O jornalista Reinaldo Azevedo fez acusações gravíssimas contra o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal:
— quando visitava senadores para angariar apoio à sua pretensão de tornar-se ministro do STF, Fachin teria estado num jantar com Joesley Batista, na mansão do empresário em Brasília, lá permanecendo das 21 horas até as 6 horas do dia seguinte;
— um dos presentes teria sido o senador Renan Calheiros, que até então não estaria vendo Fachin como um bom nome para o Supremo;
— depois da longa conversa, Calheiros teria mudado de opinião.
Há mais, segundo RA:
“Todo mundo sabe em Brasília que Fachin visitou o gabinete de alguns senadores, quando ainda candidato ao posto, escoltado por ninguém menos do que Ricardo Saud, que vinha a ser justamente o homem da mala da J&F. Era ele que pagava boa parte dos benefícios a quase 2 mil políticos, na contabilidade admitida pelo próprio Joesley“.
…dependendo de qual deles consiga botar os pingos nos is.
Ou seja, insinuações à parte, a J&F teria atuado efetivamente em favor da candidatura de Fachin ao Supremo, com este, contudo, não se declarando depois impedido de aprovar a delação premiada dos executivos dessa empresa.
Se isto for verdade, Fachin terá descumprido seu dever de distanciar-se de um processo com o qual teria envolvimento de ordem pessoal.
Pior: desempenhou papel decisivo para que fosse aprovada a criticadíssima delação premiada da J&F, dando ensejo a que sua atuação possa agora ser vista como retribuição do favor prestado por um bandido.
Inexistindo um esclarecimento convincente do Fachin, não só sua decisão relativa à delação da J&F teria de ser anulada, como a relatoria do petrolão precisaria trocar de mãos e sua própria condição de ministro do Supremo se tornaria insustentável.
Se, pelo contrário, ele comprovar que tudo não passa de uma falsidade, tem de tomar imediatamente as mais rigorosas providências possíveis contra o autor de tão infamante calúnia.
Trata-se de um episódio que clama por esclarecimento cabal e punição exemplar, seja do que terá escondido uma informação que o desqualificaria para uma tarefa importante, seja do que terá espalhado aos quatro ventos uma mentira cabeluda.
A única coisa que não pode é nada acontecer a nenhum dos dois.
Como se previa, a presidente Dilma Rousseff não compareceu no sábado passado (27) à comemoração dos 36 anos do Partido dos Trabalhadores, livrando-se do mico de escutar pessoalmente críticas à direitização do seu governo (e eventuais vaias).
Mandou uma carta em seu lugar. Na qual, lá pelas tantas, afirma que tem “um compromisso inquebrantável com a estratégia de desenvolvimento pela qual tanto lutamos”.
Faltou explicar por que, cargas d’água, trocou tal estratégia, nos últimos 14 meses, pelas medidas de austeridade características do neoliberalismo.
Também esqueceu que roupa suja se lava em casa. Não era o Chile o palco certo, nem a chegada para almoçar com a presidente Michelle Bachelet a ocasião apropriada para espinafrar o seu partido: “Eu não governo só para o PT, eu governo para 204 milhões de brasileiros”, “Um partido é um partido, um governo é um governo”, etc.
Mesmo estando com isto entalado na garganta, deveria conter-se, mantendo a compostura, para depois dar o recado às pessoas certas, na cara delas. Certamente as encontraria na festa à qual esquivou-se de comparecer, mas preferiu desabafar para as lhamas, a mais de 3 mil quilômetros de distância.
Ao encaixar à última hora na sua agenda chilena um novo e nada urgente compromisso (ida à Cepal), desculpa esfarrapada para ausentar-se da festa do PT, ela parece ter acatado o conselho de inimigo dado na véspera pelo blogueiro mais reacionário da revista veja:
“…se Dilma tem um mínimo de juízo, não tem de ir mesmo. Já está claro que o evento serve para cantar as glórias de Lula, que será tratado como o presidente eterno do Brasil, aquele que inventou o país. E ela entra como a bruxa da hora“.
Enfim, depois de ter escolhido Luís Carlos Trabuco (presidente do Bradesco) como seu principal conselheiro econômico, não será de espantar se Dilma fizer do Reinaldo Azevedo seu guru político.
O certo é que ela está manobrando para emancipar-se do PT, na esperança de, com uma saída pela direita, escapar do impeachment ou da cassação do seu mandato pelo TSE. “A Dilma está querendo se distanciar do PT. É um movimento consciente”, afirmou o senador Lindbergh Farias (PT-RJ),
O cientista político e jornalista André Singer, que foi secretário de Imprensa no Governo Lula, é outro que veio ao encontro da avaliação que eu fizera na 6ª feira:
“Na medida que o ex-presidente fica na berlinda, aumenta a tentação da atual mandatária salvar-se por conta própria. Há indícios de que o Planalto cedeu à ilusão de que se cumprir o programa liberal completo receberá salvo conduto para cumprir o resto do mandato, mesmo que Lula e o PT se estrepem“.
