Ensaiando passos de uma utopia libertadora: o cotidiano como oficina de tecelagem

No ambiente da escola/universidade – O fato de predominarem largamente as incoerências e contradições no cotidiano escolar/universitário tende a agravar o desencanto e a fazer-nos esquecer cenas impregnadas de atitudes de uma densa carga utópica libertadora.

Testemunhos moleculares podemos, sim, encontrar, discretamente espalhados pelos espaços escolares/acadêmicos. Testemunhos moleculares pouco dados à visibilidade comum ou ao exercício de funções de mando. Com freqüência, os temos diante dos nossos olhos, e, contudo, graças a uma espécie de miopia interior, não nos damos conta, a não ser muito raramente e a muito custo.

Sem que bem nos apercebamos, quantas vezes ouvimos pedaços de histórias tocantes de situações envolvendo colegas, alunos, alunas, pessoas do quadro técnico- administrativo, e que passam ao largo de nossas viciadas antenas auditivas, sintonizadas, quase sempre, com fatos e situações envolvendo gente “graúda”, de quem tudo fazemos para estar perto, afinal, sem precisar dizê-lo, acostumamo-nos a nos “encostar em pau que dá sombra”…

O “problema” é que, geralmente, essas pessoas pouco ou nada aparecem; costumam fugir dos sedutores e disputados holofotes. Costumam ser parcimoniosas no falar, até porque, sem renunciarem ao uso da palavra, preferem dizer seu recado por gestos, por atitudes. Não bastasse tal estilo de portar-se, também não costumam apostar muito em palavras, a menos que sejam capazes de sinalizar em direção a uma prática correspondente.

As palavras valem o que valem. Razão por que relativizam as críticas mordazes e os aplausos fáceis; fazem ouvidos moucos aos auto-elogios e às palavras carregadas de duvidosa generosidade…

Pois bem, justamente aí vivem, não raro em quase anonimato, mulheres e homens que, sendo profissionais, e sem jamais abrirem mão de seus direitos, desempenham com paixão suas funções, com motivação que vai além do valor de sua remuneração. Realizam-se no e pelo trabalho, e se aplicam sinceramente na realização dos e das com quem partilham os desafios profissionais, sem abdicarem da crítica e da auto-crítica, em razão do que nunca fazem, nem esperam, a unanimidade. Preferem ir atrás do aristotélico Amicus Plato, sed magis amica Veritas. – “Platão é meu amigo, porém mais amiga ainda é a verdade”, a prestarem culto incondicional a quem quer que seja. Mais do que pessoas, perseguem causas, e, se seguem aquelas, o fazem enquanto revelam atitudes condizentes com as causas proclamadas.

Cada espaço desses comporta incontáveis cruzamentos e interfaces com outros espaços. Em cada um, e em todos entre si, cruzam-se os mais variados “fios” das relações do Cotidiano, portadores de horizonte utópico libertador. Um dos segredos de tal presença reside no fato de se sentirem pessoas inteiras. Se se acham em atividade em sala de aula. ali não se encontra apenas o/a aluno/a ou apenas o/a professor/a. Além de assumirem tal condição (docente/discente), mais em evidência, ao mesmo tempo, se sentem identificados, identificadas em sua condição cósmica, geracional/etária, de gênero, de classe, de etnia, de espacialidade, de ser em relação com o Sagrado, e assim por diante.

Fonte: http://rizomas.net/educacao-para-hoje-e-amanha/pensando-a-longo-prazo/172-ensaiando-passos-de-uma-utopia-libertadora-por-alder-calado.html

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