Como fazer a cabeça do povo brasileiro

“Só está faltando Cuba. Eu espero que Fidel Castro, Raúl (Castro) e muitos outros sejam punidos por maltratar, torturar e assassinar a muitos cubanos”. Esta pesada acusação abre um pequeno comentário, feito por alguém que assinou como “anônimo” no meu blog, a respeito do artigo “Direitos Humanos: Brasil na vanguarda do atraso”, postado também aqui no nosso Fazendo Media, em 23/05/2010.
É realmente chocante ver pessoas arrotarem “verdades absolutas” como se fossem opiniões próprias, genuínas, nascidas do seu livre pensar. Uma espécie assim de revelação paranormal. “Tortura em Cuba nos últimos 50 anos? Nunca ouvi falar de nunhum caso”, respondi ao “anônimo” exagerando de propósito na linguagem e tentanto mostrar o quanto ele está desinformado. Acusar o regime cubano de “maltratar, torturar e assassinar” opositores, uma coisa corriqueira nas recentes ditaduras brasileira e sulamericanas, é, simplesmente, repetir o que diz (ou dá a entender) quase todos os dias a nossa grande mídia, sem o mais leve exercício do livre pensar.
Tradição humanística da revolução cubana
Claro que as lições dadas pela revista Veja e jornais e TVs irmanados ensinam o contrário. Mas a esquerda e os homens/mulheres de bem têm o dever/direito de proclamar: o socialismo cubano pode ter muitos defeitos, mas não tortura e assassina opositores, nunca o fez. Vou mais longe, arriscando-me a levantar a indignação dos direitistas de plantão: a revolução cubana nasceu e viveu, mesmo com mil e uma dificuldades, sob uma tradição humanística que faz jus aos sonhos generosos da geração dos anos 60.
Talvez o que mais simbolize esta tradição seja o fato dos então rebeldes da Sierra Maestra adotarem o hábito de cuidar dos inimigos feridos após as batalhas que venciam, um fato histórico já enterrado na poeira do tempo, do qual gostaria muito que a juventude soubesse. Um dos médicos (ou, pelo menos no início, o médico) dos guerrilheiros era um argentino chamado Ernesto Guevara, que em seguida foi promovido a comandante e se tornou uma lenda chamada El Che.
Pode-se contraditar com uma série de procedimentos ocorridos no processo cubano: os julgamentos e execuções no fragor da vitória da luta armada; a existência até hoje da pena de morte, mesmo muito raramente aplicada; a manutenção do partido único e meios de comunicação só estatais; a perseguição às religiões no início do novo regime, o que foi corrigido mais tarde; a intolerância contra os homossexuais, o que só agora vem-se tentanto corrigir. Em suma, o socialismo cubano demonstra um engessamento perigoso nas questões que podemos chamar de democráticas. A tendência a identificar os críticos, que são uma minoria, como “contrarevolucionários” financiados pelo governo dos Estados Unidos, o que não deixa de ser verdade para grande parte. Porém, serão todos os insatisfeitos financiados pelo império?
Mudança rumo às “delícias” do mercado
Cuba é uma pauta permanente da grande mídia internacional, sempre afinada com as táticas/estratégias do império norte-americano. Os temas às vezes se renovam – ultimamente são as greves de fome de dissidentes presos e as manifestações de Las Damas de Blanco -, mas o enfoque é sempre o mesmo, a necessidade de mudanças. Para corrigir e aperfeiçoar o sistema socialista? Claro que não! A grande imprensa sonha com mudanças rumo ao capitalismo (leia-se, colonialismo), rumo às “delícias” do mercado, rumo às “delícias” do consumismo.
Na minha curta resposta no meu blog ao “anônimo”, mencionei as imensas vantagens do regime cubano para os mais pobres, mas quero me ater aqui à questão crucial das torturas e assassinatos. Digo de novo: é chocante ver as pessoas repetirem aleivosias que a nossa grande imprensa mete na cabeça do povo, através do velho método nazista de repetir uma mentira mil vezes até que ela se torne uma verdade.
Como criar uma “matriz de opinião”
Quando estive na Venezuela (março a maio/2008), se discutia muito por lá sobre a criação de “matriz de opinião”, conforme os sábios ensinamentos dos serviços de inteligência estadunidenses (Agência Central de Inteligência – CIA, sigla em inglês). Cheguei a participar de um seminário sobre terrorismo midiático. É assim: os meios de comunicação dizem todo santo dia que o presidente Hugo Chávez é um ditador, um truculento, criando aí a tal matriz de opinião. No dia em que a imprensa noticia que Chávez fez um ato truculento, mesmo que a coisa tenha sido distorcida ou simplesmente inventada, as pessoas estão prontas para acreditar.
(Sobre isso escrevi o artigo “Proibição de Os Simpsons e matriz de opinião”, postado no meu blog em 20/05/2008, e reproduzido no sítio da revista Caros Amigos. Na época li um livro espetacular sobre os mecanismos para se botar mentira na cabeça do povo, intitulado “A formação da mentalidade submissa” – tradução literal, de autoria do professor espanhol Vicente Romano. Encontrei na Internet editado por Rebelión – http://www.scribd.com/doc/5865328/La-formacion-de-la-mentalidad-sumisa. Não sei se há alguma edição em português).
Então, no caso de Cuba, é a mesma coisa. Se se trata de uma ditadura, como repetem sempre os jornais, as TVs e as rádios, claro que existem torturas e assassinatos de opositores. Às vezes, não é necessário nem mais noticiar o suposto fato. Depois de consolidada a matriz de opinião, a pessoa, jactando-se de ter opinião “própria”, já deduz e chega às suas “próprias” conclusões.
Há muitos problemas a serem discutidos, avaliados, criticados, com relação a Cuba, mas vamos tentar ser criteriosos: pelo que sei, não há caso/casos de tortura/assassinato de opositores atribuídos ao governo socialista cubano, cuja denúncia ou comprovação parta de pessoas, entidades ou instituições confiáveis.
(*) Jadson Oliveira é jornalista baiano. Vive viajando pelo Brasil/América Latina/Caribe. Viveu em Cuba oito meses, de julho/2007 a fevereiro/2008. Sobre a realidade cubana escreveu “Crepúsculo ou Alvorecer?”, postado no blog Pilha Pura, em 14/12/2009. Mantém o blog Evidentemente .

