Lungarzo traduziu as declarações mais melindrosas de Arras:

Existe uma longa história de colaboração entre a Itália e o Brasil. Em 1984, o Brasil extraditou Tomasso Buscetta e esta operação contribuiu muitíssimo para selar as relações entre os dois países. A ajuda do Brasil foi determinante para a Itália no processo de desmantelamento da Cosa Nostra [a Máfia siciliana].

[Indagado sobre o que deu errado no que pode ter sido uma tentativa de despacharem Cesare Battisti ilegalmente para a França] Acontece que não houve tempo. Foi só uma questão de tempo…

…Um juiz federal [a juiza Adverci Rates Mendes de Abreu] decidiu que Battisti deveria ser expulso do Brasil porque, tendo sido condenado em última instância noutro país, não pode ter visto de residente permanente.

…o juiz [a juíza] ordenou a deportação de Battisti e, para dar execução imediata a esta decisão, o Ministério Público Federal requereu uma ordem cautelar para o fim de prender Battisti assim como, de fato, aconteceu, e escoltá-lo ao aeroporto para deportá-lo à França.

Procurador Aras: no mínimo, falou demais.

…enquanto eram feitos os procedimentos de documentação emergencial para a viagem, a defesa de Battisti decidiu recorrer ao Tribunal Regional Federal do Brasil, e o presidente do Tribunal suspendeu a decisão de primeiro grau da Justiça federal de Brasília [porque, justificou, ‘a posição de Battisti não pode mais ser decidida num processo que trâmite na Justiça Federal, mas, apenas por uma decisão do presidente da República e do Supremo Tribunal Federal’].

Foi só um problema de tempo porque, se o Tribunal não houvesse suspendido a decisão, Battisti estaria hoje na França.

A informação foi passada para um veículo da grande imprensa, que está apurando o episódio.

Pesquisando no Google, encontrei o currículo do procurador:

Vladimir Aras, soteropolitano, nascido em 1971, é mestre em Direito Público pela UFPE, professor assistente de Processo Penal na Universidade Federal da Bahia (Ufba), membro do Ministério Público Federal no cargo de procurador Regional da República, secretário de Cooperação Jurídica Internacional da PGR, membro do Grupo de Trabalho em Crime Organizado… 

Episódio nos trouxe más lembranças

Ele edita o Blog do Vlad e está no Twitter.

Não há post que aborde, especificamente, o episódio do último dia 12, mas, em vários outros, ele deixa transparecer muita hostilidade a Battisti.

No mínimo, jamais deveria ter abordado com tamanha sem-cerimônia um assunto que, sendo ele o secretário de Cooperação Jurídica Internacional, tem algo a ver com suas incumbências na PGR.

Mas, só mesmo uma investigação jornalística criteriosa esclarecerá se Arras esteve de alguma forma envolvido num complô ou, como muitos pavões que, diante de um microfone, tentam parecer mais importantes do que são, apenas elucubrou.

Coincidência: o Caso Battisti quase voltou à tona bem na véspera do domingo de protestos…

O pobre Battisti está se tornando alvo preferencial…

Se a decisão da juíza de 1ª instância que persegue Cesare Battisti e ordenou sua abusiva detenção não tivesse sido revogada sete horas depois, certamente haveria cartazes demagógicos erguidos e palavras-de-ordem a ele referentes sendo gritadas nas manifestações de protesto do próximo domingo, 15.

Como afirmei antes mesmo do desfecho do factoide se delinear, esta deveria ser “a única consequência prática de mais uma iniciativa arbitrária, rancorosa, descabida e destinada a ser inevitavelmente corrigida pelas instâncias superiores”.

Acrescentei que a meritíssima estava “simplesmente tentando contornar uma decisão do presidente da República, confirmada pelo Supremo Tribunal Federal, mediante a utilização de um atalho legal”.

Isto porque a extradição fora vetada pelas mais altas autoridades brasileiras, mas, enviando-se Battisti para a França (que aprovou sua extradição na década passada), o efeito seria exatamente o mesmo que a Itália pretendeu obter daquela vez e nosso País rechaçou.

