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Mais pragmatismo, por favor

Três trágicos acontecimentos recentes poderiam talvez ter sido evitados caso a sociedade brasileira fosse mais pragmática e menos apaixonada, ideológica e preconceituosa no tratamento de certas questões, o que, é claro, influencia as decisões políticas no país.
O assassinato do comandante da UPP de Nova Brasília, no Complexo do Alemão, no Rio, é apenas mais um dentre os milhares que já aconteceram e que estão por vir nesta guerra estúpida contra as drogas. Morrem policiais e inocentes enquanto a própria polícia, empresários e políticos enriquecem com o tráfico de drogas e armas – este último diretamente associado ao primeiro, no caso de países pobres ou em desenvolvimento, como o Brasil.
São essas mesmas pessoas, que raramente são presas – já que o público se satisfaz com a execução de aviões e soldados do tráfico e a captura de gerentes do varejo, como Fernandinho Beiramar e afins –, que estão por trás de discursos moralistas que buscam inviabilizar qualquer discussão séria quanto à questão das drogas. Afinal, o quanto não perderiam de receita caso fossem legalizadas? Quantas ONGs e clínicas de reabilitação controladas por pastores evangélicos ou ambiciosos psiquiatras não perderiam seu monopólio no tratamento de usuários?
Outro caso lamentável é o da mulher que recorreu a uma clínica clandestina para realizar um aborto e que, até o momento, está desaparecida. Estima-se que quase um milhão de brasileiras abortem por ano no país. Muitas dessas pacientes, basicamente as mais pobres, morrem ou acabam recorrendo ao SUS após o processo, em função da precariedade do serviço prestado, gerando prejuízo anual de milhões aos cofres públicos. No entanto, o tema ainda é tabu e, principalmente devido à pressão de grupos religiosos, é evitado pelos principais candidatos à presidência da república nas atuais eleições, apesar da laicidade do Estado brasileiro.
A terceira situação que destaco é mais um forte indício de que é necessário que o país disponha de uma lei que criminalize a homofobia. Trata-se do incêndio criminoso de um centro de tradições gaúchas, no Rio Grande do Sul, onde seria promovida a cerimônia de casamento entre duas mulheres. Parafraseando a declaração feita por uma juíza na última semana, se há punição específica para aqueles que cometem atos racistas e de intolerância religiosa, por que não deveria haver no caso de agressão ou ofensa por conta da orientação sexual da vítima?
Estamos em 2014, com experiência o bastante para saber que a humanidade não vai parar de consumir drogas. Narcóticos sempre foram usados por homens e mulheres, seja litúrgica ou medicinalmente, sem contar que há registros científicos de animais que ingerem frutos com substâncias entorpecentes simplesmente para “curtir o barato”.
Tampouco as mulheres vão parar de abortar, quanto mais em uma sociedade em que ter filhos custa cada vez mais caro e que as coloca diante da difícil decisão de ser mãe ou profissional de sucesso. Isso para não falar no caso de grávidas que não teriam condições financeiras ou psicológicas de criar uma criança.
Também é um absurdo pensar que as relações homossexuais deixarão de existir em algum momento. Elas sempre ocorreram e, mais que isso, eram, em sociedades como a grega (berço intelectual da sociedade ocidental), tratadas de modo totalmente diferente, a ponto de filhos de famílias abastadas serem orientados por seus próprios pais a se iniciarem sexualmente com homens poderosos, a fim de ganhar prestígio e sabedoria.
E, para o desespero daqueles que maldosamente (ou por ignorância mesmo) associam a homossexualidade a uma suposta “sem-vergonhice” humana, esse tipo de relação entre os animais também está fartamente documentado na literatura científica. Surpreendentemente, nada disso pôs em risco a perpetuação de espécie alguma – certamente não mais do que a interferência humana.
Críticos exaltados gostam de dizer que são a favor da vida e da família, como vêm fazendo quase todos os candidatos nestas eleições. É um discurso estratégico, pois, ao mesmo tempo em que lhes dá um ar de bonzinhos e corretos, relega aqueles que se propõem a discutir a descriminalização/legalização das drogas e do aborto, ou que são a favor da união civil homossexual, a uma suposta condição de seres malévolos. É de um simplismo sem tamanho, mas que dá muita audiência, apesar do maniqueísmo barato.
Nossos governantes têm a obrigação de ao menos inserir essas pautas na agenda política do país, pois não podem fechar os olhos para as graves consequências de leis obsoletas que, hoje, sustentam-se mais por conta de interesses comerciais e religiosos do que por qualquer argumento lógico.
Quanto às bancadas radicais no Congresso, por que não se prestam a lançar iniciativas pró-ativas, a fazerem algo produtivo, em vez de se dedicarem exclusivamente a barrar propostas que, na prática, não lhes afetarão?
Aos que são contrários ao uso de drogas, ao aborto e à homossexualidade ou união civil gay, que tal não usarem drogas, não abortarem e não transarem ou se casarem com pessoas do mesmo sexo, deixando aqueles que o desejam em paz? #ficaadica

