Por que a Reforma da ONU está paralisada?

Da esquerda para a direita: Paulo Esteves (IRI/PUC-Rio), Marcel Biato (assessoria especial de Política Externa da Presidência da República), Lord Hannay (ex-representante britânico na ONU), Mônica Herz (mediadora), Alain Dejammet (ex-representante da França na ONU) e Gelson Fonseca (diplomata brasileiro). Foto: UNIC-Rio.
Da esquerda para a direita: Paulo Esteves (IRI/PUC-Rio), Marcel Biato (assessoria especial de Política Externa da Presidência da República), Lord Hannay (ex-representante britânico na ONU), Mônica Herz (mediadora), Alain Dejammet (ex-representante da França na ONU) e Gelson Fonseca (diplomata brasileiro). Foto: UNIC-Rio.

Com o auditório lotado, ocorreu na noite do dias 18/03, na Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ), o seminário internacional “Por que a reforma da ONU está paralisada?”, com a participação de diplomatas brasileiros, franceses e britânicos para discutir o papel do Brasil na reforma das Nações Unidas. O debate foi promovido pelo Instituto de Relações Internacionais da PUC-RJ, com transmissão simultânea para diversas universidades no país e a participação de internautas enviando perguntas aos participantes.
Sob a mediação da professora Mônica Herz, o francês Alain Dejamair, ex-representante de seu país nas Nações Unidas, iniciou a atividade destacando que desde a guerra fria são feitas reuniões de cúpula na ONU para mudar a instituição. Em 1995 e 2000, foram traçados os grandes objetivos do milênio, mas com o atentado de 11 de setembro nos EUA a agenda dos chefes de estado mudou. Havia uma projeção do Conselho de Segurança, uma nova reflexão sobre os países desenvolvidos, mas a resposta foi insatisfatória, afirmou Alain. “Há uma rivalidade muito grande, precisamos deixar outros novos membros entrarem e alguns países não permitem. Hoje o G20 representa 90% do PIB mundial e há apenas um país dos africanos, isso mostra a reticência dos G5”, afirmou Dejamair.
“Estamos comemorando 20 anos do fim da guerra fria e não estamos numa nova ordem mundial, e sim uma desordem mundial com as ameaças de bomba nuclear, terrorismos, mudanças climáticas, insegurança alimentar e pobreza”, apontou o diplomata inglês, Lord David Hannay, que também foi representante do seu país na ONU. Na visão de Hannay, os esforços coletivos não estão sendo tão eficazes e a solução aparece no horizonte como uma miragem. O mais importante para ele é se criar um instrumento vinculativo que dê garantia na distribuição, com supervisão e verificação, bem como a transferência tecnológica e financeira entre os países mais e menos desenvolvidos.
A fim de apresentar as posições brasileiras sobre o Conselho da ONU, o integrante da assessoria especial de Política Externa da Presidência da República, Marcel Biato, primeiro ponderou que há alguns anos ocorre uma securitização da agenda internacional: “Talvez a agenda seja outra hoje que não pelo poder restritivo do monopólio do poder”, afirmou. A posição do Brasil, segundo Biato, é de que a ONU sofre de um anacronismo de representatividade; há irrelevância da organização frente à inoperatividade militar; é preciso mais transparência e democracia nas múltiplas instâncias; somam-se dificuldades para encontrar solução para questões cada vez mais interdependentes; etc. “O resultado é o risco de um desprestígio irreversível do Conselho”, concluiu Biato, que complementou afirmando ser “inevitável a participação do Brasil, que de desejável passou a ser necessária”.
No centro Lord Hannay com a palavra, ao lado esquerdo o embaixador brasileiro Marcel Biato e a professora Mônica Herz no canto direito. Foto: UNIC - Rio.

