A mídia, a ‘esquerda’ e a esquerda

A entrevista concedida pelo candidato do PSOL à presidência da república Plínio Arruda ao ‘jornalista’ José Roberto Burnier, exibida anteontem no Jornal da Globo, é sintómática no que diz respeito ao tratamento dispensado pela mídia às campanhas eleitorais de esquerda. Quando não usa do artifício da invisibilidade, como o faz por exemplo com o PSTU e seus candidatos, parte para uma estratégia que mistura agressão e confusão. Utiliza-se de métodos retóricos para confundir a escolha do eleitor e tentar desestabilizar seus entrevistados. É uma demonstração inequívoca da óbvia função política da mídia burguesa que, apesar de seu descaramento, ainda encontra no seio da sociedade um confortável berço para seu ‘mito da imparcialidade’.

No entanto, mostra por outro lado, a flagrante preocupação dos poderosos da mídia com a possibilidade de ascenção de um paradigma político voltado menos para o capital e mais para o social. E isso já demonstra uma vitória do povo contra a tirania disfarçada – mas nem tanto – dos setores poderosos do Brasil. A tentativa de destruir publicamente figuras de forte reivindicação popular sem demonstrar tão explicitamente os enormes tentáculos do poder midiático são uma prova de que é possível sim enxergar o Brasil governado por interesses verdadeiramente populares, com vontade e participação política em prol do desenvolvimento social e em detrimento dos mercados.

Roberto Burnier, compromissado com a manutenção do status quo imperante no Brasil, mostra a incoerência, a leviandade e a podridão que significa fazer ‘jornalismo’ para a casa em que trabalha. Faz uma série de intromissões e colocações sem importância, como a respeito da necessidade da ‘ficha no hospital público’, numa tentativa de penetrar e colocar em contradição as respostas de seu entrevistado. Obviamente falha diante do bem consolidado discurso do candidato Plínio, que é absolutamente consciente da intenção de seu entrevistador, mas que não pode dispensar, dados os objetivos de sua campanha, a oportunidade de figurar na rede de televisão com maior penetração no país. O faz de maneira incontestável, passa incólume às tentativas do entrevistador de derrubá-lo, e – muito importante dizer – tendo sempre como característica a boa educação e o respeito, que passou longe de ser recíproca nas duas oportunidades em que esteve na Rede Globo.

O referido ‘jornalista’ faz ainda uma colocação digna de nota: diz não entender qual é o sentido de desapropriar terras produtivas que excedem os mil hectares, como propõe o candidato. É claro que não entende, dada sua pretensa ignorância político-social da realidade do país a que se dirige. É contundente ao defender os fazendeiros latifundiários e se opor aos interesses do campesinato. Renega o trabalho do camponês como motor primeiro de sua produção, perguntando ao entrevistado se não seriam os responsáveis pela produção do campo os escravocratas do latifúndio que a financiam, corroborando o discurso fascista e feudal de que o pobre é responsável por sua pobreza. Esta é a lógica do capital que o candidato Plínio pretende, segundo sua campanha, derrotar. Quem possui os meios de produção explora os que não os possuem, é simples assim. Mas o jornalista não compreende tal colocação. Não pode compreender, entregue que está às prescrições de seus patrões, que por sua vez agem como servos dos interesses da concentração de terra e do agronegócio.

Por último toca no ponto da reestatização da Vale, fazendo um hábil uso do controle que possui dos cinco minutos de entrevista – um tempo risível se comparado ao que têm os ‘grandes’ candidatos, e que reafirma o caráter não democrático do pleito presidencial. Deixa pouquíssimo tempo para o candidato explicar uma coisa bastante óbvia mas não trivial, e cria de novo uma oportunidade de vislumbrar os interesses tacitamente implícitos no programa ‘jornalístico’. Numa pergunta dissimulada – como se não fosse a Rede Globo em grande parte responsável pelo sucateamento da estatal Vale do Rio Doce, num premeditado processo de privatização concretizada pelo governo FHC, neoliberal por excelência – Burnier diz que a companhia é agora muito mais produtiva e geradora de empregos. Não fala, no entanto, do contexto da política econômica do governo no período da privatização, de seu compromisso com o capital extrangeiro e com o FMI, com os interesses dos banqueiros e dos latifundiários, fatores que contribuíram em grande parte para a derrocada da empresa estatal. Também não dá tempo ao candidato de explicar este raciocínio tão básico e óbvio, mas que não pode ser dito em trinta segundos.

