Todos os posts de Martim Assueros Gomes

Bacharel em Ciências Sociais, ambientalista e poeta.

Saudade das pedras de Teixeira

Um lampejo ilumina o meu pensar
E encontro no meio dos achados
Minha infância lá no Sítio Machados
No terreiro debaixo do luar
Afinada, uma orquestra a coaxar
Ali perto, no tanque do oitão
Era tempo de chuvas no Sertão
Que o meu pai o chamava de divino
A saudade parou no meu destino
E o futuro ficou na ilusão
Ainda ouço soar no vão do tempo
Zé Mosquito e orquestra ensaiando
Era o sopro da arte eternizando
Partituras... milhares num momento
Lembro bem de Ambrósio com talento
A tirar do seu sax uma canção
Ao meu lado a menina com emoção
Solfejava baixinho no meu tino
A saudade parou no meu destino
E o futuro ficou na ilusão

Do passado tem vezes que sou presa
E me pego absorto, revivendo
Como se bem ali tivesse vendo
Minha vida passando com clareza
A lembrança sentada numa mesa
Com Djalma e Solon ao violão
Mais a voz de Mimosa na canção
Dando provas de seu gogó divino
A saudade parou no meu destino
E o futuro ficou na ilusão

No horizonte o ocaso enrubescido
Vendo o sol sonolento se esconder
Na Igreja um anjo a bendizer
Uma ave-maria enternecido
A moçada guiada por Cupido
Para a praça acorria em profusão
E no clube de Eli e João Mamão
A vitrola a tocar Gesùbambino
A saudade parou no meu destino
E o futuro ficou na ilusão

Nas paragens vernáculas de Teixeira
Donde vê-se a montanha potentosa
A minh'alma se queda, assim, saudosa
Quando o meu coração abre a porteira
As lembranças vestidas de poeira
Se sacodem na noite de São João
A quadrilha marcada no salão
Pelo nobre Ananias de Seu Nino
A saudade parou no meu destino
E o futuro ficou na ilusão

Uma pedra no meio do caminho
Onde um galo acordava o novo dia
Explodiram naquela manhã fria
O progresso a teria como espinho
Ao rumar por ali para Brejinho
Vão da noite, umbral da escuridão
Vejo alguém tateando pelo chão
Cada seixo daquele desatino
A saudade parou no meu destino
E o futuro ficou na ilusão

Quando avisto essas plásticas paisagens
Com os seus elementos naturais
Penso às vezes que as pedras são bem mais
Do que seres sem vida, sem linhagens
Na verdade, elas usam de linguagens
Que só louco ou poeta entenderão
Ah, que falta de estar com Domingão
A falar do escudo cristalino!
A saudade parou no meu destino
E o futuro ficou na ilusão

Martim Assueros, abril/2024
(no mote de Adeildo Nunes)

Trilogia para uma pedra na Serra do Teixeira

Pra quem olha da Pedra do Tendó
A imponente paisagem se derrama
Singular feito as obras do deus Brama
Mais bonita que as telas de Miró
Tão suave qual véu feito em filó
Que o chão da caatinga azuleja
Não há mesmo ninguém que um dia a veja
E não fique absorto, extasiado
Jamais ouse morrer sem ter mirado
Esta quase miragem sertaneja.

Esta rocha aflorou planície acima
Numa encosta da Serra do Teixeira
Pra quem olha do topo, da cimeira
O fulgor da mais nobre obra prima
Um espectro de luz vibrante e fina
Qual safira em um quadro rococó
Tão macia qual trilha de trenó
Calmaria em pleno alto-mar
Nunca morra sem antes contemplar
A paisagem da Pedra do Tendó

Do Tendó, o jardim do paraíso
Aos meus olhos, à frente da escarpa
Na minha alma o soar de uma harpa
Harpejando seu toque mais preciso
O azul da Espinharas sintetizo
Na mais linda visão que já tivera
Esse azul que de cima reverbera
Sensações de extrema alegria
Se morresse sem vê-la voltaria
Pra que a vida não fosse uma quimera

