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Oriente Médio: o sopro extremista do Ocidente

Chefes de Estado da Rússia, Turquia e Irã durante reunião sobre a Síria. Foto: ADEM ALTAN/AFP/GETTY IMAGES

Enquanto o governo dos EUA continua promovendo atrocidades diplomáticas no Oriente Médio, países que nos acostumamos a ver como inimigos no noticiário internacional mostram que mesmos regimes extremamente problemáticos podem colaborar para o equilíbrio geopolítico de nosso conturbado mundo.

Veja por exemplo a reveladora aproximação estadunidense com o antes aliado, depois inimigo, e agora novo amigo no Afeganistão – o Talibã. Os EUA estão há algum tempo em contato com este grupo com o objetivo autodeclarado de derrotar… o extremismo (agora, os terroristas do ISIL).

Não é preciso ser um gênio das relações internacionais para entender o quão problemáticas são essas iniciativas unilaterais.

Nesta semana, os EUA correram para saudar o anúncio das Nações Unidas acerca de um novo acordo entre o governo e a oposição da Síria, expressando gratidão aos membros da comunidade internacional que tornaram esse acordo possível – exceto o Irã.

O anúncio da ONU trata da criação de um comitê constitucional liderado pelos sírios – todas as partes –, e facilitado pelas Nações Unidas em Genebra.

“Aprecio o envolvimento diplomático dos governos da Rússia, Turquia e Irã em apoiar a conclusão do acordo”, disse o secretário-geral António Guterres, “bem como o apoio dos membros do Conselho de Segurança”, além do apoio de um grupo composto por Egito, França, Alemanha, Jordânia, Arábia Saudita, Reino Unido e EUA.

Em um comunicado enviado à revista estadunidense Newsweek, o Departamento de Estado americano classificou o anúncio de “um passo encorajador para alcançar uma solução política para o conflito sírio”.

As autoridades americanas também “apreciam o trabalho do secretário-geral da ONU, do enviado especial da organização (Geir Pedersen), da Turquia, Rússia e dos membros [deste grupo] em alcançar esse resultado”.

O comunicado não menciona o papel central do Irã.

Pode ser apenas mais um comunicado de um governo recheado de fake news, claro. Mas, para o bom entendimento do tema, a simples recusa em aceitar fatos pode ser decisiva na tênue linha que separa ficção e realidade.

Há que se mencionar ainda que o Irã não tem um histórico de participação em conflitos – desde a guerra contra o Iraque, encerrada em 1988, não se envolveu em nenhuma investida militar. A recente participação na guerra da Síria, em apoio a Assad, foi a primeira em mais de 30 anos. Não é preciso mencionar em quantas guerras, desde então, os EUA tiveram papel primário ou secundário. O histórico de ataques a regimes de todo tipo pelo mundo é público e notório.

É importante lembrar que o combustível para a radicalização de grupos opositores dentro da Síria – independente da real validade da maioria das demandas – contou com financiamento ou participação dos EUA e de aliados regionais – Israel, Catar, Arábia Saudita e Turquia, principalmente.

A Rússia, igualmente, é a potência diplomática na região – a única que mantém uma relação amistosa com todos os principais países da região, incluindo Israel e Irã.

A União Europeia, que se afirma poderosa apoiadora da solução negociada, continuou a manter – com honrosas exceções – seu cemitério a céu aberto no Mediterrâneo e nos campos de refugiados, alguns similares a campos de concentração nazistas.

Todos os países possuem problemas graves de direitos humanos em suas agendas nacionais – não só nesta região –, mas apenas alguns os alimentam para além de suas fronteiras.

No noroeste da Síria, existem apenas dois psiquiatras para quase 4 milhões de pessoas

Foto: WHO/OMS/AIsmail

“Hoje, sou um dos únicos psiquiatras em uma área onde vivem cerca de 3 milhões de pessoas. Devido à guerra, a situação é trágica”, explica o doutor Satoo, psiquiatra e diretor administrativo do Centro de Saúde Mental Sarmada, apoiado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), no noroeste da Síria.

