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Plataforma #ChegaDeAgrotóxicos é lançada no Brasil

Por #ChegaDeAgrotóxicos
Construído por diversas organizações, site explica ameaças de retrocessos na legislação de agrotóxicos e coleta assinaturas para pressionar pela Política de Redução de Agrotóxicos.
Foi lançada nesta quinta-feira (16) a plataforma online #ChegaDeAgrotóxicos. A ferramenta é uma estratégia de mobilização da sociedade na luta contra os retrocessos que podem colocar ainda mais venenos na mesas da famílias brasileiras.
Preocupadas com o chamado Pacote do Veneno – uma série de medidas que visam liberar ainda mais o uso de agrotóxicos no Brasil –, diversas organizações da sociedade se juntaram para construir a plataforma #ChegaDeAgrotóxicos. O site recolhe assinaturas contrárias ao Projeto de Lei 6299/2002, do agora ministro da agricultura Blairo Maggi, e divulga informações sobre os riscos dos agrotóxicos.
Carla Bueno, da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, explica o objetivo deste movimento: “Queremos alertar a sociedade para o enorme risco que estamos correndo caso o Pacote do Veneno seja aprovado. Nossa proposta é a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNaRA), que é composta por uma série de medidas que restringem os agrotóxicos e podem nos livrar do posto de maior consumidor de venenos do mundo”.
A PNaRA foi construída há mais de dois anos, numa parceria entre a sociedade civil e o governo, no contexto da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica. Na época não pôde ser implementada pois foi vetada pelos ruralistas. Entre as medidas contidas na PNaRA, estão o fim das isenções fiscais para agrotóxicos, e a criação de zonas livres de agrotóxicos e transgênicos para incentivar a agroecologia no Brasil.
“O agronegócio, além de ser 100% dependente do uso de agrotóxicos, representa um grande entrave para o desenvolvimento da agroecologia e a produção de alimentos saudáveis. É preciso dar um basta nos ruralistas, e iniciar uma transição do modelo de produção agrícola em nosso país e para isso a Reforma Agrária se coloca na ordem do dia”, afirma Carla.
Projetos de Lei
As assinaturas recolhidas no site chegadeagrotoxicos.org.br irão servir como pressão para barrar o Projeto de Lei 6299/2002. Nele, há uma proposta de revogação da atual lei de agrotóxicos, e a criação de uma lei de “defensivos fitossanitários”, que acabaria inclusive com o nome “agrotóxico”. Desta forma, todo o perigo representado por estas substâncias ficaria oculto. Além disso, o texto abre brechas para aprovação de novas substâncias que provocam câncer, mutação genética e má-formação fetal.
Ao mesmo tempo, o conjunto de organizações que lançou a plataforma pretende apoiar a aprovação do Projeto de Lei 6670/2016, que institui a PNaRA. O projeto é uma iniciativa da sociedade civil, que propõe mais de 100 medidas para reduzir os agrotóxicos no Brasil.
A plataforma #ChegaDeAgrotóxicos é assinada pela Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Greenpeace, Associação Brasileira de Saúde Coletiva, Associação Brasileira de Agroecologia, Articulação Nacional de Agroecologia, Aliança Pela Alimentação Saudável, Aliança de Controle do Tabagismo, Central Única dos Trabalhadores, Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, FIAN Brasil, Fiocruz, Fórum Brasileiro de Segurança e Soberania Alimentar, Idec, Slow Food e Via Campesina.
Acesse o site: http://www.chegadeagrotoxicos.org.br/

Mentiras ditas com seriedade sobre os moradores do Horto Florestal

Na edição de domingo (13) do corrente mês, o presidente do Jardim Botânico, com a habilidade do economista bem-sucedido na imprensa, na essência jornalista do jornal O Globo, procura responsabilizar as vítimas, os moradores do Horto Florestal, pela violência cometida às ordens de um juiz, data vênia, juridicamente equivocado, mas diretamente praticada pela Polícia Militar do Rio de Janeiro, com tiros de balas de borracha, com tiros de bala mesmo, dessas que matam, felizmente ainda para o ar, bombas de gás de pimenta e de gás lacrimogêneo. Em suma, com o agressivo e costumeiro aparato policial. Tudo isso contra moradores simples, pacíficos e desarmados.
Pois o Sr. Besserman, desprezando-se a si mesmo e à sua respeitável tradição intelectual, repetiu no infamante artigo, em má hora escrito, todas as tradicionais mentiras desde muito tempo assacadas pela embestada vizinhança contra a comunidade, sempre apoiada pelo também vizinho, por claras razões sociopolíticas, pelo patrão do articulista, o jornal O Globo.
Mas saibam todos que o artigo, certamente por descuido e má informação do articulista, é mentiroso, cruelmente mentiroso.
Os moradores do Horto Florestal, na verdade, sempre lutaram pacificamente por seus direitos fundamentais, principalmente o direito de ficar na terra que historicamente lhes pertence, ou porque a adquiriram por usucapião, por tratar-se de terra dominical (Constituição Federal, art 183 § 1º), ou porque, como já reconheceu a Secretaria de Patrimônio da União (SPU), faz jus à concessão real de uso.
Mais cuidado, Sr. Besserman, ao cuidar dos interesses do Horto Florestal. Não lhe fica bem defender velhas e desmoralizadas mentiras.
Ao povo leitor fica a certeza de que saberá repudiar tais mentiras venham elas de quaisquer partes, inclusive as eruditas, embora mal informadas, diga-se em homenagem ao passado do autor.
Enfim, todo apoio à justa resistência dos moradores do Horto Florestal.
(*) Miguel Baldez é Procurador aposentado do estado do Rio de Janeiro e assessor de movimentos populares.

PACS: 30 Anos de luta pelo fim da opressão no Cone Sul

Marcos Arruda, fundador do PACS. Foto: Comunicação PACS

Para comemorar os 30 anos de luta do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS), ocorreu na tarde de hoje (09/11), no Sindicato dos Petroleiros do Estado do Rio de Janeiro (Sinpetro-RJ), a primeira mesa de debates para resgatar a trajetória da organização e analisar a atual conjuntura política. Foi feito um balanço crítico das políticas de desenvolvimento do pós-guerra aos dias atuais. O PACS presta assessoria a movimentos e populações afetadas por grandes projetos, e trabalha pela emancipação individual e coletiva mediante práticas solidárias e autogestionárias rumo a um desenvolvimento alternativo centrado na vida.
Dando a saudação aos participantes, Sandra Quintela, coordenadora geral do projeto, afirmou que o PACS chega aos 30 anos com uma equipe fortalecida, jovem e competente num contexto desafiador: golpe, estado de exceção, recrudescimento das forças repressoras, criminalização dos movimentos sociais, dentre outros elementos, tendo a invasão da Escola Florestan Fernandes do MST como um sinal nesse sentido. Por outro lado, segundo ela, tem uma juventude ocupando tudo resignificando e oxigenando o cenário.
“Estamos sofrendo esse retrocesso brutal hoje. Pensando nos novos sujeitos sociais e instrumentos de transformação, temos certeza do protagonismo das mulheres na luta e política de resistência, a juventude que sempre esteve presente na história brasileira, e os indígenas e populações tradicionais na luta territorial, assim como as populações atingidas pelos grandes projetos. É muito importante pensar nesses atores, na recriação das lutas. Essa é a esperança de renovação”, disse.
Fundador da organização e atual presidente, o economista e educador Marcos Arruda, ressaltou a importância de defender o sentimento de amor à vida para combater a repressão e as catástrofes. Arruda participou na semana passada do Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social e ouviu relatos apresentando uma real depressão e sofrimento permanente de perdas de direitos e territórios de diversos povos em todo o Brasil. A mudança climática, , é outro elemento necessário para luta social junto ao cuidado da mãe terra.
“Temos uma visão muito imediatista, podemos desaparecer pela nossa idiotice de gerir o mundo. E hoje vivemos um golpe institucional corporativo e judiciário, que está retirando a liberdade conquistada há 30 anos. Daí o nosso dever de trazer um sopro de esperança frente a esse poder usurpador”, afirmou.
Arruda ressaltou que há 30 anos o PACS vem desenvolvendo uma educação popular através da unidade na diversidade, e que sempre pautou a questão da dívida pública. “Não só pelo viés financeiro, os credores são os povos, daí a necessidade de uma auditoria de uma dívida ilegal e injusta. Realizamos várias oficinas de economia solidária nos Fóruns, que são proposta de saídas por fora do estado dando poder político, econômico, social, cultural, ambiental e espiritual de baixo para cima. Já temos experiências práticas, o novo impulso já está sendo construído dentro do velho com novas relações. Uma cidadania ativa planetária, que precisa conquistar espaços no campo de governança global”, afirmou.
Capitalismo e Mercado Financeiro
Virginia Fontes, historiadora da UFF. Foto: Comunicação PACS.