ASSUNTO DE POLÍCIA

Fiz vestibular em 2004. Lembro que havia uma questão de história que quase sempre caía nos simulados e cuja resposta correta era “Pobre no Brasil é assunto de polícia”.
Não me recordo da pergunta; imagino que fosse algo referente ao período da República Velha. A resposta, no entanto, nunca saiu da minha cabeça, não só porque era de uma franqueza sinistra, meio que politicamente incorreta, mas porque, desde então, não consigo deixar de notar como sua atualidade permanece.
Estamos em 2014 e vemos que, depois dos programas de bolsa-auxílio (família, escola, etc.) e o “Minha Casa, Minha vida”, do governo federal – cuja legitimidade e funcionalidade são discutíveis –, a política de governo mais badalada do momento são as Unidades de Polícia Pacificadora, no estado do Rio.
Que o projeto representa um avanço em relação ao que (não) era feito antes, isso é inquestionável. Afinal, antes um braço (ainda que armado) do Estado presente nas favelas que apenas traficantes fortemente armados.
Mas, no fim das contas, persiste a velha relação do Estado brasileiro com as camadas mais pobres da população via seu aparelho repressor, a saber a polícia militar, que, como está expresso em sua própria nomenclatura, consiste em um corpo militarizado treinado para enfrentar inimigos (não é por acaso que o batalhão de operações especiais da PM, o Bope, tem uma caveira como símbolo).
É claro que o que está acontecendo hoje no Rio de Janeiro – revoltas de moradores contra abusos e até assassinatos cometidos por policiais das UPPs – seria uma questão de tempo caso o Estado não entrasse nas comunidades com os serviços básicos que tem a obrigação de oferecer a todos os cidadãos, sejam ou não favelados.
De outra maneira, não há processo de inserção social possível; as condições de vida dessas pessoas não melhoram e, para piorar, elas ficam sob controle de uma instituição militar que, mesmo que não protagonizasse casos de má-conduta e corrupção, ainda assim não seria o órgão estatal adequado para governar a vida dos moradores.
Ontem, 22 de abril, data que marca o 514º ano do descobrimento do Brasil, ocorreu mais uma revolta, desta vez no complexo do Pavão-Pavãozinho, contra policiais da UPP instalada na comunidade. Eles são acusados de matar um rapaz que teria ido à comunidade visitar seu filho e que, para “desespero” das autoridades, é dançarino do programa Esquenta, da Rede Globo.
A manifestação logo ganhou os holofotes da mídia, já que a favela está em Copacabana, um dos pontos turísticos mais importantes da cidade e que abriga um dos principais complexos hoteleiros que atenderão à demanda de turistas que virão para a Copa do Mundo.
Assim como fez em protestos anteriores em outras favelas, a Grande Mídia – que, desde a criação das UPPs, faz na prática uma “assessoria de imprensa de luxo” do programa – deu a entender que a manifestação no Pavão-Pavãozinho teria sido organizada por traficantes em retaliação “aos prejuízos causados ao tráfico pelas UPPs”.
Essa vem sendo a desculpa usada para tudo que dá de errado em favelas ocupadas por UPPs, como se o programa não tivesse falhas e como se os moradores dessas áreas estivessem totalmente satisfeitos com tudo o que está acontecendo.
Mas basta conversar com alguém que mora nessas comunidades (não vale depoimentos de moradores deslumbrados a repórteres da Globo em dia de inauguração de UPP, com políticos tirando fotos e bandeirinha do Brasil fincada ao fundo) para constatar que não é bem assim.
Os problemas relatados vão desde abusos de autoridade à intensificação da especulação imobiliária, que tem “expulsado” moradores de morros com UPPs por conta da valorização dos preços de aluguéis (o caso da favela da Telerj talvez esteja diretamente relacionado a isso).
Essa estratégia da Grande Mídia, de deslegitimizar tais protestos, é muito semelhante ao que fez no caso das manifestações de rua que tomaram as ruas do país em 2013, principalmente no período final do movimento, quando a massa já não aderia em peso às passeatas – muito em função de um medo propagado pelos veículos de comunicação (“Black blocs assassinos”, vândalos etc.).
Na época, reportagens procuravam apontar ligações entre partidos políticos de oposição às manifestações, como se professores e outros servidores públicos não tivessem motivo algum para reclamar (afinal, todos são muito bem pagos neste país, como se sabe…). Foi nesse momento, inclusive, que O Globo publicou uma série de reportagens evidentemente tendenciosas ligando o deputado Marcelo Freixo, do PSOL, aos Black blocs.
A questão é que será cada vez mais difícil para a mídia e autoridades taparem o sol com a peneira. Muito diferentemente do que se passava no início do século 20, e mesmo na década de 90, hoje até os mais pobres têm algum acesso a tecnologias de comunicação; muitos já têm escolaridade e interagem com pessoas de classe média e alta.
Eles sabem, portanto, quais são seus direitos e possuem ferramentas para chamar atenção da sociedade para as atrocidades que ainda são cometidas pelo Estado nas favelas.
A política do jeitinho, “para inglês ver”, que tenta manter os excluídos quietinhos durante os grandes eventos internacionais, não será mais suficiente, mesmo apelando para a repressão extrema (que é o que acredito que acontecerá durante a Copa).
Não tem mais jeito: “infelizmente” o governo terá de começar a cumprir suas obrigações para com os pobres, superando o obsoleto e irresponsável modelo de relação militarizada com essa camada social, para não ficar mal na fita diante dos olhares internacionais.
 