“Isso afeta tudo: dificuldades em encontrar emprego e más condições de vida. Ninguém está livre de algum tipo de problema psicológico. Não há números oficiais, mas estamos vendo cada vez mais casos extremos a cada mês”, acrescentou.

A escalada em curso dos conflitos na região continua a impactar fortemente os civis. Entre primeiro de maio e 18 de agosto, mais de 570 mil pessoas foram deslocadas. O acesso aos cuidados de saúde também foi severamente limitado.

Existem apenas dois psiquiatras para quase 4 milhões de pessoas, e apenas duas instalações têm capacidade para tratar pessoas que sofrem de condições graves de saúde mental por meio de atendimento hospitalar.

“Não há unidade de saúde, a não ser a nossa, para doenças mentais e psicológicas graves. Se isso não existisse, para onde iriam as famílias? Algumas pessoas são realmente um perigo para si mesmas, sua família e seus arredores. Vir aqui é geralmente o último recurso para situações terríveis”, acrescenta Satoo.

Leia mais no site da OMS.

‘Regime de Assad é uma desgraça moral’: Noam Chomsky sobre a guerra na Síria

À medida que a indignação mundial se instala sobre um ataque de armas químicas na província de Idlib – ainda sem informações precisas –, que teria sido feito pelo governo Assad, o ‘Democracy Now!’ conversou o dissidente político, linguista e autor Noam Chomsky sobre o conflito em curso na Síria.

Confira abaixo e, a seguir, breve análise do ataque feita por um autor sírio.

AMY GOODMAN: Passamos agora para Noam Chomsky, um dos dissidentes mais conhecidos do mundo. Ele é professor emérito do Instituto de Tecnologia de Massachusetts [MIT], onde lecionou por mais de 50 anos. Juan González e eu conversamos com ele no programa “Democracy Now!” de terça-feira. Depois da transmissão, continuamos a conversa. Pedi-lhe que falasse sobre a situação na Síria, bem como sobre o Oriente Médio.

NOAM CHOMSKY: A Síria é uma catástrofe horrível. O regime de Assad é uma desgraça moral. Eles estão realizando atos horrendos, os russos com eles.

AMY GOODMAN: Por que os russos com eles?

NOAM CHOMSKY: Bem, a razão é bastante simples: a Síria é seu único aliado em toda a região. Não é um aliado próximo, mas têm uma base mediterrânea na Síria. É o único país que mais ou menos cooperou com eles. E eles não querem perder seu único aliado. É muito feio, mas é isso que está acontecendo.

Enquanto isso, tem havido – é como o caso norte-coreano que estávamos discutindo – oportunidades possíveis para acabar com os horrores.

Em 2012, houve uma iniciativa dos russos, que não teve seguimento, por isso não sabemos o quão sério era, mas foi uma proposta para uma solução negociada, na qual Assad seria eliminado, mas não imediatamente. Você sabe, você não pode dizer a eles: “Nós vamos matá-lo. Por favor, negocie.” Isso não vai funcionar.

Mas algum sistema no qual, no decorrer das negociações, ele seria removido, e algum tipo de solução seria feita. O Ocidente não aceitaria, não apenas os Estados Unidos. França, Inglaterra, os Estados Unidos simplesmente se recusaram a considerá-lo. Na época, eles acreditavam que poderiam derrubar Assad, então eles não quiseram fazer isso, e portanto a guerra continuou. Poderia ter funcionado? Você nunca sabe ao certo. Mas poderia ter continuado.

Enquanto isso, Catar e Arábia Saudita estão apoiando grupos jihadistas, que não são tão diferentes do ISIL [Estado Islâmico do Iraque e do Levante]. Então você tem uma história de horror de todos os lados. O povo sírio está sendo dizimado.

AMY GOODMAN: E os EUA agora enviando mais 400 soldados para a Síria. Mas se os EUA tiverem um melhor relacionamento com a Rússia, isso poderia mudar tudo?