O capitalismo é uma maneira de extrair valores de trabalhadores formalmente livres, e estes não percebem o tempo que trabalham para a sua vida e a para o capital, disse Virginia Fontes, historiadora da UFF, especialista em marxismo. Para ela, vivemos hoje o ápice do capitalismo em escala mundial. Ao fazer uma retrospectiva histórica, lembrou que da metade do último século para os dias de hoje houve um processo de expropriação massivo dos trabalhadores do campo em que mais da metade dessa população migrou para o emio urbano. O aumento brutal de trabalhadores nas cidades era o capitalismo exigindo mão de obra e os bens comuns, explicou.
“Nesse contexto forma-se as burguesias fora do centro mundial, como no Brasil. A associação com grandes proprietários e grandes empresas externas querendo enriquecer como os ricos de outros países, daí que vem o golpe para garantir seus lucros e a exploração dos trabalhadores. Retiram direitos sociais e privatizam os bens comuns,”, destacou.
O papel da mídia nesse contexto, segundo ela, é fundamental na educação e domesticação da população pelo capital. “Quanto mais o capital concentra mais ele precisa se espalhar: a única coisa democrática no capitalismo é a dívida pública. O Estado está comprometido para que aquela força de trabalho seja garantida nos próximos anos. Para que o capitalismo se reproduza precisa extrair valor, por isso temos como enfrentá-lo. Impõem um padrão de subordinação do trabalho ao capital como se ele não existisse. Não são efeitos novos, só estão em escalas muito maiores com o deslocamento das forças produtivas. Vamos ter de reaprender a fazer o capital não lucrar. Vai tudo piorar, há uma autorização para truculência a nível mundial”, alertou.
Para entender melhor o funcionamento do capitalismo contemporâneo, a economista Beverly Keene, que milita pelos direitos humanos e contra a dívida na América Latina e Caribe, lembrou como surgiu o mercado financeiro. Ao retornar à década de 1960, época em que havia movimentos de contestação ao status quo e às regras estabelecidas pelos vencedores da guerra, ela lembrou que em paralelo ao crescimento da noção dos direitos houve uma mudança na arquitetura econômica mundial. Se por um lado foi criada a Declaração Universal dos Direitos Humanos e havia um processo de descolonização de nações, por outro surgia uma visão de desenvolvimento que foi endividando os povos e os subordinando ao mercado.
“Com a preocupação em como pagar esse desenvolvimento foram garantidas dívidas para o futuro, numa época em que não havia computadores e cartões de créditos ainda e os valores da moeda eram mais ou menos fixos e acordados. Então surge uma nova arquitetura financeira mundial com um mercado de compra e venda do capital. Mercados fictícios para extrair valor, pura especulação financeira, que vem crescendo enormemente desde então. O resultado é que a cada dia a riqueza é mais concentrada”, criticou.
Recentemente foi publicado um estudo atestando que 1% da população controla 50% da riqueza mundial, o que corresponde a aproximadamente 660 indivíduos e 147 corporações controlando a economia internacional. Esses dados foram apresentados pela militante, que acrescentou a informação de que perto de 45% do lucro do capitalismo vai para o mercado financeiro através de derivados, preços de futuros, operações de crédito, dentre outros instrumentos do capital.
“É a expansão da acumulação financeira vinculada ao endividamento dos países. Mas sempre tiveram várias formas de resistência na América Latina, de não pagar uma dívida ilegítima que não serve às suas populações. Não pagamos porque não devemos, e serve somente ao capital. Necessitamos de uma auditoria para pagar as dívidas sociais, ambientais e tantas outras criadas por essa dívida financeira. Precisamos confrontar essa arquitetura capitalista que explora os povos. Temos de criar as condições políticas para as alternativas possíveis já em curso”, finalizou.

Ocupações de escolas em debate no Rio de Janeiro

Foto: Arquivo evento.

A ocupação de escolas públicas do ensino médio no Rio de Janeiro foi tema do seminário Ocupar é Resistir realizado na última sexta-feira (04/11), no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, na Universidade Cândido Mendes (Iuperj/Ucam), no centro da cidade. O evento foi organizado pelos alunos da disciplina Métodos Quantitativos e Qualitativos de Pesquisa Social e contou com a participação de estudantes secundaristas, sindicalistas, professores da rede pública, universitários, dentre outros setores da sociedade.
De acordo com a professora Maria Lúcia Werneck, do Departamento de Economia (IE/UFRJ), o tema das ocupações esteve ausente nas mídias até a preocupação com as eleições por causa das zonas eleitorais. Graças às mídias sociais e alternativas a sociedade conseguiu acompanhar os relatos dos estudantes, criticou a professora. Para ela, os políticos em geral não sabem lidar com a situação e compreender os acontecimentos.
“Os estudantes estão nas ruas cada vez mais organizados desde 2013. Em maio tinha 76 escolas ocupadas no Rio e agora voltaram a partir do Paraná de forma ordeira e criativa. Este movimento ganhou força e um norte mais preciso, não estão mais descobrindo computadores e materiais didáticos empilhados, laboratórios fechados ou alimentos vencidos. Estão contra a PEC 241 e a reforma do ensino médio. A Secretária Executiva do MEC, Maria Helena Guimarães, disse que a ideia da medida provisória foi coroar o debate que ocorre no Brasil, mas os educadores e estudantes já se manifestaram diversas vezes contra”, disse.
O que o governo está prometendo, acrescentou a professora, não poderá ser cumprido porque a PEC 55 que chega ao Senado vai cortar os recursos para a educação durante 20 anos. As ocupações, segundo ela, são um fenômeno novo na política brasileira e expressam a demanda por voz e cidadania. “Há uma descrença nos meios tradicionais de decisão, o desejo de construir e viver novas formas de sociabilidade que superam o individualismo contemporâneo. Eles estão desenvolvendo o respeito à convivência, discutem temas de preconceitos, se apropriam de um espaço que por direito lhes pertence. Reivindicam compartilhar o processo de aprendizagem. É cheio de problemas, mas reitera a necessidade de compreendê-los. Muitos são carentes, sobretudo de projeto de vida. Confrontam a tradição autoritária e hierarquizante das elites do país”, concluiu.
A estudante Juliana Viana, da Associação dos Estudantes do Estado do Rio de Janeiro (Aerj), participou da ocupação no seu Colégio Estadual Professor Alfredo Balthazar da Silveira, em Magé, na Baixada Fluminense, e está apoiando a ocupação do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) em Duque de Caxias, onde estuda. Ela lembrou que as ocupações foram reprimidas desde o começo pela PM e pessoas que deveriam estar ao lado dos estudantes.
Auditório da Universidade Cândido Mendes, no centro do Rio. Foto: Arquivo evento.