3 comentários sobre “Como fazer a cabeça do povo brasileiro”

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  2. É meu caro Jadson, é muito complicado fazer as pessoas compreenderem o que se passa no mundo. Inclusive na questão da manipulação que todos nós estamos acostumados a ver diariamente na grande mídia, um caso desse aconteceu comigo quando eu era aluno do primeiro ano do ensino médio de uma escola estadual. Quando uma professora de sociologia perguntado a mim e aos meus colegas de sala se conheciam o nome de algum ditador cruel? eu a respondi os seguintes nomes: HItler da Alemanha, Saddam do Iraque,Mocutú do Congo e outro que eu nem me lembro mais. Mais ai ela perguntou quais foram os grandes lideres que a humanidade já conheceu?, ai uma garota que eu nem me lembro o nome respondeu: Nelson Mandela ela concordou e explicou a importância da luta contra apartheid e tudo mais; mas quando chegou a minha vez de mencionar o nome de Fidel Castro e The Guevara!, ai ela saltou todos os tipos de criticas negativas a respeito do regime cubano, disse: para todos que faziam terrorismo, execulsões sumárias que eram ditadores da pior espécie. Eu na minha falta de conhecimento a respeito do assunto fiquei calado, só ouvindo o discurso dela, fique até meio constrangido por ter mencionado tais nomes dessas duas pessoas como grandes lideres. Durante muito tempo fiquei achando que tudo o que ela falou naquele dia tivesse muita verdade por eu ser uma pessoa que não gostava de ler, e muito menos de estudar. Mas com o tempo depois passei a prestar mais atenção na leitura e comecei a ler livros a respeito de ditaduras militares na América do Sul e percebi quem estava por trás de todas elas eram justamente o país que mais faz propaganda contra Cuba : os EUA, e também percebi que na época essa mesma professora gostava muito de ler a revista veja, não dava muita importância para esse detalhe, mas hoje sei que os grandes meios de comunicação tem levado povo a pensar da mesma maneira que a minha ex professora.

  3. Amauri José, abraços, companheiro, a experiência que vc teve com sua professora é muito ilustrativa, reforça a visão defendida no artigo. Estou transcrevendo seu comentário lá no meu blog.

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