Com isto, avalia Singer, ela queimará suas pontes com a esquerda, ficando na exclusiva dependência de ser acolhida pelos inimigos:
“Ao separar-se de Lula, Dilma serra o galho no qual está precariamente sentada. A ameaça de conter os aumentos do salário mínimo e de reduzir a participação da Petrobras no pré-sal alienam os últimos redutos de apoio à presidente reeleita. Consultado, o antigo mandatário não a deixaria bater de frente com os movimentos sociais“.
Seria, claro, uma jogada desesperada. A esta altura do campeonato, PSDB e PMDB não precisam assumir o poder pelas mãos de Dilma (que ficaria reduzida a uma rainha da Inglaterra), pois estão a um passo de consegui-lo chutando Dilma. A menos que sua permanência, como presidente figurativa, seja útil para os dois partidos não se entredevorarem na disputa pela chefia do governo…
Quanto ao PT, talvez a última rodada de prisões e escândalos já o tenha convencido de que, ao lado de Dilma, não permanecerá no poder: ou ela será afastada ou cooptada. Então, com as reações estridentes demais à flexibilização do pré-sal (pois esta ainda poderá ser revertida adiante), talvez esteja preparando seus efetivos para uma saída pela esquerda.
Ou seja, como não teria futuro nenhum disputando espaço com centristas e direitistas, só lhe resta reassumir as bandeiras de outrora e tentar ser o principal partido de oposição à nova configuração do poder.
Torcendo para serem rapidamente esquecidos estes 14 meses em que deu sustentação a um governo neoliberal.
RESUMO DA OPERETA
Como disse o escritor Giuseppe Lampedusa, “para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude”. A situação calamitosa da economia brasileira tornou imperativa a alternância de poder, e ela inevitavelmente ocorrerá, explicita ou implicitamente.
É provável que, de imediato, haja algum alívio para o povo, mas as contradições insolúveis do capitalismo permanecerão –e, com elas, a certeza de que outras recessões nos esperam adiante.
Tomara que, pelo menos, tiremos as conclusões corretas da tragédia histórica que foi a ascensão e queda do PT: enquanto nos conformarmos com mudanças cosméticas, apenas estaremos nos iludindo. As conquistas sociais das quais o PT tanto se ufanou podem ser consentidas durante algum pelo poder econômico, mas este acaba anulando-as num momento seguinte, como faz agora.
Temos de ir à raiz do problema: a exploração do homem pelo homem. Enquanto a ganância e a competição canibalesca regerem nossas vidas, as coisas permanecerão iguais. Para que tudo mude de verdade, temos de construir uma sociedade em que as prioridades supremas sejam o bem comum e a realização plena dos seres humanos.
Lamentavelmente, isto não foi sequer tentado durante os 36 anos de existência do PT. Faz-me lembrar os versos devastadores de uma composição do petista Chico Buarque:
“A vida inteira, diz que se guardou
do carnaval, da brincadeira
que ele não brincou.
Me diga agora
o que é que eu digo ao povo,
o que é que tem de novo pra deixar?
Nada, só a caminhada longa
pra nenhum lugar“
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Há exatas duas semanas a Folha de S. Paulo publicou uma coluna de Reinaldo Azevedo na qual, para satanizar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (o que ele e a veja fazem dia sim, outro também, há anos), mentiu descaradamente sobre o desfecho do Caso Battisti.
Após sustentar que Lula se consideraria “o inimputável da República”, Azevedo foi mais além em suas invencionices manipulatórias:
“Vai ver isso decorre daquela maioria excêntrica formada no STF, em 2009, que decidiu que o refúgio concedido a Cesare Battisti era ilegal, mas que cabia a Lula decidir se o terrorista ficaria ou não no Brasil. Ficou. Assim, os excêntricos de toga lhe concederam a licença única para decidir contra a lei“.
No mesmo dia (15/01/2016), os três principais defensores de Battisti na batalha de opinião publica outrora travada escrevemos à ombudsman da Folha, Vera Guimarães Martins, pedindo um posicionamento do jornal com relação a quem utiliza suas páginas para falsear a História e insuflar campanhas de ódio.
Eu pedi à ombudsman que cumprisse a sua missão de defender as boas práticas jornalísticas, evitando que fosse estigmatizado um escritor já sexagenário, que está aqui em situação perfeitamente legal e leva vida produtiva e pacata em nosso país, tendo esposa e filho brasileiros.