O fundamentalismo que nos habita

A história da humanidade é repleta de casos de homens e mulheres que foram mortos simplesmente por dizer o que pensam – de Sócrates a Marie Gouze (Olympe de Gouges), passando por Giordano Bruno.
Ao expor suas ideias, essas pessoas desafiaram as verdades e convenções então existentes, ameaçando desconstruir o universo simbólico que sustentava as relações políticas, econômicas e sociais na época em que viveram, o que poderia abalar as estruturas de poder vigentes.
Hoje, graças à consolidação da democracia na maior parte do mundo, qualquer indivíduo é livre para expressar seus pensamentos sem o ônus de ser preso ou executado por conta disso.
É o direito à liberdade de expressão que permite, por exemplo, que todos exponham suas ideias – por mais alucinadas que sejam – no facebook, desde que não sejam interpretadas pelas autoridades como ofensivas, preconceituosas ou como apologia a práticas criminosas, por exemplo.
É nessa rede social, da qual participa um a cada sete habitantes deste planeta, que muitas das notícias pautadas pelos grandes meios de comunicação são atualmente debatidas. Nem sempre, é claro, num tom razoável ou dentro dos limites mínimos do que pode ser entendido como uma discussão civilizada.
Um simples comentário discordante ou crítico em um “post” é capaz de provocar a fúria de seu autor ou de outros usuários que, por não concordarem com a visão dissonante, partem para o ataque sem a menor cerimônia. Afinal, gritar com o outro pelo computador é mole.
Esses casos, a meu ver, são menos graves, pois, a partir do momento em que se “perde a linha” e, consequentemente, a razão, fica claro que o debatedor já não tem argumentos válidos para sustentar sua tese. Ou, no mínimo, não sabe descer pra brincar no play.
Preocupantes mesmo são aqueles posts muito bem escritos, com argumentos até razoáveis, mas que apelam, nas entrelinhas, para maniqueísmos e fundamentalismos extremamente sedutores que inviabilizam qualquer discussão para além dos limites disciplinares que seu autor estabelece.
Textos com esse perfil são pensados e estruturados para serem à prova de críticas: quem discordar não pode ser um sujeito do bem; tem de ser alguém mal intencionado, um sonhador, rebelde sem causa ou, em último caso, burro mesmo.
Isso tem ficado evidente nas últimas semanas, por conta de dois acontecimentos que ainda repercutem na rede: o caso dos justiceiros do bairro do Flamengo, na Zona Sul do Rio, que prenderam um suposto assaltante a um poste com cadeado de bicicleta, depois de o espancarem e o deixarem nu; e a operação da PM do Rio de Janeiro que deixou seis mortos no morro do Juramento.
Compreensivelmente irritada e cansada com a violência que assola a cidade há décadas e com a incapacidade do Estado para conter a criminalidade, boa parte dos cariocas – principalmente aqueles de classe média e alta – comemorou ambas as ações.
Muitos, no entanto, não concordam com o que foi feito com o menor no Flamengo e tampouco com o ocorrido no Juramento, por entenderem que, nas duas situações, houve um abuso por parte dos justiceiros e da polícia, que, ao buscarem fazer justiça (a PM subiu o a favela para vingar a morte de duas policiais pelo tráfico), acabaram desrespeitando a lei.
Embora haja seres descontrolados e que não sabem divergir educadamente em ambos os lados da discussão, chama atenção o perfil quase que eclesiástico (no sentido pejorativo da palavra) dos argumentos apresentados pela ala do bandido-bom-é-bandido-morto.
Logo de cara, esses autores qualificam qualquer um que se mostre contrário à justiçagem à moda Lei de Talião e à polícia violenta e fora da lei, como um “esquerdista” ou “defensor de bandidos”; isso quando não os chama de comunistas, maconheiros, homossexuais e por aí vai.
Neste ponto, eu pergunto: é preciso ser de esquerda para não apoiar o desrespeito aos direitos humanos, princípios fundamentais de qualquer democracia que se preze? Se assim for, pela lógica, deve-se inferir que os “direitistas” são fascistas, correto?
Quanto à acusação de que se estaria defendendo bandidos, considero esse um bom exemplo de argumento apelativo. Afinal, quem pode resistir à ideia de que um lado está a favor do “cidadão de bem” e o outro, dos deliquentes?
Blinda-se aí qualquer possibilidade de discussão séria, da mesma forma que um religioso fanático o faz ao argumentar que está ao lado de Deus e que quem não estiver com ele está jogando no time do mal.
Sorte a nossa não estarmos mais na Idade Média.
 

