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Nigéria: Massacre no início do ano é possivelmente o mais mortal da história do Boko Haram

Equipes de resgate e moradores se reúnem no local de duas explosões em um mercado na cidade central de Jos, capital do estado de Plateau, em maio de 2014. Foto: AFP/Getty Images

Um massacre de proporções inimagináveis acaba de ocorrer no nordeste da Nigéria. Segundo as primeiras informações das agências de notícias, relatos de moradores que conseguiram escapar do massacre a 16 povoados ocorridos desde 3 de janeiro dão conta de que “há corpos demais para poder contar o número de mortos”.

De autoria dos extremistas do Boko Haram, a Anistia Internacional afirmou que os ataques, realizados principalmente em Baga (estado de Borno) e cidades vizinhas, podem ter sido os “mais mortais do Boko Haram em um catálogo de ataques cada vez mais hediondos realizadas pelo grupo”.

Os primeiros relatos apontam que a cidade foi em grande parte arrasada, com até dois mil civis mortos. “Isto marcaria, se confirmado, uma escalada preocupante e sangrenta de ataque contínuo da Boko Haram contra a população civil”, disse Daniel Eyre, pesquisador nigeriano da Anistia Internacional.

“No momento, estamos trabalhando para descobrir mais detalhes sobre o que aconteceu durante o ataque a Baga e à área próxima. Este ataque reitera a necessidade urgente de o Boko Haram parar a matança sem sentido dos civis, bem como a necessidade de o governo nigeriano tomar medidas para proteger a população que vive em constante medo de ataques deste tipo”, disse Eyre.

Desde 2009, o Boko Haram tem alvejado deliberadamente civis através de invasões e ataques a bomba, com o problema aumentando ao longo dos anos tanto em termos de frequência quanto gravidade.

Um dos principais ataques do grupo, que diz agir em nome do alcorão, aconteceu no dia 15 de abril de 2014 em Chibok, no mesmo estado de Borno, onde a população foi morta ou fugiu e mais de 200 estudantes entre 7 e 15 anos foram capturadas e levadas pela milícia.

Indústria farmacêutica incentiva “memória fraca” na mídia

Por Gustavo Barreto (*), da redação

O jornal Folha de S. Paulo está selecionando projetos de pesquisa sobre a história do jornalismo brasileiro. O programa “Folha Memória” selecionará três projetos de pesquisa e premiará seus autores com uma bolsa de R$ 2.300 mensais, com patrocínio da maior transnacional farmacêutica do planeta, a Pfizer. E se o projeto em análise for sobre jornalismo científico e os malefícios dos laboratórios privados para o sistema de saúde global?

Publicado no Portal Vermelho, Jornal Cidade de Itapetininga, Federação Nacional dos Farmacêuticos, Jornal Tem Notícia. Clique no título para ler na Revista Consciência.Net.

Indústria farmacêutica incentiva “memória fraca” no jornalismo brasileiro

Por Gustavo Barreto (*), da redação

O jornal Folha de S. Paulo está selecionando projetos de pesquisa sobre a história do jornalismo brasileiro. O programa “Folha Memória” selecionará três projetos de pesquisa e premiará seus autores com uma bolsa de R$ 2.300 mensais.

“Nos seis meses em que receberão essa ajuda de custo, os candidatos selecionados deverão conduzir sua pesquisa com rigor acadêmico e transformá-la em um texto de interesse geral e caráter jornalístico. Eles serão orientados por um jornalista da Folha. O melhor dos três trabalhos será publicado em livro editado pela Publifolha, e seu autor ganhará um laptop.” (Anúncio em uma escola de comunicação no Rio)

O curioso é que o patrocínio é da maior transnacional farmacêutica do planeta, a Pfizer. A participação também se dá na avaliação de conteúdo: sempre que há alguma, também está presente um representente da “Comunicação Corporativa da Pfizer”. Para avaliar, lembremos, projetos sobre… a história do jornalismo. Imagino que a Folha entenda haver um campo integrado de estudo entre comunicação corporativa e história do jornalismo. Ou se venderam mesmo.

E se o projeto em análise for sobre jornalismo científico e os malefícios dos laboratórios privados para o sistema de saúde global? A Organização Mundial de Saúde (OMS) está em pé de guerra com os laboratórios privados há um tempo, pois estes não compartilham informações básicas sobre o desenvolvimento de vacinas ou medicamentos. Isso prejudica centenas de países que precisam destes dados para resolver problemas fundamentais, já superados pelos países desenvolvidos. É a velha questão da troca que benefício todos versus o conhecimento proprietário.

