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O outono do patriarca chega ao fim: Fidel Castro está morto.

A entrada vitoriosa em Havana, no início de 1959.

Fidel Castro, comandante da revolução cubana e principal dirigente do país durante 47 anos, faleceu na noite de 6ª feira, 25.

Foi personagem marcante da segunda metade do século 20, mas sua estrela vinha se apagando desde o fim da União Soviética e do bloco socialista por ela encabeçado.

Em seguida foram suas forças físicas que declinaram, a partir da primeira hemorragia que sofreu em 2006, como consequência de uma doença nos intestinos.

Foi então que, sabendo-se impossibilitado de “assumir uma responsabilidade que requer mobilidade e entrega total”, ele, dignamente, trocou a farda pelo pijama. 

Havia liderado uma heroica revolução em 1959 e depois tentou romper o isolamento a que os Estados Unidos submeteram Cuba incentivando guerrilhas similares noutros países do continente americano (enquanto Che Guevara tentava a sorte no Congo, igualmente em vão).


O resultado acabou sendo o mais indesejado possível: a ocorrência de banhos de sangue e a proliferação de ditaduras direitistas, pois os EUA cuidaram ciosamente de evitar a propagação do mau exemplo no seu quintal. [Êxitos verdadeiros, Cuba só colheu em lutas de libertação nacional, ao ajudar, com tropas, munições e outros recursos, países africanos que confrontavam o colonialismo português.]

Fidel e o Che, no melhor momento de ambos.

Curvando-se à evidência dos fatos, Castro foi obrigado a domesticar sua revolução para garantir-lhe a sobrevivência, ainda que desfigurada.

Desistiu de exportá-la e a institucionalizou, repetindo os mesmos desvios autoritários e burocráticos que engessaram a congênere soviética (a qual, com seu ímpeto transformador estancado, acabou sendo retirada de cena em 1989).

Aposentado compulsoriamente, Fidel durou até os 90 anos, mas os últimos dez não contam: tornara-se um inativo político.

Foi grande um dia, mas decerto não se interessava pelo rock, daí ter passado batido pelos conselhos de Pete Townshend (“Prefiro morrer antes de envelhecer”) e Neil Young (“É melhor consumir-se em chamas/ do que definhar aos poucos”).

O Che escutou: morreu na hora certa.

SEU PERFIL ERA O DE UM LIBERTADOR – Castro nunca pretendeu revolucionar o mundo, como Marx, Lênin ou Trotsky. Aspirava apenas a ser o libertador de Cuba, livrando-a da ditadura corrupta de Fulgêncio Batista, que fizera da ilha um centro de entretenimentos para turistas ricos interessados em prostituição, jogatina, canciones calientes, drogas… e discrição.

Cuba: humilhada na crise dos mísseis.

Os tão alardeados paredóns (as execuções de inimigos, durante a guerra de guerrilhas e depois da tomada do poder) inserem-se perfeitamente na tradição sanguinária das rebeliões latino-americanas.

Até então, Fidel pouco mais era do que um caudilho típico da região, o filho de latifundiários que abraça a causa dos pobres e se torna seu general. Chegou a declarar enfaticamente que não havia “comunismo nem marxismo em nossas idéias, só democracia representativa e justiça social”.

A hostilidade exacerbada dos EUA ao novo governo acabou jogando-o nos braços da URSS, pois só a outra potência mundial poderia dar-lhe alguma chance de sobrevivência face ao poderoso vizinho que lhe impunha um embargo comercial, apoiava invasões armadas e promovia atentados terroristas (vários planos mirabolantes da CIA para matar ou desmoralizar Castro fracassaram).

A contrapartida ao guarda-chuva protetor foi a completa submissão da ilha às imposições soviéticas, com a adoção do modelo stalinista de socialismo num só país: economia totalmente estatizada, autoritarismo político e submissão da classe trabalhadora à burocracia que a deveria, isto sim, representar.

Aparentemente, Castro ainda tentou escapar dessa armadilha, ao concordar com os planos de Che Guevara para levar a revolução à África e, principalmente, levantar a América do Sul.

Com a execução a sangue-frio do Che e o extermínio dos principais movimentos revolucionários latino-americanos, Fidel teve de se conformar com o isolamento em relação a seus vizinhos e a dependência de um aliado distante e arrogante.

Um sucesso incontestável: o sistema de saúde cubano.

Ao monumental sapo engolido em 1962, quando Nikita Kruschev nem se deu ao trabalho de consultar Cuba antes de acertar com os EUA a desmontagem das bases de mísseis instaladas na ilha, seguiram-se outros, sempre indigestos e, ainda assim, digeridos.

Para compensar, Castro obtinha ajuda econômica que lhe permitiu oferecer condições de existência minimamente dignas para o conjunto da população, com destaque para as realizações marcantes em educação e saúde.

Se pessoas mais capazes e empreendedoras se ressentiam por estarem sendo impedidas de obter a condição diferenciada que seu potencial lhes asseguraria alhures, acabando por emigrar de um jeito ou de outro, é certo também que a grande maioria considerava sua situação melhor do que era antes.

Daí a gratidão e carinho que tributava a Fidel, apesar da falta de liberdade e da gestação de uma odiosa nomenklatura, reproduzindo a distorção soviética: onde todos deveriam ser iguais, a burocracia partidária e governamental concedia privilégios indevidos aos seus membros, tornando-os mais iguais.

APÓS O FIM DA URSS, A AGONIA LENTA – A situação, que começara a mudar com a Perestroika, tornou-se crítica após a derrubada do muro de Berlim e o fim do socialismo real no Leste europeu.

Cubanos fugindo de bote: a mídia ocidental adorava.