NOAM CHOMSKY: Isso poderia levar a algum tipo de acomodação na qual seria implementado um acordo diplomático negociado, o que de modo algum seria agradável, mas pelo menos reduziria o nível de violência, o que é crítico, porque o país está simplesmente sendo destruído. Está descendo para o suicídio.

‘Pesadelo sem fim precisa acabar’

A cifra de mortes do alegado ataque com armas químicas em uma cidade controlada pelos rebeldes na província de Idlib aumentou para 86. Os mortos incluem pelo menos 30 crianças. Dezenas de civis também ficaram feridos.

Grande parte da comunidade internacional disse que o exército sírio é responsável pelo ataque químico. A Síria negou a acusação, alegando que os produtos químicos foram liberados depois que um ataque aéreo sírio atingiu um estoque de armas químicas controladas por grupos rebeldes.

Enquanto isso, na Casa Branca, Donald Trump disse que o ataque transformou sua visão sobre a guerra na Síria. Apenas na semana passada o governo Trump estava sinalizando que não iria pressionar para a remoção do presidente sírio Bashar al-Assad, mas durante uma coletiva de imprensa na quarta-feira (5) Trump adotou um tom diferente.

Confira entrevista com a escritora sírio-americana Lina Sergie Attar, que é originalmente de Alepo. É cofundadora e da Fundação Karam, organização filantrópica que ajuda sírios dentro e fora do país. Leia aqui (em inglês).

‘Regime de Assad é uma desgraça moral’: Noam Chomsky sobre a guerra na Síria


À medida que a indignação mundial se instala sobre um ataque de armas químicas na província de Idlib – ainda sem informações precisas –, que teria sido feito pelo governo Assad, o ‘Democracy Now!’ conversou o dissidente político, linguista e autor Noam Chomsky sobre o conflito em curso na Síria.
Confira abaixo e, a seguir, breve análise do ataque feita por um autor sírio.
AMY GOODMAN: Passamos agora para Noam Chomsky, um dos dissidentes mais conhecidos do mundo. Ele é professor emérito do Instituto de Tecnologia de Massachusetts [MIT], onde lecionou por mais de 50 anos. Juan González e eu conversamos com ele no programa “Democracy Now!” de terça-feira. Depois da transmissão, continuamos a conversa. Pedi-lhe que falasse sobre a situação na Síria, bem como sobre o Oriente Médio.
NOAM CHOMSKY: A Síria é uma catástrofe horrível. O regime de Assad é uma desgraça moral. Eles estão realizando atos horrendos, os russos com eles.
AMY GOODMAN: Por que os russos com eles?
NOAM CHOMSKY: Bem, a razão é bastante simples: a Síria é seu único aliado em toda a região. Não é um aliado próximo, mas têm uma base mediterrânea na Síria. É o único país que mais ou menos cooperou com eles. E eles não querem perder seu único aliado. É muito feio, mas é isso que está acontecendo.
Enquanto isso, tem havido – é como o caso norte-coreano que estávamos discutindo – oportunidades possíveis para acabar com os horrores.
Em 2012, houve uma iniciativa dos russos, que não teve seguimento, por isso não sabemos o quão sério era, mas foi uma proposta para uma solução negociada, na qual Assad seria eliminado, mas não imediatamente. Você sabe, você não pode dizer a eles: “Nós vamos matá-lo. Por favor, negocie.” Isso não vai funcionar.
Mas algum sistema no qual, no decorrer das negociações, ele seria removido, e algum tipo de solução seria feita. O Ocidente não aceitaria, não apenas os Estados Unidos. França, Inglaterra, os Estados Unidos simplesmente se recusaram a considerá-lo. Na época, eles acreditavam que poderiam derrubar Assad, então eles não quiseram fazer isso, e portanto a guerra continuou. Poderia ter funcionado? Você nunca sabe ao certo. Mas poderia ter continuado.
Enquanto isso, Catar e Arábia Saudita estão apoiando grupos jihadistas, que não são tão diferentes do ISIL [Estado Islâmico do Iraque e do Levante]. Então você tem uma história de horror de todos os lados. O povo sírio está sendo dizimado.
AMY GOODMAN: E os EUA agora enviando mais 400 soldados para a Síria. Mas se os EUA tiverem um melhor relacionamento com a Rússia, isso poderia mudar tudo?
NOAM CHOMSKY: Isso poderia levar a algum tipo de acomodação na qual seria implementado um acordo diplomático negociado, o que de modo algum seria agradável, mas pelo menos reduziria o nível de violência, o que é crítico, porque o país está simplesmente sendo destruído. Está descendo para o suicídio.

