Imprensa x ditadura: “Folha” admite pecados mais graves ainda

Já que O Globo reconhece ter apoiado o golpe de 1964, vale lembrar que o Grupo Folha também fez sua  mea culpa  em fevereiro de 2011, quando comemorava o 90º aniversário.


Usou, contudo, o artifício de esconder tal admissão no meio de um quilométrico texto louvaminhas. Eu e todo mundo teríamos passado batidos, se a ombudsman não houvesse levantado a lebre em sua coluna dominical.

 

Alertado, fui atrás e encontrei a matéria em questão. Eis os trechos principais do artigo que escrevi em 27/02/2011: 

 

Assim a FT noticiou a morte do ‘Bacuri’,
bestialmente torturado durante 108 dias.
 

 

Suzana Singer, a ombudsman da Folha de S. Paulo, repreende o jornal por ter transformado a comemoração dos seus 90 anos de existência numa festa imodesta.

 

Eu usaria outro adjetivo para qualificar a imagem maquilada que Calibâ produziu de si mesmo para fins de efeméride, mas ombudsman que não doura a pílula deixa de ter seu mandato renovado pelo herdeirinho que manda e desmanda…

 

Sobre o caderno comemorativo, Singer diz algo interessante:

 

É verdade que o especial de 90 anos da Folha teve (…) a coragem de explicar o apoio do jornal ao golpe militar e o alinhamento da Folha da Tarde à repressão contra a luta armada. Trouxe também críticas duras feitas pelos ex-ombudsmans. Mas foram apenas notas dissonantes [grifo meu].

 

Sim, no meio da overdose de auê, passou despercebido o texto 90 anos em 9 atos, de Oscar Pilagallo, cuja principal função foi a de servir como uma espécie de álibi para quando alguém acusasse o jornal de não ter autocrítica.

 

Enfim, vale a pena conhecermos o que a Folha finalmente admite sobre seu passado — embora, claro, não tenha admitido  tudo, mas, tão somente, o que já havia sido inequivocamente estabelecido por seus críticos e não compensava continuar negando.

 

E, claro, devemos discutir — e muito! — a chocante revelação de que o Grupo Folha entregou um de seus jornais a porta-vozes de torturadores como alegada retaliação a um agrupamento de esquerda que teria se infiltrado na Redação.

 

Mancheteando a Marcha da
Família
 às vésperas do golpe
 

 

Folha apoiou o golpe militar de 1964, como praticamente toda a grande imprensa brasileira. Não participou da conspiração contra o presidente João Goulart, como fez o ‘Estado’, mas apoiou editorialmente a ditadura, limitando-se a veicular críticas raras e pontuais.

…O jornal submeteu-se à censura, acatando as proibições, ao contrário do que fizeram o ‘Estado’, a revista ‘Veja’ e o carioca ‘Jornal do Brasil’, que não aceitaram a imposição e enfrentaram a censura prévia, denunciando com artifícios editoriais a ação dos censores.

…A partir de 1969, a ‘Folha da Tarde’ alinhou-se ao esquema de repressão à luta armada, publicando manchetes que exaltavam as operações militares.

A entrega da Redação da ‘Folha da Tarde’ a jornalistas entusiasmados com a linha dura militar (vários deles eram policiais) foi uma reação da empresa à atuação clandestina, na Redação, de militantes da ALN (Ação Libertadora Nacional), de Carlos Marighella…

 

Em 1971, a ALN incendiou três veículos do jornal e ameaçou assassinar seus proprietários. Os atentados seriam uma reação ao apoio da ‘Folha da Tarde’ à repressão contra a luta armada.

 

Segundo relato depois divulgado por militantes presos na época, caminhonetes de entrega do jornal teriam sido usados por agentes da repressão, para acompanhar sob disfarce a movimentação de guerrilheiros. A direção da Folha sempre negou ter conhecimento do uso de seus carros para tais fins.

 

Vale destacarmos, ainda, o reconhecimento de que foi por sugestão da própria ditadura que a Folha de S. Paulo, em meados dos anos 70, passou a posicionar-se com mais independência em relação à ditadura! Seria cômico, se não fosse trágico…

Diaféria escreveu: “O povo urina nos heróis de pedestal”

 

No início de 1974, Octavio Frias de Oliveira, publisher da Folha, foi procurado por Golbery do Couto e Silva, futuro chefe da Casa Civil do governo de Ernesto Geisel, prestes a tomar posse.

…Golbery deixou claro que ao futuro governo não interessava ter um único jornal forte em São Paulo [ou seja, o novo governo favoreceria quem disputasse leitores com O Estado de S. Paulo].

…uma ampla reforma editorial foi concebida e executada (…) por [Cláudio] Abramo, que trabalhava na Folha desde 1965. As páginas 2 e 3 se tornaram espaços de opinião crítica. Passaram a fazer parte da equipe editorial colunistas renomados, como Paulo Francis e, mais tarde, Janio de Freitas.

A trajetória teve um desvio em 1977, quando, por pressão da linha dura do governo, Abramo foi afastado de seu cargo… .

 

Desvio? Foi, isto sim, um fim de linha. A  primavera da Folha  acabou no exato instante em que o jornal se vergou ao ultimato militar, quando do episódio  Lourenço Diaféria x estátua do Caxias (leia a crônica que tanto irritou os militares aqui), afastando Cláudio Abramo da direção de redação e o despachando para Londres, demitindo vários colaboradores e impondo evidentes restrições aos que ficaram.

 

Durante cerca de três anos, a Folha teve a cara do Abramo. A partir de 1977, passou a ter a carranca do Boris Casoy. E, depois, a do Otávio Frias Filho.

 

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