Saneamento básico

Os jornais noticiam que mais de 40% dos lares brasileiros não têm acesso a saneamento básico. Isso mesmo: em 2013, quase 2014, o “país do futuro” ostenta essa marca medieval.

Como infere a própria expressão, saneamento básico é um dos fatores básicos para uma vida social minimamente salubre, sendo imprescindível para o bem-estar da população.

Mas, no festejado “país de todos”, que empresta dinheiro para organismos internacionais, compra caças de última geração e está prestes a realizar a copa do mundo mais cara de todos os tempos, coisas básicas não costumam ganhar o devido tratamento de nossos esmerados governantes.

Afinal, investir em redes de esgoto subterrâneas ou estações de tratamento é trabalhoso e não tem o mesmo potencial midiático que a instalação de um teleférico em uma favela, por exemplo.

Injetar recursos na manutenção de hospitais e escolas públicos, zelando por sua infraestrutura e recursos humanos, não gera a mesma visibilidade de uma inauguração de um novo hospital ou escola, e repercute menos que a contratação em massa de médicos estrangeiros para salvar os brasileiros que vivem esquecidos nos mais miseráveis rincões do país

Tampouco parece válido, sob tal ponto de vista, elaborar novas políticas públicas para tratar a questão do uso e comercialização de drogas. Mais vale financiar comunidades terapêuticas ligadas à bancada evangélica e abarrotar as prisões com pretos e pobres que não se encaixaram no mercado consumidor ou matar esses “inúteis” à queima-roupa nas favelas e periferias.

Da mesma forma, é mais produtivo, conforme a (fisio)lógica política, construir centros sociais – verdadeiros antros de assistencialismo que fazem perdurar o voto de cabresto em pleno século 21 – que investir em infraestrutura e educar o povo, dotando-o de capacidades para que, de maneira independente, consiga sair da miséria em que se encontra.

Espetáculo

Ainda segundo esse modelo, é natural que as autoridades optem por um projeto que mantém as camadas mais pobres controladas pelo aparelho repressor do Estado. Ao menos até agora, as UPPs – queridinhas da Grande Mídia carioca –, tão somente reproduzem o modus operandi que caracteriza as relações que os governos sempre mantiveram com os socialmente excluídos no país: “Pobre, no Brasil, é assunto de polícia”, relatam os livros de história.

Certamente que a iniciativa tem seus méritos, principalmente se entendida como uma contraposição à absurda – por genocida e ineficaz que é – política de confronto militar em favelas do Rio de Janeiro. No entanto, ao mesmo tempo em que o tráfico e a violência (policial e bandida) perduram nas comunidades pacificadas, outras cidades do estado veem seus índices de violência disparam em decorrência da migração do crime organizado.

Não tem jeito: o Brasil seguirá tapando o sol com a peneira na medida em que a política nacional continuar orientada pela lógica do espetáculo, em prol da visibilidade, audiência e votos. De tal modo, não há como os resultados escaparem à superficialidade.

Campanhas privadas

Mas o buraco é ainda mais embaixo: a questão do financiamento de partidos pela iniciativa privada é, sem dúvida, um dos mais graves vícios da política brasileira. Trata-se do ponto onde políticos começam a se comprometer, já que, em algum momento, terão de legislar em favor de seus “mecenas”.

O caso do Rio de Janeiro é exemplar nesse sentido. A cidade se transformou, na prática, em um balcão de negócios no qual autoridades, empreiteiras e agentes imobiliários ditam os rumos das políticas públicas; em muitos casos, à revelia dos interesses da população.

Se for preciso remover comunidades, desmatar reservas florestais ou demolir viadutos que implicarão um nó na já péssima estrutura viária da cidade para dar lugar a novos empreendimentos, não haverá manifestação pública capaz de impedir sua execução – sob a pena de cassetetes, balas de borracha, gás lacrimogênio e prisões arbitrárias.

Maniqueísmos

O cenário é distópico, mas isso não significa que o capitalismo não deu certo e que será preciso uma revolução comunista para alterar esse panorama. Radicalismos não são a melhor pedida, como nos mostra a história. No final, seja à direita ou esquerda, eles acabam se encontrando com o que trazem de pior – a intolerância, a violência, o autoritarismo e o cerceamento às liberdades individuais.

Não há soluções ou fórmulas prontas, como propõem os manuais de autoajuda ou as cartilhas de seitas religiosas (ou partidárias) fanáticas. Acreditar nisso é extremamente conveniente e tranquilizador, mas não deixa de ser uma fuga da realidade.

