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Perguntas libertadoras

O que o que estou fazendo tem a ver com a minha história de vida? Como se encaixa na minha trajetória existencial? Quando fazemos estas perguntas, estamos a tentar juntar passado e presente, desconectar a repetição mecânica, sem sentido, de atos. A abordagem barretiana* possui um sem número de perguntas desta ordem, em que o que interessa mais não é a resposta ou as respostas que se possa dar, e sim o espaço criado pela pergunta. A pergunta me descola do mecanicismo, da ação vazia, oca, sem sentido.

Você somente tem sofrido, ou tem crescido com os seus sofrimentos? Todos sofremos, mas as nossas dores podem servir para um crescimento. Isto não é uma tarefa especulativa, meramente mental, intelectual. Eu posso ter sofrido perdas, dores imensas na minha vida, e ter-me colado, por assim dizer, a elas, como vítima, como apenas alguém que sofre ou sofreu. Posso olhar para o que ganhei, o que ganho, o que estou ganhando graças a estas dores que tive ou tenho. Não é um culto ao masoquismo, e sim o contrário. É aprendermos a crescer com o que nos faz ou nos fez sofrer. Estas reflexões não são banais, mas libertam. Por serem simples, tem um efeito enorme e imediato, muitas vezes. Podemos ir construindo uma vida mais feliz, a través de perguntas que nos libertam do passado, da culpa, da auto-punição tão comum na nossa cultura.

Estas perguntas mobilizam a sabedoria interior da pessoa, a sua resiliência, o que cada um ou cada uma aprendeu na sua vida. Quebra-se a vitimização, abre-se um espaço para a felicidade, para o novo, para o “eu posso”.


*Adalberto Barreto, criador da Terapia Comunitária Integrativa.

Resgatando histórias

De volta em Lagoa Seca. Outra vez no colégio Marista. Há uma familiaridade ao retornarmos a alguns lugares onde tivemos muitas alegrias. Alegrias de reencontro de trajetórias vitais. Alegria de recuperação de um sentido maior de vida, que é o que nos da a Terapia Comunitária Integrativa. Faz sentido estar aqui. Faz sentido acompanhar estas atividades de Cuidando do Cuidador.

Faz sentido continuar acreditando em um crescimento coletivo, em uma libertação pessoal que se realiza em comunidade, na comunidade, nesta rede da TCI, nas redes da família, nas redes das atividades de cada um, de cada uma, no tecido do cosmos.

Hoje, quando vinha de carro para cá, Maria do meu lado, pensava, como faz sentido para alguém como eu, como faz sentido para mim, esta costura. Este estar vindo mais uma vez para estes encontros em que venho acompanhando Maria desde já faz exatamente 11 anos, uns meses a mais, é isto.

Faz sentido a gente saber que estamos participando de iniciativas que somam pessoas em busca de si mesmas. Profissionais da saúde do município de João Pessoa, neste caso, que vem se formar como multiplicadores em técnicas de recuperação da auto-estima. Da criança ferida para a criança maravilha, para a criança feliz.

Cómo as feridas que se teve em criança, deixaram como marcas, uma compulsividade, uma raiva, uma agressividade contra os outros mas, mais ainda, contra si mesmo ou si mesma. Agora o pessoal está iniciando a jornada no auditório, e eu escrevendo estas impressões. No centro do pátio, a estátua da virgem com o menino.

O som de um tero-tero na distância. As muriçocas no quarto. Uma sacola com livros e cadernos à esquerda. À direita, uma televisão, remédios contra a tosse, uns celulares. Os corredores lá fora, mais longe, o outro auditório, com o piso xadrez. Mais longe ainda, lá fora já do prédio, os campos de futebol, os jardins, as flores, as árvores. Dizia que faz sentido estar aqui.

Faz mesmo, e não me canso de repetir. È o nosso salário afetivo, como diz o Prof. Adalberto Barreto. Sabe por que faz sentido para mim estar aqui? Porque aqui resgato a minha história, saro das minhas feridas da vida toda. Somos outra vez gente em movimento.

Outra vez gente confiando em gente. Outra vez, gente somando com gente, gente fazendo com gente. E fazendo coisas boas. Gente trazendo gente de volta das ruas, da solidão, do abandono, da depressão, da drogadição, da violência, do esquecimento, da dissociação, da indiferença. Gente num útero imenso.

A vida como peregrinação

José Comblin, teólogo e missionário, sociólogo e peregrino, nos brinda algumas pérolas da sua caminhada em busca de si mesmo, do sentido da vida, da libertação interior, da comunhão com o Todo:

“A peregrinação é uma imagem. Poucos tem a oportunidade de viver toda a vida como peregrinos – tal qual o peregrino russo. Poucos tem a oportunidade de ser peregrinos durante anos, ainda que o número historicamente não seja desprezível. Os modernos meios de transporte mudaram radicalmente o sentido atual da peregrinação: muitos vão de trem, de carro, de ônibus ou de avião para chegar ao ponto final da peregrinação. Falta-lhes a própria peregrinação.

