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Um marco alcançado e a profissão de fé de um blogue de resistência

Por Celso Lungaretti

As visualizações de página do blogue Náufrago da Utopia acabam de chegar à casa de 2 milhões. Não sei dimensionar a importância deste total em termos de blogosfera, mas eis alguns dados para os leitores poderem aquilatar por si mesmos:

— o blogue existe desde 8 de agosto de 2008;

— tem 3.900 posts publicados;

— conta com 620 seguidores;

— vem mantendo nos últimos meses uma média de 1.600 acessos diários;

— tais acessos provêm principalmente do Brasil (91,4%), EUA (3,7%), Portugal (1,4%) e França (0,5%).

Sejam ou não significativos tais números, a sensação que eles trazem a esta diminuta equipe (eu e os colaboradores permanentes Apollo Natali e Dalton Rosado) é de dever cumprido.

No meu caso e no do Apollo, o de continuarmos sendo jornalistas, fiéis à nossa missão de disponibilizarmos a verdade aos cidadãos comuns para que os poderosos não imponham tão facilmente as versões e análises que lhes convêm; e sendo jornalistas independentemente de tais poderosos decretarem nossa morte profissional, a pretexto da idade mas, muito mais, por não gostarem das convicções expressas em nossos textos.

No do Dalton, o de difundir uma interpretação do marxismo ainda pouco conhecida, mas que pode desempenhar um papel importante na renovação teórica da esquerda, ainda mais agora que as estratégias e táticas adotadas desde 2003 foram colocadas dramaticamente em xeque pelo impeachment de Dilma Rousseff e pelas circunstâncias nas quais ocorreu.

Também vejo este blogue como uma continuação da luta que outrora iniciei para livrar a comunicação de massa da tutela absoluta dos barões da mídia. Vale a pena explicar melhor.

Após minha participação na luta armada ter-me deixado em frangalhos, fui juntar os cacos numa comunidade alternativa, que era também uma forma de manter vivo meu sonho, ainda que a abrangência fosse bem menor.

Já não se tratava de desbravar um caminho para o povo, pois aprendera da forma mais sofrida a levar sempre em conta a correlação de forças, que naquele momento era totalmente desfavorável a quaisquer projetos ousados de nossa parte.

Mas ao menos podíamos, nós mesmos, praticar em recinto fechado um estilo solidário de vida, ajudando-nos uns aos outros e dividindo o trabalho e seus frutos igualitariamente. Foi o que pensamos e, por alguns meses, conseguimos levar à prática

Era, contudo, difícil mantermos algo assim  em meio ao terrorismo de estado que grassava lá fora, com suas atrocidades, injustiças e intolerância. E, como no conto antológico do Poe, a peste invadiu o castelo no qual acreditávamos estar a salvo dela.

Quando a nossa comuna se desintegrou, só me restou voltar à vida insípida de quem batalha apenas para garantir a sobrevivência pessoal. Como o jornalismo era uma vocação que se manifestara desde que  comecei a fazer jornais no curso médio para fins de conscientização política, foi o nicho que encontrei na divindade suprema do capitalismo, o deus mercado.

Mas, inconformado em ser apenas uma correia de transmissão de valores nocivos, usava minhas horas de folga para prover o antidoto, em publicações precárias que produzia com companheiros igualmente dados à escrita.

Eram bancadas por nós mesmos, na esperança de que vendendo para amigos, conhecidos e para o público de nossas palestras e festas, arrecadássemos o suficiente para recuperar o que gastáramos. Nunca aconteceu.

Sabíamos que éramos pulgas tentando contrabalançar o estrago produzido pelos mamutes da indústria cultural, essa portentosa máquina de moldar a consciência dos cidadãos, tangendo-os para o conformismo e o consumismo.

Mas, tentávamos. Por mais que os resultados ficassem aquém de nossas expectativas, nunca desanimávamos. Era o que podíamos fazer e o fazíamos com enorme carinho. Cruzar os braços, jamais!

E é o que o Náufrago hoje faz. Lembrando os versos daquela comovente canção que Sérgio Ricardo compôs nos anos de chumbo, “cada verso é uma semente/ no deserto do meu tempo”.

Aqui plantamos as sementes de uma esquerda que reassuma, como prioridade máxima e como sua razão de ser, a organização do povo para o combate sem trégua à exploração do homem pelo homem, até a vitória final.