Ao deixar de ser sustentada pela União Soviética, que lhe injetava recursos e a utilizava como um cartão postal do (que ela pretendia ser o) comunismo, Cuba atravessou uma gravíssima crise econômica, até reaprender a andar por suas próprias pernas. 

Daí as fugas da ilha com barcos improvisados terem chegado ao auge na década de 1980, para júbilo da mídia ocidental. Até o remake de Scarface (d. Brian De Palma, 1983) a incluiu, fazendo uma marota atualização do filme original (d. Howard Hawks, 1932). 

O pior acabou passando, mas os tempos heroicos também. O povo cubano não era o mesmo que se orgulhava de haver reconquistado sua dignidade, com a ilha deixando de ser bordel dos estadunidenses. Tais lembranças haviam se tornado muito distantes. E a penúria, muito presente.

Então, o debilitamento da saúde de Fidel veio a calhar para que Raul Castro, governante menos carismático mas também menos identificado com excessos do passado, lançasse e fosse implementando sua abertura lenta, gradual e segura (o paralelo com a flexibilização do regime militar brasileiro sob Ernesto Geisel tem tudo a ver…), visando ir normalizando pouco a pouco suas relações econômicas com os países capitalistas. 

Quanto a Fidel, acabou tendo seu destino atrelado à bipolarização do poder mundial, que, enquanto durou, permitiu-lhe inflar demais o balãozinho cubano. Mas os ventos mudaram e, no fim da linha, o esperava a agonia lenta.

2013: sua última aparição em público.

Em circunstâncias quase sempre dificílimas, Castro fez o melhor que pôde por seu povo e seu país – não pelo marxismo ou pela revolução mundial, que nunca foram suas verdadeiras devoções.

Quando se puder avaliar seu papel sem exageros propagandísticos e tiroteios ideológicos, deverá ser reconhecida, sobretudo, sua vontade inquebrantável, que o fez ser reconhecido como um titã, apesar da ínfima importância geopolítica da nação que representava.

O século 20 finalmente terminou. E o atual, em termos de grandes personagens históricos, é um deserto.

SOBRE O MESMO ASSUNTO, CLIQUE aqui P/ LER A ERA FIDEL, DE DALTON ROSADO.

A Batalha do Rio de Janeiro


Canso de repetir: a criminalidade é intrínseca ao capitalismo.

Porque as molas mestras do capitalismo são a ganância, a busca do privilégio e da diferenciação, e o consumismo.

Ter cada vez mais posses e recursos materiais.

Competir zoologicamente com os semelhantes, no afã de se colocar em situação superior à deles.

Mitigar todas as suas insatisfações adquirindo e desfrutando coisas.

E se relacionando com os outros seres humanos como se eles fossem também coisas a serem desfrutadas; coisificando-os, enfim.

Com isto, nunca é preenchido por completo o vazio da irrealização, sempre falta algo e sempre o que falta é mais importante do que o já conquistado. O homem moderno é um Cidadão Kane que nunca encontra o  rosebud.

Pois os seres humanos só se realizam plenamente na coexistência cooperativa, solidária, harmoniosa e amorosa com outros seres humanos.

O capitalismo é um sistema perverso, que se alimenta do desequilíbrio e da desarmonia.

Que não garante a todos o necessário para todos, embora meios haja para tanto.

Que gera sempre, como uma secreção, seu exército industrial de reserva, seus excluídos, seus miseráveis.

Eles são o resultado da mais-valia, que continua firme, forte e toda poderosa.

Apenas sofisticou-se, ocultando-se atrás dos hologramas projetados pela indústria cultural; o grande truque do diabo é fingir que não existe.

A mais valia continua dividindo a humanidade em exploradores e explorados.

Continua estabelecendo graduações entre os explorados, de forma que eles mirem apenas o degrau superior e não a sociedade sem graduações nem classes; que nunca vejam a floresta por trás das primeiras árvores.

O dado novo é que alguns dos que estavam bem embaixo perceberam a inutilidade de tentarem realizar seus sonhos consumistas subindo a escada, degrau por degrau.

Descobriram atalhos para passar ao lado dos degraus e chegar logo ao topo.

Ironia da História: o capitalismo passou à fase das corporações, da liderança compartilhada, tornando quase impossível que grandes empreendedores ergam impérios do nada (Bill Gates é uma exceção que confirma a regra), mas a criminalidade forneceu uma válvula de escape para tais indivíduos.

Pablo Escobar foi o Henry Ford dos novos tempos. E outros não conhecemos porque os néo-Escobares perceberam que não lhes convinha alardear seu poderio.

Mas, a brecha que existiu era provisória e começa a ser fechada: também nesta modalidade de negócios o capitalismo selvagem está sendo substituído por práticas criminosas mais eficientes, com melhor relação custo-benefício.

Vale reproduzir a ótima avaliação de Luiz Eduardo Soares, ex-secretário nacional de Segurança Pública (2003) e ex-coordenador de Segurança, Justiça e Cidadania do RJ (1999/2000), no seu artigo A crise no Rio e o pastiche midiático:

“O modelo do tráfico armado, sustentado em domínio territorial, é atrasado, pesado, anti-econômico: custa muito caro manter um exército, recrutar neófitos, armá-los (nada disso é necessário às milícias, posto que seus membros são policiais), mantê-los unidos e disciplinados, enfrentando revezes de todo tipo e ataques por todos os lados, vendo-se forçados a dividir ganhos com a banda podre da polícia (que atua nas milícias) e, eventualmente, com os líderes e aliados da facção.