Cesare Battisti, hoje: um sexagenário pacato e produtivo.
E expliquei o que o Supremo Tribunal Federal realmente decidira, ao cabo de três longas e dramáticas sessões de julgamento, cujas três votações tiveram o mesmo placar de 5×4, atestando a complexidade do assunto que Azevedo pretendeu esgotar de forma tão leviana e superficial:
“1. anular a decisão do então ministro da Justiça Tarso Genro de conceder refúgio humanitário a Battisti, por considerar que os motivos alegados eram insuficientes para tanto;
2. autorizar a extradição de Battisti, solicitada pela Itália;
3. reafirmar a jurisprudência de que cabe ao presidente da República, como condutor das relações internacionais do País, a palavra final sobre pedidos de extradição.
Foi, portanto, uma mentira cabeluda do Azevedo: Lula não decidiu ‘contra a lei’, apenas exerceu uma prerrogativa presidencial que sempre existiu em nossa tradição republicana.
Azevedo também tenta vincular demagogicamente a terceira decisão à primeira, o que é uma ofensa à inteligência dos leitores da Folha. O refúgio humanitário foi anulado, mas isto apenas impedia Lula de o restabelecer. A decisão presidencial foi outra, a de não autorizar a extradição“.
Para Dallari, negar extradição foi “ato de soberania”.
O valoroso jornalista Rui Martins solicitou que se publicasse algo “para retificar erro do colunista Reinaldo Azevedo, em nome da equidade e veracidade na imprensa”. E deu dois links para a ombudsman informar-se melhor sobre o assunto, em termos legais: um do respeitadíssimo site Consultor Jurídico e outro do maior jurista brasileiro vivo, Dalmo de Abreu Dallari.
E Carlos Lungarzo, professor universitário, escritor e defensor histórico dos direitos humanos, depois de esmiuçar os aspectos jurídicos do caso, desabafou:
“A posição da Folha no caso Battisti é conhecida não apenas no Brasil, mas também no exterior, bem como suas interpretações do caso e suas fontes, nem sempre isentas.
Entretanto, a matéria do colunista Reinaldo Azevedo excedeu tudo o que já lemos na Folha e mesmo em outros veículos…“
O que fez a ombudsman, diante de tais queixas consistentes, apresentadas por leitores e cidadãos respeitáveis, os três idosos, os três com um currículo inatacável como paladinos dos direitos humanos?
Passado condena: ajudando Médici a soprar as velinhas.
Nada, absolutamente nada. Nem publicou a retificação que se impunha, nem mesmo respondeu aos três e-mails. Foi uma ofensa inédita: todos os ombudsman anteriores achavam algo para dizer em tais situações, ainda que não passassem de platitudes ou desculpas esfarrapadas.
Ou seja, Vera Martins não cumpriu sua obrigação profissional, não se comportou com um mínimo de civilidade e nem mesmo levou em consideração a condição de idosos dos seus interlocutores.
Ficou muito aquém de sua digna antecessora, Suzana Singer, que teve coragem de discordar da outorga de um espaço semanal para Reinaldo Azevedo fazer sua panfletagem ultradireitista, argumentando que no jornalismo impresso “espera-se mais argumento e menos estridência; mais substância, menos espuma; do contrário, a Folha estará apenas fazendo barulho e importando a selvageria que impera no ambiente conflagrado da internet”.
Mas, só pessoas muito especiais ousam remar contra a corrente. E Reinaldo Azevedo parece ser exatamente o tipo de colunista que a Folha gosta de ter, tanto que acaba de admitir um filhote do dito cujo como colunista júnior no seu site.
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O velho revolucionário que vos escreve considera extremamente grosseiro o tratamento dado por Reinaldo Azevedo ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao referir-se a ele, em seu artigo semanal para a Folha de S. Paulo, como “velho reacionário”. A inversão de valores me fez lembrar os golpistas de 1964 tentando colar naquela quartelada infame o rótulo de “revolução”…
Ao mesmo tempo em que rasgava seda para FHC, afirmando que ele “fala a um país nascente”, “com discrição e sem pretensões de exercer alguma forma de liderança”, a versão genérica do corvo Carlos Lacerda pintou Lula como um “chefão petista [que] vaga por aí como alma penada, sem se dar conta de que a sua militância já é coisa do passado”
Quem acompanha meu trabalho sabe muito bem que não me alinho automaticamente com as posições do Lula. Mas, quando RA o ataca por conclamar as bases do PT e a CUT a reagirem ao festival de neoliberalismo que assola o Palácio do Planalto, a coerência me coloca (como sempre, aliás) em posição diametralmente oposta à dele: para mim, ao rechaçar firmemente a capitulação total do Partido dos Trabalhadores à ortodoxia econômica do patronato, Lula vive o seu melhor momento desde que deixou o poder.