‘Pesadelo sem fim precisa acabar’

A cifra de mortes do alegado ataque com armas químicas em uma cidade controlada pelos rebeldes na província de Idlib aumentou para 86. Os mortos incluem pelo menos 30 crianças. Dezenas de civis também ficaram feridos.
Grande parte da comunidade internacional disse que o exército sírio é responsável pelo ataque químico. A Síria negou a acusação, alegando que os produtos químicos foram liberados depois que um ataque aéreo sírio atingiu um estoque de armas químicas controladas por grupos rebeldes.
Enquanto isso, na Casa Branca, Donald Trump disse que o ataque transformou sua visão sobre a guerra na Síria. Apenas na semana passada o governo Trump estava sinalizando que não iria pressionar para a remoção do presidente sírio Bashar al-Assad, mas durante uma coletiva de imprensa na quarta-feira (5) Trump adotou um tom diferente.
Confira entrevista com a escritora sírio-americana Lina Sergie Attar, que é originalmente de Alepo. É cofundadora e da Fundação Karam, organização filantrópica que ajuda sírios dentro e fora do país. Leia aqui (em inglês).

Assad consolida poder sobre noroeste da Síria

Vejam, testemunhamos como o governo do presidente Assad é brutal. Mas é impossível ter qualquer simpatia pela oposição do Conselho Nacional Sírio (CNS), com sua plataforma explicitamente sectária, anti-árabe, demandando a intervenção dos genocidas de plantão da OTAN e … querendo reconhecer o Estado de Israel.

O CNS está rachado: uma ala quer uma invasão estrangeira (como na Líbia e no Líbano), a outra não. Ambas aceitam a destruição do Estado sírio.

O Exército da Síria Livre é cada vez mais parecido com o antigo Exército do Líbano Livre (lembram-se do Saad Haddad?), um grupo terrorista, sectário, corrupto, ávido de sangue, cujo propósito é subjugar o país diante de potências regionais (Israel, Arábia Saudita) e internacionais (EUA).

A ditadura não é de Assad, mas de um grupo que não arredará o pé do poder. Neste grupo se encontra as burguesias mercantis de Alepo e Damasco, muito beneficiadas pelas privatizações da última década.

Mas a ambiguidade é a regra número um das Relações Internacionais.

A Síria não rompe diplomaticamente com os EUA e a Arábia Saudita, inimigos pero no mucho.

Por sua vez, os EUA não rompem diplomaticamente com a Síria.

Síria continua mantendo a paz não declarada com Israel, que aproveita para assassinar mais palestinos, como ocorreu na última semana. As Colinas de Golã continuam sendo o lugar paradoxalmente mais tranquilo e seguro do mundo.

Israel não quer a queda de Assad, mas nada fará para impedir a queda e a implosão da Síria, por isso, não deixa de patrocinar a aliança entre as Forças Libanesas (“cristãs”) e a Irmandade Muçulmana (“sunita”), como ocorrera há 30 anos, quando Hafez al-Assad ordenou o esmagamento do movimento em Hama, causando a morte de milhares de pessoas.

Irônico notar que o autor do Massacre de Hama, general Rifaat Assad, tio do atual presidente, seja o atual comandante do Exército da Síria Livre. Lembra um pouco quando as Falanges se uniram à OLP na segunda metade dos anos 1980.

Sim, Bassar al-Assad está bem obrigado, mas até quando e a que preço?