“Quando o tráfico de drogas no modelo territorializado atinge seu ponto histórico de inflexão e começa, gradualmente, a bater em retirada, seus sócios – as bandas podres das polícias – prosseguem fortes, firmes, empreendedores, politicamente ambiciosos, economicamente vorazes, prontos a fixar as bandeiras milicianas de sua hegemonia.

“Discutindo a crise, a mídia reproduz o mito da polaridade polícia versus tráfico, perdendo o foco, ignorando o decisivo: como, quem, em que termos e por que meios se fará a reforma radical das polícias, no Rio, para que estas deixem de ser incubadoras de milícias, máfias, tráfico de armas e drogas, crime violento, brutalidade, corrupção?

“O modelo policial foi herdado da ditadura. Ele servia à defesa do Estado autoritário e era funcional ao contexto marcado pelo arbítrio. Não serve à defesa da cidadania. A estrutura organizacional de ambas as polícias [a civil e a PM] impede a gestão racional e a integração, tornando o controle impraticável e a avaliação, seguida por um monitoramento corretivo, inviável”.

No fundo, os traficantes dos morros sempre foram complementares ao capitalismo e dele indissociáveis, fornecendo aquilo de que muitos explorados necessitam para continuar suportando sua existência insatisfatória.

Mas, o seu  modelo de gestão caducou e outros  empreendedores, que já eram seus sócios, estão prontos a substitui-los com mais discrição e eficiência empresarial: os policiais-bandidos.

Desesperados por perceberem que perdiam terreno dia a dia, partiram para um desafio insensato, atingindo um dos valores mais sagrados da classe média: o automóvel.

Foi o suficiente para desencadear uma bestial demonstração de força do Estado, com seu poder de fogo infinitamente superior.

Morreram muitos inocentes no fogo cruzado, o cidadão comum sofreu prejuízos e enfrentou transtornos, a indústria cultural faturou em cima das manchetes empolgantes, traficantes foram presos ou mortos — e a única certeza é de que empresários mais aptos herdarão os negócios dos que estão sendo excluídos do mercado.

De quebra, a mentalidade policialesca ganha reforço e penetra mais fundo na cabeça dos videotas: a repressão é o que nos salva de termos nossos carros queimados!

E dá-lhe mais repressão, mais tropas de elite! A fascistização da sociedade vai avançando imperceptivelmente, naturalmente.

Antes, gatos escaldados por 1964, os mais sensatos queriam as Forças Armadas longe das questões sociais, defendendo apenas o Brasil dos seus inimigos externos.

Agora, já se aplaudem os blindados da Marinha subindo o morro.

Como tantos aplaudiram a defesa da tortura e das truculências policiais num filmeco repulsivo.

De toda essa tempestade de som e fúria, o que restará?

O Estado venceu, como era de se prever, a  Batalha do Rio de Janeiro.

Que só não foi de Itararé porque houve mortos e feridos. Mas, não decidiu guerra nenhuma.

Decidiria se os traficantes vencessem. Mas, eles nunca venceriam. Nem aqui, nem na Colômbia que os pariu. Pelo contrário, para eles significou o canto do cisne.

O Estado não quer, verdadeiramente, acabar com o tráfico. Consentirá que, aos poucos, reassuma a antiga magnitude, sob nova direção e com outra metodologia operacional.

Só teremos solução real quando:

  • identificarmos o capitalismo como o verdadeiro inimigo, oculto por trás dos espantalhos que ele, em cada instante, tenta fazer crer que sejam responsáveis por todos os males. Escobar, Castro, Bin-Laden, Saddam, Chávez, Ahmadenijad, há sempre um na berlinda, sem que nada melhore quando sai de cena, pois a indústria cultural imediatamente o substitui por outro, para que as ilusões e a alienação sejam mantidas;
  • e, consequentemente, quando nos mobilizarmos para dar um fim ao capitalismo, antes que — condenado pela História e cada vez mais devastador em sua agonia — seja ele a nos levar juntos para a destruição, ao aniquilar as bases naturais que sustentam a vida humana no planeta.

Furacão sobre Cuba…

…é o título de um livro escrito em 1960 por Jean-Paul Sartre, que li quando começava a me direcionar para a política revolucionária. Fez-me admirar muito a ilha.

O filósofo existencialista francês se referia, claro, ao furacão que varrera Cuba no ano anterior, quando os guerrilheiros de Fidel e Che derrubaram o governo despótico e corrupto de Fulgêncio Batista.

Cinco décadas depois, um novo furacão está se desencadeando sobre Cuba, segundo notícia da Folha.com:

“Cuba anunciou nesta segunda-feira que vai cortar ao menos meio milhão de funcionários públicos até o começo do ano que vem, e reduzir as restrições a empreendimentos privados para ajudá-los a encontrar novos empregos. É a medida mais dramática já anunciada no governo de Raúl Castro para atenuar a grave situação econômica que enfrenta a ilha”.

Bota dramáticidade nisso. Sendo a força de trabalho cubana de 5,1 milhões de cidadãos, 4,2 milhões dos quais a serviço do Estado, significa que quase 10% dos trabalhadores e 12% dos funcionários do setor estatal serão atingidos pelo passaralho “até o primeiro trimestre de 2011”.

O comunicado do sindicato oficial, a Central de Trabalhadores de Cuba, é taxativo:

“Nosso Estado não pode e não deve continuar apoiando negócios, entidades produtivas e serviços com folhas de pagamentos inflacionadas, e perdas que prejudicam nossa economia são, em última instância, contraprodutivas, criando hábitos ruins e distorcendo a conduta do trabalhador”.

Qualquer semelhança com a retórica adotada pelos países capitalistas nos funestos tempos de Reagan e Thatcher não é mera coincidência. Os poderosos sempre apresentam como necessárias e salutares as medidas que infelicitam os coitadezas.