Essa imagem da peregrinação ajuda a entender o sentido da vida. Pois, para a maioria, a peregrinação não é feita caminhando nas estradas materiais. A caminhada é interior: a pessoa vai buscar no próprio coração o seu verdadeiro ser. Por meio das experiências da vida vai se aproximando pouco a pouco da sua verdade, de uma realização mais completa de si. Pode-se realizar a mudança, o amadurecimento de si mesmo dentro da vida ordinária. A imagem da peregrinação ilumina essa busca até o próprio coração.

A esperança parece mais abstrata, mas realiza a mesma transformação: como o peregrino, o discípulo vai abandonando seu passado, reconhecendo no presente a porta que abre para o futuro, torna-se aberto à etapa seguinte da vida. No final, ele consegue conhecer-se melhor naquilo que era o objeto da sua esperança ao iniciar a caminhada. A nova Jerusalém se encontrará finalmente dentro do seu próprio coração.”

José Comblin, O caminho, ensaio sobre o seguimento de Jesus (São Paulo: Ed. Paulus, 2004) PP. 68-69.

Realidade literária

Aquela tarde, passara um tempo que não pôde ser medido com relógio, conversando com uma muito querida amiga, acerca de literatura. Lembrava de ter ouvido um comentário sobre um livro de Dostoievski, Noites Brancas, acerca de uma personagem que lhe despertara o interesse. Lembrava de ter conversando com esta pessoa tão querida, e enquanto conversavam, o tempo ia escoando como por uma ampulheta, lenta e continuamente.

Lembrava de ter recordado o quanto o mergulho na leitura das obras de Cronin, lhe fora benéfico, em anos de profundas dores internas e externas. Compreendia, então, cada vez mais, outros sentidos mais profundos e completos, daquela frase de Julio Cortázar que tanto meditara desde os últimos dias de novembro, prévio à viagem para São Paulo para comemorar com seus irmãos e família, o aniversário de Arturo. A frase dizia mais ou menos assim: que a literatura destrói a falsa objetividade criada pelo intelectualismo.

Não sabia se era uma frase textual, mas não importava. Nas suas meditações, e em conversas como esta daquela tarde de dezembro, com aquela amiga tão querida, em que o temo escoava como criando uma realidade fora da cotidianidade e ao mesmo tempo tão real, percebera que a realidade literária é, de fato, muito mais real do que a falsa objetividade criada pelo intelectualismo. E qué falsa realidade é essa? A de que existe um mundo objetivo, um mundo de coisas, e que você é uma coisa e eu sou uma coisa, e de que tudo são coisas.

A verdade é que criamos o mundo em que existimos. O mundo é uma criação nossa. E a doença intelectualista, a alienação intelectualista, é a que rouba a realidade e põe no seu lugar uma cópia, algo estranho e invertido. Você já não é mais você, mas algo que alguém lhe convenceu que você era, e não é nada bom, é o contrário da sua realidade mais profunda. Por isso a frase de Cortázar cada vez mais me vai revelando que a vida é uma criação subjetiva, é feita por cada pessoa. Isto é uma verdade radical. É o que Jesus disse.

Tornar-se e ser, por Bhagwan Shree Rajneesh

“A fonte original de toda tensão é tornar-se. O indivíduo está sempre tentando ser algo; ninguém está tranqüilo consigo mesmo tal qual é. O não ser é aceito, o ser é negado e algo mais é tomado como um ideal no qual se transformar. Assim, a tensão básica é sempre entre aquilo que você é e aquilo que você ambiciona vir a ser.

Você deseja tornar-se algo. A tensão significa que você não está satisfeito com o que você é e você ambiciona ser o que não é. A tensão é criada entre estes dois. O que você deseja se tornar é irrelevante. Se quiser se tornar rico, famoso, poderoso, ou mesmo se quiser ser livre, liberado, ser divino, imortal, mesmo se você ambiciona a salvação, moksha, também a tensão estará ali.

Qualquer coisa que seja desejada como algo a ser satisfeito no futuro, contra você como você é, cria tensão. Quanto mais impossível o ideal é, maior a tensão tende a ser”.

Este trecho pertence ao livro Psicologia do Esotérico (São Paulo: Ícone, 1990), pp. 123-4.