As mudanças têm de partir do povo e já seria um passo e tanto se as pessoas abandonassem, na medida do possível, maniqueísmos, moralismos e ideologias que começam e terminam em si mesmas nas discussões sobre o futuro do país.

Portanto, fica o desejo por um 2014 menos individualista e com mais senso de coletividade e pragmatismo.

 

 

O que mais falta?

Será que depois da mais nova pegadinha promovida pela Câmara dos Deputados, que, em histórica votação (secreta, claro), rejeitou a cassação do mandato do deputado federal Natan Donadon – condenado a 13 anos de prisão pelos crimes de peculato e formação de quadrilha –, governantes, jornalistas e conservadores e reacionários de plantão continuarão a se perguntar por que os cidadãos estão indo para as ruas protestar?

E seguirão criticando o que entendem ser uma falta de foco em função da pluralidade de temas abordados pelas correntes reivindicações, mal comparando-as com movimentos como o das Diretas Já?

Se são diversas as demandas em pauta, isso ocorre porque são inúmeros os absurdos a que somos obrigados a assistir e com os quais convivemos diariamente (que o digam as camadas menos favorecidas da população).

Volto a bater nesta tecla: os movimentos de rua que eclodiram no Brasil em junho são resultado de um acúmulo de fatores associados ao descaso com que as autoridades tratam os brasileiros, o que acaba derivando em condições de vida que, se não são péssimas, estão muito aquém do esperado para um país rico em recursos naturais e humanos e cujos cidadãos suportam em suas costas uma das cargas tributárias mais pesadas do mundo.

Também sobram críticas para a violência dos protestos. Mas, na boa, sem contar o fato de que tem sido a própria polícia militar a responsável pelo início ou agravamento de boa parte dos confrontos com os manifestantes nas ruas, não considero eventuais depredações do patrimônio público e/ou privado um ato de puro vandalismo no atual contexto. Qualificá-los como tal é uma solução absolutamente reducionista – se não for mal intencionada.

Para além de atos criminosos isolados (oportunistas estão em todo lugar, não tem jeito), a violência vista no decorrer dos protestos não deixa de ser uma forma de externar a insatisfação com o desrespeito com que somos tratados pelos políticos no Brasil, os quais, num sentido figurado, mas quase literal, violentam os cidadãos diariamente. Na verdade, é a falta de profissionalismo e seriedade de muitos desses bandidos fardados a grande razão por trás de tanta revolta.

E quem disse que se revoltar não é positivo ou necessário? Importantes mudanças sociais foram conseguidas por meio de grandes revoluções operadas ao longo da história, muitas das quais ao custo de muito sangue – vide o caso da Revolução Francesa.  É difícil pensar em outra forma de fazer com que a classe política nos ouça e faça o que é paga para fazer ao invés de trabalhar única e exclusivamente para manter-se no poder e seguir enriquecendo às nossas custas.

Afinal, os engravatados de bigode acaju lá de Brasília e das centenas de gaiolas de ouro Brasil afora são seres intocáveis: dificilmente vão presos (e, quando vão, têm seu mandato mantido, pelo visto), tampouco sentem seu bolso doer se são obrigados a devolver dinheiro público utilizado indevidamente e, não raro, fazem questão de nos lembram de que estão se lixando para a opinião publica.

No mais, somos ainda obrigados a ouvir pérolas como a do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, que, genialmente, justificou seu deslocamento diário de helicóptero para o trabalho, entre o Leblon e Laranjeiras (um trecho de poucos quilômetros) pelo fato de o trânsito carioca ser muito violento. Ou vemos ainda o governador do Ceará, Cid Gomes, gastar milhões de reais com shows de grandes estrelas para inaugurar hospitais que não funcionam e com buffets repletos de caviar e outros alimentos importados para receber autoridades.

Dinheiro público gasto em aventuras sexuais de políticos em motéis; transposição do Rio São Francisco e ferrovia Norte Sul inacabados; superfaturamentos; licitações fraudadas; novos terminais de papelão para a Copa e Olimpíadas; estádios elefante branco que custam bilhões; supersalários parlamentares aumentados (por eles mesmos) anualmente; escolas e hospitais ao Deus dará; impostos abusivos e serviços públicos de baixa qualidade, etc., etc., etc.

Por muito menos tem país em guerra. E estão reclamando porque a Toulon do Leblon teve sua vitrine quebrada e o trânsito está ruim?  Give me a break…

Sim, a revolução machuca mesmo

Na última semana, cerca de 200 pessoas que protestavam contra a CPI dos ônibus no Rio de Janeiro fecharam a Av. Rio Branco, uma das principais vias do centro da cidade.

O acontecimento, que acabou prejudicando o já caótico trânsito da capital fluminense, foi o estopim para que alguns colunistas de jornais voltassem a clamar pelo fim dos protestos que vêm ocorrendo desde junho, sugerindo que a paciência da opinião pública já está próxima de seu fim.