“Questionamos o dinheiro que foi para as Olimpíadas, enquanto as escolas estão caindo aos pedaços e com falta de professor. O secretário de educação disse que os alunos precisavam entender a crise, e no dia seguinte foi dado R$ 1 bilhão para a Supervia. Não era questão de dinheiro, e sim prioridade. Durante os atos não fomos ouvidos, pelo contrário. No Palácio estava cheio de polícia, e os estudantes e professores foram agredidos. A primeira escola ocupada foi o Mendes, na ilha do Governador, e em seguida foram quase 80”, lembrou.
Nesse embate os estudantes conquistaram as eleições diretas para os diretores das escolas e a abolição da prova do Sistema de Avaliação das Escolas do Rio de Janeiro, dentre outras pautas do movimento. Agora estão ocupando as escolas federais contra a PEC 55: “Nos dividimos em comissões tomando conta do colégio desde a administração até a comida. Vai muito além de decorar datas e fórmulas, é um ensinamento que vai para a vida toda. Não somos preparados para a universidade pública, os próprios estudantes não se sentem capazes de passar no Enem. Com essa reformulação ficará ainda pior, o que está em jogo é o nosso futuro. Somos capazes de ocupar as escolas, e ninguém vai tirar o nosso direito de estudar”, afirmou.
Professores e sindicatos divididos
Assim como os estudantes encontram dificuldades, os professores e sindicalistas que apóiam o movimento também enfrentam desafios. De acordo com Luiz Guilherme, do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro (SEPE-RJ), é preciso desconstruir um modelo que não favorece o diálogo entre os estudantes e a participação deles nas decisões para o ensino. Para ele, os estudantes estão dando pistas sobre o que deve ser feito.
“Estão entrando no processo de consciência, de criar uma escola para a classe trabalhadora ainda que nos marcos formais. Nossa tarefa como professores é tentar aprender e se renovar com eles. As ocupações geraram muitos conflitos internos e externos, enfrentaram milícias e a máfia das merendas, além do conflito com a sociedade e a mídia que criminaliza e os invisibiliza. Houve tensão com o sindicato e as entidades estudantis tradicionais, que não conseguiram espaço nas ocupações. Estão buscando uma escola horizontal”, disse.
Para contextualizar as ocupações na conjuntura atual, Guilherme alertou para um ciclo liberal conservador que tem usado a expressão liberdade para calar os estudantes. A participação de setores empresariais, como a Fundação Lemann e o Instituto Ayrton Senna, nos rumos da educação brasileira é outra preocupação. “Um pacote do governo que vai recair sobre o funcionalismo público do Rio quase pedindo para os professores saírem para eles entrarem com as OSs (Organizações Sociais). O impeachment está virando uma ditadura, leis contra greve, tortura para desocupar escola, invasão a escola do MST, etc. Está em processo um estado de exceção com respaldo do STF. Os movimentos de ocupação estão impedindo o consenso, a esquerda foi varrida nas eleições e um salto organizativo é a atual tarefa”, disse.
À direita professora Maria Lúcia Werneck, do Departamento de Economia (IE/UFRJ). Foto: Arquivo Evento.

Dando aula em trinta turmas com mais de setecentos alunos, a professora de sociologia Rebeca Souza, da Secretaria de Estado e Educação (SEEDUC), acompanhou algumas ocupações. No Colégio Antônio Houaiss, no Méier, zona norte da cidade, onde dá aula, pôde entender melhor a organização dos jovens. Logo de cara se deparou com os seguintes cartazes: “Nós somos a revolução, Acabou o caô e Rebelar-se é justo”.
“Temos o desafio de aprender com a linguagem e prática dos estudantes. A greve dos professores foi planejada para 02 de março com o desafio de conversar com os alunos e professores, e foram realizados seminários à revelia dos coordenadores. Temos um sindicato fragmentado porque é proporcional, uns queriam lutar e outros conciliar. Nessa disputa interna os estudantes ocuparam o Mendes, na Ilha. Os professores estavam preocupados vendo reuniões de estudantes com muitos gritos e falas sobrepostas, mas eles foram avançando e melhorando a organização e senso de coletividade”, defendeu.
Nesse processo as divergências internas foram diminuindo e houve uma inversão de paradigma entre o educando e o educador, complementou a professora. Os estudantes mostraram na prática concepções de auto-gestão, o movimento vem desde 2013 e o governo dito de esquerda não teve condições de segurar as massas, acrescentou a professora que foi presa durante a Copa do Mundo, no Rio de Janeiro. “Aquela conjuntura já apontava a criminalização dos movimentos sociais. Apesar das diferenças de projetos entre os governos, o estado é muito mais amplo com fortes impactos do empresariado. Se aprofunda o conservadorismo, projeto político econômico que garante a acumulação do capital. As ocupações não estão sendo veiculadas, porque subvertem e demonstram que nem tudo está nas mãos desse bloco histórico. Os jovens nos ensinam a abandonar certos vícios do sindicalismo e dos partidos, há um abalo na lógica representativa: é uma nova pedagogia de luta”, finalizou.
Muitos estudantes não estão aderindo às ocupações, pois há uma cultura e lógica do individualismo
focado no calendário e no sucesso profissional com o enriquecimento. Este é o caso da escola da professora Erika Leonardo, do Departamento de Filosofia do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), no Maracanã, zona norte. Com uma tradição de apropriação dos espaços públicos pelo privado, ela critica vários pesquisadores que preferem utilizar recursos privados em laboratórios que acabam se tornando feudos na rede pública.
“Os alunos nunca se acharam donos do seu espaço trabalhando com materiais caros para criar patentes e lucros. Sempre foram de classe média, mas agora menos com as cotas. Esse pacote quer formar um trabalhador gerador de sua própria renda, o empreendedor. Importa o indivíduo com forte peso na avaliação dos alunos e professores. A Escola Sem Partido prega o fim do diálogo. Os alunos só pensam no discurso do sucesso material, de que não vale à pena ocupar pois não vão ganhar nada: só perder o semestre e o Enem”, criticou.
Esses alunos que criticam o movimento e só se preocupam com as metas avaliativas e o calendário não percebem que vão sofrer com as ameaças impostas à universidade pública, acrescentou. “Existe um desocupa individualista. Cresce também um moralismo, rotulando as ocupações como espaços de homosexualismo, drogas e sexo. Mas a ocupação dá um tchau ao privatismo dentro do público: inverte, desmonta a ideia de educação focada em entrar no mercado de trabalho para ficar rico. Até as coisas burocráticas do colégio eles aprenderam. É a revitalização do público”, encerrou.