Os quais são mais coitadezas ainda quando não têm sequer um sindicato que os defenda da guilhotina, digo,  do  enxugamento de quadros (ah, os eufemismos!).

E, para quem ficou surpreso com a recente alusão de Fidel Castro à ineficiência do modelo econômico cubano, vale lembrar que já a reconhecera em discurso proferido na Páscoa, quando sugeriu que fossem demitidos até 1 milhão de trabalhadores. Raul deixou pela metade.

Não vou repetir a argumentação do meu artigo A frase de Fidel e o besteirol do PIG. Apenas destacar que ficou novamente comprovada a impossibilidade de se construir o socialismo em países isolados, atrasados e asfixiados pelos inimigos. c.q.d.

Triste sina, a de nações como Cuba. Sob o capitalismo, relegavam-na a cassino, cabaré e bordel de luxo para ricaços estrangeiros.

Depois da revolução, confinada como pestilenta pelo embargo estadunidense, não conseguiu construir uma economia próspera. E ainda serve como espantalho para a propaganda burguesa: “Vejam como o comunismo empobrece um país!“…

Certo está Hugo Chávez: precisamos reerguer o movimento revolucionário em escala planetária — não necessariamente por meio da 5ª Internacional que ele está lançando.

Mas, o caminho é esse mesmo.

A frase de Fidel e o besteirol do PIG

A grande imprensa brasileira saudou efusivamente a afirmação de Fidel Castro, de que o modelo econômico cubano não funcionaria (mais tarde relativizada por ele, sob a alegação de não era exatamente isto que queria dizer).

troféu PIG coube a Suely Caldas que, em O Estado de S. Paulo, deitou falação sobre o que está muito além dos seus conhecimentos:

“A esperança de um mundo igual e justo, lançada por Karl Marx e Friedrich Engels no século 19, não logrou sucesso em nenhuma das experiências socialistas vividas ao longo do século 20. Entre outras razões de ordem econômica, também porque nunca conseguiram se sustentar sem a imposição de uma ditadura a subjugar uma população que ansiava por liberdade”.

Até quando será invocado o santo nome de Marx em vão?

Ele jamais pregou a construção do socialismo em países isolados e atrasados.

Acreditava que, como consequência de suas próprias contradições (principalmente a apropriação individual do produto do trabalho coletivo), o capitalismo passaria a frear o desenvolvimento das forças produtivas, ao invés de o alavancar.

Então, em sua marcha para o progresso, a humanidade seria obrigada a evoluir para uma forma de organização econômica, política e social que libertasse as forças produtivas do jugo do lucro.

Ou seja, em termos simplificados, o contínuo crescimento da produção era limitado pelo fato de que os produtores, ao serem espoliados de uma parcela do resultado do seu labor, não tinham meios para adquirir tantos produtos quanto geravam.

Então, essa produção que excedia o poder aquisitivo dos consumidores era destruída (queimas de café para evitar a queda do preço no mercado, p. ex.) ou, por mecanismos mais sutis,  remanejada: a economia se voltava para atividades parasitárias ou para a indústria de guerra.

Ou seja, o peso descomunal que o setor financeiro adquiriu no capitalismo do século 20 foi uma forma de manter pessoas trabalhando para nada produzirem de útil, necessário ou válido. É a condenação mais gritante de um sistema putrefato, que mantém os homens a labutarem em vão, quando poderiam estar trabalhando muito menos e vivendo muito melhor, livres do tacão da necessidade e do estresse da competição encarniçada.

As duas guerras mundiais e os muitos conflitos localizados, idem. Em vez de se direcionar o esforço dos seres humanos para melhorar a existência dos seres humanos, passou-se a empregá-lo no seu extermínio.

Como alternativa, as grandes recessões periódicas que assolam o capitalismo até hoje.

Antes, a superprodução desembocava automaticamente na crise.

Depois, para permitir que os consumidores adquirissem aquilo que não podiam pagar, criaram-se mecanismos de crédito que resolvem o problema imediato, mas, como bola de neve, acabam gerando dívidas impagáveis à frente.

Até que essa economia artificial, fictícia, estoura como bolha de sabão.

Exatamente como Marx dizia, a contradição insolúvel do capitalismo engendrará crises cíclicas até que ele seja superado pela racionalidade econômica.

Elas podem não ocorrer mais a cada dez anos, mas continuam tão inevitáveis quanto antes.

Face a tal mostrengo, como ousa e jornalista empertigada criticar o socialismo real? Quem tem algo a dizer sobre ele somos nós, não ela.

REVOLUÇÃO MUNDIAL x SOCIALISMO NUM SÓ PAÍS

No princípio, os  profetas apregoavam uma maré revolucionária que uniria e imantaria os proletários de todos os países, varrendo o planeta. É o que lemos no mais inspirado panfleto político que a humanidade já produziu, o Manifesto do Partido Comunista de 1848.

Levando em conta não só que os trabalhadores do mundo inteiro estavam irmanados pela sina de terem uma substancial parcela da riqueza que geravam (a mais-valia) expropriada pelo patronato, como também que a exploração capitalista havia subjugado países e culturas, submetendo proletários de todos os quadrantes a uma mesma lógica de dominação, os papas do marxismo profetizaram que o socialismo seria igualmente implantado em escala global, começando pelas nações de economias mais avançadas e se estendendo a todas as outras.