Eles criticam o fato de que, apesar de esvaziados, os movimentos de rua seguem gerando danos à cidade, seja ao patrimônio público/privado, seja inibindo o direito de ir e vir da população.

A revolta com esse último caso foi tamanha que a Polícia Militar chegou a sugerir a criação de um espaço específico – uma espécie de “manifestódromo” – para as pessoas protestarem (uma ideia estapafúrdia, que fere, inclusive, o chamado “direito de reunião”, previsto pela constituição).

É claro que ninguém quer ver a cidade depredada ou parada. Mas recriminar as últimas manifestações por tais razões, reduzindo-as à questão da violência e desordem, é, a meu ver, assumir uma posição conservadora, comodista e individualista pelos motivos que seguem:

Em primeiro lugar, cabe destacar que o protesto relacionado à CPI dos ônibus é absolutamente legítimo. Afinal, a comissão corre sério risco de acabar em “pizza”, já que seu presidente, Chiquinho Brazão, e seu relator, Professor Uóston, são da base aliada do prefeito Eduardo Paes. Com um detalhe: Brazão é acusado de ter ligações com milícias atuantes na cidade.

Segundo: aqueles que reclamam dos prejuízos à ordem pública motivados pelos protestos parecem se esquecer de que, no Brasil, políticos são praticamente inatingíveis: não vão presos por nada, não pagam multas ou, se por milagre, são condenados a pagá-las, desdenham da população, fazendo questão de lembrar a todos o quão abastados são e de como “estão se lixando para a opinião pública”.

Como se não bastasse, andam por aí cercados de seguranças, em carros blindados ou em helicópteros, já que, como lembrou nosso prestigioso governador Sérgio Cabral, “o trânsito carioca é muito violento” (por isso ele ia de helicóptero de seu apartamento no Leblon para Laranjeiras, enquanto nós, otários, nos arrebentamos, por horas e horas, no asfalto).

Assim, de que outro modo, senão fazendo muito barulho e “parando” a cidade, poderíamos fazer os políticos nos escutarem?

Sabemos que os partidos trabalham com basicamente uma finalidade: manter-se no poder e atender aos interesses daqueles que os financiam, isto é, grandes empresários. Portanto, pela lógica, se a cidade para, negócios são prejudicados, e seus responsáveis passam exigir providências das autoridades, que, por sua vez, se veem forçadas a atender, ao menos em parte, aos pleitos da população.

Outro exemplo: o pessoal acampado na porta do governador Sérgio Cabral. Estou certo de que, agora, ele pensará duas vezes antes de aparecer na TV com a postura irredutível de sempre, fazendo pouco de reivindicações da sociedade. Há menos de um mês, por sinal, Cabral deu uma coletiva na TV quase chorando, dizendo que tem filho pequeno em casa e blá blá blá whiskas sachê…

Não adianta: não se promovem mudanças sem desordem, sem estragos. Sempre vai doer em alguém.

Cabe lembrar que uma das revoluções mais festejadas de todos os tempos, a Revolução Francesa (1789) – que mudou o rumo das sociedades ocidentais –, foi também uma das mais violentas.

São outros tempos e (assim espero) não será necessário o mesmo grau de selvageria para mudar as coisas. Mas não será sentado no sofá ou reclamando dos poucos que se dispõem a largar tudo para protestar de fato que veremos o Brasil se transformar.

 

Autoritarismo velado

Os recentes acontecimentos envolvendo policiais e manifestantes nas ruas do Rio de Janeiro me fazem pensar sobre até que ponto uma democracia pode, de fato, se sustentar como tal.

Na medida em que vejo policiais se infiltrando nos protestos para identificar – e prender – repórteres ou para provocar confusão a fim de jogar a opinião pública contra os “violentos manifestantes”, pergunto-me quais seriam os limites para a manutenção de um verdadeiro estado democrático de direito diante de uma grave crise institucional como a que vivemos.

À proporção que vejo a polícia militar agredindo e prendendo manifestantes que nada faziam além de protestar enquanto os tais “vândalos” depredavam o patrimônio público e saqueavam lojas tranquilamente – sem serem incomodados por nenhum policial –, deparo-me com essa mesma questão, pois não consigo pensar em outra hipótese que não a de que isso é parte de uma estratégia do governo para desqualificar as manifestações.

Quando jornalistas são proibidos de participar de coletivas de imprensa organizadas pelas autoridades, e grandes portais de notícias, após repercutirem o caso, retiram a matéria do ar (obviamente porque sua publicação gerou algum tipo de mal estar), passo a questionar a ideia de que temos garantido o direito de informar e sermos informados, além de perder minhas já parcas esperanças no conceito de imparcialidade jornalística.

Acompanhando essas e outras notícias, principalmente em meios de comunicação alternativos – já que a Grande Mídia se mostra, cada vez mais, grotescamente manipuladora –, confronto-me com um desagradável pensamento: será que todas as liberdades garantidas por nossa constituição são efetivamente válidas apenas até o momento em que o governo percebe que está perdendo o controle sobre a população?