Enquanto isto, a balcanização da Líbia e do Iêmen (de novo!) está na ordem ianque-wahhabita-saudita. Israel agradece.

Esquerdistas selvagens defendem ditadores selvagens

A informação é do Clóvis Rossi (ver íntegra aqui):

O relatório da comissão da ONU que investigou a violência na Síria (…) é duríssimo: diz que as forças de segurança sírias cometeram ‘graves violações dos direitos humanos’, o que inclui execuções sumárias, prisões arbitrárias, desaparições forçadas, torturas, violência sexual, violação dos direitos das crianças -enfim o catálogo completo a que recorrem as ditaduras mais selvagens.

 

Para o Brasil, não dá mais para repetir a torpe declaração emitida após visita de uma delegação do Ibas (Índia, Brasil e África do Sul) a Damasco, na qual condenaram ‘a violência de todas as partes’. Equivalia a igualar vítimas e algozes.

 

Agora, há um relatório com a chancela de Paulo Sérgio Pinheiro, o brasileiro que preside a comissão…

O qual, acrescento eu, é um personagem acima de qualquer suspeita de favorecer manobras imperialistas.

 

Foi, p. ex., indicado pela Comissão de Mortos e Desaparecidos do Ministério da Justiça para representar a sociedade civil no grupo de trabalho que preparou o anteprojeto de lei da Comissão Nacional da Verdade. Constitui exemplo inatacável de dignidade e idealismo, sempre colocando seu brilho intelectual a serviço das causas justas. Uma unanimidade, enfim.

 

Então, a habituais desqualificações a que recorre uma parcela da esquerda tão selvagem quanto os ditadores que apoia, neste caso não  colarão.

 

O que me deixa estupefato é a defesa em bloco que tais desatinados fazem dos  tiranos das Arábias.

 

Um Gaddafi da vida, embora não tenha chegado ao poder graças a revolução nenhuma, mas sim por meio de uma quartelada, teve lá seus rompantes antiimperalistas antes de acertar os ponteiros com os senhores do mundo (revelando grande afinidade com o que o Império tinha de pior, o fascistóide, mafioso e debochado Sílvio Berlusconi).

 

É algo de que ninguém jamais acusaria o  açougueiro de Damasco, Bashar al-Assad, despótico, conservador e reacionário até a medula, desde sempre.

 

A vergonhosa tibieza do Governo brasileiro face a uma das piores tiranias do século 21 se deve tão somente a interesses econômicos. Uma variante do  critério de que “ele pode ser um grandíssimo fdp, mas é nosso fdp”.

 

A esquerda não caudatária do petismo, entretanto, está desobrigada de coonestar o oportunismo governamental.

 

Mesmo assim, com um primarismo abissal, os esquerdistas selvagens encaram a mais do que necessária derrubada de al-Assad como uma tramóia dos países da Otan para apoderarem-se de riquezas sírias.

 

Ainda que assim fosse, que cabimento tem tomarmos partido em disputa na qual ninguém é antagonista do capitalismo? Se são só vilãos brigando por um butim, o que importa para nós qual vilão prevalecerá?

 

Mas, a própria razão de ser da esquerda é defender o povo contra os que o tiranizam e massacram. São milhares as vítimas fatais do  açougueiro de Damasco nos oito últimos meses, 256 crianças incluídas. Até a Liga Árabe vê premência em deter-se a matança.

 

Estarrecedores também são os casos citados no relatório de abusos sexuais contra menores, como um jovem de 15 anos violado na presença do pai.

 

O hipotético repúdio à Otan implica o bem real repúdio ao povo sírio e uma vergonhosa cumplicidade com a carnificina que lhe é imposta.

 

Está mais do que na hora de voltarmos a ter um ideário positivo, priorizando o que se afirma e não o que se nega. Direcionar-se apenas por negações, como uma bússola invertida da imprensa burguesa, nem sempre leva à posição correta e às vezes desemboca em absurdos.