O movimento revolucionário foi, pouco a pouco, conquistado pela premissa teórica do internacionalismo, ainda mais depois que a heróica Comuna de Paris foi esmagada em 1871 pela ação conjunta de tropas reacionárias francesas com o invasor alemão. Se as nações capitalistas conjugariam suas forças para sufocar qualquer governo operário que fosse instalado, então os movimentos revolucionários precisariam também transpor fronteiras, para terem alguma chance de êxito – foi a conclusão que se impôs.

Outra, de consequências trágicas: a tese de que, como era desigual o ritmo com que as nações amadureciam para a experiência socialista, poderia se recorrer a uma ditadura momentânea do proletariado (já que a Comuna de Paris parecera ter sido derrotada por excesso de brandura) naquelas que se libertassem primeiramente, para resistirem ao capitalismo agonizante até que a revolução vencesse no mundo inteiro.

No entanto, a ditadura do proletariado deveria se tornar cada vez menos ditadura, tendo a função de preparar as condições para seu desaparecimento, por obsolescência.

Em 1917, surgiu a primeira oportunidade de tomada de poder pelos revolucionários desde a Comuna de Paris. E os bolcheviques discutiram apaixonadamente se seria válida uma revolução em país tão atrasado como a Rússia – uma verdadeira heresia à luz dos ensinamentos marxistas.

Para Marx, o socialismo viria distribuir de forma equânime as riquezas geradas sob o capitalismo, de forma que beneficiassem o conjunto da população e não apenas uma minoria privilegiada. Então, ele sempre augurara que a revolução mundial começaria nos países capitalistas mais avançados, como a Inglaterra, a França e a Alemanha.

Um governo revolucionário na Rússia seria obrigado a cumprir tarefas características da fase da acumulação primitiva do capital, como a criação de infra-estrutura básica e a industrialização do país. O justificado temor de alguns dirigentes bolcheviques era de que, assumindo tais encargos, a revolução acabasse se desvirtuando irremediavelmente.

Prevaleceu, entretanto, a posição de que a revolução russa seria o estopim da revolução mundial, começando pela tomada de poder na Alemanha. Então, alavancada e apoiada pelos países socialistas mais prósperos, a construção do socialismo na Rússia se tornaria viável.

Os bolcheviques venceram, mas seus congêneres alemães foram derrotados em 1918. A maré revolucionária acabou sendo contida e, como se previa, várias nações capitalistas se coligaram para combater pelas armas o nascente governo revolucionário. Mesmo assim, o gênio militar de Trotsky acabou garantindo, apesar da enorme disparidade de forças, a sobrevivência da URSS.

Quando ficou evidente que a revolução mundial não ocorreria tão cedo, a União Soviética tratou de sair sozinha da armadilha em que se colocara. Devastada e isolada, precisou criar uma economia moderna a partir do nada.

Nenhum ardor revolucionário seria capaz de levar as massas a empreenderem esforços titânicos e a suportarem privações dia após dia, indefinidamente. Só mesmo a força bruta garantiria essa mobilização permanente, sobre-humana, de energias para o desenvolvimento econômico. A tirania stalinista cumpriu esse papel.

A revolução nunca mais voltou aos trilhos marxistas. Como único país dito socialista, a URSS passou a projetar mundialmente seu modelo despótico, que encontrou viva rejeição nas nações avançadas. Nestas, as únicas adesões não se deveram à atuação política dos trabalhadores, mas sim às baionetas do Exército Vermelho, quando da vitória sobre o nazismo.

Tomada autêntica de poder houve em outros países pobres e atrasados, como a China, Cuba, Vietnã e Camboja. E todos repetiram a trajetória para o modelo autoritário do socialismo num só país stalinista.

AVANÇO TECNOLÓGICO x LETARGIA ECONÔMICA

Mas, a arregimentação autoritária da mão-de-obra só funcionou a contento na etapa da industrialização pesada.

Na segunda metade do século 20, a economia capitalista avançou noutra direção, a da sofisticação tecnológica, da miniaturização, da gestação sôfrega de novas manias consumistas. Informática, biotecnologia, novos materiais, novos processos.

O avanço movido a ganância, com base no talento individual, na pesquisa e na tecnologia, derrotou a economia letárgica da URSS, tornada jurássica da noite para o dia, e sua  nomenklatura arrogante que se reservava todos os privilégios.

Comprovava-se a máxima marxista segundo a qual são os países com forças produtivas mais desenvolvidas que determinam os rumos da humanidade.

O bloco soviético desabou como uma fruta apodrecida. Seus países voltaram ao capitalismo e à democracia burguesa.

A China conseguiu manter o sistema político autoritário, à custa de mesclar a economia estatizada com a iniciativa privada. Criou o pior dos mundos possíveis: algo assim como o milagre brasileiro, com a falta de liberdade sendo aceita em função das melhoras materiais proporcionadas pelo regime (e do espírito tradicionalmente submisso dos asiáticos).

Sobrou para os idealistas do século 21 a missão de recolocar a revolução nos trilhos, para que ainda seja cumprindo o sonho original de Marx: não apenas regimes híbridos em países isolados, mas sim o planeta inteiro transformado no “reino da liberdade, para além da necessidade”, em que:

  • cada cidadão contribua no limite de suas possibilidades para que todos os cidadãos tenham o suficiente para suprirem as suas necessidades e desenvolverem plenamente as suas potencialidades; e
  • o estado desapareça, com os cidadãos assumindo a administração das coisas como parte de sua rotina e a ninguém ocorra administrar os homens, já que eles serão, para sempre, sujeitos da sua própria História.

Engendrarmos uma onda revolucionária capaz de varrer o planeta é tarefa gigantesca? É.

Mas, em relação ao século 19, há uma mudança importante: ela se tornou muito mais necessária, como alternativa à regressão — talvez, até, à própria aniquilação — da humanidade.

