Tempos estranhos

Luis Fernando Verissimo

Tá tudo atravessado
sem cabeça nem pé:
home casa com home
mulhé casa com mulhé.

Tempos estranhos, tempos estranhos. Enquanto a direita se delicia com o espetáculo de capitalistas sendo presos, a esquerda realiza um dos sonhos da direita, o de desmoralizar para melhor desnacionalizar a Petrobrás. Um lado assumiu o papel do outro, é home com home e mulhé com mulhé e não se entende mais nada.
Despida de todas as suas outras óbvias implicações, as revelações sobre a relação das empreiteiras com as estatais e o poder público são uma aula do capitalismo de compadres em ação. Os escândalos do propinato na Petrobrás e da cartelização em São Paulo para assegurar contratos sem obedecer à aborrecida formalidade de licitações provam, como se fosse preciso mais provas, o que está no Marx para principiantes: o caminho natural do capital é para o monopólio. O compadrio das empreiteiras faz pouco da importância da competição no mercado supostamente autorregulável da pregação liberal.
É compreensível que a direita festeje o embaraço da esquerda com as revelações que levaram diretores de empreiteiras à prisão e podem até punir a Dilma pela audácia de ganhar as eleições. Mas o capitalismo brasileiro também está levando suas lambadas neste entrevero.
O Roberto Campos chamava a Petrobrás de “Petrossauro” e entregá-la a estrangeiros mais competentes sempre foi um mantra da direita. Os entreguistas não orquestraram o que está acontecendo com a Petrobrás agora, mas se tivessem planejado sua atual transformação, de orgulho nacional em vergonha nacional, não teriam tido tanto sucesso.
É, irônica e dolorosamente, sob um governo de esquerda, aspas à vontade, que o orgulho está chegando a um estado terminal. Nem a Margaret Thatcher, que privatizou toda a Inglaterra, tocou no serviço nacional de saúde do país, que atravessou governos conservadores e pseudoprogressistas e permanece até hoje como uma espécie de cidadela socialista, sem aspas, em meio à comercialização de tudo. O Chile de Pinochet seguiu à risca a receita neoliberal da escola de Chicago para a sua economia, mas nem Pinochet acabou com o controle estatal do cobre, que também continua até hoje.
Não se esperava que a cidadela Petrobrás, que sobreviveu aos ataques da direita durante todos estes anos, fosse ser atacada por dentro. Mesmo que o governo não esteja envolvido diretamente no esquema da corrupção, é responsável pelo desleixo que a propiciou. E pela alegria dos entreguistas.

Tá tudo atravessado
sem cabeça nem pé:
não se sabe quem é o que
nem se sabe quem não é.

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Texto publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo.

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