Quando digo “perder o controle”, não quero dizer que a ordem está sendo ameaçada, caso em que, sem dúvida, faz-se necessária uma intervenção do Estado dentro dos parâmetros legais. Refiro-me à hipótese de que as autoridades, ao notarem que o povo – até então inerte, aparentemente narcotizado e impotente frente a políticos intocáveis que trabalham tão somente em prol dos interesses do Grande Capital – acordou e, agora, exige seus direitos, começam a lançar mão da força para que o rebanho volte a seu devido lugar.

Há alguns sinais preocupantes. Nos últimos dias, por exemplo, o governo do Rio de Janeiro, onde ainda ocorrem diversos protestos e muitos confrontos com a despreparada polícia militar do estado, editou um decreto para investigar atos de vandalismo, exigindo que as empresas de telefonia e internet entreguem informações de usuários. Após duras críticas de juristas, o governador recuou, mas, de todo modo, fica o alerta: as autoridades estão dispostas aos atos mais sórdidos para evitar que a população siga exigindo o que lhe é de direito.

Apesar de tudo isso, não acredito no retorno de uma ditadura (já há quem esteja dizendo por aí que o Doi-Codi voltou diante dos diversos relatos de infiltração da P2 nos protestos, enquanto outros se preocupam, com certa razão, com o clima de apartidarismo). Nos dias de hoje, em um país como o Brasil, que vive sob os holofotes de investidores e, consequentemente, grandes jornais estrangeiros, é muito pouco provável que isso ocorra. Afinal, não pega muito bem investir em países com esse perfil.

Mas, quase tão trágico quanto se ver oprimido por um Estado oficialmente autoritário, é estar sob o jugo de um Estado veladamente ditatorial. Talvez resida aí o maior dos perigos.

Pessoalizando o movimento

Ainda que haja uma série de explicações circulando em redes sociais e na Grande Mídia para os protestos que tomam as ruas do Brasil, governantes e jornalistas seguem qualificando as razões para as manifestações como difusas, difíceis de entender.

Sim, as razões são muitas (e que bom que já ficou claro que não se trata apenas de R$ 0,20).  Estamos falando de um sentimento de insatisfação geral a respeito da péssima qualidade dos serviços públicos no país, não obstante a pesada carga tributária que afeta os brasileiros, aliada a um custo de vida que só faz aumentar, à corrupção e à falta de representatividade política – com Felicianos, Sarneys, Calheiros e outros fazendo o que bem entendem, apesar da desaprovação por parte da opinião pública.

Sinto, porém, que falta sair um pouco do nível macro e pessoalizar, na medida do possível, as motivações para tanta indignação, a fim de jogar um pouco mais de luz sobre os elementos que justificam a atual conjuntura.

Peço licença, portanto, para fazer um depoimento.

Venho de uma família de classe média. Nunca passei fome e tive acesso à educação de qualidade – ainda bem novo, passei em um concurso para uma escola federal, o que permitiu que meus pais pagassem colégios particulares para minhas duas irmãs. Com a sólida base educacional, pude ingressar em uma universidade pública, onde me formei há quatro anos.

Ou seja, não tenho muito do que reclamar, dado que, no mesmo país em que vivo, há quem sequer tenha o que comer, certo? Errado.

Pensar assim é pensar pequeno. Claro que há de se resolver urgentemente o problema da fome e da miséria, mas isso não impede que soluções para outros problemas – muitos dos quais estão, inclusive, na raiz de questões como a pobreza extrema – sejam exigidas, discutidas e implementadas.

Sigo então com meu “desabafo”.

Hoje, com 26 anos, vivo preocupado com as perspectivas que ora se apresentam para meu futuro. Moro com minha mãe, porque, com o salário que ganho – apesar do terceiro grau completo, de uma pós-graduação, inglês e espanhol fluentes –, não tenho condições de alugar um apartamento por conta própria. Comprar então, nem se fala: hoje, na cidade em que vivo, qualquer kitinete está valendo R$ 1 milhão.

Ok, muitos dos que ainda seguem com esta leitura podem, neste ponto, ironizar meu discurso: “Coitado do playboyzinho que não quer ir morar no subúrbio e, por isso, reclama do preço das coisas”.

Perfeito, o argumento é válido, mas não é disso que se trata a discussão.

O que gostaria de colocar em pauta e, assim, justificar e reforçar a importância das correntes manifestações, é como mesmo os (relativamente poucos) brasileiros que tiveram oportunidades e percorreram todo o caminho que sempre lhes foi recomendado por seus pais, professores, especialistas, etc. não estão, hoje, em uma situação efetivamente confortável.

