Guerra entre narcotráfico e polícia militar em São Paulo? Perguntas sem respostas, enquanto sangue e lágrimas escorrem nas periferias

Há meses o Estado de São Paulo vive aquilo que a mídia insiste em chamar de onda de assassinatos. Nas favelas, nos bairros de periferia, a sensação é de que um Tsunami passa por ali. Entre a onda e a marola, os afogados são sempre os mesmos: negros, pobres, trabalhadores, jovens, filhos deste mundo injusto, que ceifa suas vidas ainda antes que estas possam desabrochar.

As matérias nos jornais alertam para uma guerra: a guerra entre forças de repressão do Estado contra o crime organizado.

Não há programas de contenção da violência do crime organizado que tenham como perspectiva solucionar as grandes entradas de drogas no país pelas fronteiras internacionais; que impeçam a lavagem de dinheiro, que a ONU estimou serem processados de US$ 120 a 500 bilhões por ano por meio do sistema bancário mundial. Não há política para o déficit de professores nas escolas públicas do Brasil, que é proporcional às vagas criadas em presídios para prender os mesmos pobres que não podem estudar ou que tem uma educação precária.

Os programas pensados pelo Estado – divulgados pela sua representante oficial em nossas casas, a mídia burguesa – são planos de uma guerra anunciada.

Anunciada por quem? Quem tem sido assassinado? De que formas? Onde? Porquê? Não temos respostas, mas ao seguir o caminho destas perguntas, surgem ainda outras interrogações.

Na noite de sexta feira (13/11) foi morto a tiros, na cidade de Guarulhos, um PM que fazia parte da corregedoria da polícia militar do Estado. A corregedoria é o órgão da polícia que fiscaliza os desvios de conduta dos policiais que compõem a corporação. Por que o crime organizado assassinaria um policial que trabalha na corregedoria?

Na noite do dia 23 de agosto de 2012 foi assassinado, em Caraguatatuba, o advogado Diego Luiz Berbare Bandeira . Ele avisou, em 19 de junho, durante uma reunião na Assembleia Legislativa na capital, que recebia ameaças de pessoas que se sentiam incomodadas com a sua atuação na Comissão de Direitos Humanos da subseção de seu município na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Os alvos do defensor eram policiais civis e militares, diretores de presídio e autoridades em geral. Ele foi assassinado por pessoas em uma moto.

Por que o crime organizado assassinaria um advogado, atuante na área de direitos humanos que tinha sua atividade focada em denunciar policiais?

A revista Caros Amigos publicou, em 21 de setembro de 2012, uma matéria em que denunciava a situação dentro dos batalhões da Polícia Militar de São Paulo. Uma entrevista a um policial civil, que por motivos de segurança pediu sigilo de sua identidade, revelava que os policias que não se submetem aos esquemas de corrupção e a participar dos grupos de extermínio são extraoficialmente punidos e ameaçados por seus próprios colegas de profissão.

Quem seria o crime organizado?

Na matéria revela-se que parte dos extermínios são realizados por policiais à paisana em carros de cores escuras ou em motos.

O jornalista da Folha de S. Paulo, André Caramante, que há 13 anos cobria a área de segurança pública do jornal, passou a ser ameaçado de morte. As ameaças se intensificaram no último período – que coincide com o marco temporal da tal guerra contra o crime organizado e que é promovida por policiais de todos os setores da corporação. Caramante já denunciou sete grupos de extermínio formados por policiais militares e civis, assim como por ex-policiais.

Quem é o crime organizado?

No dia 21 de novembro de 2012, o jornal Folha de S. Paulo publicou uma matéria, no caderno cotidiano, com uma espécie de “balanço perverso” dos números. Segundo o jornal, “No acumulado entre janeiro e outubro deste ano, foram registrados 1.068 casos de homicídios na capital, com 1.157 mortes”, mas o governador do Estado de São Paulo aprova: “Quem não resistiu, está vivo”.

O jornal também contabilizou os números gerais do Estado de São Paulo como um todo: “Foram 3.834 casos, com 4.107 mortes, neste ano.” Mas o governador do Estado de São Paulo aprova: “Quem não resistiu, está vivo”.

Diante de tais números, o secretário de Segurança Pública pede demissão. Como no filme “O Gato Pardo”, Tancredo, personagem do romance, nos ensina a perversa tática: mudar tudo para que nada mude.