E, ao tentar salvar da mais completa descaracterização a agremiação que ele (e não a ex-pedetista Dilma Rousseff) criou, Lula está também evitando que o cidadão comum passe a encarar a esquerda como farinha do mesmo saco do amoralismo, oportunismo e fisiologismo que sempre caracterizaram a política brasileira.
RA está hor-ro-ri-za-do com o ressurgimento do Lula combativo de outrora:
“Agora ele anuncia uma cruzada para mobilizar as esquerdas e os movimentos sociais em defesa do PT. A agitação sindical que promove, e não alguma suposta conspiração de Eduardo Cunha, derrotou o governo na votação sobre o fator previdenciário“.
Mas, o PT tem mesmo de ser defendido do desespero da presidenta Dilma, que tenta escapar do impeachment tornando-o desnecessário, ao fazer tudo que a direita faria se chegasse ao poder, e ainda mais.
A derrota do governo na votação sobre o fator previdenciário foi, isto sim, uma luz no fim do túnel, abrindo a perspectiva de que as medidas anti-sociais do pacote recessivo não sejam, no frigir dos ovos, aprovadas.
Pois, se aprovadas, farão a atual recessão evoluir para depressão, infligindo sofrimentos inimagináveis aos explorados. Não estamos na Europa, aqui os coitadezas morrem de fome!
E poderão deflagrar uma tempestade que leve de roldão nosso precário e imperfeito estado de Direito –que está longe de ser o ideal, mas será sempre preferível ao arbítrio e à tirania.
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ESTÁ CHEGANDO UMA TEMPESTADE PERFEITA. SOBREVIVERÁ DILMA A ELA?
Tempestade perfeita foi como os serviços de meteorologia dos EUA designaram um fenômeno ocorrido em outubro de 1991, quando condições de tempo incomuns maximizaram a contundência de uma grande tempestade vinda do Atlântico Leste; os ventos superaram a força de furacão, as ondas foram além dos 9 metros de altura.
O título original do filme que aqui se chamou Mar em Fúria (dirigido por Wolfgang Petersen e estrelado por George Clooney), The perfect storm, popularizou mundialmente a expressão, significando um evento desastroso resultante da sinergia de uma série de fatores adversos.
Segundo o cientista social Marcus André Melo, PhD pela Universidade britânica de Sussex (cuja entrevista ao repórter Fernando Canzian, da Folha de S. Paulo, pode ser acessada aqui), é algo assim que se desenha para o Brasil em 2015:
“…há três elementos fundamentais em curso: políticas de austeridade, as pessoas indignadas com escândalos e um possível desdobramento disso nas ruas, como nas manifestações pró impeachment marcadas para o próximo dia 15 pelo país.
No caso de Dilma, isso deve se manifestar de forma muito intensa. Vai haver um descontentamento difuso colossal, mas sem um espaço institucional, as eleições, para a demonstração desse descontentamento. Mas existem as ruas.
Haverá manifestações, e se elas podem ou não levar ao impeachment, isso vai depender de surgirem evidências mais duras de implicação pessoal da presidente nos escândalos…
…o governo perdeu o controle político das duas casas no Congresso, na Câmara e no Senado. O partido de sustentação do governo, o PMDB, agora é quase um adversário“.
Resumindo: “É um cenário de tempestade política perfeita, com políticas de austeridade ceifando empregos, escândalos enormes e gente na rua“.
Com exceção da nova postura adotada pelo PMDB a partir da eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Câmara, tudo isso era facilmente previsível durante a campanha presidencial do ano passado, daí eu ter vislumbrado uma oportunidade interessante quando Marina Silva despontou com força na corrida eleitoral.
Era a chance de atravessarmos um período muito difícil com uma cara nova (também pertencente ao campo da esquerda) no Palácio do Planalto, ao invés de uma Dilma Rousseff desgastada pela longa permanência do PT no poder, pelo mau primeiro governo e sem grandes metas para propor, capazes de incutir esperança nos brasileiros.
A desconstrução de Marina com jogo sujo e propaganda enganosa, erro crasso do PT que poderá ter consequências terríveis adiante, nos colocou na direção da tempestade perfeita. E, como não adianta chorar sobre o eleito derramado, temos agora é de refletir sobre como sairmos da enrascada.
Até agora não caiu para Dilma e os grãos petistas a ficha de que a política de conciliação de classes, estabelecida por Lula na década passada, só teve sucesso devido a circunstâncias que não existem mais.