Trata-se do que mais precisa ser feito neste momento e também do mais difícil de se fazer, pois já estão arraigados em nossas fileiras os vícios, a desmobilização e a acomodação resultantes da opção pelas urnas em detrimento das ruas.

É mais fácil domesticar-se os bravos do que incutir bravura nos domesticados. Ainda mais depois de tantas e tantas décadas desperdiçadas em vãs tentativas de humanizar o capitalismo por dentro, rezando pela cartilha da democracia burguesa (que não passa do arcabouço institucional da dominação capitalista)!

É também aqui que tentamos ressuscitar valores como o da generosa solidariedade revolucionária, cada vez mais trocada pela postura egoísta de apoiar-se apenas o próprio partido ou a própria facção, lixando-se para as desgraças de outras forças do campo da esquerda e inclusive para os infortúnios de antagonistas pertencentes à mesma facção.

Há, ainda, que restaurarmos a própria moral revolucionária, a nossa, que infelizmente está ficando cada vez mais indistinguível da deles, nestes tristes tempos em que tantos trocam a dialética pelo mais rasteiro utilitarismo.

Aqui plantamos, ademais, a semente do respeito incondicional aos direitos humanos e à preservação do meio ambiente, pois nada, absolutamente nada, justifica os atentados à dignidade dos indivíduos e à sua existência (gravemente ameaçada pela devastação do nosso habitat).

São tudo menos herdeiros de Marx e Proudhon os que se norteiam pela realpolitik, justificando atrocidades e massacres quando perpetrados pelos bons bárbaros contra os maus bárbaros; quem existe para conduzir a humanidade a um estágio superior de civilização jamais pode transigir com a barbárie, assim como a um religioso é vedado pactuar com o demônio.

E aqui tentamos exercitar o pensamento crítico, não deixando jamais de refletir sobre as práticas da esquerda, no sentido de aprimorá-las e de prevenir erros que poderão evidenciar-se desastrosos adiante. Quando a intolerância no relacionamento com as tendências minoritárias se dissemina cada vez mais entre nós, é fundamental restabelecermos o respeito entre companheiros e uma atitude positiva face aos questionamentos válidos.

Até porque erros terríveis foram cometidos nos últimos tempos pelos detentores da hegemonia, os quais quase sempre fecharam os ouvidos às advertências daqueles que se encontravam em minoria… mas estavam com a razão!

De resto, somos os primeiros a reconhecer que as sementes por nós espalhadas frutificarão ou não graças a fatores que vão muito além de nosso idealismo, do nosso tirocínio e dos nossos esforços.

Neste momento da vida só podemos apontar caminhos e dar exemplos, na esperança de que novos combatentes, com o vigor de que já não dispomos, inspirem-se nestas leituras ao decidirem suas linhas de ação.

Aos leitores que respeitam nossos esforços, peço: ajudem-nos a divulgar este blogue de resistência, que ninguém patrocina e tão poucos organizados apoiam, mas que prova ser possível sobreviver com as próprias forças (e desnecessário, portanto, vender a alma); e difundam estes textos impregnados de toda nossa experiência de vida e de todas as esperanças que ainda mantemos no futuro da humanidade, para que eles possam atingir seus objetivos…e nós também!

A luta continua..

SOBRE O MESMO ASSUNTO, LEIAM TAMBÉM:

A IMPORTÂNCIA DE UMA COMUNICAÇÃO LIVRE DO JUGO DO CAPITAL

Por Dalton Rosado

Disse Marx, nos Grundrisse, que a máquina, ao reduzir o trabalho humano a um mínimo, beneficiária o trabalho emancipado e seria a condição de sua emancipação.

Assim Marx inseriu, de maneira genérica, os ganhos da tecnologia para a emancipação humana; e nela está inserida a comunicação via satélite, que agora, por meio da internet, liberta (até certo ponto) a informação do jugo do capital.

É difícil para o capital bloquear a circulação da informação eletrônica, uma vez que a vida moderna se rege por tal modo de comunicação sob os mais variados aspectos; e, em termos técnicos, uma coisa dificilmente pode ser separada da outra.

Já estão distantes no tempo as tradicionais (e autoritárias) ações de empastelamento dos jornais que contrariavam os interesses dos governantes a serviço do capital. Mas, jornalistas até hoje continuam sendo assassinados e perseguidos por suas práticas profissionais… (clique para ver mais)

A ESQUERDA DA MINHA VIDA.