…dos Mendes, Pelusos e Advercis.

Ao ordenar a “soltura imediata” do escritor, o desembargador Cândido Ribeiro, presidente do Tribunal Regional Federal na 1ª Região (DF), veio ao encontro da minha sensibilidade de jornalista e defensor dos direitos humanos:

…o fato é que sua [de Battisti] situação de permanência no Brasil, decidida pela Suprema Corte e pelo exmo. sr. presidente da República, não pode mais estar submetida a um novo processo judicial iniciado na Justiça comum federal que, salvo melhor juízo, não é a instância revisora dos atos impugnados.

O advogado de Battisti, Igor Sant’Anna Tamasauskas, bateu na mesma tecla, de forma mais direta:

Não cabe a uma juíza de primeiro grau decidir sobre a deportação dele. (…) Por meio do habeas corpus, o caso foi resolvido com a celeridade que precisávamos e a Justiça foi feita. Agora acreditamos que as coisas vão entrar no eixo.

Juíza do DF tenta reabrir a temporada de caça a Cesare Battisti

DEPORTAÇÃO DE BATTISTI? MUITO BARULHO POR NADA!

Uma juíza do Distrito Federal tomou a esdrúxula decisão de tentar reverter o status de refugiado do escritor italiano Cesare Battisti em nosso país.

Apesar da euforia com que a grande imprensa está saudando a novidade, a meritíssima mesma não cogita a extradição de Battisti para a Itália, pois reconhece que seria uma afronta à decisão em contrário do presidente da República, reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal.

Eis o principal de sua algaravia:

No presente caso, trata-se, na verdade, de estrangeiro em situação irregular no Brasil, e que por ser criminoso condenado em seu país de origem por crime doloso, não tem o direito de aqui permanecer, e portanto, não faz jus à obtenção nem de visto nem de permanência. Ante o exposto, julgo procedente o pedido para declarar nulo o ato de concessão de permanência de Cesare Battisti no Brasil e determinar à União que implemente o procedimento de deportação aplicável ao caso…”

 “…os institutos da deportação e da extradição não se confundem, pois a deportação não implica em afronta à decisão do presidente da República de não extradição, visto que não é necessária a entrega do estrangeiro ao seu país de nacionalidade, no caso a Itália, podendo ser para o país de procedência ou outro que consinta em recebê-lo(os grifos são meus).

Ou seja, ainda que tal besteirinha prevalecesse nas outras instâncias do Judiciário às quais será sucessivamente submetida  (inclusive o STF que, caso tenha de manifestar-se, certamente manterá seu entendimento anterior), o risco para o Cesare seria apenas o de ser deportado para outro país qualquer, e não o de ser extraditado para a Itália.

A probabilidade de que isto aconteça, contudo, é mínima. Em termos legais, a balança pende acentuadamente para o lado dos patronos de Battisti e da Advocacia Geral da União, que já anunciou sua decisão de participar do caso, defendendo as prerrogativas presidenciais.

Shakespeare explica: é muito barulho por nada.

OBSERVAÇÃO: Até as 24 horas da próxima 6ª feira (6), o eBook da Amazon de Os Cenários ocultos do Caso Battisti, alentada obra do professor Carlos Lungarzo, defensor dos direitos humanos e membro do comitê de solidariedade ao escritor, poderá ser baixado gratuitamente, conforme ele explica no seu blogue.

RESUMO DO CASO BATTISTI, UMA EPOPÉIA LIBERTÁRIA EM TERRAS BRASILEIRAS.

Foi um Caso Dreyfus ou Sacco e Vanzetti com final feliz

Neto, filho e irmão mais novo de comunistas, Cesare Battisti engajou-se naturalmente na Juventude do PCI e, aos 13 anos, já participava dos protestos estudantis que marcaram o 1968 europeu.

Depois, no cenário radicalizado do pós-1968, o ardor da idade, também naturalmente, o foi conduzindo cada vez mais para a esquerda: do PCI à Lotta Continua, desta à Autonomia Operária, até desembocar no Proletários Armados para o Comunismo, pequena organização regional com cerca de 60 integrantes.