A conjuntura econômica internacional favorável permitiu que se aumentasse um tantinho o quinhão do bolo destinado aos mais pobres, sem que, com isto, fossem reduzidos os lucros do grande capital (o caso dos modernos agiotas é emblemático: nunca antes neste país os bancos ganharam tanto como entre 2002 e 2008!).
Agora é a fase das vacas magras, e só não vê quem não quer: por mais agrados e concessões que o governo do PT faça ao poder econômico, nunca serão suficientes para tê-lo como sustentáculo nos instantes dramáticos que se avizinham. Tudo leva a crer que, pelo contrário, verá com bons olhos o impedimento de Dilma, desde que não seja traumático a ponto de prejudicar os negócios.
Daí eu ter proposto, no meu artigo dominical, que o PT reassuma as abandonadas (para dizer o mínimo…) bandeiras de esquerda, pois os que as seguem são os únicos contingentes com os quais poderá contar no momento da decisão.
Os magnatas que o toleravam em troca da capitulação macroeconômica, os políticos que comprou para “garantir a governabilidade” embora fossem antípodas ideológicos e os coitadezas que nele votavam por causa do Bolsa-Família de nada lhe servirão na hora H. Quem viver, verá.
__________________________
O ESTRIDENTE, ESPUMANTE E SELVAGEM REINALDO AZEVEDO TAMBÉM TROMBETEIA O IMPEACHMENT.
Ele é jornalista, começou na esquerda, percebeu que não tinha consistência intelectual nem carisma para voos maiores, guinou à direita, foi endireitando cada vez mais, até que, finalmente, obteve os sonhados 15 minutos de fama e as sonhadas 30 moedas.
Fez uma opção realista: seus limitados dons eram insuficientes para destacarem-no entre os que travam o bom combate, mas bastavam para que, ao menos, se tornasse rei de um inferno (título brasileiro de um ótimo filme que Bryan Forbes dirigiu há meio século, mas o original cairia igualmente bem: King Rat), embasbacando iletrados com suas catilinárias raivosas, grosseiras e arquitendenciosas; e defender a desumanidade sempre foi e sempre será vantajo$o sob o capitalismo.
Suponho que eu nem precise dizer a quem me refiro. Se fosse brilhante, seria Carlos Lacerda. Como não passa de ouro de tolo, é Reinaldo Azevedo.
O pobre coitado exultou quando a Folha de S. Paulo lhe ofereceu a chance de defender o impeachment da presidenta Dilma Rousseff numa peleja com outro colunista, Ricardo Melo –tanto que fez questão de, ridiculamente, trombetear a grande novidade com quase uma semana de antecedência!
Na hora do vamos ver, não conseguiu bolar nada melhor do que, apostando no primarismo dos cuervos criados pela ultradireita tupiniquim (seus fãs de carteirinha), requentar a defesa que Ives Gandra Martins fez do impedimento de Dilma por negligência e/ou incompetência diante da roubalheira da Petrobrás, mesmo sem comprovação de que ela teria conscientemente favorecido a corrupção e/ou dela conscientemente tirado proveito.
O chato é que o RA havia sido reticente com relação à mesmíssima tese, quando lançada pelo citado porta-voz do Opus Dei. Mas, vale tudo, até plagiar quem pouco antes esnobara, para aparecer com destaque na Folha de S. Paulo, em mais uma vã tentativa de desmentir a avaliação verdadeiramente irrefutável da ombudsman anterior, Suzana Singer, a seu respeito (segundo ela, com mais estridência do que argumentos, mais espuma do que substância, RA trouxe para o jornal “a selvageria que impera no ambiente conflagrado da internet”).
Sua tediosa algaravia acabou apenas bisando as tediosas elucubrações direitistas baseadas na teoria do domínio do fato. Cita, p. ex., o art. 85 da Constituição Federal, pretendendo que Dilma teria cometido o crime de “atentar” contra “a probidade na administração”. Mas, uma rápida consulta a qualquer dicionário bastaria para RA constatar que tal verbo, neste sentido negativo, é sempre empregado para designar ações praticadas com um propósito intencional. Se Dilma ignorava a gatunagem petrolífera, não se pode imputar-lhe atentado.
Não decolou: só 1,9 milhão de adesões em 20 meses.
Manipulador primário, RA tenta fazer crer que o impeachment seria obrigatório no caso de Dilma, ao afirmar que “a nossa Constituição é eloquente sobre (quase) qualquer assunto”. Eloquente pode ser, mas inequívoca nem de longe é.