Dois jovens assassinados no Campo Limpo, na zona sul de São Paulo. As imagens vão às televisões. Detido, já imobilizado, um dos jovens é exterminado. Mas o governador do Estado de São Paulo aprova: “Quem não resistiu, está vivo”.

Jovens são mortos a tiros em um bar no Jardim São Luis, zona sul de São Paulo, entre eles uma moça, promotora de eventos que conversava com os amigos na volta do trabalho. Mas o governador do Estado de São Paulo aprova: “Quem não resistiu, está vivo”.

Dois jovens foram exterminados pela polícia em Guarulhos, segundo o pai de um deles – que tinha 17 anos – os jovens haviam acabado de sair de casa para ir a um forró. Na esquina, foram mortos a tiros pela polícia militar. Mas o governador do Estado de São Paulo aprova: “Quem não resistiu, está vivo”.

Nove suspeitos foram mortos em operação policial realizada pela ROTA em Várzea Paulista. Mas o governador do Estado de São Paulo aprova: “Quem não resistiu, está vivo”.

Dois jovens voltavam da escola, de moto, na noite de 30 de novembro de 2011, quando foram assassinados pela polícia, em São Bernardo do Campo. Mas o governador do Estado de São Paulo aprova: “Quem não resistiu, está vivo”.

Segundo o jornal Folha de São Paulo, desde janeiro de 2012, foram mortos 95 policiais militares no Estado de São Paulo. Quem matou? O crime organizado? Quem é o crime organizado? O número representa menos que 10% dos civis que foram mortos na capital. Mas o governador do Estado de São Paulo aprova: “Quem não resistiu, está vivo”.

No Brasil, não existe pena de morte. No Brasil, todo cidadão tem direito a julgamento e defesa.

No Estado de São Paulo, a polícia militar aborda, detém, acusa, julga e sentencia com a morte.
Mas o governador do Estado de São Paulo aprova: “Quem não resistiu, está vivo”.

Olhando desta forma, levando em conta as relações possíveis entre os casos, entre os números, as relações entre denúncias, a relações dos fatos com o modus operandi da Polícia Militar, é preciso perguntar:

Há uma guerra? Entre crime organizado e polícia militar? Entre o Estado e os pobres? Um dos lados da tal “guerra” apresenta quase 4.000 baixas. O outro lado apresenta, no mesmo período, 95 baixas.

Uma guerra pressupõe dois lados. Quando as forças são totalmente desiguais, o nome é outro: genocídio, extermínio em massa, holocausto.

Policiais que não se submetem a participar dos generalizados grupos de extermínio, que não aceitam subir em motos, vestindo toucas Ninja para matar, que não participam de esquemas de corrupção, que denunciam as arbitrariedades de seus colegas de profissão são retaliados, punidos, ameaçados… E tantas vezes são mortos Por quem? Pelo crime organizado? Quem é o crime organizado?

Advogados, defensores dos direitos humanos que denunciam violências policiais são mortos. Por quem? Pelo crime organizado? Quem é o crime organizado?

Sabemos que existe, no Brasil, uma forte atividade do tráfico de drogas, dos narcotraficantes e de facções criminosas. Não compactuamos com elas. Mas seria esta atividade ilícita possível sem a omissão (e por que não dizer participação?) do estado burguês? Seria possível sem a participação de esquemas internacionais de lavagem de dinheiro que envolvem todo o esquema financeiro, bancário, político, nacional e internacional?

Sabemos que na história do mundo já foram construídas – pelos poderosos e opressores – inúmeras situações que apresentassem à sociedade apática um quadro de guerra que legitimasse a violência de estado na repressão e criminalização da pobreza, dos pobres, das lutas, dos lutadores.

Permanecem as perguntas difíceis de serem respondidas. Seguem as mortes inadmissíveis. Correm ainda nos rostos – todos pobres – as lágrimas amargas e oprimidas, ameaçadas.

Sob o sangue que escorre da violência, pergunta-se: Que guerra? Entre quem? Quem é o crime organizado? Organizado por quem? Para beneficiar quem?

Fo+nte: CSP-Conlutas

Um comentário em “Guerra entre narcotráfico e polícia militar em São Paulo? Perguntas sem respostas, enquanto sangue e lágrimas escorrem nas periferias”

  1. Excelente texto! Lendo isso, fica ainda mais evidente o distanciamento da realidade por parte dos grandes veículos da mídia, que seriam incapazes – devido a suas já conhecidas limitações – de apresentar um ponto de vista como esse.

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