Enquanto isso, vejo na TV o governo pintando um país cor de rosa; vejo a celebração pela ascensão de uma classe média que, apesar de seus novos eletrodomésticos, vive em favelas a beira de valas de esgoto, e segue sem acesso à educação e cultura; vejo pessoas sendo retiradas da miséria, mas que só não são consideradas miseráveis porque agora ganham R$ 70 (!!!) por mês; vejo políticos iletrados ganhando R$ 15 mil, R$ 30 mil, R$ 50 mil (fora suas propinas, benefícios e aposentadorias absurdamente desproporcionais às dos cidadãos que trabalham por tanto ou mais tempo que esses engravatados de merda), enquanto meus pais, professores acadêmicos, não ganham metade do que recebe um vereador cuja contribuição maior ao longo de seu mandato é criar o dia da pizza ou novos nomes de ruas; vejo o fortalecimento de religiosos fanáticos na política brasileira, pregando a intolerância e atrasando um país que já nasceu atrasado; vejo uma especulação imobiliária desenfreada, que remove populações pobres (à base da força) e de classe média (pela redução de seu poder aquisitivo).

Vejo, acima de tudo, governos – não importa se de esquerda, direita, centro, ou seja lá o que for – que agem tão somente em causa própria, com vistas à sua manutenção no poder; que só atendem aos interesses dos financiadores de suas campanhas milionárias. Vejo um sistema político viciado, projetado para representar elites e nada mais.

Acredito que seja por essa razão que muitas pessoas com uma trajetória parecida com a minha estejam indo, neste momento, às ruas, mesmo aquelas que não pegam ônibus – o que não é o meu caso, diga-se de passagem.

Enfim, não é só por R$ 0,20; é por um país minimamente justo, onde as pessoas possam colher o que plantam. Hoje, infelizmente, nossa colheita parece servir a um único propósito: sustentar os 39 ministérios do governo federal , cujos representantes demandam R$ 11.540,00 por minuto, o custo mais elevado do mundo.

 

 

 

Teleféricos, Iphones e esgoto

Que os moradores das favelas cariocas merecem mais conforto em seu percurso diário entre o morro e o asfalto não se discute. A jornada pode ser cansativa até para jovens, o que dirá para idosos, gestantes, crianças e deficientes físicos.

Mas é curiosa a rapidez com que governantes costumam disponibilizar verbas para empreendimentos espetaculares, como os teleféricos do Alemão e da Rocinha, no Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que carecem de recursos projetos dos mais básicos nessas mesmas comunidades, como obras de saneamento básico e infraestrutura.

Não causa espanto, contudo, a predileção dos dirigentes brasileiros. A cada dia que passa, torna-se mais clara a sujeição da prática política ao fisiolologismo, de modo que o menor dos movimentos feitos no âmbito das relações de poder é cuidadosamente pensado em temos da contrapartida eleitoral. É evidente que, com isso, a lógica do espetáculo, calcada na visibilidade, acaba imperando.

Não é uma coincidência que, hoje, se diga que já não há mais ideologia, tampouco partidos políticos que apresentem, de fato, uma identidade. O que se vê é uma profusão de coligações que misturam legendas das mais variadas naturezas, sejam operárias ou empresariais; comunistas, social-democratas ou neoliberais. É a política pela política, ou melhor, pelo business.

A atual conjuntura brasileira é significativa a esse respeito. Claro que é digno de comemoração que menos pessoas estejam passando fome e que mais cidadãos se vejam em condições de adquirir bens materiais. No entanto,  a mesma faixa da população que está comprando TVs de plasma, Iphones, DVDs e panelas inox ainda convive com valas de esgoto ao lado de suas casas sem reboco. E, tão ou mais grave quanto, segue sem acesso à educação de qualidade.

O sociólogo Pierre Bourdieu há muito apontava que não é o capital econômico que está no princípio da desigualdade social, mas o capital intelectual, algo a que, definitivamente, a chamada nova classe média ainda não teve o devido acesso.

A explosão de consumo vista ultimamente no Brasil é, acima de tudo, resultado de uma estratégia de perpetuação de um projeto de poder – no caso, liderado pelo PT-PMDB, mas certamente outras coligações partidárias fariam o mesmo se tivesse a chance. O povo fica satisfeito com seus novos eletrodomésticos, mas é mantido em uma condição de exclusão, de miséria cultural. (Neo)populismo puro.

E um detalhe: no modelo de expansão da economia pela via do estímulo ao consumo, que já não se mostrou sustentável em outros países, há sempre o risco da formação de uma bolha, que pode explodir a qualquer momento (vale lembrar que quase metade das famílias brasileiras está endividada neste momento).

Como se não bastasse, há ainda a questão do ônus ambiental. Depois de tanto se falar nos males causados pela chamada sociedades do consumo, o governo brasileiro, em pleno século 21, contribui para a humanidade reduzindo o IPI de automóveis. Novamente, ludibria-se o cidadão, satisfaz-se o lobby da indústria e enche-se o bolso dos acionistas do “National Congress Business Center”.