Ato em apoio ao MST reúne mais de mil pessoas de 36 nacionalidades na ENFF

Ex-presidente Lula realiza fala em apoio ao MST em ato na Escola Nacional Florestan Fernandes / José Eduardo Bernardes

Por Júlia Dolce, do Brasil de Fato
A quadra da Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema, interior paulista, ficou tomada por movimentos populares no ato em solidariedade ao Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) neste sábado (5). A mobilização foi uma resposta à repressão truculenta da polícia, que na sexta-feira (4) demonstrou a criminalização da luta do movimento ao invadir a ENFF e realizar uma série de buscas por lideranças do MST.
A atividade contou também com a participação de políticos e parlamentares como o ex-presidente Lula, o Senador Lindbergh Farias e o Deputado Federal Ivan Valente (PSOL-SP), que realizaram falas em defesa do MST e contra a violação de direitos presente no contexto atual brasileiro. Entre as demais personalidades, movimentos populares, organizações e sindicatos presentes no ato estavam lideranças e representantes do Levante Popular da Juventude, da União Nacional dos Estudantes (UNE), do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP) e do Coletivo Democracia Corinthiana.
O evento contou também com representação internacional de organizações de 36 países, entre eles África do Sul, Egito, Gana, Índia, Síria, Tunísia, Venezuela, Cuba e Palestina – sendo que os representantes dos dois últimos países foram ovacionados pelo público. O ato teve início com intervenções artísticas musicais do MST e de representantes do Sindicato Nacional dos Metalúrgicos da África do Sul (NUMSA) e foi seguido por falas das lideranças.
Rosana Fernandes, integrante da Direção Nacional do MST e integrante da coordenação da ENFF, deu início a apresentação dos presentes. “Para muito mais do que prestar solidariedade, esse é o momento de dizer que a classe trabalhadora está viva. Nesse lugar simbólico reafirmamos nosso compromisso e afirmamos que estamos resistentes, esperançosos e solidários com a causa maior: a liberação da classe trabalhadora em todas as dimensões”.
Em sua fala, que encerrou a manifestação, o ex-presidente Lula destacou sua lembrança do velório de Florestan Fernandes e da presença da violência policial. “Eu lembro que no velório dele eu recebi a notícia do massacre da Vila Columbiária, 11 manifestantes do MST assassinados em Rondônia. Fomos lá ver o estrago que a polícia tinha feito. Eu sinceramente já acho que passou da hora da gente viajar pelo Brasil fazendo atos solidários às vítimas dessas desgraças”, afirmou.
Lula destacou também a importância da união dos movimentos populares no contexto político atual. “Eu vim aqui hoje para ser solidário e tentar discutir com vocês o que está acontecendo no Brasil, que é muito grave e eu não sei se já construímos uma teoria para entender. (…) Existe uma coisa estranha acontecendo no momento em que o Brasil cismou em ser protagonista internacional. Bem quando esse país aprendeu a empinar um pouco o pescoço de forma modesta e dizer “eu existo”, de dizer que temos uma dívida mais importante com os africanos, que não pode ser mensurada, e que não podemos olhar para a Europa sem olhar para a África”, disse.
“Nós já ganhamos e já perdemos, precisamos construir um movimento que seja capaz de unir todos e fazer uma proposta para o futuro do país nos próximos 20 ou 30 anos. Está na hora de construir algo mais sólido, não um partido, mas um movimento para restabelecer a democracia nesse país”, completou o ex-presidente.
O senador Lindbergh Farias iniciou seu discurso afirmando que também acredita na união dos movimentos populares. “Não acredito que esse seja um ato isolado, nós não estamos mais vivendo um Estado de Direito. Estão dando um novo golpe no país, um golpe continuado que usa a repressão a qualquer mobilização social, o ataque e a criminalização de movimentos sociais como o MST, a perseguição ao Lula. Temos uma justiça seletiva que persegue organizações e partidos populares. Este ato, mais do que de solidariedade, é um ato de coragem. Não vamos nos intimidar, vamos resistir à restauração do neoliberalismo”, afirmou.
Já o deputado federal Ivan Valente indignou-se, em sua fala, com a repressão imposta pela polícia. “Este ato e o que aconteceu ontem na ENFF é um momento muito sério da política brasileira, muita ousadia do conservadorismo brasileiro atacar um símbolo da resistência à ditadura militar e da reforma agrária, pular a cerca dando tiros aqui. Temos que dizer que não aceitamos repressão no Brasil, vamos lutar de cabeça erguida!”.
Jandyra Uehara, secretária nacional de políticas sociais e direitos humanos da Central Única dos Trabalhadores (CUT), também questionou o Estado de direito da democracia brasileira, defendendo a mobilização continuada dos movimentos populares. “ Estamos vivendo um Estado de exceção e não tenho dúvida de que temos que defender nossas organizações. Temos que ter solidariedade cotidiana e construção coletiva. O ato do convocado para o dia 10 é muito importante para dizer que não aceitamos esse retrocesso. Temos que ter uma agenda de luta, que seja um novembro vermelho. Nós estamos vivos e nós resistiremos”.
A presidenta afastada Dilma Rousseff foi uma das inúmeras pessoas e organizações que mandaram sua solidariedade ao MST depois do ocorrido de ontem. “É assustador que o retrocesso que vem ocorrendo no Brasil, iniciado com o Golpe, mantenha o perigoso curso de construção de um Estado de exceção no País. A invasão da Escola Nacional Florestan Fernandes, ligada ao MST, é um precedente grave. Não há porque admitir ações policiais repressivas que resultem em tiros e ameaças letais, ainda mais em uma escola. Tampouco é aceitável que se criminalize o MST. Não vamos ficar calados diante da banalização da violência do Estado contra quem quer que seja”, afirmou em nota.
O ato foi finalizado com falas de demais lideranças e a canção coletiva do hino do MST, que reverberou pela quadra ocupada.
Edição: Juliana Gonçalves

Livro analisa as remoções de favelas no Rio de Janeiro entre 2007 e 2011

Foto: Reprodução da arte da editora Renavan.

Alguns estudos e especialistas apontam a última década como o período em que mais pessoas foram removidas de suas moradias pelo poder público na cidade maravilhosa. As razões são variadas, tendo os grandes eventos, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, como carro chefe das justificativas. Em paralelo a esse processo, moradores afetados promoveram junto ao Núcleo de Habitação e Terras da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (NUTH) um movimento de resistência em diversos bairros da cidade.
Para resgatar essa memória e apresentar possibilidades aos desalojados, o professor de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Alexandre Mendes, que foi defensor público entre 2006 e 2011 atuando no NUTH, organizou o livro A resistência à remoção de favelas no Rio de Janeiro, publicado pela editora Revan, junto ao professor Giuseppe Cocco, da Escola de Serviço Social da UFRJ. Na obra ele reúne  uma entrevista com a moradora da comunidade Vila Autódromo, Dona Penha, e diversos artigos de atores sociais que vivenciaram esse processo. Aponta ainda as dificuldades enfrentadas dentro da defensoria para atuar junto aos movimentos e a péssima cobertura da mídia sobre o tema em apoio à prefeitura.
Na entrevista ao Fazendo Media, Mendes afirma que os despejos mais violentos foram promovidos para proteger uma ideia de propriedade pública totalmente desvinculada dos seus usos efetivos, e defende uma nova forma de gerenciar o espaço urbano das grandes metrópoles. “É preciso uma reinvenção total: nem a velha estatal burocratizada e ineficiente, nem as parcerias público-privadas, elitistas e exclusivistas. Por que não uma parceria público-comum?”, sugere o pesquisador. Para ele, é preciso ampliar a participação da sociedade na democracia e pensar numa cidade mais inclusiva.
Como surgiu a ideia de organizar este livro?
A ideia de organizar um livro sobre a luta contra as remoções de favelas a partir do trabalho jurídico realizado no Núcleo de Terras e Habitação surgiu de uma percepção que eu tinha, quando atuei como defensor público, entre 2006 e 2011, sobre a dificuldade de sistematização de um conjunto muito rico e importante de dados, relatos, experiências, impressões e estórias que atravessavam diariamente a Defensoria, mas que, em razão do excesso de trabalho, não podiam ser reunidos de uma forma mais coerente. Depois, fui percebendo que várias pessoas que participaram deste trabalho – estagiários, parceiros, ativistas, defensores públicos etc. – estavam estudando e pesquisando, na graduação ou pós-graduação de diversas universidades, os casos enfrentados naquele período, entre 2007 e 2011. A verdade é que todos nós ficamos muito impactados e marcados por todo o processo e utilizamos a escrita ou a pesquisa para falar um pouco sobre aquela experiência. Um terceiro ponto que motivou o livro é o reconhecimento da importância de resgatar a memória daqueles anos, não como um processo já finalizado ou preso no passado, mas como uma memória viva que pode ser útil nos conflitos e na leitura do presente. Então, eu e o Giuseppe Cocco, que havia coordenado uma pesquisa sobre o tema na UFRJ, nos reunimos e iniciamos o trabalho, que acabou durando dois anos.
O Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública é um dos poucos recursos de defesa dos moradores atingidos pelas remoções. Vocês enfrentaram desafios por lutar contra poderes econômicos e políticos fortes?
Lançamento do livro na Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro com debate envolvendo defensores públicos e moradores de comunidades. Foto: Arquivo do entrevistado.