Com uma análise mais teórica, o embaixador Gelson Fonseca, que já esteve à frente da Missão do Brasil na ONU, descreveu alguns mecanismos da instituição e fez uma retrospectiva histórica. No ponto de vista do embaixador, certas peculiaridades do Conselho só se explicam porque ele foi criado com a distinção de países na vitória contra o nazismo, gerando uma legitimidade que ia um pouco contra o critério de igualdade da Assembléia Geral da ONU. Fonseca refletiu também sobre os tipos de negociação dentro das Nações Unidas, atribuindo dois mecanismos principais: as trocas específicas e as criações institucionais. Aquelas segundo interesses em vantagens específicas na troca de votos por lugares nos órgãos internos, e nestas a barganha se torna a limitação do poder e ampliação da participação na instituição. Essas técnicas tradicionais de defesa valem pouco no caso do Conselho de Segurança, disse Fonseca, porque os países querem exercer mais poder e não é viável certa quantidade de nações com o poder de veto. Exige-se um limite suficiente para uma participação efetiva, concluiu o diplomata, que apesar das ponderações considera inevitável uma reforma na ONU.
As ajudas humanitárias das Nações Unidas foi o tema abordado por Paulo Esteves, professor de relações internacionais da PUC-RJ. Uma reforma no setor humanitário vem ocorrendo desde 2005, afirmou, em que “há uma construção de mecanismos e processos transparentes que respondam às vítimas dos territórios“. O tripé segurança, desenvolvimento, e ajuda humanitária norteiam a instituição, segundo Paulo Esteves, e as principais demandas são: avaliação e mensuração dos resultados; instrumentalização das ONG’s, Cruz Vermelha e Nações Unidas; criação de um fundo em resposta às emergências; etc. Todas esses mecanismos devem ser dirigidos prioritariamente à agricultura, abrigos, saúde, educação e saneamento, destacou Arantes. Segundo o professor, desde 1993 surgiu um novo conceito de segurança humana, ao invés de nações, gerando uma nova prática que exige ações diretas nas causas primárias dos problemas a fim de prevení-los: o alívio das nações atingidas por catástrofes naturais e conflitos passa a não ser mais o eixo, e sim a prevenção, finalizou Arantes.
Auditório do Rio Datacentro, na PUC-Rio, lotado. Evento promovido pelo Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (IRI/PUC-Rio), com o apoio das Embaixadas do Reino Unido e da França e do Centro de Informação das Nações Unidas (UNIC-Rio). Foto: UNIC-Rio.

Muitas perguntas foram feitas aos debatedores ao final das explanações. Questionados sobre as soluções universais que são apresentadas pela ONU, os embaixadores europeus destacaram a necessidade de instrumentos que levem em consideração a história e a cultura dos países. “Os organismos tendem a impor mecanismos de economia liberal, é preciso conciliar os raciocínios políticos e jurídicos com as economias locais”, observou Dejammet. A entrada de países africanos na ONU, fruto do embate na Assembléia Geral em 2005, foi outra questão debatida: deveria entrar 4 países, segundo o embaixador francês, que atribuiu a eles a culpa de não chegarem a um consenso nas representações. E o inglês, por sua vez, compartilha a mesma visão e sugeriu uma fórmula de transição em que houvesse menos países permanentes na ONU e um sistema de rotatividade com mais nações participando provisoriamente.
A diplomacia brasileira foi questionada por dialogar com todos os lados, sem tomar posições contundentes que talvez sejam necessárias. Para o inglês Lord Hannay é correto dialogar e compreender diversos pontos de vista, “mas haverá questões difíceis. Ninguém se envolve no Oriente Médio, por exemplo, tomando parte dos dois lados. Há coisas a aprender no caminho, como fazer escolhas que não sejam do gosto popular”, ponderou o diplomata britânico.
"...nossa capacidade diplomática, sobretudo no continente, está comprovada", afirmou Gelson Fonseca, diplomata brasileiro. Foto: UNIC-Rio.

“O Brasil tem tendência à conciliação, a assimilar diferenças, nossa presença no mundo não é de poder e nossa capacidade diplomática, sobretudo no continente, está comprovada. Precisamos aprender a agir nessas regiões positivamente: o que chama atenção no mundo é a nossa diplomacia, nos EUA é a militar e na UE é a sociedade civil”, defendeu Gelson Fonseca.
“Segurança sem desenvolvimento não nos leva muito longe, só pode ser desenvolvida com base nos aspectos sociais e econômicos numa perspectiva preventiva”, declarou Marcel Biato, ao final da atividade. O embaixador brasileiro defende que a intervenção militar é a última opção, e levantou a hipótese de que as intervenções no Haiti podem ter contribuído para a precarização do país. Biato crê que o Brasil está preparado para entrar na ONU, tanto diplomaticamente quanto militarmente, além de financeiramente, mas pondera que o custo benefício não se restringe a essas questões. “O Brasil pode passar de um país que todo mundo gosta, para um país que está disposto a arcar com o ônus de tomar decisões desagradáveis. Queremos poder fazer as nossas experiências valer, fazendo reconfigurações nas Nações Unidas e na ordem internacional”, finalizou Biato.

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