Por Apollo Natali

Afinal, que caminho é esse, a esquerda, pauta fiel do Náufrago?  A resposta culta eu ouço da boca dos estudiosos, dos intelectuais, da Academia. Mas como trocá-la em miúdos, em linguagem simples e direta, para boa parte dos 200 milhões de brasileiros não tão acadêmicos? Para o gasto do dia a dia do mortal que anda de ônibus, qual o significado dessa palavra  incompreendida até para mim?

Definição acadêmica: os grandes ideólogos do marxismo e do anarquismo, Marx e Proudhon, pregavam a tomada de poder pelos trabalhadores que reformulariam a sociedade no sentido da priorização do bem comum, com as pessoas trabalhando solidariamente para que as atividades produtivas visassem ao pleno atendimento das necessidades humanas em regime de cooperação voluntária e igualdade.

Lindo. Utópico. Impraticável. Como se tem visto. Que Lungaretti e seus pares de idéias possam perdoar minha visão turvada. Longínquo, incerto é o dia em que a humanidade vai atingir o topo moral necessário a uma vida feliz como essa. Não estaremos aqui para ver, nem nossos descendentes… (clique para ver mais)

É hora de termos novamente o céu como bandeira e de voltarmos a tomar a História na mão!

No início do ano letivo de 1968, sem que ninguém esperasse, a repressão da ditadura atacou com bestialidade extrema um restaurante para estudantes carentes no Rio de Janeiro, acabando por matar a tiros um secundarista de apenas 16 anos, Edson Souto.

O movimento estudantil brasileiro, que tinha sido praticamente extinto pela repressão em 1964, já tentara renascer nas chamadas  setembradas  de 1967, mas a violência dos usurpadores do poder novamente havia prevalecido. Em março de 1968, no entanto, os estudantes voltaram às ruas… para ficarem! Com  a certeza na frente, tentando tomar  a História na mão, marcaram fortemente sua presença ao longo do ano.

Aprofundando um pouco a análise, podemos dizer que o final da década de 1960 marca a transição da sociedade rígida e patriarcal, característica da fase da industrialização, para o amoralismo da sociedade de consumo, em que tudo e todos devem estar disponíveis para o mercado.


Então, de certa forma, a contestação à autoridade de autoridades, reitores, sacerdotes, doutores disso e daquilo, dos luminares da sociedade em geral, convinha ao próprio capitalismo, que estava passando da etapa das grandes individualidades para a da liderança participativa. O foco passaria a ser o consumidor, o cidadão comum, em lugar do grande homem, a personificação da elite.

Respirava-se antiautoritarismo. As artes passavam por um momento de ousadias e experimentalismo no mundo inteiro, a imprensa se modernizava a olhos vistos, a liberalização de costumes e a liberação sexual entravam com força total. O movimento estudantil, estimulado pelos ventos de mudança, foi fundo na tarefa de  derrubar as prateleiras, as estátuas, as estantes, as vidraças, louças, livros, sim! 

E, no hiato entre a etapa capitalista que terminava e a que ia começar, muitos jovens sonharam com algo maior: uma sociedade sem classes, em que não existisse a exploração do homem pelo homem e na qual a economia se voltasse para a satisfação das necessidades humanas em vez de ser regida pela ganância. Um ideal simbolizado por Che Guevara, o último revolucionário internacionalista de dimensões míticas, com seu corpo cheio de estrelas e tendo  el cielo como bandera.

Mas, a repressão brutal desencadeada pela ditadura, principalmente após a assinatura do AI-5, inviabilizou a mudança maior que muitos pretendiam. Então, sobre a terra arrasada, o que floresceu foi mesmo a sociedade de consumo.


A classe média, eufórica com o milagre brasileiro, tratou é de enriquecer. E a esquerda estava tão debilitada pela perda de seus melhores quadros que pouco pôde fazer contra a conjugação de  boom  econômico e terrorismo de estado.

O movimento estudantil de 1968 foi, portanto, resultado de circunstâncias especiais e únicas. Daí não poder ser comparado com o de hoje (como muitos fazem, para depreciá-lo), quando os jovens, ademais, têm de esforçar-se no limite de suas forças para começarem bem uma carreira, o que acaba fazendo-os desinteressarem-se por quase todo o resto..

