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Belo Monte: “Condicionantes não consertam o erro básico que é o erro de engenharia”

Entrevista especial com Oswaldo Sevá, pesquisador da UNICAMP, à IHU On-Line sobre o processo de licenciamento da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, a ser construída no rio Xingu, Pará. “Marina Silva foi derrubada (…) e Carlos Minc foi chamado para substituí-la. Naturalmente, quando ele aceitou, era de conhecimento de todos que ele foi chamado para liberar as coisas que estavam sendo analisadas.

Usina Hidrelétrica de Belo Monte será construída no rio Xingu (PA)

“Minc foi até muito eficiente na sua nova missão, porque ele recebeu o maior estudo de impacto que já foi produzido sobre uma das obras mais complicadas do mundo inteiro, num lugar maravilhoso, e foi capaz de realizar as audiências públicas às pressas e de concordar que essas reuniões tivessem a presença de centenas de policiais. E depois de dois ou três meses corridos, ele finalmente concedeu a licença. Um verdadeiro recorde”. A avaliação é do engenheiro Oswaldo Sevá que concedeu à IHU On-Line, por telefone, a entrevista a seguir. Sevá analisou o licenciamento prévio de Belo Monte, avaliando o perfil do diretor do IBAMA e do atual Ministro do Meio Ambiente e refletindo sobre as condicionantes colocadas para o início das obras.

Oswaldo Sevá é graduado em Engenharia Mecânica de Produção pela Universidade de São Paulo. Fez mestrado em Engenharia de produção pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, e doutorado na Université de Paris I. Em 1988, a Universidade Estadual de Campinas, onde é professor atualmente, concedeu-lhe o título de Livre-docência. Confira a entrevista.

IHU On-Line – A licença prévia (LP) concedida pelo IBAMA para a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte surpreendeu o senhor ou já era algo aguardado?

Oswaldo Sevá – O processo já estava se arrastando há muitos anos, a parte ambiental é que foi muito rápida. Na realidade, o estudo de impacto ambiental foi entregue meio às pressas pelo IBAMA em maio, e ainda não estava completo. Do final de maio até o início de fevereiro, a licença foi concebida com um intervalo de seis ou sete meses, o que é completamente inadequado. Mesmo que todo o histórico do processo já fosse conhecido, é algo de muitos anos com toda a preparação feita com detalhamentos.

Dentro do IBAMA, o processo ocorreu por pouco mais de seis meses, o que é muito pouco tempo. Não me surpreendeu, mas não esperava que eles pudessem atropelar e conceder uma licença em um prazo tão curto de análise. Tudo isso sabendo que o IBAMA tem deficiências de pessoal, e tiveram momentos em que havia apenas seis ou sete técnicos encarregados de fazer a leitura e a análise. Realmente é lamentável, porque o governo fica difundindo a notícia pela mídia de que seria a terceira maior hidrelétrica do mundo, integralmente brasileira. O governo só serve para fazer propaganda.

IHU On-Line – Como o senhor avalia a lista das 40 condicionantes?

Oswaldo Sevá – Houve uma pressa muito grande para o IBAMA conceder essa licença num prazo de seis meses. Naturalmente, tudo decorre desse atropelo. Quarenta condicionantes, aparentemente, podem parecer um exagero. Se considerarmos que cada uma delas é um verbete, um parágrafo de quatro a oito linhas, os anexos da licença ocupam oito páginas, então, poderia-se dizer, à primeira vista, que é muita coisa. Quem não conhece a prática dos órgãos ambientais pode ficar impressionado, mas o que interessa é o conjunto. Não sei se quarenta é muito ou pouco e não saberia avaliar em função da quantidade, mas temos que ver o teor delas.