Participou de assaltos para sustentar o movimento — as  expropriações de capitalistas — e não nega. Mas, assustado com a escalada de violência desatinada — cujo ápice foi a execução do sequestrado premiê Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas — desligou-se em 1978, logo após o primeiro assassinato reivindicado por um núcleo dos PAC, do qual só tomou conhecimento  a posteriori, recebendo-o com indignação.

Já era um mero foragido sem partido quando os PAC vitimaram outras três pessoas, no ano seguinte.

Detido, foi condenado em 1981 pelo que realmente fez (participação em grupo armado, assalto e receptação de armas), mas a uma pena rigorosa demais (12 anos), característica dos  anos de chumbo  na Itália, quando se admitia até a permanência de um suspeito em prisão PREVENTIVA por MAIS DE 10 ANOS!!!

Mitterrand recebia bem os perseguidos italianos

Resgatado em outubro de 1981, por uma operação comandada pelo líder dos PAC, Pietro Mutti, abandonou a Itália, a luta armada e a própria participação política, ocultando-se na França, depois no México, onde iniciou sua carreira literária.

Aceitando a oferta do presidente François Mitterrand — abrigo permanente para os perseguidos políticos italianos que se comprometessem a não desenvolver atividades revolucionárias em solo francês –, levava existência pacata e laboriosa há 14 anos, quando, em 2004, a Itália o escolheu como alvo.

Tinha sido um personagem secundário e obscuro nos  anos de chumbo, quando cerca de 600 grupos e grupúsculos de ultraesquerda se constituíram na Itália. O fenômeno ganhou maiores proporções porque muitos militantes sinceros de esquerda foram levados ao desespero pela  traição histórica  do PCI, que tornou a revolução inviável num horizonte visível ao mancomunar-se com a reacionária, corrupta e mafiosa Democracia Cristã.

Destes 600, um terço esteve envolvido em ações armadas.

“POR QUE EU?” – Nem os PAC tinham posição de destaque na ultraesquerda, nem Battisti era personagem destacado dos PAC. Foi apenas a válvula de escape de que o  delator premiado  Pietro Mutti e outros  arrependidos, em depoimentos escandalosamente orquestrados, serviram-se para obter reduções de pena: estava a salvo no exterior, então poderiam descarregar sobre ele, sem dano, as próprias culpas.

Num tribunal que só faltou ser presidido por Tomás de Torquemada, Battisti acabou sendo novamente julgado na Itália e condenado à prisão perpétua em 1987.

A sentença se lastreou unicamente no depoimento desses prisioneiros que aspiravam a obter favores da Justiça italiana — cujas grotescas mentiras se evidenciaram, p. ex., na atribuição da autoria direta de dois homicídios quase simultâneos a Battisti, tendo a acusação de ser reescrita quando se percebeu a impossibilidade material de ele estar de corpo presente em ambas as cidades.

O Tribunal do Santo Ofício, de triste memória.

Depois, provou-se de forma cabal que Battisti não só fora representado por advogados hostis (pois defendiam arrependidos cujos interesses conflitavam com os dele), como também falsários (pois forjaram as procurações que os davam como seus patronos).

Battisti escapara das garras da Justiça italiana, então valia tudo contra ele. Mas, ainda, como  vilão  menor.

Passou a ser encarado como um  vilão  maior quando alcançou o sucesso literário. Tinha muito a revelar sobre o  macartismo à italiana  dos anos de chumbo, tantas vezes denunciado pela Anistia Internacional e outros defensores dos direitos humanos.

Foi aí, em 2004, que a Itália direcionou suas baterias contra Battisti, investindo pesado em persuasões e pressões para que a França desonrasse a palavra empenhada por um presidente da República. Tudo isto facilitado pela voga direitista na Europa e pela histeria insuflada  ad nauseam  a partir do atentado contra o WTC.

Ao mesmo tempo que concedia a extradição antes negada, a França, por meio do seu serviço secreto, facilitou a evasão de Battisti. A habitual duplicidade francesa.