 

Caso atual: é um completo absurdo a promiscuidade dos herdeiros de Karl Marx com um herdeiro de Vlad Dracul.

O reino da liberdade e as fazendas-modelo

“A praça é do povo!
Como o céu é do condor.
É o antro onde a liberdade
cria águias em seu calor”.
(Castro Alves)

 

Está no noticiário:

Forças de segurança da Síria atacaram ativistas pró-democracia ontem, deixando mais de 30 mortos.

 

Os protestos pela saída do ditador Bashar Assad já duram sete meses. O governo tem reagido com truculência. A ONU estima que os conflitos deixaram 3.000 vítimas até agora.

 

Ativistas afirmam que as forças de segurança perseguiram os manifestantes ontem (6ª, 28), atirando com metralhadoras. As linhas telefônicas e a internet foram suspensas.

 

Os pontos de maior conflito foram Homs e Hama, na região central do país. São áreas de forte oposição ao regime.

 

A Síria restringe a entrada de jornalistas no país, o que impede a averiguação independente das informações.

Ao contrário de Muammar Gaddafi, o  açougueiro de Damasco não é defendido nem mesmo pelo mais tacanho dos esquerdistas autoritários.

 

O que, entretanto, não tem implicado um posicionamento firme e manifestações de repúdio a este tirano indiscutivelmente cruel e repulsivo.

 

É chocante e lamentavel: a esquerda parece ter perdido a capacidade de indignar-se contra a bestialidade dos déspotas.

 

Quando há justificada revolta contra eles, fica com um pé na frente e outro atrás, temendo que seja instigada pelo imperialismo, para colher qualquer vantagem econômica ou política.

 

Exatamente como fez quando da revolução húngara de 1956 e da  Primavera de Praga em 1968.

 

Das duas grandes bandeiras da humanidade através dos tempos — a justiça social e a liberdade –, estamos, obtusamente, abdicando da segunda.

 

Com isto, deixaremos de encarnar as esperanças numa sociedade que possibilite a realização plena do ser humano, em termos materiais e espirituais.

 

O maravilhoso objetivo final de Karl Marx — a instauração do “reino da liberdade, para além da necessidade” — é trocado, na prática, por outro bem mais prosaico, a instalação de fazendas-modelo, nas quais os animais sejam bem tratados enquanto se mantiverem submissos à vontade dos amos.

 

Então, quando as manifestações anticapitalistas deixam de ser necessariamente manifestações comunistas ou anarquistas, como está acontecendo na Europa, não temos do que nos queixar. Somos nós mesmo que estamos atraindo descrédito para nossas causas, pois as amesquinhamos em nome de um pretenso realismo político.

 

É hora de, escutando a voz das ruas, voltarmos a trilhar os caminhos de Marx e Proudhon.

 

Ou desempenharemos papel secundário neste momento em que as vítimas do capitalismo começam a despertar de sua letargia, depois de quatro décadas de conformismo.

Ditador sírio é clone de Pinochet

Bashar al Assad: a mesma carranca…

O ditador sírio Bashar al Assad esmera-se em imitar, detalhe por detalhe, o carniceiro chileno Augusto Pinochet: seu regime genocida não só liquidou o Victor Jara do seu país, como está despejando presos políticos em estádios de futebol.

Compositor e cantor de músicas que combinavam ritmos folclóricos com mensagens de protesto, Jara lembrava muito o nosso Geraldo Vandré, também assassinado por uma ditadura bestial, embora por outros meios: dele só exterminaram a alma, deixando o corpo a perambular como zumbi.

Já do expoente máximo da  Nueva Canción Chilena os militares ensandecidos tiraram também a vida.

pinochetazzo o surpreendeu na universidade, sendo lá sequestrado pelas tropas golpistas, juntamente com outros alunos e professores.

Levaram-no ao Estádio Chile (não confundir com o Estádio Nacional do Chile), onde eram amontoados os seguidores do presidente legítimo Salvador Allende. Uma boa idéia dos horrores que lá tiveram lugar é dada no filme O Desaparecido – um grande mistério (d. Costa Gravas,  1982), cujas sequências mais chocantes são as que mostram as pilhas de cadáveres dos cidadãos executados pelos fascistas.