Se vamos ao corpo da licença, na parte principal, ali diz que o Xingu terá uma vazão de água residual. Deixaram escapar esse adjetivo “residual”, que diz tratar-se de um resíduo, da pouca água que irá sobrar, já que o principal será desviado por cima da terra firme na parte da mata grande, onde tem as fazendas, para poder turbinar, lá do outro lado, depois que o rio completou a volta. Nas quarenta condicionantes, esse assunto não é tratado, a não ser uma menção muito breve de que o hidrograma da parte seca tem que ser acompanhado, mas, na realidade, eles estão assumindo isso como um fato consumado de que o trecho de mais de 100 quilômetros do rio, um trecho maravilhoso, será adulterado. Uma parte dele será alagada até a barragem que será construída, tudo ficará de baixo d’água, e a parte até completar a volta e água ser restituída, vai ficando seca.

IHU On-Line – O que há de consistente e irreal?

Oswaldo Sevá – Não seria obrigatório fazer a barragem naquele ponto e fazer a água ser desviada com toda essa extensão de rio seco. Também não é obrigatório que aquele volume de água fosse desviado. O condicionante não conserta o erro básico que é o erro de engenharia. Claro que, para eles que estão interessados na maior potência e volume de água possível, a obra é uma maravilha. Porém, esta é uma das maiores mentiras que a sociedade brasileira já enfrentou ao longo da sua história.

Criaram, há vinte anos, uma concepção que foi ligeiramente modificada, para diminuir um pouco a área alagada, mas que nunca foi alterada radicalmente. Considera-se normal desviar um volume imenso de água do rio para poder turbinar lá embaixo. Poderia haver até 400 condicionantes que este problema não seria resolvido.

Com relação aos condicionantes, também tem coisas que são incompreensíveis. Por exemplo, a licença não é concedida para todas as medidas que são necessárias para fazer a usina. A licença é concedida apenas para os quatro canteiros principais de obras, para algumas linhas elétricas de alta voltagem que alimentam esses canteiros, para duas linhas de transmissão que irão ligar-se às duas estações já existentes da Eletronorte, para as jazidas onde será retirada a rocha e areia, para algumas rodovias de serviço pesado, para a passagem de caminhões etc, que ligarão os canteiros de obra até a rodovia transamazônica.

O que chama atenção é que existe uma série de outras providências e de outros pontos de obras que não foram licenciados. O IBAMA abre mão de licenciar o alojamento dos trabalhadores, e, dentro dele, todos os sistemas de água, esgoto, drenagem da água pluvial e aterros de lixo. O IBAMA abre mão de licenciar os remanejamentos de várias estradas que terão água ou obras sobre elas.

Abre mão de licenciar portos que são necessários para obra, e inclusive um porto de grande dimensão que ficará no Rio Xingu, no município de Vitória do Xingu, e que apresentará um movimento enorme de embarcações em todo o trecho do Xingu até a boca do Amazonas, e aumentará o tráfego fluvial ao sul da Ilha de Marajó, a passagem que liga Belém a toda bacia do Amazonas e que é estreita. Nada disso é tratado na licença. Eles deixam para que isso seja licenciado por órgãos municipais e estaduais. O que é um absurdo, pois esses órgãos, em Altamira, nem existem, e o órgão ambiental do Pará, na situação de hoje, o que for apresentado, eles licenciam, já que estão atendendo somente o interesse dos políticos.

IHU On-Line – E o que mais chama a sua atenção em relação a toda essa sucessão de problemas que levam à hidrelétrica de Belo Monte?

Oswaldo Sevá – O que chama a atenção é essa covardia de receber um pedido de licença de algo enorme e muito complexo, sendo a obra mais complicada do país e que ocupa a maior área que já se teve notícia no Brasil, muito mais complicada que Itaipu, embora tenha uma potência elétrica menor, e abrirem mão de tantas coisas. Para mim, esses seriam os pontos de contradição maior. Existem outros que devem ser mencionados também. Um deles que não é resolvido nas condicionantes, e nem se pretende resolver, é a questão das pessoas. A licença chega ao absurdo de, desses quarenta condicionantes, meia dúzia tratarem dos quelônios e das tartarugas, que são importantes, e não tem nenhum item dedicado especialmente às vinte mil pessoas que serão desalojadas. A grande maioria é moradora da cidade de Altamira, que vivem nos bairros mais baixos, outros são da beira do rio e dos igarapés. Isso sem falar que eles não reconhecem os outros todos não serão atingidos.