COMPETIÇÃO OBSESSIVA

A própria dificuldade insana que encontram para afirmar-se profissionalmente deveria levá-los a refletir sobre as distorções da sociedade atual. A competição obsessiva que aborta talentos e condena tanta gente a não desenvolver seu potencial é um dos horrores do capitalismo globalizado.

Então, é tempo de os estudantes começam a se indagar sobre a validade de continuarem nesse funil perverso, passando por cima dos despojos dos que tombarem no caminho, com enorme possibilidade de, adiante, baterem com o nariz na porta, à medida em que a crise do capitalismo for aprofundando-se e o descompasso entre a oferta de empregos para profissionais com formação superior e o contingente de candidatos dela dotados a buscarem empregos se tornar  cada vez maior, condenando a grande maioria à frustração e ao exercício de funções sem nada a ver com aquelas para as quais se capacitaram.

Desde a onda de ocupações iniciada em 2007 pela tomada da reitoria da USP em 2017, o movimento estudantil brasileiro vem tentando renascer. Mas, uma década depois, ainda está longe de atingir a amplitude e a consistência do de 1968, talvez por não haver tido como fermento a truculência e o obscurantismo de uma ditadura, contra a qual, necessariamente, os melhores seres humanos tomavam partido.


Mas, Zuenir Ventura está certo: 1968 foi um ano que não terminou. A revolução ainda voltará a identificar-se com as flores e as primaveras, depois deste inverno da desesperança que nos foi imposto.

Ainda veremos outras primaveras como as de Paris e de Praga, pois há uma lição que a História várias vezes nos ensinou: a humanidade não aguenta viver indefinidamente sem solidariedade e compaixão.

O mundo se tornou um lugar muito ruim para se habitar sob o neoliberalismo, ainda mais na versão selvagem que Donald Trump agora nos tenta enfiar goela abaixo. Algo tem de mudar – e esta mudança precisa começar o quanto antes, para deter a marcha da insensatez enquanto ainda existe algo para salvarmos.


E, depois dos terríveis fracassos a que a esquerda domesticada, populista e reformista nos tem conduzido ao longo deste século, a esperança de volta por cima é encarnada pelas novas gerações, pela juventude que ainda é capaz de sonhar com uma sociedade igualitária e justa, e de lutar com todas as suas forças para concretizar este sonho. 


Temos de aprender a lição que a História, ultimamente, não cansa de nos ensinar: os que se contentam com um mínimo, acabam ficando sem nada. É hora de voltarmos a mirar o prêmio máximo, aquele pelo qual vale realmente a pena lutar: o fim do capitalismo. E é a juventude que pode e deve encabeçar esta luta.

Lembrando a grande música do Sérgio Ricardo: se você não vem, eu mesmo vou brigar.

Lembrando o Edu Lobo dos melhores momentos:   vou ver o tempo mudado e um novo lugar pra cantar.

Lembrando o Raulzito, profeta da sociedade alternativa que nos serve de inspiração para transformarmos a sociedade como um todo a gente ainda nem começou.

Textos, vídeos e fotos regatam o período mais marcante de nossa música em todos os tempos.

 

Trabalhando numa editora de publicações musicais entre 1979 e 1984, fiz aprofundadas pesquisas sobre os grandes festivais de MPB e o programa “O Fino da Bossa”, para redigir os textos de edições dedicadas a cada um desses temas. Depois, em 1983, reuni o que havia de mais significativo nesse material todo no nº 54 da revista “Especial”.

Exatamente por dar uma visão ao mesmo tempo sintética e abrangente do período mais fértil e criativo de toda a história da música brasileira, foi a versão de 1983 que decidi digitar e editar para o blogue.

Nas últimas cinco semanas, repostei a série inteira, com um acréscimo importante: os vídeos que hoje estão disponibilizados no Youtube, permitindo que uma nova geração de leitores tome contato de forma bem mais direta com o passado relatado nos textos e registrado nas fotos. Eis os posts:

O PRIMEIRO GRANDE FESTIVAL COMPLETA 50 ANOS

Brasil, 1965. A repressão que se abatera sobre sindicatos, partidos políticos e entidades estudantis não foi estendida às artes, cuja importância como fator  subversivo  até então vinha sendo quase nenhuma.

O teatro de denúncia, os Centros Populares de Cultura da UNE, o cinema novo, tudo isso repercutira tão pouco que os militares se permitiram adotar, com relação à cultura, uma postura de  déspotas esclarecidos

Como consequência, os palcos e telas começaram a ser catalizadores do repúdio ao regime e das esperanças de uma reviravolta popular, no lugar dos canais de comunicação que permaneciam bloqueados… CONTINUA AQUI.