Sim, inclusive por dentro da própria instituição. Por isso, o livro conta com uma seção que trata da luta que fizemos em 2011 para manter a autonomia do Núcleo depois de 04 anos de intensa atuação. Na verdade, já em 2010, ficamos sabendo que o nosso trabalho estava desagradando ao governo do Estado, principalmente após termos elaborado uma notificação internacional ao COI sobre o caso Vila Autódromo. O governo queria que todas as controvérsias ficassem no âmbito local, mas aqui já tínhamos percebido que não havia qualquer espaço de diálogo. Então, de janeiro a abril de 2011, sofremos um processo de desmonte da equipe e do trabalho realizado, que culminou em protestos públicos, manifestos e articulações em prol da independência do Núcleo e da Defensoria Pública. Naquele momento, as secretárias e estagiários tinham sido sumariamente demitidos e desligados de suas funções e nós, defensores, passamos a responder a processos disciplinares na corregedoria da instituição. As manifestações de repúdio à perseguição política foram organizadas e publicadas no livro e podemos hoje dizer que o resultado deste conflito público foi muito positivo, inclusive para a Defensoria. Depois de alguns anos bem instáveis, o Núcleo retomou o seu protagonismo e sua atuação, principalmente a partir do trabalho de novos coordenadores, como o defensor público João Helvécio. O processo foi bem tenso e dolorido, mas valeu a pena.
É possível apontar as regiões da cidade mais atingidas pelas remoções e dados estruturais sobre o tema?
Alguns estudos já foram realizados, com base em dados da própria prefeitura, indicando que cerca de 20.000 famílias foram removidas entre 2009 e 2013. A partir deles, podemos dizer que, se de um lado, as remoções se generalizaram na cidade como um todo, de outro, o local de destinação da população afetada é praticamente o mesmo: os conjuntos do Minha Casa Minha Vida da zona oeste, em Cosmos, Santa Cruz e Campo Grande. Com relação às razões apresentadas pela Prefeitura, encontramos a alegação de risco geológico e ambiental, as obras de infraestrutura (principalmente os BRTs), os despejos relacionados aos projetos de “revitalização” e promoção do turismo, como o Porto Maravilha, a implantação dos teleféricos nas favelas e os projetos reforma ligados à Copa e Olimpíadas.
“Pude fazer um estudo sobre a coerência umbilical entre os editoriais e notícias divulgados pelo O Globo e as estratégias adotadas pela Prefeitura”, critica Alexandre Mendes.

O livro, através dos casos jurídicos, abrange praticamente todos esses fatos e alegações e também mostra uma intensa luta para que os “grandes projetos” não servissem de fonte para violação dos direitos à cidade e à moradia. Em praticamente todos os casos percebemos que a luta não era só defensiva, mas também construtiva. As comunidades se organizam para se defender, mas também propor projetos que não são apenas viáveis, como são bem melhores que as intervenções propostas pelo poder público. É só ver que o plano popular de urbanização da Vila Autódromo demandava um investimento de R$ 20 milhões, e a proposta de remoção da Prefeitura acabou custando R$200 milhões aos cofres públicos, sendo muito inferior em todos os aspectos (democráticos, ambientais e urbanísticos). O fato é que todos nós pagamos para que um condomínio de alto padrão, com seu interesse exclusivista, expulsasse a Vila Autódromo de seu entorno.
Por que você utiliza a ideia de instituições comuns para compreender as remoções?
O conceito de instituições do comum me pareceu bem interessante para trabalhar quatro aspectos: primeiro, o fato de que as remoções acabam sendo o efeito de uma apropriação que ocorre através do regime jurídico tanto da propriedade pública, como da propriedade privada. Muitas vezes é até mais difícil confrontar o poder público, que se vale de prerrogativas ligadas a uma ideia abstrata de interesse público ou mesmo de inexistência da posse em propriedade pública. Diria, inclusive, que, no Rio de Janeiro, no período que trabalhamos, os despejos mais violentos e sumários foram aqueles promovidos para proteger uma ideia de propriedade pública totalmente desvinculada dos seus usos efetivos. Então, afirmar o comum, nesse caso, significa afirmar um autogoverno do espaço urbano, e dos seus usos, que possa fazer frente a este duplo mecanismo público-privado que gera sempre o mesmo efeito.
Segundo, as instituições do comum podem se referir justamente àquela riqueza de vida, relações e cultura que observamos no cotidiano da cidade e, em especial, nas favelas. Poderíamos pensar políticas públicas que partiriam diretamente dos territórios e de suas formas de organização, ou seja, políticas que seriam do comum? Um exemplo seria a luta da Rocinha a favor do saneamento básico em detrimento do teleférico, que pôde inclusive antever o que aconteceria no Alemão, onde foram gastos cerca de um bilhão de reais para que hoje nada funcione.
Terceiro, as instituições do comum poderiam ser uma forma de pensar uma radicalização democrática dos serviços públicos, que hoje estão todos concedidos a pessoas privadas. É preciso uma reinvenção total: nem a velha estatal burocratizada e ineficiente, nem as parcerias público-privadas, elitistas e exclusivistas. Por que não uma parceria público-comum? Ou seja, um processo de democratização dos serviços que nos permitiria governar democraticamente as atividades que são essenciais à vida na cidade. Parece uma utopia, mas essas experiências já acontecem e se mostram muito mais interessantes que o modelo estatal-privado que conhecemos.
Por último, o conceito nos permite imaginar formas de assessoria jurídica que não se limitam à atuação do tipo prestativo realizada pelo estado ou do tipo contratual realizada pelo mercado de advocacia. Nem a disciplina tediosa do estado, nem o controle permanente do mercado, já que em ambos os modelos ocorre um distanciamento com relação às dimensões mais vivas das lutas da cidade. Uma assessoria como instituição do comum seria atravessada por essa dinâmica viva e teria como elemento uma permanente cooperação em rede, que é criada e recriada no sabor dessas lutas. Ao realizar um movimento para fora do gabinete, ao potencializar o protagonismo dos jovens estagiários e inserir os moradores nos processos estratégicos de decisão, o Núcleo pôde experimentar essa produção do comum por dentro dos órgãos do estado. Mas existem outros exemplos que se deram por dentro da advocacia também, como a rede de advocacia ativista criada em Junho de 2013, democratizando a própria OAB-RJ. Nos dois casos, podemos observar instituições do comum sendo criadas através do questionamento do modelo estatal-privado de assessoria jurídica.
Agora que acabaram as grandes obras, principal justificativa das remoções, a tendência é interromper esse processo de deslocamentos dessas populações?
“Poderíamos pensar políticas públicas que partiriam diretamente dos territórios e de suas formas de organização, ou seja, políticas que seriam do comum”, defende o organizador do livro. Foto: Aquivo entrevistado.