Não existe nenhuma cláusula condicionante, dentro da licença, que diz que esse pessoal terá de ser reassentado ou que terão de ser construídos bairros e vilas. Isso significa que tudo será improvisado, que eles irão para aqueles grandes fazendeiros que têm títulos de propriedade, e irão oferecer indenizações em dinheiro vivo ou cartas de crédito, para, por exemplo, assentados do INCRA que estão há 30 anos, que receberam lotes da reforma agrária, vão dizer que eles que se virem. Ocorrerá um crime social com a expulsão dessas pessoas das áreas rurais e com o não oferecimento na licença de uma alternativa clara de que elas vão voltar a residir na mesma região em condições apropriadas. Isso, para mim, é o pior.

IHU On-Line – O senhor tem feito duras críticas ao ministro Carlos Minc e ao presidente do IBAMA. O senhor considera que eles estão a serviço dos interesses das grandes empresas interessadas no empreendimento?

Oswaldo Sevá – Sem dúvida. Eu não conheço a biografia de cada um deles, mas já tive a oportunidade de conhecer pessoalmente o atual diretor do IBAMA lá em Minas Gerais, há quase 20 anos, numa ocasião que estava sendo realizado um seminário sobre programas ambientais numa cidade que é extremamente poluída, onde fica a sede de uma siderúrgica. E ele foi participar desse evento, fazendo uma preleção destinada praticamente a estudantes de primeiro grau sobre o funcionamento dos rios, lençol freático, barrancos etc. Uma coisa exageradamente didática. Ele fez isso de forma proposital justamente para não abordar a situação real da poluição do rio que passava naquela cidade e que estava sendo objeto de descarga de milhares de toneladas por dia de afluentes perigosíssimos. E, essa ocasião, ele foi como representante de um órgão ambiental de Minas Gerais.

O Ministro Carlos Minc eu também já tive a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente. Os últimos anos de atuação dele no Rio de Janeiro como Secretário Estadual do Meio Ambiente comprovam que ele está a serviço desses grandes interesses, porque ele foi capaz de aprovar dois grandes empreendimentos nas imediações da região metropolitana do Rio de Janeiro que vão fazer com que, no futuro, o estado esteja cercado, pelo lado leste, por um dos maiores complexos petroquímicos do mundo, que está em construção, e do lado oeste por uma das maiores siderúrgicas do mundo que está quase pronta e vai começar a funcionar no ano que vem. A petroquímica, durante seu funcionamento, vai contaminar dois pequenos rios que são os únicos que chegam atualmente limpos no fundo da baía de Guanabara e vai comprometê-la de forma que ela nunca mais vai conseguir ser saneada.

IHU On-Line – E o que o senhor tem a dizer do Minc que substituiu Marina Silva?

Oswaldo Sevá – Esses são os antecedentes que conheço de uma pessoa que foi guindada ao Ministério do Meio Ambiente para substituir a ministra Marina Silva numa época em que ela estava sendo pressionada de todas as maneiras para conceder as licenças das grandes obras, para a indústria madeireira, para os interesses do agronegócio. Ela foi derrubada do cargo por esses interesses, e ele foi chamado para substituí-la. Naturalmente, quando ele aceitou, era de conhecimento de todos que ele foi chamado para liberar as coisas que estavam sendo analisadas.

Minc foi até muito eficiente na sua nova missão, porque ele recebeu o maior estudo de impacto que já foi produzido sobre uma das obras mais complicadas do mundo inteiro, num lugar maravilhoso, e foi capaz de realizar as audiências públicas às pressas e de concordar que essas reuniões tivessem a presença de centenas de policiais. E depois de dois ou três meses corridos, ele finalmente concedeu a licença. Um verdadeiro recorde: pegou uma das maiores coisas que a engenharia já foi capaz de conceber e concedeu a licença em prazo absolutamente recorde. Uma pessoa que age dessa maneira só pode ser qualificada como um defensor dos interesses empresariais, e não dos interesses ambientais.