A versão mais difundida da morte de Jara é a que aparece em outro filme, Chove Sobre Santiago (1976), do chileno Helvio Soto: ele é desafiado a cantar para seu público, reunido nas arquibancadas do estádio sinistro — e o faz. Então, os verdugos o espancam até a morte.

Seu corpo foi exumado em 2009, quando ficou comprovado que realmente esmagaram-lhe as mãos a coronhadas.

Teve seus restos mortais atirados num matagal de beira de estrada, mas acabaram sendo encontrados e levados à câmara mortuária. Depois que a esposa o identificou, foi enterrado no Cemitério Geral de Santiago.

…e a mesma bestialidade de Pinochet.

Enfim, tratou-se de um destino bem semelhante ao que acaba de ter o músico sírio responsável pelo  hino das manifestações contra a tirania do seu país — cujo título, numa tradução livre, seria ‘Pede pra sair, Basher’.

O cadáver do autor da canção, Ibrahim Qashoush, apareceu boiando num rio, no início do mês passado.

Agora, chega a notícia de que as tropas do ditador sírio estão invadindo casas num distrito sunita do porto de Latakia, prendendo pessoas às centenas e as levando para os estádios da Cidade Esportiva de al-Raml, sede dos Jogos Mediterrâneos na década de 1980.

“Os estádios da Cidade Esportiva estão servindo de abrigo para refugiados, para impedir que eles fujam de Latakia e, tal qual vimos em outras cidades atacadas, também como um centro de detenção”, disse o diretor do observatório Rami Abdelrahman à agência Reuters.

Os relatos de torturas provêm de todos os lados. Só não foram confirmadas, por enquanto, execuções nos estádios-masmorras.

É só o que falta para Bashar al Assad igualar-se a Pinochet em tudo e por tudo.

Quanto à presidente Dilma Rousseff, o que falta é ela confirmar a alardeada priorização dos direitos humanos, repudiando a ditadura síria com a mesma firmeza adotada em relação à congênere iraniana.

Afinal, para quem é ou foi revolucionário(a), não importa o sexo da vítima ou se a forma de execução é particularmente cruel (caso do apedrejamento). Temos o dever moral de nos posicionar contra as matanças, a barbárie e o despotismo em si mesmos, sob quaisquer circunstâncias e independentemente das conveniências econômicas.

Sobre a Síria

Apesar de ser um regime militar de base alauíta, a Síria, desde 1970 é uma ditadura laica (não que antes não o fosse).

Ela se apóia, além dos militares,no seu serviço de segurança e nas burguesias comerciais sunitas, e em menor escala, cristãs greco-ortodoxas, de Alepo e Damasco (que eram cidades rivais) e curdas (o país jé teve um ditador curdo assassinado no Brasil em 1964).

Não podemos esquecer de uma pequena minoria judia de Alepo, que forneceu grande número de migrantes para Sidon, no Líbano, dos quais o mais conhecido mundialmente é o clã Safra.

O regime jamais promoveu qualquer forma de sectarismo. Nestes aspectos, o regime de Bassar al-Assad é muito semelhante ao de Saddam Hussein, que governou o Iraque de 1969 a 2003. Saddam foi acusado, no entanto, de dirigir uma ditadura “sunita” que oprimia os “xiitas”, tese absurda que até a “esquerda” engoliu, dando o aval para o genocídio promovido pelo Irã e EUA a partir de 2003.

(Há, sim, ainda há “esquerdistas” que continuam a afirmar que os “cristãos maronitas” oprimem a maioria muçulmana … 28 anos após a Guerra das Montanhas).

Países sectários e racistas são o Líbano, Israel, Irã e Arábia Saudita (excluindo a Europa e a América Saxônica, but of course).