VÍTIMA DE DOIS SEQUESTROS NO BRASIL – E o pesadelo se transferiu para o Brasil, onde o escritor teve a infelicidade de encontrar, no STF, dois inquisidores dispostos a tudo para entregarem o troféu a Silvio Berlusconi.

Preso em março/2007, seu caso deveria ter sido encerrado em janeiro/2009, quando o então ministro da Justiça Tarso Genro lhe concedeu refúgio.

Tarso Genro concedeu-lhe refúgio

Mas, ao contrário do que estabelecia a Lei do Refúgio, bem como da jurisprudência consolidada em episódios anteriores, o relator Cezar Peluso manteve Battisti sequestrado, na esperança de convencer o STF a revogar (na prática) a Lei e jogar no lixo a jurisprudência.

Apostando numa hipótese coerente com suas convicções pessoais (conservadoras, medievalistas e  reacionárias), Peluso manteve encarcerado quem deveria libertar.

Ele e o então presidente Gilmar Mendes atraíram mais três ministros para sua aventura que, em última análise, visava erigir o Supremo em alternativa ao Poder Executivo, esvaziando-o ao assumir suas prerrogativas inerentes. A criminalização dos movimentos sociais também fazia, obviamente, parte do  pacote.

Foram juridicamente aberrantes as duas primeiras votações, em que o STF, por 5×4, derrubou uma decisão legítima do ministro da Justiça e autorizou a extradição de um condenado por delitos políticos, ao arrepio das leis e tradições brasileiras.

Como na nossa ditadura militar, delitos políticos foram falaciosamente  metamorfoseados  em crimes comuns — a despeito da sentença italiana, dezenas de vezes, imputar a Battisti a subversão contra o Estado italiano e enquadrá-lo numa lei instituída exatamente para combater tal subversão!

A  blitzkrieg  direitista foi detida na terceira votação, quando Peluso e Mendes tentavam  automatizar  a extradição, cassando também uma  prerrogativa do presidente da República, condutor das relações internacionais do Brasil.

Contra este acinte à Constituição insurgiu-se um ministro legalista, Carlos Ayres Britto. Também por 5×4, ficou definido que a decisão final continuava sendo do presidente da República, como sempre foi.

Sabendo que Luiz Inácio Lula da Silva não se vergaria às afrontosas pressões italianas, o premiê Silvio Berlusconi já se conformava com a derrota em fevereiro de 2010, pedindo apenas que a pílula fosse dourada para não o deixar muito mal com o eleitorado do seu país.

Mesmo assim, quando Lula encerrou de vez o caso, Peluso apostou numa nova tentativa de virada de mesa. Ao invés de libertar Battisti no próprio dia 31/12/2010, que era o que lhe restava fazer segundo o ministro Marco Aurélio de Mello e o grande jurista Dalmo de Abreu Dallari, manteve-o, ainda, sequestrado.

Parlamentares foram se solidarizar a Battisti na Papuda

E o sequestro, desta vez, saltou aos olhos e clamou aos céus. Só não viu quem não quis.

O STF acabou decidindo, por sonoros 6×3 (só Ellen Gracie embarcou na canoa furada de Peluso e Mendes), que não havia mais motivo nenhum para o processo prosseguir nem para Battisti ser mantido preso. Isto depois da dobradinha Peluso/Mendes ter cerceado arbitrariamente sua liberdade por mais cinco meses e oito dias.

Depois, em maio de 2014, o Superior Tribunal de Justiça considerou extinta a acusação contra Battisti, por ter usado documentação falsa quando entrou no Brasil; trata-se de um expediente ao qual usualmente recorrem os perseguidos políticos, sem serem por isto penalizados.

Sua condição legal, contra a qual uma juíza do DF se insurgiu (sua aberrante decisão deverá ser corrigido nas instâncias superiores, claro!), é a de residente permanente no Brasil.

OBSERVAÇÃO: Até as 24 horas da próxima 6ª feira (6), o eBook da Amazon de Os Cenários ocultos do Caso Battisti, alentada obra do professor Carlos Lungarzo, defensor dos direitos humanos e membro do comitê de solidariedade ao escritor, poderá ser baixado gratuitamente, conforme ele explica no seu blogue.