‘BANDIDOS’ CONTRA ‘DISPARATADOS’

Vandré se destaca também, à época, pela extraordinária trilha musical do filme A Hora e Vez de Augusto Matraga, de Roberto Santos, na qual pontificam “Réquiem para Matraga”, “Modinha” (“Rosa, Hortência e Margarida”) e a vigorosa “Cantiga Brava”.

E confirma a boa fase com “Disparada”, dele e Théo de Barros, uma das vencedoras do 2º Festival da Música Popular Brasileira que a TV Record promoveu em setembro/outubro de 1966.

Épico sertanejo, “Disparada” coroa as pesquisas de Vandré no sentido de definir um idioma musical comum ao Centro-Nordeste e às pessoas egressas dessas regiões que se estabeleceram no chamado  Sul Maravilha, mas ainda traziam as marcas do êxodo rural… CONTINUA AQUI.

MATANDO A GALINHA DOS OVOS DE OURO

sucesso de O Fino fez brotarem os concorrentes, paradoxalmente quase todos também da TV Record;  a exceção ficou por conta de Ensaio Geral, da TV Excelsior, com Gil, Bethânia, Marília Medalha e outros, que durou uns quatro meses, no início de 1967.

A emissora do Aeroporto, mais ambiciosa, diversificou sua linha de produtos a ponto de, praticamente, apresentar um show a cada dia da semana:

  • Bossaudade, que reunia a  velha guarda, sob o comando de Elizeth Cardoso;
  • Elza Soares e Germano Mathias (samba do morro e do asfalto);
  • Pra ver a banda passar, com Chico Buarque e Nara Leão;
  • Show em Si-monal (com os expoentes da chamada  pilantragem; e
  • Disparada, com Geraldo Vandré.

O resultado foi o enfraquecimento de O Fino, privado de várias atrações, sem que os outros programas decolassem… CONTINUA AQUI.

FESTIVAL DE FESTIVAIS QUE ASSOLOU O PAÍS

Caminhando” foi o ápice da carreira de Vandré e também causa maior de seus infortúnios

O ano de 1968 registraria uma verdadeira  overdose  de festivais.

Erro de cálculo: eles já haviam cumprido sua função, de renovação estética e revelação de uma geração de artistas que dominaria a cena brasileira, pelo menos, durante a década seguinte inteira.

E a política, que até então se expressara por meio da música e ajudara a alimentar o interesse por esses eventos, agora se jogava definitivamente nas fábricas, escolas e ruas.

Inventaram festivais de todo tipo: de Música Carnavalescados Presidiáriosdo Violão.

O mais duradouro dessa safra tardia foi o Universitário da Canção, promovido pela TV Tupi, que se aguentou até 1971… CONTINUA AQUI.

A INÚTIL E AGÔNICA BUSCA DO APOGEU PERDIDO

No 7º FIC (1972), o amargo fim: muitos artistas e pouco talento no palco.

N4º Festival da Música Popular Brasileira, que a Record realizou em outubro/novembro de 1968, a censura já dava as cartas, toda poderosa. Tom Zé, p. ex., teve de trocar “o empregador que condena/ um atentado por quinzena” (referência às ações armadas) por “o pregador que condena/ um festival por quinzena”!!!

Como novidade, houve duas relações de premiados.

júri especial (críticos e artistas ilustres) escolheu “São, São Paulo, meu amor”, de Tom Zé, seguida de “Memórias de Marta Saré” (Edu Lobo/Gianfrancesco Guarnieri), “Divino Maravilhoso” (os autores Caetano e Gil, até em razão da má experiência com o FIC, cederam a música e o palco para a tímida Maria das Graças se metamorfosear na agressiva Gal, sob óbvia influência de Janis Joplin), “2001” (Tom Zé/Rita Lee) e “Dia da Graça” (Sérgio Ricardo)… CONTINUA AQUI.

OUTROS TEXTOS RECENTES DO BLOGUE NÁUFRAGO DA UTOPIA (clique p/ abrir):

Ser ou não ser Charlie? Ser ou não ser civilizado?