La culpa

En el camino de regreso a tí mismo, encontrarás diversos obstáculos. Uno de los más difíciles, la culpa. Tanto difícil de reconocer, como de remover. Puede estar tan escondida y camouflada (y generalmente lo está), que un sinnúmero de aspectos de tu comportamiento en relación a los demás pero fundamentalmente en relación a ti mismo, está condicionada fuertemente por ella, y no te das cuenta.

Te invito a mirar tu conducta y a ver si encontrás en ella aspectos que te parecen demasiado obligatorios, como que no podés substraerte a ellos. Probablemente por detrás de los mismos, pueda estar la culpa. Si no podés decir que no, si decís no y te sentís culpable, si tenés una necesidad invencible por agradar y ser aceptado, talvez te estés culpando tanto que ni te des cuenta. Hay hechos de los cuales uno se avergüenza, y cree que todo el mundo los conoce. No nos perdonamos por haber hecho aquello que nuestra conciencia y nuestra moral, nuestro sentido ético, condenan.

Pero no iremos lejos culpándonos. Es necesario comprender. Comprender que en aquella situación, fuimos forzados a hacer lo que hicimos. No lo hicimos por maldad o por perversidad, aunque hayan tratado de convencernos de esto. Y siempre hay quien lucre al culpabilizar a otros. Es impresionante la cantidad de conductas que dependen de la culpa. La ansiedad, la formalidad excesiva, el servilismo, la omisión, una necesidad excesiva de servir a los demás, de ser útil, pueden estar escondiendo algún comportamiento culposo.

No hay recetas, ni estoy haciendo otra cosa que compartir pistas, que cada uno podrá examinar por sí mismo, y tratar de descubrir qué hay por detrás de ellas. Lo que puedo decir sin dudas, es que la libertad que se adquiere al perdonarse uno a uno mismo, abre un espacio de aceptación y auto-respeto, imprescindibles para que la persona se sienta digna y merecedora de la vida en sociedad.

O movimento da libertação interior, a revolução interior

Algumas vezes, tenho pensado que poderia ser interessante escrever alguma coisa sobre o movimento da libertação interior, ou sobre a revolução interior, que não são a mesma coisa, mas se parecem, estão inter-relacionados estreita e profundamente. Em ambos os casos, se trata de um movimento que a pessoa empreende em direção a si mesma. Um caminho que ela decide empreender para saber quem ela é. Devo dizer –abrindo aqui um parênteses– que estas digressões não tem outro objetivo do que o clarear a minha própria trajetória de vida e, em algum sentido, o vasto esforço da humanidade como tal, desde as profundezas das origens da caminhada humana em busca de si mesma.

Aqui não há doutrinas nem organizações, tampouco fronteiras ideológicas ou qualquer outro tipo de afã privatizante ou exclusivista. Podemos dizer, como forma de começar esta conversa, (porque é disto que se trata, de uma conversa e não de um discurso, não há pretensão de exibir conhecimento ou convencer) que entendemos como movimento de libertação interior ou revolução interior –ainda tratando ambos em conjunto, quase como sinônimos, que não são—tudo que a alma faz para se ver livre do que a trava, do que a aliena, do que a confunde e engana.

Neste sentido, podemos dizer que a terapia comunitária é um movimento de libertação interior, que o pensamento de Karl Marx é ou propicia movimentos de libertação interior, o pensamento de Paulo Freire, as idéias e a prática de Jesus, etc. Tudo que traga a pessoa de volta para ela mesma, tudo que dissolva as ilusões ou mentiras, os enganos ou preconceitos, é um movimento de libertação interior.

A meditação, a oração, a arte, o estudo das religiões e a sua prática, a partilha, a expansão da consciência a través do trabalho individual e coletivo, das ações solidárias ou solitárias, são também expressões ou formas de realização da libertação interior. Deve estar claro, neste ponto, que não há –como dissemos— receitas ou dogmas.

Da revolução interior podemos dizer que seja o processo de retorno da alma a si mesma, produzido por uma relembrança ou reintegro dela à matriz divina essencial que subjaz a toda manifestação, a tudo que existe. Talvez possamos dizer que esta revolução, que resulta da libertação interior, é o fim do caminho humano, é a conclusão da caminhada.

Alguns, como São Francisco de Assis ou Gandhi e o próprio Jesus, se tornaram exemplos desta possibilidade que está aberta a toda pessoa humana pelo mero fato dela existir. Os Beatles, John Lennon e George Harrison em particular, mas o conjunto como um todo, funcionaram –e funcionam ainda– como promotores da libertação interior e coletiva pelo amor expansivo, o amor sem fronteiras, a fraternidade universal, a comunhão com tudo que existe.

Não há conclusões para este início de conversa, apenas a expectativa de que possamos nos lembrar, que possamos nos lembrar de nós mesmos.