Se nós dermos como certo de que essa obra vai ser feita e que de fato ela vai funcionar, o que demora um bom tempo, algo como dez ou quinze anos, devemos pensar que nenhuma outra será aprovada. Porque seria uma espécie de compensação para a sociedade. Aprovar Belo Monte? Vão acrescentar mais 11 mil megawatts? Então não precisa de mais nenhuma. No entanto, o que estamos observando é um movimento completamente absurdo à primeira vista, onde, em todos os estados brasileiros, exceto Amazonas e Acre, está acontecendo a verdadeira corrida ao ouro das cachoeiras.

Estamos vivendo uma época que vai ficar conhecida na história brasileira como um período muito triste, um período de caça às cachoeiras. O governo está abrindo as porteiras dos nossos rios e dizendo aos empresários que querem ganhar dinheiro nesse setor que está liberado: “podem apresentar seus projetos que eles serão aprovados”. Essas são conhecidas como as Pequenas Centrais Hidrelétricas. Estão anunciando obras de hidrelétricas em quase todos os rios brasileiros e com o espírito praticamente da conquista militar.

“Muitas ameaças de morte vieram junto com Belo Monte, por eu ser contra a usina”, diz Dom Erwin

Fabíola Munhoz, do Amazonia.org.br

Assim como a missionária norte-americana Dorothy Stang, assassinada há cinco anos por contrariar os interesses de grileiros da Amazônia, o bispo da Prelazia do Xingu e presidente do Conselho Indigenista Missionário, Dom Erwin Krauler, assume os riscos de sua opção por defender os direitos humanos da população pobre da região.

Ameaçado de morte por ter denunciado crimes, como o abuso sexual de menores por homens ricos de Altamira (PA), Dom Erwin, como é conhecido, vem sendo criticado por se opor ao projeto do governo federal de construir a hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu (PA), obra que irá deslocar famílias ribeirinhas e povos indígenas, modificando a biodiversidade local.

Confira entrevista com o missionário, em que ele fala sobre a impunidade de crimes, como o que matou Dorothy e sua visão sobre a construção de usinas, que vêm sendo impostas ao povo amazônico por empresas e governantes.

Amazonia.org.br- Na última sexta-feira, completaram-se cinco anos da morte de Dorothy Stang.  Como o senhor vê essa data?

Dom Erwin Krauler – O dia é simbólico.  Pela morte, ela anunciou com muita ênfase o que fez em vida, o trabalho em favor dos menos favorecidos e em favor de uma Amazônia, que cada vez mais está sendo devastada.  Mas, ela não era a única, nós temos aqui vários casos desse tipo.  Mas, outros talvez não sejam tão conhecidos.  Quando Dorothy morreu, no mesmo dia, a notícia correu pelo mundo.

Amazonia.org.br- Dorothy já vinha sofrendo ameaças antes de sua morte?

Erwin- De fato, ela recebeu ameaças, mas ninguém acreditou.  Nem ela, nem eu.  Ela sempre se hospedou aqui em casa quando vinha a Altamira (PA), desde que chegou aqui.  Eu não acreditei que aconteceria isso por ela ser uma senhora já idosa, ela tinha 73 anos.  E outra coisa que pensávamos era: ela é norte-americana, então vão respeitar.  Mas, nós nos enganamos.  Poucos dias antes de morrer, Dorothy falou bem claro que sabia que estava ameaçada, mas ela entendeu que o lugar dela estava ao lado dessas pessoas constantemente humilhadas.  Então, ela não poderia fugir.

Amazonia.org.br- O senhor também está ameaçado?

Erwin- Sim.  Eu estou, desde junho de 2006, sob proteção policial 24 horas.

Amazonia.org.br- Quais as causas para que queiram sua morte?