“…assim, mal dividido,
esse mundo anda errado:
que a Terra é do homem,
não é de Deus nem do diabo

(Sérgio Ricardo, sertão vai virar mar)

Apollo Natali, meu amigo há décadas e ex-colega de redação na Agência Estado, é um dos grandes jornalistas e dos melhores seres humanos que conheço. Sua opinião terá sempre lugar e vai ser sempre respeitada nos meus espaços virtuais, daí eu ter concordado imediatamente com o pedido de publicação do artigo Não sou Charlie (acesse aqui), expressando seu descontentamento, como religioso, com filmes e publicações que lhe parecem inconvenientes.

Também tenho, claro, algumas palavras a dizer. Não se nega aos crentes o direito de sentirem-se ofendidos, mas vale lembrar que nenhum deles é obrigado a ler o Charlie Hebdo ou ver A última tentação de Cristo. Os que o fizeram, provavelmente, foi em função do falatório e das polêmicas, para verificarem se era ou não verdade o que se dizia a respeito de ambos –já predispostos, portanto, à indignação.

No Ocidente, com a separação entre Igreja e estado, sua única iniciativa possível contra a fita era recorrerem aos tribunais. Felizmente, países contemporâneos à própria época não censuram filmes por atentarem contra a imagem de personagens históricos que alguns consideram sagrados, outros não. E já vão longe os tempos em que católicos queimavam bruxas e lançavam cruzadas sanguinárias contra os infiéis, então nenhuma besta-fera foi encher de balas o diretor Martin Scorcese ou o ator Willem Dafoe (que interpretou Cristo)

Os responsáveis pelo semanário, por sua vez, jamais fizeram o que seria, realmente, uma provocação: providenciar traduções e lançar edições direcionadas para países e contingentes humanos que vivem no século 21, mas continuam com a cabeça no século 6.

A quais maometanos antes incomodavam, de verdade, os 60 mil exemplares do Charlie Hebdo comercializados semanalmente na Europa? Pouquíssimos, decerto. O que houve não foi nenhuma reação furibunda de indivíduos emocionalmente primitivos que estariam sentindo-se agredidos em sua fé, mas sim uma sanguinária e calculista demonstração de força de terroristas clássicos (aqueles que, como francos-atiradores dissociados das massas e sem estarem contribuindo para nenhum ascenso revolucionário, utilizam a violência apenas para punirem e intimidarem seus inimigos), os quais garimparam diligentemente, até encontrarem, um alvo condizente com a mensagem que queriam passar.

Terroristas clássicos obtêm muitos holofotes, mas sua pirotecnia quase sempre levanta a bola para o inimigo marcar pontos, além de eventualmente ter consequências catastróficas. No primeiro caso está, p. ex., a tentativa de matarem o czar Alexandre III em 1897, que redundou na execução do irmão do Lênin, Alexandre Ulianov, e de quatro de seus companheiros, além, é claro, de um previsível agravamento da repressão política.

E no segundo, tanto o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando por parte do mão negra Gravilo Princip em 1914, que conduziu aos horrores da 1ª Guerra  Mundial; quanto o atentado ao WTC em 2011, responsável pela pior escalada global de estupro dos direitos humanos e perseguição a inocentes que os cidadãos de origem árabe já sofreram.

Marxistas e anarquistas há muito descartaram e se dissociaram do terrorismo clássico. Nos últimos tempos, contudo, contingentes desnorteados de esquerda, trocando a coerência com seu amadurecimento político que já haviam atingido pela mais tacanha realpolotik, vêm cometendo uma dupla heresia (este termo retrô cai como uma luva no atual contexto…):

  • a de defenderem fundamentalistas religiosos que não querem, de maneira nenhuma, fazer a humanidade avançar para além do capitalismo, mas sim fazê-la retroceder para antes do capitalismo, ou seja, para as trevas medievais; e
  • a de defenderem terroristas clássicos e seus monumentais tiros pela culatra, tornando-se parceiros dessas derrotas e associando estupidamente sua imagem a carnificinas que qualquer cidadão isento repudia.

Caem no vazio suas tentativas de relativização de um episódio que foi, isto sim, totalmente bestial e absolutamente condenável. Quando alguém é chacinado por dá-lá-aquela-palha, buscar justificativas para o crime soa hipócrita e aberrante. Uma das diferenças entre nós e os animais é que, ao contrário dos touros, não temos nenhuma compulsão irresistível de destruir um semelhante apenas porque veste vermelho.