É sempre difícil prever. A frente de expansão imobiliária na direção do maciço da Pedra Branca, onde se propõe o PEU das Vargens, é muito preocupante. Toda uma rede de pequenas comunidades agroecológicas, quilombos urbanos e bairros pobres pode ser afetada. Já quando estava no Núcleo ouvíamos dizer que as remoções ali poderiam atingir 5.000 famílias. Mas, de qualquer forma, podemos afirmar que, para além do problema quantitativo do número de pessoas removidas, existe o problema qualitativo de como conduzir os processos de resistência nos próximos anos. Hoje há uma rede bem interessante de moradores, coletivos territoriais, defensores, advogados, grupos universitários e midiativistas em atuação. O importante aqui, a meu ver, é construir esses espaços com autonomia a partir de uma ética de cooperação. Talvez, esse seja um dos problemas mais delicados e que se acentuou a partir da deterioração política iniciada em 2014. Além disso, há sempre o risco de isolamento dos grupos que atuam contra as remoções e estes precisam pensar, de forma permanente, na proliferação de suas lutas numa escala muito maior e mais complexa que é da própria metrópole.
Qual a sua opinião sobre a cobertura jornalística das remoções e de que forma isso pode influenciar positivo ou negativamente num processo?
Com certeza, a cobertura mais complicada sempre foi a do jornal O Globo. Em alguns momentos percebíamos que a relação com a Prefeitura era tão intensa e tão ágil que as reportagens pareciam ser feitas em conjunto. Como no Núcleo tínhamos o costume de arquivar todas as reportagens que saíam sobre os nossos casos, trabalho cuidadosamente organizado pela defensora Adriana Britto, pude fazer um estudo sobre a coerência umbilical entre os editoriais e notícias divulgados pelo O Globo e as estratégias adotadas pela Prefeitura. Este estudo também foi publicado no livro. Nesse mesmo tema, outro ponto que podemos destacar foi a participação de figuras políticas que são tradicionalmente ligadas à esquerda e que alimentavam essa linha editorial remocionista. Já em 2009, os secretários Jorge Bittar e Adilson Pires, ambos do PT, cunharam em O Globo, a ideia de “remoções democráticas”, que seriam diferentes das remoções do passado por “respeitarem os direitos dos moradores”. Este escandaloso conceito também foi divulgado e transmitido em alguns blogs e sites da chamada “mídia progressista”, que na verdade estava em parte comprometida com a sustentação do governo municipal. Por outro lado, uma ampla e potente rede de mídia contra as remoções se formou, principalmente, a partir de 2010. Naquele ano, os fatos mais alarmantes relacionados às remoções foram registrados nas comunidades da Restinga, Vila Harmonia e Vila Recreio II. Esta rede conseguiu, de forma bastante exitosa, colocar a crítica das remoções nas pautas da cidade.
Deseja acrescentar algo?
Sim. Gostaria de registrar e agradecer aos autores do livro: Adriana Britto, Alexandre Magalhães, Ana Carolina Brandão, Bruno Cava Rodrigues, Carolina Câmara Pires, Clarissa Naback, Cristiano Muller, Fatima Tardin, Ludmila Paiva, Diogo Justino, Juliana Kazan, Mariana Medeiros, Manuela Meireles, Miguel Baldez, Ricardo Nery Falbo, Maria Lucia de Pontes, Laura Alves, Elaine Jesus, Roberta Fraenkel, Marilia Farias, Eliete Costa Silva Jardim, Giuseppe Cocco, Penha e Rafael Soares Gonçalves e ex-estagiários do Núcleo de Terras e Habitação. Nossos três apoiadores administrativos: Josefa Reis, Vania Ornellas e Elpídio. E gostaria, principalmente, de registrar as comunidades cujos processos de resistência foram registrados no livro: Canal do Anil, Casarão Azul, Prazeres, Estradinha, Laboriaux, Metrô Mangueira, Parque Novo Recreio, Providência, Ocupação Gomes Freire 510, Comunidade Jacaré do papo amarelo feliz, Vila Autódromo, Indiana, Casarão Maracanã, Largo do Campinho, Ocupação Machado de Assis, ocupações da Rua do Livramento, Vila Recreio II, Vila Harmonia, Restinga, Pavão-Pavãozinho, Santa Marta, Rio das Pedras e Parque Columbia.

Estudantes do Paraná decidem em assembleia que ocupações continuam

A Assembleia Estadual das Escolas Ocupadas acontece no Colégio Estadual Loureiro Fernandes, localizado no bairro Juvevê, em Curitiba / Ednubia Ghisi

Por Ednubia Ghisi e Gibran Mendes, do Brasil de Fato
As ocupações nas escolas do Paraná continuam. Esta é a decisão de cerca de 600 estudantes de todo o Paraná, reunidos desde a manhã desta quarta-feira (26) no Colégio Estadual Loureiro Fernandes, localizado no bairro Juvevê, em Curitiba, na Assembleia Estadual das Escolas Ocupadas. A reunião decidirá os rumos do movimento secundarista para os próximos dias no estado.
Três propostas estão em votação na assembleia, que deve se estender até o final da tarde: a criação de uma lei que proíba a aplicação da Medida Provisória 746 no Paraná; garantia de anistia a cada estudante e professor que está ocupando as escolas, para que não haja perseguição e a convocação de uma conferência dos estudantes para discutir a reforma do ensino médio.
“Já é um movimento vitorioso, de participação dos estudantes, amplo, plural e democrático. Nenhuma entidade decide nada. Quem decide são os estudantes que ocupam as escolas”, afirma Matheus dos Santos, presidente da União Paranaense dos Estudantes Secundaristas (Upes).
Durante o credenciamento, na parte da manhã, estudantes relataram o clima de tensão que tem se estabelecido em algumas escolas da capital e do interior.
“Não está fácil, estamos com pouca comida e pouca ajuda. Os pais fizeram uma reunião com o Núcleo Regional de Educação para acabar com o movimento, mas nós só sairemos com reintegração de posse”, garante Herikles Rafael, de 16 anos, do Colégio Estadual Presidente Costa e Silva, de Medianeira, região Oeste do Paraná.
Resistência
As ocupações de escolas contra as medidas anunciadas pelo governo federal iniciaram no Paraná na noite do dia 3 de outubro, quando aproximadamente 200 alunos ocuparam o Colégio Estadual Padre Arnaldo Jansen, em São José dos Pinhais, na região Metropolitana de Curitiba.
Após 23 dias de ocupações, que se espalharam pelo estado e pelo pais, o movimento Ocupa Paraná, composto por secundaristas, calcula 800 escolas, 14 campi de universidade e 3 Núcleos Regionais de Educação ocupados no Paraná.
Na tarde de segunda-feira (24), o adolescente Lucas Eduardo Araújo Mota, de 16 anos, foi encontrado morto nas dependências do Colégio Estadual Santa Felicidade, Safel, no bairro Santa Felicidade, em Curitiba.
O suposto autor do crime, conforme indicou Wagner Mesquita, secretário de Segurança do Paraná, tem 17 anos e também é aluno da escola. Os colegas teriam se desentendido após consumo de “droga sintética”.
O incidente gerou manifestações em repúdio às ocupações por parte de grupos como o Movimento Brasil Livre (MBL) e incentivou pedidos de reintegrações de posse, alguns deles revertidos de acordo com a Upes.
“Foi um fato isolado que espantou e entristeceu todos nós. Por isso repudiamos qualquer pessoa ou organização que tente utilizar a morte do Lucas para desmoralizar e deslegitimar o movimento das ocupações”, diz Matheus dos Santos.
O defensor público Ricardo Menezes da Silva foi ao Colégio explicar aos estudantes o papel da Defensoria e as ações que a instituição vem cumprindo ao longo dos dias de ocupações. “Em alguns casos a Defensoria representa os alunos em processos judiciais e, em outros, ela intervém como terceiro interessado na proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes”, explica o defensor.
Ainda de acordo com Menezes, a Defensoria tem solicitado ao poder Judiciário que abra diálogo entre as partes. “A posição [da Defensoria Pública] é a de que os direitos dos adolescentes e crianças de participar da vida política do país deve ser respeitado”, afirma.
Diálogo
Para o Procurador de Justiça do Estado do Paraná e coordenador do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos, Dr. Olympio de Sá Sotto Maior Neto, que participa da assembçeia estudantil, a expectativa é de que a decisão do movimento ajude a superar o impasse do diálogo com o governo .
“Talvez seja possível garantir um espaço de assembleia permanente em cada estabelecimento ou em outro espaço em que os estudantes identifiquem como adequado, fazendo audiências publicas, convidando deputados federais que vão votar a MP, para que o movimento possa produzir resultados positivos nesse contexto”, avalia.
Também estão presentes no local representantes da Comissão de Direitos Humanos e da Comissão Especial da Criança e do Adolescente da OAB.
Edição: Camilla Hoshino