Pois, salta aos olhos que, mantida a prioridade dos interesses individuais sobre os coletivos, a exaustão de recursos naturais e as catástrofes ecológicas reduzirão drasticamente os contingentes humanos, ou os exterminarão de vez.

A opção a fazermos, como disse Norman O. Brown, agora é entre a vida numa sociedade solidária e harmoniosa, ou a morte sob o capitalismo excludente e predatório.

Dissidentes cubanos: muito sofre quem padece


Face a certas tragédias sobre as quais jornalistas e leitores cansavam de repetir o mesmo blablablá que nada resolve, Paulo Francis costumava ironizar: “muito sofre quem padece”.

Caso recente do Haiti, cujos males estão diagnosticados há tanto tempo, sem que se vislumbre a mais remota possibilidade de que ocorra a mobilização de vontades e recursos necessária para as correções estruturais que se impõem.

Condenado a ser pária no mundo enquanto o mundo permanecer sob o jugo desumano do capitalismo, sua única esperança é uma transformação em escala maior. Até lá, muito continuará sofrendo porque padece…

Os reacionários agora me cobram que comprove ser mesmo defensor dos direitos humanos, posicionando-me sobre Cuba. Com seu habitual primarismo, ignoram que, longe de omitir-me, já me pronunciei na semana passada.

No fundo, trata-se de outro beco (quase) sem saída. Vamos recapitular.

Nos anos 50, a União Soviética não via com bons olhos revoluções na esfera de influência dos EUA, que pudessem lhe trazer complicações desagradáveis, num momento em que priorizava a consolidação do seu modelo político/econômico nos países que o Exército Vermelho libertara no fim da 2ª Guerra Mundial.

E a via chinesa, de formação de um exército revolucionário no campo e cerco das cidades, mostrava-se inviável na América Latina, na qual quem dominava as cidades tendia a esmagar sem maiores dificuldades as rebeliões rurais.

Aí, um pequeno grupo de abnegados conseguiu iniciar a derrubada da corrupta e sanguinária ditadura de Fulgêncio Batista com uma variação do modelo chinês: criou colunas guerrilheiras que surpreendiam o inimigo e depois embrenhavam-se nas serras, acumulando forças e conquistando aos poucos o apoio da população.

Foi uma mágica que só deu certo da primeira vez, e nas condições peculiares de Cuba, ilha que tinha como principal atividade econômica a monocultura da cana-de-açúcar e cujo tirano era particularmente repulsivo para seu povo.

Nas duas décadas seguintes, reprises seriam tentadas noutros países do subcontinente com monoculturas e ditadores repudiados, mas, havendo possibilidade de êxito, os EUA tratavam de erradicá-las com seu grande porrete, corporificado em ajuda econômica e assessoria militar.

Numa nação de dimensões continentais como o Brasil, o foco guerrilheiro se mostrou mais inadequado ainda, sendo descoberto e atacado antes mesmo de iniciar operações.

Quem conseguiu alguns êxitos foi a guerrilha urbana, principalmente aqui (vários grupos, começando pela ALN e VPR), na Argentina (ERP e montoneros), Uruguai (tupamaros) e Chile (MIR). Trinfos temporários, contudo. Causaram impacto, mas a avassaladora superioridade de forças e os métodos bárbaros do inimigo acabaram prevalecendo.

O certo é que os revolucionários cubanos, face ao embargo implacável dos EUA, sonhavam com a construção do socialismo apoiada por outras revoluções latino-americanas, mas tinham de curvar-se à evidência dos fatos, aceitando a tutela da União Soviética, que lhes dava sustentação econômica mas impunha, como contrapartida, limites de atuação no exterior.

A CRISE DOS MÍSSEIS E O MARTÍRIO DE GUEVARA

A crise dos mísseis, em 1962, foi o sapo mais indigesto que tiveram de engolir.

Depois que os EUA insuflaram a fracassada invasão da Baía dos Porcos, a URSS instalou armamento atômico na ilha, aparentemente apenas para dissuadir os norte-americanos de outras aventuras intervencionistas.

A reação estadunidense colocou o mundo à beira do apocalipse. E o acordo que pôs fim à crise pareceu um recuo humilhante da URSS, que retirou os mísseis — embora houvesse uma cláusula não divulgada segundo a qual os EUA se comprometeram a nunca mais tentarem derrubar ou favorecer a derrubada do regime cubano.

O certo é que a imagem passada para o mundo foi de que a cavalaria botara de novo os índios pra correr.

Daí a indignação dos líderes cubanos, que foram totalmente ignorados por Kruschev enquanto negociava com Kennedy, recebendo depois a decisão como um prato feito; e a heróica iniciativa de Che Guevara, de tentar pessoalmente levantar novas revoluções, que livrassem Cuba da dependência exclusiva da URSS.

Isto também falhou e só restou a Fidel a opção de construir sua versão tropical do socialismo com todas as limitações de uma nação pequena, pobre e asfixiada pelo embargo econômico — as quais acentuaram-se ainda mais quando as nações do antigo bloco soviético voltaram ao capitalismo.

Conseguiu alguns êxitos notáveis em educação e saúde, principalmente. Mas, não teve como oferecer prosperidade ao povo. E a experiência soviética ensina que as massas submetem-se a terríveis sacrifícios em nome de um ideal durante algum tempo, mas não por todo o tempo.

Quando os sacrifícios se tornavam rotina, sem nenhuma luz à vista no fim do túnel, a URSS resvalou para o estado policial.