Reconheço e até admiro a boa fé de religiosos como o Apollo Natali, mas não perdoo os esquerdistas que abdicam do seu compromisso fundamental com a civilização, passando a raciocinar como simplórios torcedores de futebol (“Se é contra os EUA, a Europa e Israel, vale tudo, até gol de mão nos acréscimos, em posição de impedimento”…).

Por último: religiosos de ocasião e por conveniência à parte, como fica a questão das pessoas devotas que, sinceramente, sentirem-se insultadas em sua fé?

Ora, sendo nosso estado laico, homens tidos como santos são encarados, por quem não é religioso, como personagens históricos (ou fictícios) iguais a quaisquer outros. Não cabe nenhuma forma de censura ou perseguição dos poderes públicos a quem trata Cristo ou Maomé da mesma forma que, digamos, Vlad Dracul e Hitler (os quais, aliás, têm lá seus defensores, mas 99,9% do que aparece sobre eles em filmes e semanários é extremamente negativo).

E, como a ninguém é dado o direito de fazer justiça com as próprias mãos no Brasil do século 21, só resta aos ofendidos o caminho dos tribunais e de iniciativas visando ao convencimento da opinião pública (desde anúncios pagos até campanhas virtuais incentivando o boicote aos blasfemos).

No fundo, o que os religiosos pretendem é que se conceda um tratamento diferenciado para quem eles consideram diferente. Mas, agnósticos, ateus e mesmo religiosos de outras confissões podem discordar (um neopentecostal admitiria, p. ex., Oxalá como similar a Jesus Cristo?). Então, não faz nenhum sentido, em termos legais ou morais, pretender que a imprensa não os ridicularize como ridiculariza outros personagens históricos do passado e do presente.

Podemos até achar que a irreverência é exagerada no seu todo, que a nossa imprensa pega pesado demais com Paulo Maluf e Jair Bolsonaro, ou que a francesa pega pesado demais com Jean-Marie Le Pen e Maomé. O que não podemos é aceitar como válidos os piores achincalhes a Bolsonaro, Maluf e Le Pen e, ao mesmo tempo, não admitir a mais inofensiva irreverência com Maomé.

Caso contrário, para que terão servido, afinal, 1945 e 1985 aqui, o iluminismo e a grande revolução lá? E de que valeu tantos resistentes morrerem lutando contra os nazistóides daqui e contra os nazistas de lá? Pois eram todos expressões da intolerância, fanatismo e autoritarismo inseparáveis da tese da intocabilidade dos homens santos

Além do mau humor e dos maus bofes, claro!

POSTS RECENTES DO BLOGUE NÁUFRAGO DA UTOPIA (clique p/ abrir): ALGUNS LEMBRETES À EXMA. MARIA DO ROSÁRIO / APOLLO NATALI: “NÃO SOU CHARLIE”. / QUEM NÃO ESTAVA NO BANQUETE É QUE PAGARÁ A CONTA / OS ‘RELIGIOSAMENTE CORRETOS’ ZELAM PELOS FIOS DAS BARBAS DOS PROFETAS / A OPÇÃO ENTRE CIVILIZAÇÃO E BARBÁRIE ASSUME FEIÇÃO DRAMÁTICA PARA NÓS / SOU CHARLIE HOJE, COMO ERA PASQUIM NOS ANOS MÉDICI

Meio século depois, nada mudou

“Zelão”, clássico da MPB, uma das faixas de A bossa romântica de Sérgio Ricardo (1960):
Todo morro entendeu
quando o Zelão chorou.
Ninguém riu, nem brincou
e era Carnaval.

No fogo de um barracão
só se cozinha ilusão,
restos que a feira deixou
E ainda é pouco só.

Mas, assim mesmo o Zelão
dizia sempre a sorrir
que um pobre ajuda outro pobre
até melhorar.

Choveu, choveu.
A chuva jogou seu barraco no chão,
nem foi possível salvar violão
que acompanhou morro abaixo a canção
das coisas todas que a chuva levou,
pedaços tristes do seu coração.

Notícia publicada agora há pouco no Folha OnLine:

“O Corpo de Bombeiros informou por volta das 9h10 desta terça-feira que o número de mortes em decorrência das chuvas que atingem parte do Estado subiu para 15.

“Segundo os bombeiros, a região com maior número de vítimas é o Andaraí, com cinco mortes. Em Vila Isabel, no morro dos Macacos, a corporação afirmou ter registrado outras cinco mortes.