Em Haia, Tribunal internacional faz 'julgamento moral' da multinacional Monsanto

Durante três dias, cinco juízes ouviram 30 depoimentos de pessoas prejudicadas pela Monsanto em tribunal popular realizado em Haia / Reprodução/ Facebook

Via Brasil de Fato,
Organizações da sociedade civil montaram um tribunal internacional que, na sexta-feira (14/10), iniciou um “julgamento moral” da gigante do agronegócio Monsanto. Realizado em Haia, cidade holandesa sede da Corte Internacional de Justiça da ONU, o tribunal não tem valor jurídico.O evento, chamado de Tribunal Monsanto, contou com o apoio de 200 organizações e teve a intenção de, pela primeira vez, julgar a multinacional por supostos prejuízos a pessoas e ao meio ambiente decorrentes de seus agrotóxicos e/ou sementes geneticamente modificadas.
Durante três dias, cinco juízes ouviram 30 depoimentos de vítimas e opiniões de especialistas de 15 países diferentes para emitirem uma opinião legal sobre o comportamento da Monsanto em seis aspectos: direito a um ambiente saudável, direito à saúde, direito ao alimento, liberdade de expressão e pesquisa acadêmica, cumplicidade em crimes de guerra (a Monsanto produziu o Agente Laranja, usado na guerra do Vietnã) e crime de “ecocídio”.
De acordo com os organizadores, a companhia promove um “modelo agroindustrial que contribui com pelo menos um terço das emissões globais de gases estufa, é largamente responsável pela depredação de recursos do solo e hídricos, extinção de espécies e declínio da biodiversidade, e o deslocamento de milhões de pequenos fazendeiros anualmente”.
“O tribunal dará uma opinião legal no dano ambiental e de saúde que supostamente foi causado pela multinacional. Ele também dará a pessoas ao redor do mundo um arquivo legal bastante embasado para ser usado em futuros processos contra a Monsanto e companhias químicas similares”, afirmou ao jornal britânico The Guardian uma porta-voz do Tribunal Monsanto.
O parecer dos juízes será divulgado em dezembro. A empresa foi convidada a se defender perante eles durante o julgamento, mas não compareceu.
Em carta aberta, a Monsanto classificou o evento como uma “encenação” e uma “farsa”, afirmando que ele teria sido organizado e apoiado por organizações de comida orgânica “que são fundamentalmente opostas à agricultura moderna”.
“Nós acolhemos uma construção genuína e construtiva com ideias e perspectivas diversas sobre comida e produção agrícola. [No entanto] este não é um verdadeiro diálogo. É um evento encenado, um julgamento paródico em que críticos antiagricultura, tecnologia e Monsanto interpretam os organizadores, juiz e júri, e onde o resultado é pré-determinado”, disse aoGuardian a diretora de Direitos Humanos da Monsanto, Martha Burmaster.
A Monsanto, que foi comprada pela empresa farmacêutica e de bioquímica Bayer em setembro, produz sementes geneticamente modificadas e agrotóxicos, como o glifosato — agrotóxico mais usado no Brasil, mas proibido em alguns países.

Destino da EBC e da comunicação pública em debate

Da esquerda para direita: Mauricio Stycer, Ricardo Melo, Tereza Cruvinel e Marina Amaral. Foto: Casa Pública.

“Para aonde vai a Empresa Pública de Comunicação”, esse foi o tema do último debate realizado pela Agência Pública de Reportagem e Jornalismo Investigativo. Recentemente o governo Temer exonerou o presidente da EBC e, por medida provisória (MP), alterou o estatuto da empresa promovendo diversas mudanças na comunicação pública. O evento ocorreu no último sábado (24/09), na sede da organização em Botafogo, na zona sul carioca, e contou com a participação dos ex-presidentes da EBC, os jornalistas Ricardo Melo e Tereza Cruvinel, além de Mauricio Stycer, crítico de TV na Folha de São Paulo e no portal UOL.
Após quase duas décadas e meia nas Organizações Globo, a jornalista e analista política Tereza Cruvinel foi presidente da EBC durante o governo Lula e se dedicou à construção da TV Brasil. Voltou a escrever no Correio Brasiliense, chegou a passar pela Rede TV, e hoje é colunista do portal Brasil 247. Segundo ela, a comunicação pública no Brasil é tardia e com pouca qualidade por conta do patrimonialismo, a falta de limites entre o público e o privado: os empresários da comunicação sempre se relacionaram com os meios para influir poder e controle da opinião.
Tereza Cruvinel, ex-presidente da EBC, falando sobre a trajetória da comunicação pública no Brasil. Foto: Casa Pública.

Ao relembrar o início da televisão no Brasil, ela voltou à década de 1950 quando o então presidente Getúlio Vargas pensou uma rede de televisão chamada TV Nacional. Nesse período aparece os Diários Associados de Assis Chateaubriand, que havia o combatido no Estado Novo, mas na campanha de 50 lhe trouxe à tona novamente com a entrevista de Samuel Wainer: “Eu voltarei como líder de massas”, a histórica entrevista realizada em São Borja (RS).
“Com esse apoio Chateaubriand pede a concessão e vem a TV Tupi engavetando a TV Pública. Chateaubriand rompe e Samuel Wainer cria o jornal Última Hora para apoiar Getúlio, nisso tudo a comunicação pública dançou. Depois vem Juscelino criando um canal que hoje é a TV Nacional, que fez a cobertura da inauguração de Brasília. Não fez a expansão dessa rede por pressão do empresariado, e depois vem a ditadura e o nascimento das Organizações Globo. Optaram por TVs educativas estaduais, com as quais fizemos contratos de parcerias com a TV Brasil na minha gestão. Mas nos estados são individualizadas, não formam redes, cada uma é de um governador. Por conta desses vícios da nossa elite política e empresarial, não desenvolveu”, explicou.
Após passar pela Folha de São Paulo, SBT, Globo e Valor Econômico, dentre outros veículos, o jornalista Ricardo Melo assumiu a presidência da EBC. Foi indicado pela então presidenta Dilma Rousseff antes da votação do impeachment, e logo depois foi um dos primeiros cargos exonerados na gestão de Michel Temer. Segundo ele, nesse período foram nomeados na diretoria executiva quatro pessoas alinhadas ao novo governo inviabilizando sua gestão. Contratos de jornalistas e analistas, como Emir Sader e Luis Nassiff, dentre outros, além de programas de debates, foram cancelados.
Participação de conselheiros da EBC cassados durante o debate. Foto: Casa Pública