Juristas encontram argumentos legais para defender posições diametralmente opostas sobre (quase) qualquer assunto e, ademais, o entendimento dos tribunais muda com o transcurso do tempo.
Daí a importância geralmente dada à jurisprudência (as decisões anteriores sobre a mesma questão) –a qual, contudo, pode ser desconsiderada num dado processo, fincando nova tendência.
P. ex., a jurisprudência brasileira sobre refúgio humanitário era toda no sentido de que, quando o ministro da Justiça o concedesse, qualquer processo de extradição seria sustado. No entanto, os ministros Gilmar Mendes e Cezar Peluso conseguiram convencer o Supremo Tribunal Federal a anular a decisão de Tarso Genro no Caso Battisti, praticamente esvaziando a Lei de refúgio.
NÃO BASTA O PRESIDENTE SER DESASTROSO, É PRECISO EXIBIR SUAS DIGITAIS EM ILEGALIDADES.
Noves fora, o que decidiu a parada foi a voz das ruas.
O impeachment do ex-presidente Fernando Collor, único até hoje, foi aprovado pelo Congresso, mas o Supremo Tribunal Federal depois concluiu pela inexistência de provas aceitáveis (legalmente obtidas) de que ele houvesse incidido em corrupção passiva, bem como de comprovação de que ele tivesse antecipado, omitido ou retardado algum ato funcional em virtude de vantagem recebida.
Ou seja, consagrou-se, ainda que a posteriori, o entendimento de que para anular-se uma escolha tão importante dos eleitores não basta um presidente da República ser desastroso, é preciso exibir suas digitais em graves ilegalidades cometidas no seu governo.
Noves fora, o fator decisivo no impedimento de Collor foi a voz das ruas, o sentimento amplamente majoritário de que ele era mesmo corrupto e precisava mesmo ser afastado; justificativas legais foram produzidas, atenderam às necessidades daquele momento e não subsistiram quando deixaram de ser necessárias.
Como inexiste tal sentimento a respeito de Dilma, o mais provável é que a direita, por meio de seus estridentes, espumantes e selvagens abre-alas, esteja apenas lançando balões de ensaio e tentando fazer o povo acostumar-se à ideia do impeachment. A tentativa pra valer ocorrerá adiante, quando o fruto estiver maduro para ser colhido.
O que Dilma tem verdadeiramente a temer, portanto, é um aumento acentuado de sua rejeição à medida que a recessão se aprofunde e o escândalo da Petrobrás produza mais estragos. Se a voz das ruas chegar a execrá-la tanto quanto execrou Collor, acabarão aparecendo os acontecimentos e/ou argumentos que justifiquem sua derrubada do poder. É simples assim.
Como evitar tal desfecho?
Cumprir as promessas de campanha, deixando de fazer o que prometeu não fazer, seria um bom começo.
Afastar Joaquim Levy, Katia Abreu, Gilberto Kassab, George Hilton e outros ministros sinistros, idem.
Ou, o tiro na mosca, resgatar o ideário do Manifesto de Fundação do PT, principalmente o compromisso de, ao lado do povo, lutar pelo advento de “uma sociedade igualitária, onde não haja explorados nem exploradores”.
Pois aí voltaria a esperança e os melhores seres humanos teriam motivos de primeira grandeza para defender o governo atual, ao invés de estarem apenas tentando evitar um mal maior.
Quem conhece o viés conservador/reacionário dos jornalões brasileiros, não se surpreendeu com a defesa incondicional que os três principais (O Estado de S. Paulo, a Folha de S. Paulo e O Globo) fizeram da indefensável anistia de 1979, cuja revisão acaba de ser recomendada por alguns integrantes da Comissão Nacional da Verdade e por dois ministros do Supremo Tribunal Federal.
Ao defenderem-na, tais tentáculos da indústria cultural omitem que ela não passou de um mostrengo jurídico, a mera imposição da lei do mais forte sobre uma oposição expurgada (por frequentes cassações dos mandatos de seus parlamentares) e chantageada (a libertação de centenas de presos políticos e a permissão de volta dos exilados dependiam de sua anuência a tal grotesquerie).
Assim como a presidenta Dilma Rousseff, entoam em uníssono a cantilena do respeito aos “pactos e acordos que levaram o país à redemocratização”, sem jamais esclarecerem que o pacto se deu entre Fausto e Mefistófeles, e que o acordo foi selado por quem mantinha reféns com quem ansiava por vê-los livres.
A ONU, a OEA e o Direito internacional desconsideram quaisquer simulacros de anistias gestados em plena vigência do arbítrio, com o objetivo de fornecerem uma espécie de habeas corpus preventivo para agentes do Estado que estupraram os direitos humanos (e para os seus mandantes).