O Líbano é peculiar porque nem “xiitas” e nem “sunitas” querem ver um ou outro no poder, então preferem que os maronitas permaneçam na presidência, dando continuidade à política sectária. Os maronitas mandam tanto que dois presidentes (o cargo é provativo dos maronitas) foram assassinados, sem que seus responsáveis fossem presos, e um outro foi boicotado internacionalmente sem qualquer constrangimento dentro do Líbano.

Mas, o Líbano não é ameaça alguma ao mundo árabe, talvez seja uma ameaça apenas aos próprios libaneses.

O mesmo não se pode dizer de Arábia Saudita, Irã e Israel, uma espécie de eixo desestabilizador do mundo árabe, por incitarem o sectarismo confessional e atentarem contra o pluralismo étnico dos países árabes (neste sentido, converegem com a política dos EUA).

Arábia Saudita promove o banho de sangue no Bahrein. Os sauditas não perdoam os EUA pela queda de Mubarak no Egito. O massacre também se estende ao Yemen. Mas as manifestações continuam no Marrocos, assim como a guerra civil na Líbia, atacada pela OTAN.

É muito provável que o regime wahhabita (e aliados) esteja por trás das manifestações contra o regime de Bassar Assad na Síria, por intermédio do Líbano, com a figura de Said Hariri ( o clã Hariri financiou um grupo salafista no norte do Líbano, há 4 anos atrás, esmagado pelo exército libanês). Nem todos os manifestantes sírios são salafistas, muitos estão realmente cansados de 40 anos de ditadura sem reaverem as Colinas do Golã, sem paz formal com Israel e sem Alexandreta, com poucos ganhos sociais e econômicos.

A Síria também passou a adotar reformas neo-liberais no início da década de 2000 com resultados pouco alentadores, fazendo apenas a renda se concentrar numa minoria, uma burguesia comercial (de origem sunita) agora financeira.

Devido à sua posição geográfica, a Síria sempre sofre pressão por todos os lados. O país passou por tremendas pressões geopolíticas nos últimos 12 anos: como o governo W. Bush, francamente hostil a Damasco, a invasão anglo-americano-irianiana do Iraque em 2003, as resoluções da ONU exigindo a retirada de tropas sírias do Líbano em 2004, os ataques de Israel em 2003 e em 2007, a invasão israelense ao Líbano em 2006, os massacres israelenses contra os palestinos na Faixa de Gaza desde 2000. Uma pressão espetacular que o pai de Bassar, o temível Hafez também havia sofrido na década de 1980.

Há quem diga que Israel apoie a atual ditadura dos Assad. É possível, mas, Israel nada fará para estabilizar a Síria, pois segue uma política externa que aposta no “quanto pior melhor”. Israel jamais escondeu o desejo de ver o mundo árabe estilhaçado em pequenos Estados étnico-confessionais, à sua imagem e semelhança. O que explica sua aliança tácita com o Irã dos aiatolás. O que explica também os assassinatos que cometeu contra Bachir Gemayel e Rafic Hariri para destruir o Líbano e também contra Abbas al-Mussawi e Imad Mughnieh, líderes do Hizbollah.

O Irã, por sua vez, promove o regime sectário no Iraque, após patrocinar a limpeza étnica e o genocídio de mais de 1 milhão de iraquianos com apoio dos EUA.

A contra-revolução prossegue, num banho de sangue, numa forma dos EUA e aliados locais compensarem a perda do brigadeiro-ditador Mubarak, líder do Egito desde 1981, pilar do poder americano na região.

Esperemos que as revoltas populares não resvalem para o sectarismo, seja na Síria ou em qualquer parte. Estas revoltas não podem servirem de justificativa para a destruição dos países árabes.

Esperemos que a esquerda aprenda que apoiar regimes ou grupos sectários, em nome da luta contra o imperialismo, é o melhor caminho para as salas de tortura ou o cemitério. Não esqueçamos o regime de Khomeini, ainda hoje no poder e ainda hoje adorado pelos “anti-imperialistas”.

Leia também: El tablero de ajedrez sirio