“No morro do Borel, na Tijuca, são duas mortes confirmadas e três pessoas resgatadas com ferimentos após um desabamento. Outros deslizamentos causaram duas mortes ainda em Niterói”.

P.S.: a contabilidade macabra foi aumentando sem parar. Por volta das 13h, as mortes já somavam 50. É esse o Rio de Janeiro que receberá o Mundial de Futebol e a Olimpíada?!

Outros carnavais

Não sou propriamente um carnavalesco, mas houve músicas relacionadas a esse tema que me marcaram bastante, ao longo dos tempos.
Eis aquelas cujos links (para vocês baixarem os discos que as contêm, na versão de seu principal intérprete) conseguir localizar. Para não entediar os leitores, cito só o trecho mais significativo de cada uma delas.

“Era uma canção, um só cordão
E uma vontade
De tomar a mão
De cada irmão pela cidade

No carnaval, esperança
Que gente longe viva na lembrança
Que gente triste possa entrar na dança
Que gente grande saiba ser criança”
(Chico Buarque, “Sonho de um Carnaval”)

“Não saia do meu lado
Segure o meu pierrot molhado
E vamos embolar ladeira abaixo
Acho que a chuva ajuda a gente a viver
Venha, veja, deixa, beija, seja
O que Deus quiser
A gente se embala, se embola, se embola
Só pára na porta da igreja
A gente se olha, se beija, se molha
De chuva, suor e cerveja”
(Caetano Veloso, “Chuva, Suor e Cerveja”)

“O Rancho do Novo Dia
O Cordão da Liberdade
E o Bloco da Mocidade
Vão sair no carnaval
É preciso ir à rua
Esperar pela passagem
É preciso ter coragem
E aplaudir o pessoal”
(Gilberto Gil, “Ensaio Geral”)

“Todo morro entendeu quando o Zelão chorou
Ninguém riu, ninguém brincou, e era Carnaval
No fogo de um barracão
Só se cozinha ilusão
Restos que a feira deixou
E ainda é pouco só
Mas assim mesmo o Zelão
Dizia sempre a sorrir
Que um pobre ajuda outro pobre até melhorar
(Sérgio Ricardo, “Zelão”)

“João bebeu
Toda cachaça da cidade
Bateu com força
Em todo bumbo que ele via
Gastou seu bolso
Mas sambou desesperado
Comeu confete
Serpentina
E a fantasia…

Levou um tombo
Bem no meio da avenida
Desconfiado
Que outro gole não bebia
Dormiu no tombo
E foi pisado pela escola
Morreu de samba
De cachaça e de folia…”
(Erasmo e Roberto Carlos, “Cachaça Mecânica”)

“Foi bom te ver outra vez
Está fazendo um ano
Foi no carnaval que passou
Eu sou aquele pierrô
Que te abraçou e te beijou meu amor
Na mesma máscara negra
Que esconde o teu rosto
Eu quero matar a saudade
Vou beijar-te agora
Não me leve a mal
Hoje é carnaval”
(Zé Ketti/Pereira mattos, “Máscara Negra”)

“Somos cantores
Cantamos as flores
Cantamos amores
Trazemos também
A notícia da grande alegria que vem
Pra durar mais que um dia
E ficar como antigas cantigas
Que não morrem
Que não passam jamais
Como passam sempre os carnavais”
(Gil, Torquato e Vandré, “Rancho da Rosa Encarnada”)

“Vesti minha tristeza
Com a fantasia da alegria
e com ela eu caí no carnaval
E fui com toda gente para a avenida
Cantar a vida com a doce ilusão do carnaval
Oi minha namorada, a liberdade,
Linda Colombina de quem era um pobre Pierrot”
(Sérgio Ricardo, “Fantasia da Alegria”)

“Atrás do trio elétrico
Só não vai quem já morreu
Quem já botou pra rachar
Aprendeu que é do outro lado
Do lado de lá do lado
Que é lado lado, de lá”
(Caetano Veloso, “Atrás do Trio Elétrico”)

“Mas é carnaval, não me diga mais quem é você
Amanhã tudo volta ao normal, deixa a festa acabar,
deixa o barco correr, deixa o dia raiar
que hoje eu sou da maneira que você me quer
O que você pedir eu lhe dou, seja você quem for
Seja o que Deus quiser”
(Chico Buarque, “Noite dos Mascarados”)