Semeando a confusão em 1964
Também não causa surpresa nenhuma o fato de que, dos três, seja o mais envolvido com as atrocidades da ditadura quem mais se esforce para desacreditar o relatório final da CNV.
Assim, em editorial de 12/12/2014, Página virada (vide íntegra aqui), a Folha sustentou uma tese das mais estapafúrdias e ofensivas para os brasileiros, qual seja a de que o axiomático para os países civilizados não vige nestes tristes trópicos:
“Não é sensato nem desejável que compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, determinando que a tortura é crime imprescritível, possam sobrepor-se à soberania jurídica nacional quando se trata das próprias fundações do Estado de Direito entre nós“.
Ou seja, o editorialista quis fazer-nos crer que apurarmos a responsabilidade por crimes hediondos e punirmos os culpados abalaria as “próprias fundações do Estado de Direito entre nós”. Quem mais estaremos impedidos de submeter à Justiça? Os grandes traficantes? Os exploradores da pornografia infantil? Os assassinos seriais?
Será que este disparate provém do mesmo profissional que, em 17/02/2009 (vide aqui), qualificou de ditabranda o despotismo vigente no Brasil entre 1964 e 1985?
Para que a Folha do último dia 12 tivesse jeitão de sexta-feira 13, não poderia faltar a contribuição do Vlad Dracul do colunismo político, Reinaldo Azevedo. Em Comissão Nacional da Farsa (vide aqui), ele repetiu a falácia predileta dos ogros da ditadura e dos cuervos por eles criados, a de que algozes e vítimas são equiparáveis:
“Os assassinatos cometidos por terroristas não ocuparam o tempo dos donos da verdade. Segundo eles, são 434 os mortos e desaparecidos. As 120 pessoas eliminadas pelo terrorismo viraram esqueletos descarnados também de memória“.
Colaborando com a repressão em 1970
Quais terroristas, RA? Os inventados nos anos de chumbo pelos serviços de Guerra Psicológica das Forças Armadas, ao aplicarem um rótulo descabido a quem justificadamente pegou em armas contra uma ditadura?
Tratou-se de uma ignominiosa manipulação, que visava a efeitos meramente propagandísticos. Até as pedras sabem que os resistentes jamais pretenderam insuflar o terror, mas sim libertar o País de tiranos –os quais, eles sim, recorreram desmedidamente ao terrorismo (de estado) para manter o povo brasileiro amedrontado e subjugado.
Vale repetir: a resistência à tirania é um direito inalienável dos cidadãos, que remonta à Antiguidade e hoje ninguém mais contesta no mundo civilizado. Então, não é o caso de, simplesmente, compararmos atos de violência com outros atos de violência, como se fossem grandezas equivalentes.
A violência perpetrada por agentes do Estado, visando à perpetuação de um governo ilegítimo (pois resultante de uma quartelada), tem uma caracterização jurídica diametralmente oposta à da violência praticada por civis que, em condições de extrema inferioridade de forças, resistiam a tal despotismo.
Ademais, a violência dos agentes do Estado foi relevada, estimulada e acobertada, permanecendo impune até hoje, enquanto a violência dos resistentes já foi punida nos anos de chumbo –da forma mais arbitrária e com rigor extremo, quase sempre descambando para a bestialidade.
RA deveria estar-se mirando no espelho, quando escreveu que “esse relatório é um lixo moral”…
Por último, é alogiável que a Folha de 15/12/2014, ao dar voz aos familiares de vítimas da esquerda (vide aqui), tenha apresentado os dois lados do caso do empresário Henning Albert Boilesen:
Retaliada pelos resistentes em 1971
o compreensível desabafo do filho (segundo quem se tratava de “um pai de família que, certo dia, despediu-se da mulher, saiu para trabalhar e levou 25 tiros na cabeça de terroristas de esquerda”);
e também a informação de que “o relatório da Comissão Nacional da Verdade afirma que Boilesen era um empresário que arrecadava recursos para o aparato de repressão e que chegou a importar um aparelho de choques e a assistir a sessões de tortura”.
Poderia explicar melhor, claro. Boilesen não foi um financiador da repressão qualquer, mas sim o principal deles. Ao criarem a Operação Bandeirantes, as Forças Armadas não assumiram de imediato a paternidade do monstro, deixando que permanecesse durante o segundo semestre inteiro de 1969 na semiclandestinidade: não tinha existência legal, mas mandava mais do que o Deops, ao qual institucionalmente competia a repressão aos subversivos.
Então, foi uma vaquinha organizada por Boilesen junto a seus amigos (empresários fascistas) que bancou o funcionamento da Oban, pois, naquele tempo, era menos usual o desvio de recursos orçamentários para outras finalidades. Esta situação persistiu até 1970, quando os militares instituíram o DOI-Codi (que absorveu a Oban, legalizando-a…).