Erwin- É uma mistura de coisas.  No meu caso, quando soube da morte [da Dorothy], exigi da segurança pública, da Secretaria de Segurança do Estado, a apuração dos fatos, o inquérito, e com isso você não faz amigos.  Junto com essa hidrelétrica de Belo Monte [no rio Xingu] também veio muita ameaça porque estou contra desde o início.  Os que estão interessados [na obra] começaram a escrever em jornais que, enquanto eu estivesse resistindo, a coisa não iria adiante, e eu deveria ser eliminado.  O jornal de maior tiragem do Norte, o Liberal, por exemplo.  Teve o artigo de um articulista em que ele “desceu a ripa” contra mim e não aconteceu nada.  Com essa nossa lei da imprensa, cada um pode escrever o que bem entende e prejudicar os outros.  Depois, isso ainda vira notícia.  Também teve panfleto e manifestações públicas de diversas pessoas dizendo que eu deveria ser eliminado.

Amazonia.org.br- O senhor foi convidado pelo presidente do Ibama a conversar sobre a usina de Belo Monte.  Como foi esse debate?

Erwin- Eu fui lá, mas eu também, em nenhum ponto alterei minha posição.  Coloquei, reclamei mais uma vez que as audiências públicas [sobre a hidrelétrica] foram insuficientes e o povo não teve condição de falar e se expressar.  Mas, é claro que um encontro desse, depois do fato consumado [concessão de licença prévia à usina], a gente pergunta qual será ainda a utilidade pública.

Eles sempre falam em diálogo, mas diálogo na medida em que você aceita tudo.  Para mim, as 40 condicionantes [para concessão da licença] que estão colocando, todas elas pecam pela raiz.  Eu estou convicto de que essa hidrelétrica como foi planejada não será um bem para a própria nação.  Nós temos todos os estudos, nós temos o pessoal de universidade que advertiu.  Não estamos simplesmente jogando contra ou politizando a história.  Nós temos todas as razões e eu inclusive coloquei todas numa carta aberta ao Lula.  Eu estive com ele duas vezes.

Amazonia.org.br- E como foram as conversas com o presidente?

Erwin- Na primeira vez (19 de março), eu pedi que ele recebesse representantes da sociedade civil organizada de Altamira.  Ele aceitou e, então, esse encontro aconteceu em 22 de julho.  Nós fomos para Brasília e falamos com o setor energético do governo e com o presidente.  Depois, ele me segurou no braço e disse: “nós não vamos empurrar esse projeto goela abaixo de quem quer que seja”.  Ele também disse: “o debate tem que continuar”, e já estava até marcada outra audiência com o presidente no mês de outubro.  Mas, o encontro não aconteceu porque ele teve que viajar para a Venezuela.

Amazonia.org.br- Por que o senhor é contra a usina de Belo Monte?

Erwin- Digo que esse projeto vai ser um tiro no escuro.  Nós vamos mover uma ação judicial [contra a licença prévia] logo depois do carnaval, com várias entidades.  O presidente do Ibama achou que com as condicionantes o problema estaria praticamente resolvido, mas não.  Eu estou em Altamira, eles estão em Brasília.  Os tecnocratas e políticos de plantão não vão sentir.  Quem vai sentir a desgraça é o povo daqui, são os povos indígenas, ribeirinhos, toda a cidade.  Altamira tem 100 mil habitantes, 1/3 da cidade vai para o fundo com a obra.  Isso, segundo os próprios estudos deles.  Aí eles prometem resolver o problema, fazendo casas, mas até hoje eles não sabem responder onde.  Os próprios representantes do governo, se a gente pergunta para eles onde vão assentar essas 30 mil pessoas, eles não dão resposta.