Martim Assueros

 

Imagem: Destino Paraíba/Imprensa/Calendário de Eventos, 26-9-2019
https://www.destinoparaiba.pb.gov.br/agenda/pedra-do-tendo-em-teixeira-recebe-a-quarta-etapa-da-rota-cultural-som-nas-pedras-neste-sabado-28/

Chuva sertaneja

A centelha de Deus no oriente
Que precede uma voz grave e ruidosa
É prenúncio da época chuvosa
Que traz vida a cada ser vivente
Faz brotar e vingar cada semente
Embalada nos braços deste chão
Amanhã, a fartura de feijão
Jerimum, milho verde e melancia
O nordeste se enche de alegria
Com a chegada da chuva no sertão

O anum-preto cedinho anunciou
Que a invernada rondava a vizinhança
E fizera com o tempo uma aliança
Para encher cada açude que secou
As cacimbas que outrora se cavou
E os riachos e rios sem vazão
Pois não é que conforme a previsão
Tudo isso de fato ocorreria?
O nordeste se enche de alegria
Com a chegada da chuva no sertão

O bornal preparado pro plantio
A enxada nas costas do meu pai
Minha mãe, logo atrás, não se abstrai
Das tarefas que em casa preteriu
Logo à frente o roçado lavradio
Ansioso esperando cada grão
Pois à noite foi só sofreguidão
Bebeu água até mais do que devia
O nordeste se enche de alegria
Com a chegada da chuva no sertão

Se um dia alguém lhe perguntar
O que mais satisfaz o sertanejo?
Lhe responda assim, sem pestanejo
Sem um único medo de errar
É chegar no roçado e encontrar
A lavoura florada em botão
O açude sangrando em borbotão
E do lado da casa alguma cria
O nordeste se enche de alegria
Com a chegada da chuva no sertão

Quase nada de coco em catolé
No angico a resina muito pouca
Cupim gordo deixando a planta oca
Na colmeia mel pela chaminé
São sinais – que aqui todos dão fé
De que agora os céus se abrirão
E as águas enfim expulsarão
Essa seca que arde o nosso dia
O nordeste se enche de alegria
Com a chegada da chuva no sertão

Tudo aqui, de repente, explode em cores
Em aromas, sabores, plena vida
A paisagem agradece enverdecida
Exibindo feliz as suas flores
Passarinhos cantando seus amores
Vejam lá um concriz, corrupião
No jardim que floresce no oitão
Borboletas colorem a folia
O nordeste se enche de alegria
Com a chegada da chuva no sertão

Martim Assueros
(no mote de Adeildo Nunes)

Imagem: Chico Sá – El Pais, 25 de fevereiro de 2018

Dia Internacional da Mulher

Dia de reafirmar
a luta junto a mulher,
de justiça e igualdade,
respeito, paz, liberdade
e tudo mais que quiser.
Só depois disso uma rosa,
poesia em vez de prosa
e um jantar à luz de vela.
Com direito a uma dança,
uns goles de esperança
e um beijo de novela.

Martim Assueros
8/3/2024

À minha companheira Graça, às mulheres da família e mulheres de todo o mundo.

Imagem: AFBNB, 06/03/2020

Tio Sam morde e assopra

 

 

 

 

 

 

O governo morde e assopra
do alto, lança comida,
de onde antes lançava
terror e vida abatida.
Como nos diz a razão,
o pacto com o cramulhão
é dos dois, e não de um só.
Na verdade o Tio Sam
é como se fosse um clã
descendente de Jacó.

Martim Assueros
3/3/2024

 

Imagem: Palestinos correm para pegar alimentos jogados no ar (Foto: AFP) – Por Correio Braziliense / Diário de Pernambuco, 3/3/2024.