Na outra ponta, dos doentes “ricos”, produzem remédios que “viciam” o organismo, de modo que a cada dois anos os remédios de ponta precisam ser refeitos. Fui a um evento sobre antimicrobianos, em 2008, em que uma pesquisadora da UERJ comentava que uma bactéria estava tão dependente de um determinado antibiótico que, sem o uso deste, acabava morrendo (!).

Em 2007, já havia comentado que os programas de treinamento em jornalismo dos dois maiores jornais de São Paulo – Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo – eram patrocinados pela indústria do tabaco (e ainda são), e como isso influenciava na hora de decidir o que é notícia ou não, ou o que ganhará destaque ou não. Lembre-se que esta é a mesma indústria que, segundo a OMS, “continua a colocar os lucros à frente da vida; sua própria expansão antes da saúde das futuras gerações; seus ganhos econômicos à frente do desenvolvimento sustentável dos países”. (Leia aqui o artigo, republicado pela Associação Mundial Antitabagismo)

O jornal Estadão, além de ter apoio da gigante do tabaco Philip Morris, também é apoiado financeiramente neste programa pela Vivo, uma das teles que sofre centenas de ações civis públicas no Ministério Público por não atender minimamente seus clientes, a ponto de todo mundo (mesmo) já ter passado, com uma ou mais operadoras, por problemas absolutamente ridículos de falta de respeito e completo desprezo pelo consumidor. No meu caso, já tive cancelamento indevido, tributação inexistente e até mesmo o Ministério Público Federal de Minas Gerais já entrou com uma Ação Civil Pública a partir de uma carta aberta que escrevi em 2004 (aqui e aqui), conforme me informou a assessoria do MPF em Minas.

Será que se eu usar o “rigor acadêmico” para elaborar um projeto de memória do jornalismo independente, nesse caso, eles me aprovam?

Isso é grande imprensa, vendida pra quem puder pagar mais. No caso “Folha Memória”, sugiro aos candidatos investigar denúncias de cobaias humanas na África, que de vez em quando vazam na mídia global (como no caso das mais de 100 crianças mortas na Nigéria, leia aqui), fato que originou o filme “O Jardineiro Fiel” (The Constant Gardener, 2005), baseado em fatos documentados amplamente pela organização Médicos Sem Fronteiras à época. Empresa responsável pelos “testes em humanos”: Pfizer.

Será que a Folha acompanha o caso? E sobre a atuação dos laboratórios na África?

Infelizmente, mais uma vez, comprovamos que, em termos de grande mídia, o patrocínio se torna promiscuidade de interesses. Em abril deste ano (de 2009 mesmo, acredite), saiu uma indenização (ou seja, 13 anos depois) do caso e a briga não acabou nos EUA. O The Independent da Inglaterra deu (leia aqui, em inglês, ou num jornal de Portugal, aqui), mas como nós não temos um jornal ou telejornal chamado “O Independente” e nem algo parecido – apenas a dependente Folha, a dependente Globo, o dependente Estadão etc -, ninguém fica sabendo disso. Não é manchete.

A matéria do diário britânico é de 6 de abril, sendo que no dia 10 de abril (4 dias depois), a única citação que há na Folha para a palavra “Pfizer” é sobre o mercado de medicamentos genéricos:

3. Folha de S.Paulo – Sanofi compra Medley e vira líder no país – 10/04/2009
… doenças que afetam a maior parte da população. Um deles é o Liptor, da Pfizer, que combate o colesterol. “O mercado de genéricos deve sofrer um aquecimento com o vencimento …
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi1004200922.htm

Nem a Folha Online nem o jornal Folha de S. Paulo deram a notícia. Matar crianças na África não deve ser, mesmo, de interesse público, na cabeça dos ilustres editores. E os demais membros do corpo editorial da Folha devem estar se perguntando por que esse assunto não foi pauta por lá. Um mistério editorial.

O “rigor acadêmico” do edital de apoio à “memória do jornalismo” da FSP/Pfizer depende, ao que se vê, de uma seleção rigorosa pra escolher estudantes que não questionem essas bobagens, como fazer de crianças africanas no norte da Nigéria cobaias humanas. Ou selecionar quem tem memória fraca.

(*) Gustavo Barreto é pós-graduando na UFRJ, foi repórter na Fiocruz e é assessor de imprensa na área de Saúde Pública. Editor de meios alternativos na mídia livre.