Amazonia.org.br- A gente vê hoje o Ministério Público (MP) muito atuante na defesa do meio ambiente e das causas sociais.  Porém, os pedidos feitos pelo MP à Justiça, contra as usinas do Rio Madeira, foram na maioria das vezes negados pelo Judiciário…

Erwin- Sim, eu sei disso.  Essa é a tática do fato consumado e do rolo compressor.  Numa democracia, não deveria estar acontecendo isso, mas está.  Tem muito autoritarismo por trás disso.  Nós temos argumentos e esses simplesmente são desconsiderados, e o rolo compressor passa por cima.  É um autoritarismo que não permite contestação.  Nós estamos realmente ruindo as colunas da própria democracia.

Amazonia.org.br- Por esse motivo, os mandantes do assassinato de Dorothy, cinco anos depois da morte, ainda não foram julgados?

Erwin- Esses cinco anos foram cheios de tramitações e, até diria, de tramas judiciais.  Prenderam, soltaram, foi um vai e vem, diria até vergonhoso.  Agora, mais um acusado de ser mandante foi preso de novo [Bida].  E nós já sabemos como a coisa continua.  Foi preciso cinco anos para isso.  No meu modo de ver, eu nunca fui inquirido como deveria ser.  Também tem muita gente ligada direta e indiretamente à morte da irmã que eu tenho impressão de que não foi ouvida, nem intimada a depor.  Agora, tem quatro presos.  Um deles é acusado de ser mandante, mas não acredito que vamos ver grandes novidades nesse processo todo.  De repente, tem um novo habeas corpus, algum advogado esperto vai descobrir uma brecha da legislação.

Amazonia.org.br- Em sua opinião, é isso o que gera a impunidade?

Erwin- Sim.  A impunidade é o maior flagelo que estamos percebendo aqui.  No caso da Dorothy, todo mundo sabe, mas tem tanta gente que foi morta e simplesmente não acontece nada.  Ele mata hoje e amanhã está palitando os dentes numa esquina da rua.  Todo mundo sabe que foi ele.  Em 2006, por exemplo, a gente denunciou o abuso sexual de menores, meninas.  Não tem nenhum preso.  Nenhum.  E era um bando, uma quadrilha da alta sociedade de Altamira.  Começou o processo, mas já se passaram quatro anos…

Amazonia.org.br- O senhor acredita que a solução para o problema é a mudança das leis penais?

Erwin- Não é preciso mudança da lei, é preciso aplicar a lei.  O Código Penal brasileiro tem que ser revisto, é claro, mas a legislação brasileira é excelente.  Falta vontade política, e às vezes judicial, de aplicar as leis.  Leis não faltam.

Amazonia.org.br- Os projetos de incentivo à reforma agrária aliada ao desenvolvimento sustentável, iniciados por Dorothy, tiveram continuidade?

Erwin- Sim, de certa maneira.  Mas, deveria ter muito mais garantia por parte do governo, mais acompanhamento.  Porque se você coloca esse povo numa vicinal da Transamazônica, mas não se tem uma estrutura mínima para esse povo poder viver, em termos de escola, saúde, transporte e segurança, se não tem isso, o povo se desespera, desanima.  É sempre a mesma coisa na questão da reforma agrária.  A gente pensa que é distribuir terra.  Não é.  É criar uma infraestrutura que faça com que esse povo possa viver e sobreviver em determinada área.  Isso significa também o povo ter acesso a créditos mais condizentes com a sua situação.  Mas, se nada disso funciona, se você, com uma dor de dente, tem que andar 150 km para achar um dentista…

Amazonia.org.br- Diante desse cenário, como o senhor avalia as políticas do governo federal voltadas ao desenvolvimento sustentável e à redução do desmatamento na Amazônia?

Erwin- A gente diz que diminuiu o desmatamento, as queimadas.  O problema é que já se queimou tanto, que tinha que diminuir forçosamente porque não tem mais lugar.  Eu conheço aqui desde 1965.  O que aconteceu é algo que não se compreende.  Se você fala em queimada aqui perto de Altamira, vai queimar o que?  A mata não existe mais.  Tem que ir longe para você ver mata virgem.  Se você vê mata aqui, já é mata secundária.  E tem enormes regiões que não têm mais nenhuma árvore, é tudo pasto.