Cuba não reproduziu na mesma escala os horrores do stalinismo, principalmente porque não houve cisão significativa no partido: os revolucionários de primeira hora cubanos concordaram com a mudança de rumos como resposta às circunstâncias adversas, ao contrário de boa parte da velha guarda bolchevique, que resistiu bravamente ao desvirtuamento dos ideais de 1917, até ser imolada.

Então, quem enfrentou o indiscutivelmente popular Fidel Castro não foram figuras exponenciais como Trotsky e Bukharin, mas intelectuais sem muito prestígio junto ao povo, alguns trabalhadores como Orlando Zapata e também cubanos fascinados ou teleguiados pelo capitalismo (eles existem, claro, mas é uma falácia sustentar que todos os oposicionistas o sejam).

E os irmãos Castro, com flagrantes violações dos direitos humanos desses dissidentes, têm conseguido evitar que as brisas se tornem verdadeiros ventos de mudança.

Então, de um lado eu repudio veementemente tais perseguições políticas, pois nenhum outro posicionamento é admíssivel para um homem civilizado e para um verdadeiro revolucionário; do outro, não vislumbro nenhuma possibilidade de que apenas os discursos e abaixo-assinados, mesmo transbordantes de justa indignação, venham alterar o quadro que levou à morte de Orlando Zapata.

Com o colapso físico de Fidel, os dirigentes cubanos dificilmente ousarão desmontar a estrutura do estado policial no instante em que o regime está prestes a encarar o desafio de sobreviver à sua figura mais emblemática. Alguma turbulência sempre haverá, quando a morte for anunciada. Quanta, nem mesmo eles sabem.

É claro que, se tiverem uma perspectiva de prosperidade a oferecer ao povo cubano, poderão até decidir que vale a pena correr o risco.

Daí ser este o momento em que Barack obama poderá se colocar à altura das esperanças que despertou, dando contribuição decisiva para que seja virada uma página lamentável da História.

Como? Pondo um fim ao injusto, contraproducente e odioso embargo econômico de Cuba, um abuso inominável de poder, que fere profundamente o direito de autodeterminação dos povos.

Caso contrário, o mais provável é que os dissidentes cubanos continuem muito sofrendo porque padecem, independentemente do clamor dos justos e da grita demagógica dos injustos.

RJ: Associação Cultural José Martí comemora aniversário de Fidel Castro

A um dia do aniversário do Comandante Fidel Castro, a Associação Cultural José Martí promove a exibição do documentário “Cuba: Retratos da Revolução”. Fidel completará 83 anos no dia 13 de agosto.

Afastado do poder há três anos devido a uma doença intestinal, o grande líder cubano se dedica às suas “reflexões” publicadas em periódicos e é o primeiro-secretário do Partido Comunista. 2009 é um ano particularmente importante, pois Cuba comemora os 50 anos do Triunfo da Revolução e mostra resistência diante dos cruéis e sucessivos ataques imperialistas.

A atividade será nesta quarta-feira, dia 12, a partir das 18 horas e, após a exibição do filme, haverá debate entre os participantes. A Associação Cultural José Martí fica na avenida 13 de Maio, 23, salas 1623 ou 1624, no Centro – Rio de Janeiro. Mais informações pelo telefone: (21) 2532-0557 ou pelo e-mail: acjm_rj@ig.com.br

Sobre o filme

O documentário explora a Revolução Cubana através dos olhos do fotógrafo cubano-americano Roberto Salas. Após ser escolhido por Fidel Castro, em 1959, para fotografar a Revolução Cubana, Salas saiu de Nova York e foi para Cuba.

¿Hasta cuando?
26/07/2009 – Camila Marins

Poema em homenagem ao Movimento cubano 26 de Julho e aos 50 anos do Triunfo da Revolução Cubana

¿Hasta cuando?
Venga y liberta
¿Hasta cuando?
En las cadenas de la dictadura
Imperialismo cruel y facista
que rompe lo sangre de nuestra tierra
hambre analfabetismo opresión
¿Hasta cuándo?
Venga y liberta
Entra en las trincheras
Listado fuerza en fusiles
Significado de los sueños de cócteles Molotov
ESPERANZA: no susurró en su radio rebelde – LO GRITO
Venga y se mueve
Liberta nuestra Habana y todo el pueblo latinoamericano
Venga y se mueve
Muestra libertación en tuyas banderas
Venga y se mueve
Hasta una Cuba libre y soberana
HASTA LA VICTORIA SIEMPRE!!

Che Pueblo, por Celso Lungaretti

“El nombre del hombre muerto ya no se puede decirlo, quién sabe?
Antes que o dia arrebente, antes que o dia arrebente
El nombre del hombre muerto, antes que a definitiva noite se espalhe em Latinoamérica
El nombre del hombre es Pueblo, el nombre del hombre es Pueblo”

(“Soy Loco Por Ti America”, Capinan, Gil e Torquato)

Che, de Steven Soderbergh, consegue um prodígio, em termos de grandes produções estadunidenses enfocando personagens revolucionários: é um filme honesto.

Claro que, precavendo-se contra as inevitáveis críticas dos direitistas, Soderbergh e o roteirista Peter Buchman evitaram manifestar simpatia ostensiva pela causa revolucionária, limitando-se a colocar na tela os episódios narrados nos diários de Che Guevara.

Então, os aspectos políticos, como o relacionamento entre a guerrilha e a oposição desarmada, são tratados de forma muito superficial, enquanto as cenas de batalhas tomam tempo demais do filme.

Um cineasta do ramo, como Costa-Gravas, certamente aprofundaria mais os personagens e situações, ao invés de ficar no meramente descritivo. Só que Hollywood jamais bancaria um filme sobre Guevara que tivesse Costa-Gravas como diretor…

Justiça seja feita: o atual Che é extremamente mais digno do que o Che! de 1969, dirigido por Richard Fleischer, com Omar Shariff no papel principal. Caricaturas e preconceitos desta vez ficaram de fora. A guerra fria acabou, felizmente.