E foi também graças aos esforços de Boilesen que os órgãos de repressão passaram a contar com generosas doações para premiarem os torturadores que capturassem ou matassem os membros da resistência. Havia até uma tabelinha de preços por cabeça, à maneira dos cartazes de procurado vivo ou morto que vemos nos filmes de faroeste.
Qual movimento de resistência de qualquer país e de qualquer época que não justiçaria alguém como Boilesen, o homem que alimentava e açulava os pitbulls responsáveis por tantas mortes e torturas de seus quadros?
Manifestação diante da delegacia que sediou a Oban
De qualquer forma, a Folha pelo menos fez constar, ainda que sucintamente, o outro lado referente ao Boilesen. Só esqueceu do outro lado referente a si própria, pois, no mesmíssimo capítulo referente ao Boilesen, o relatório final da CNV também a cita:
“Ficou conhecido o banquete organizado pelo ministro Delfim Netto no Clube São Paulo, antiga residência da senhora Viridiana Prado, durante o qual cada banqueiro, como Amador Aguiar (Bradesco) e Gastão Eduardo de Bueno Vidigal (Banco Mercantil de São Paulo), entre outros, doou o montante de 110 mil dólares para reforçar o caixa da Oban.
Ao lado dos banqueiros, diversas multinacionais financiaram a formação da Oban, como os grupos Ultra, Ford, General Motors,83 Camargo Corrêa, Objetivo e Folha (grifo meu)“.
E, mais adiante:
“…a pesquisadora Beatriz Kushnir constatou a presença ativa do Grupo Folha no apoio à Oban, seja no apoio editorial explícito no noticiário do jornal Folha da Tarde, seja no uso de caminhonetes da Folha para o cerco e a captura de opositores do regime“.
Vale lembrar, ainda, que a Folha foi o grande jornal mais tímido no repúdio ao sórdido papel histórico que desempenhara nos anos de chumbo.
A família proprietária do Estadão jamais escondeu sua participação no golpe de 1964, mas se distanciou dos militares quando estes descumpriram a promessa de devolver o poder saneado aos civis e, ao invés disto, radicalizaram a ditadura. A partir de então, O Estado de S. Paulo e o Jornal da Tarde mantiveram postura exemplar, denunciando o arbítrio e se tornando alvos preferenciais da censura.
Os Mesquitas mostraram até coragem pessoal em algumas situações, como quando orientaram os seguranças da casa a impedirem que os agentes do DOI-Codi sequestrassem um jornalista no ambiente de trabalho (o dito cujo acabou saindo do prédio no porta-malas do carro do patrão e sendo escondido no sítio do mesmo).
O Globo só deu a mão à palmatória em 31/08/2013 (vide aqui), mas, pelo menos, o fez ostensivamente.
Já a Folha, torcendo para que passasse o mais despercebido possível, inseriu este texto num caderno comemorativo do seu 90º aniversário, acrescentado à edição de 19/02/2011, mais como álibi para quando alguém a acusasse de jamais ter feito a indispensável autocrítica.
Passaria despercebido em meio ao auê louvaminhas para si própria, caso a ombudsman não tivesse aludido a ele na sua coluna dominical, frustrando a matreirice. Eis o que o jornal sorrateiramente admitiu, entre outros pecados:
“…A partir de 1969, a ‘Folha da Tarde’ alinhou-se ao esquema de repressão à luta armada, publicando manchetes que exaltavam as operações militares.
A entrega da Redação da ‘Folha da Tarde’ a jornalistas entusiasmados com a linha dura militar (vários deles eram policiais) foi uma reação da empresa à atuação clandestina, na Redação, de militantes da Ação Libertadora Nacional, de Carlos Marighella…
…Segundo relato depois divulgado por militantes presos na época, caminhonetes de entrega do jornal teriam sido usados por agentes da repressão, para acompanhar sob disfarce a movimentação de guerrilheiros. A direção da Folha sempre negou ter conhecimento do uso de seus carros para tais fins“.
A última frase é daquelas que, outrora, invariavelmente despertavam o comentário: “acredite quem quiser”.
Então, faz todo sentido que a Folha, mais de quatro décadas depois, continue tentando relativizar o que não passou de mais um capítulo da eterna luta da civilização contra a barbárie. Como então se alinhou com os bárbaros, está pisando em ovos até agora.
Mas, abstendo-se de informar aos seus leitores que não é parte isenta, mas sim interessada, nesta questão, deveria ao menos ser um pouquinho mais discreta. Está dando na vista.