“Fizemos o máximo que dava, tendo em conta que o destino da empresa estava vinculado ao ambiente político. A questão da comunicação pública tem tudo a ver com o amadurecimento das democracias pelo mundo. A BBC está fazendo 95 anos, por exemplo, a comunicação pública tem que ser absorvida pela sociedade quando está amadurecida politicamente. Se isso não acontece democraticamente, não há espaço para ela. E no Brasil o modelo que temos é oligarca na produção com algumas famílias, e praticamente monopolista na opinião com raríssimas exceções”, disse Melo.
Para ele, a maioria das opiniões nos meios privados está de acordo com o interesse, bom humor, estado de espírito ou caráter do dono do veículo. O jornalista está muito preocupado com o que chama de retrocesso na democracia e no ambiente político em geral, ao citar exemplos de mudanças do novo governo nas leis trabalhistas e no sistema de saúde. Foi modificado por medida provisória (MP) no segundo dia do Temer o estatuto da empresa que garantia dois elementos centrais na EBC: o conselho curador com representantes da sociedade e o financiamento independente para promoção da radiodifusão pública, complementou.
“É para acabar com qualquer produção de liberdade de expressão e opinião, que seja desvinculada da máquina estatal. Disseram que ela estava sendo aparelhada, o que á uma mentira. Quando foi criada tinha 57% de funcionários de carreira, e hoje são 96% de concursados. Agora que estão aparelhando.Hoje a EBC tem R$ 2 bilhões e pouco parados na justiça e R$ 800 milhões retidos indevidamente pelo governo, inclusive pelos do PT, para fazer superávit primário deixando à mercê dos humores do governo. Essa medida provisória acaba com a comunicação pública, todos os poderes estão na mão do presidente”, criticou.
Audiência e comunicação pública
Mauricio Staycer, crítico de televisão na Folha de São Paulo e no UOL. Foto: Casa Pública

Para o jornalista Mauricio Stycer, crítico de televisão na Folha de São Paulo e no UOL , ficou bastante clara nessa transição de governo a importância da EBC. A empresa se tornou um alvo a ser combatido um pouco por causa dos seus vícios de origem, acrescentou. Segundo ele, o tema da audiência em relação às pesquisas do Ibope é complexo, porque a medição está ligada à publicidade dos mercados das TVs privadas.
“É feita para balizar valores de publicidade. A TV Brasil está sendo comparada às Tvs abertas, mas é muito complexo porque elas lutam pela sobrevivência baseadas nas audiências para ter seus recursos. É tacanha essa comparação, porque ela deve buscar públicos que não estão nas TVS comerciais. O peso tem de ser diferente, a programação depende de anunciantes para garantir algum programa. Quando a EBC começou a transmitir o futebol da série C, por exemplo, não interessa ao mercado mas teve jogos que bateu recorde de audiência. Sinalizou pra um vazio de um nicho a ser ocupado, e isso precisa ser enxergado”, explicou Stycer.
A TV Brasil sempre teve audiência baixa, mas se comparada à Rede TV, por exemplo, disse Tereza Cruvinel, está quase igual. E sempre que tem momentos de audiência de pico, complementou, nunca é dada uma nota na mídia sobre o assunto. Em sua gestão foi encomendada à Data Folha uma pesquisa, mas como a TV Brasil não tem uma rede própria nacional não dá para medir. A Anatel, exemplificou a jornalista, forneceu o canal 62 em São Paulo, que é impraticável, e houve um esforço de constituir uma Rede a partir das TVs estaduais que estão sujeitas aos governadores. Mas não foi possível, porque e o Ibope só mede a nível estadual, e a Sky e outras TVs a cabo não transmitem a Tv Brasil.
“Colocamos a televisão na parabólica, custava caro no satélite, e foi uma luta insana com as operadoras de TV a cabo para colocar a TV Brasil. Existimos com 4 canais próprios, mas o Lula não desapropriou canais nas cidades para dar a TV Brasil, então faltou canal. Com esse perfil de distribuição do seu produto não dá para medir, então contratei a Data Folha na parabólica e deu uma audiência surpreendente. Divulgamos para mídia e não saiu uma linha. Mesmo sendo alta ou baixa, audiência não é o objetivo primordial duma emissora pública e sim um espaço da pluralidade e complementaridade: palavras da nossa constituição”, destacou Cruvinel.
Jornalismo independente?
Visão geral do debate promovido pela Agência Pública: Foto: Casa Pública

A TV Brasil está sendo bombardeada porque se tornou vulnerável por conta de uma imagem negativa que lhe foi atribuída graças à sanha da mídia privada sempre apostando contra ela, criticou a ex-presidente da EBC. São muitas as matérias sobre o canal, e todas falando negativamente. Se não tem audiência e não concorre às verbas de publicidade, por que tanto ódio?,questionou a jornalista.
“Só pode ser essa coisa da elite empresarial brasileira do pensamento único com canais sacramentados para expressá-lo. Um grande pacto de elite. Falavam que era TV do Lula, aí a tática foi relegar a EBC à irrelevância. Depois tinha o Franklin Martins e eu como figuras imperdoáveis, porque saímos de posições importantes da mídia privada”, concluiu.
Todo jornalismo de TV prevê coisas básicas que estão nos manuais, como ser plural, isento, crítico, dentre outros elementos para dar qualidade às notícias, mas não basta ouvir os dois lados numa TV Pública, afirmou Ricardo Melo.É preciso ver o ambiente geral da mídia, levar em conta uma série de forças sociais, pessoas influentes, que muitas vezes representam grandes segmentos e não têm voz nos meios comerciais. Nesse processo de impeachment, por exemplo, artistas, sem terra, movimentos, dentre outros setores, não tinham espaço na mídia.
“Isso não significa que não fomos atrás de setores a favor do impeachment: FHC, Aécio, Tasso Jereissati, etc. Eles não foram, queriam deslegitimar a TV Brasil. Sua presença ia mostrar um espaço plural sem seleção partidária. Se comprometeram e depois deram as mais variadas desculpas. Mesmo assim tinha juristas dos dois lados, vários setores. Porque a Globo já faz isso de falar meia hora com um lado e dar um minuto pro outro”, afirmou.
A Agência Brasil, por exemplo, canal de notícias da EBC na internet, tem um papel que as pessoas não conseguem dimensionar, continuou Melo. Atende centenas de sites, inclusive da grande mídia, com notícias de credibilidade gratuitas. E foge da ditadura SP-RJ, imposta pela mídia comercial. “O que está sendo desmontada não é a EBC, é uma rede pública de comunicação muito maior que RJ e SP onde estão as mídias privadas e o dinheiro. A Agência Brasil teve matéria censurada, tenho medo de acontecer isso no rádio. No Amazonas e outros rincões o que dá é Radio Nacional, se não essas pessoas estariam completamente esquecidas e furtadas de saber o que está acontecendo. Isso tem que ser levado em conta, porque temos um sistema que transforma a opinião do Brasil em Rio e São Paulo”, ressaltou.
“A EBC precisa passar por um processo de discussão, tem apenas 8 anos, é uma criança. Tenho várias restrições pela sua constituição, tem muitos vícios de uma empresa estatal. Essa discussão é urgente, mas tem que ter audiências públicas, ir às universidades, movimentos sociais, é um processo amplo e não uma canetada de medida provisória. Precisa ser reformulada, mas num processo de discussão e num ambiente de democracia. A canetada é acabar com a comunicação pública no Brasil”, finalizou Ricardo Melo.