Chamou-me a atenção o tratamento respeitoso que Fidel Castro (interpretado pelo bom ator mexicano Demián Bichir) recebe. Ele é mostrado como líder inconteste da revolução: ao mesmo tempo o visionário que apostou numa possibilidade remotíssima de vitória, o carismático que soube contagiar os outros com seu sonho e o pragmático que tomou quase sempre as decisões corretas ao longo da campanha.

Benicio Del Toro, obviamente, é quem sustenta o filme.

A opção foi abarcar, nesta primeira parte do épico — há uma segunda, Che – A Guerrilha, que ainda não tem estréia marcada no Brasil –, o período que vai do primeiro encontro entre Che e Fidel (1955) até a derrubada do ditador Fulgencio Batista (1959); afora isto, só existe um pequeno salto para o futuro, o pronunciamento de Guevara na ONU (1964).

Nesses quatro anos de que se ocupa o filme, o idealismo e a capacidade de enternecer-se de Guevara não se ressalta tanto nas situações propriamente ditas, como nos Diários de Motocicleta, de Walter Salles.

Aqui e ali, o roteiro cumpre esse papel, como ao mostrar Guevara fragilizado ao sofrer ataques de asma, compassivo no trato com os camponeses e solidário com um novato a ponto alfabetizá-lo nos intervalos das batalhas e caminhadas.

E há também a bela frase dos diários do Che, sobre o amor que move os revolucionários.

Mesmo assim, dependia em muito do ator passar ou não para os espectadores a humanidade de um herói que não foi um homem de ferro e, muito menos, o sanguinário em que parte da mídia o quer hoje transformar.

Benício conseguiu, oferecendo-nos um verdadeiro tour de force interpretativo . Seu Che é mesmo um idealista obrigado a endurecer-se para cumprir seu papel histórico, mas que não perde a ternura jamais.

Enfim, o cinema ainda continua nos devendo um filme definitivo sobre a revolução cubana. Mas, tenho a impressão de que este Che é o máximo que podemos esperar de Hollywood.

E vale para estimular o interesse das novas gerações por um dos personagens mais emblemáticos do século passado.

CULTO PERENE

É claro que muitos jovens, antes desse filme, já viam Guevara como o próprio símbolo da revolução.

Enquanto Marx, Lênin, Stalin, Trotsky, Mao e o próprio Fidel só significam algo para os politizados, o Che tem uma força simbólica indiscutivelmente maior — e muito mais adeptos na faixa da adolescência e mocidade.

Quais os motivos de culto tão perene?

Há quem o atribua, depreciativamente, à semelhança visual entre o Che abatido e o Cristo crucificado, omitindo que as trajetórias também são semelhantes.

Ambos desdenharam os bens materiais e foram solidarizar-se com os pobres, oferecendo-lhes apoio e esperanças. Despertaram a fúria dos poderosos de seu tempo e foram por eles destruídos, terminando sua jornada com muito sofrimento.

Evidentemente, os relatos que chegaram até nós sobre Jesus Cristo não têm áreas nebulosas como aqueles episódios em que Guevara parece haver incorrido em violência excessiva.

Mas, se o Salvador disse que não vinha “trazer a paz, mas a espada”, foi Guevara quem a empunhou. E a guerra nunca inspirou os melhores sentimentos ao ser humano. Pelo contrário, desperta seus piores instintos.

Então, a luta justificada e necessária contra o tirano Fulgêncio Batista pode ter feito aflorar o Robespierre latente naquele homem afável, tão bem retratado nos Diários de Motocicleta.

Mas, contradições são inerentes a todo ser humano. Não existe o herói perfeito e impoluto, salvo em nossa imaginação.

O certo é que Guevara continuou sacrificando tudo por seu ideal de justiça social. Como Garibaldi, foi levar a chama da revolução a outro mundo, a África. E tentou outra vez na Bolívia, onde finalmente o Império o fez executar (mais um paralelo com Cristo!).

Sua vida só foi uma sucessão de fracassos (como já se alegou) para quem reduz a existência à busca do sucesso fácil, descartando valores como a solidariedade, a coerência e a dignidade.

Os que o recriminam, certamente jamais agiriam como Guevara, abrindo mão do poder e honrarias para efetuar desesperadas tentativas de romper o isolamento da revolução cubana.

Pode-se supor que, como Trotsky, ele tenha concluído que a revolução invariavelmente se deforma quando fica restrita a um só país – ainda mais uma nação pobre, atrasada e asfixiada pelo embargo comercial, como Cuba. E fez o que poucos fariam: assumiu a missão de encontrar uma saída para o impasse, nas condições mais desfavoráveis.

No mundo todo, os jovens que também lutavam contra o Império se identificaram com seus sonhos e seu martírio. Não foram uma foto e um pôster que o transformaram em mito, mas sim esse exemplo de dedicação a uma causa justa até o sacrifício extremo.

E, como os corações mais sensíveis e as mentes mais lúcidas não conseguiram vencer o sistema regido pela desigualdade e ganância, Che inspira até hoje os que não aceitam o capitalismo globalizado como o fim da História.

Daí a inutilidade dos frequentes ataques à memória do homem Ernesto Guevara — como os lançados pela mídia reacionária, a Veja à frente, quando do 40º aniversário da morte do herói.

Jamais atingirão, contudo, o mito Che Pueblo, personificação dos ideais igualitários que os melhores seres humanos vêm acalentando através dos tempos.