Ao que parece, a mídia novamente não conseguirá colocar o candidato de sua predileção na presidência da república. Mas perder para o PT é aceitável e em grande medida desejável para os setores ricos do país. A oposição que ainda existe na direita ao governo é muito mais fruto de um preconceito histórico da burguesia – que não pode suportar ver em seu comando um ex-operário e ex-pobre iletrado – do que propriamente por suas diretrizes de governo, vide os 420% de lucro dos banqueiros. Perder para um partido verdadeiramente de esquerda, no entanto, é um risco que a Rede Globo, representante maior das ‘natas’ da sociedade, não vai se atrever a correr. Afinal de contas, a emissora já tem grande experiência: é melhor prevenir do que remediar.

A entrevista pode ser vista abaixo:

3 comentários em “A mídia, a ‘esquerda’ e a esquerda”

  1. Para mim está claro que o texto foi escrito por um jovem pouco inteligente deslumbrado com o poder de sintetizar ideias com palavras, o qual acredita que Plínio de Arruda e outros tantos pseudo-revolucionários têm algum objetivo social real por detrás das palavras de ordem “igualdade”, “distribuição” e “estatização”. Além de não haver objetivos reais não há propostas práticas, não é? O candidato apenas falar em ser radical e em mudar as coisas mas não diz como o fazer. O pior é que ganha uma montanha de votos ignorantes.

    Em primeiro lugar, Erick, entre no site do TSE e veja o patrimônio declarado por esse sujeito (algo em torno de 2 milhões de reais). Você acha que alguém que possui 2 milhões, apenas em valor declarado, tem como base política as ideias comunistas/socialistas? Existem políticos que se utilizam das palavrinhas simpáticas de esquerda para fazerem crianças como você cairem no conto do vigário. As teoriazinhas revolucionárias que você aprendeu nos diálogos acalorados com os seus coleguinhas não servem de nada na política. Cada caso é um caso: estatizar nem sempre é a solução, assim como privatizar nem sempre é a solução. O Radicalismo leva sempre ao erro! Vai estudar, muleque. Qual é a diferença entre o Jornal da Globo, que, supostamente, “apoia governos de direita” e você, que difama-os e apoia governos desse tipo? Deixe de ser hipócrita. Se você quer ser alguém não tome partido, não se iguale, seja imparcial. Em último lugar, utilize um dicionário ao escrever (estrangeiro, por exemplo, não se escreve com ‘x’).

  2. Bom, Matheus, eu prefiro acreditar que para mudar a radicalidade em que a gente vive, só mesmo sendo o mais parcial possível. Que minhas conversas com meus colegas (fiel que sou ao diálogo) rendem sim bons frutos. Não acredito, no entanto, que o apoio da Globo a governos de direita seja mera suposição. Baseio-me em meu estudo de história (http://blogs.estadao.com.br/luiz-zanin/bastidores-da-historia-brasileira/ – veja bem que o link é do estadão, provavelmente um jornal ‘imparcial’, desses de sua confiança e que não tem jovens redatores como eu) e meu estudo diário e crítico – sem as terríveis ingenuidades impostas em nossa nação – sobre a mídia (http://consciencia.net/a-caravana-jn-ja-definiu-como-governar-o-brasil/).

    Mas não se importe em ler o que eu recomendo, sou um mero jovem pouco inteligente.

    Obrigado pela correção do ‘extrangeiro’. A sua falta de educação, me perdoe, não será recíproca. Não faltei com respeito antes e nem o farei agora.

    Um cordial abraço.

  3. Lúcido o artigo, lúcida a resposta. Engraçado como a afetividade escamoteada por uma falsa racionalidade ubíqua sempre se afeta e demonstra a fraqueza de argumentos dos que não conseguem obter clareza de raciocínio. Me encanta como a emocionalidade demonstra claramente a raiz da crítica: você atingiu o ponto onde nosso amigo crítico e tenso perdeu seu controle e teve de apelar para a infantilidade revestida de racionalidade frágil e tênue, uma típica racionalidade maniqueísta que pensa que um candidato que tem a honradez de indicar seu patrimônio real não possa ter a honradez de lutar por ideais de justiça e democracia. O maniqueísmo e a agressividade pueril sempre acompanha a imaturidade, intelectual ou de caráter. Imaturidade essa que independe de idade, obviamente. Parabéns Erick

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