Oriente médio por Isaac Bigio (2004 e 2005)

Bloqueio Irã-Venezuela

LONDRES, 22/3/2005. Jatami, presidente iraniano, esteve em Caracas devolvendo a visita que Chávez fez a seu País. Venezuela e Irã são dois dos maiores exportadores mundiais de petróleo. Ambos são os principais opositores dos EEUU em seus subcontinentes, proclamam a realização de revoluções nacionalistas e desenvolvem economias protecionistas com significativa intervenção estatal.

Irã e Venezuela não querem que Bush os considere o novo Iraque ou Cuba. Chávez apóia o programa nuclear iraniano (que Teerã diz ser pacífico, mas que busca gerar algo que intimide qualquer possibilidade de invasão). Enquanto Jatami rodeia-se de aliados com poder na Síria, Líbano, Iraque e Afeganistão, Chávez quer ser a vanguarda dos novos governos centro-esquedistas da América do Sul.

Durante a bipolaridade, o terceiro-mundismo propunha um terceiro campo ‘não-alienado’. Hoje, Chávez e Jatami sabem que não há um contrapeso soviético a Washington. Por isso, buscam acordos com a China, Índia, Rússia, União Européia, África do Sul e Brasil para conter os ‘excessos’ de Bush demandando um ‘mundo multipolar’.

Polarização no Líbano

LONDRES, 19/3/2005. Há um mês foi assassinado, no Líbano, Rafiq Hariri. O ex-premiê era anti-Síria. A sua morte desencadeou demonstrações da classe média cristã que pedia o fim do governo e da ocupação síria. O premiê Omar Karami renunciou, mas logo voltou ao seu posto depois que meio milhão de pessoas (a maioria de setores pobres e xiitas) marchou para agradecer a Síria, denunciar os Estados Unidos e potencializar o Hezbollah (o partido clerical xiita considerado como terrorista por Bush) como o maior partido libanês.

Há 29 anos os Estados Unidos e a elite cristã saudaram a intervenção síria que evitou que a esquerda muçulmana e palestina tomasse o poder. Hoje, o Ocidente vê a Síria como um pária pró-Irã que não quer se liberalizar e que prepara atentados contra Israel. A Síria começou a retirar as suas tropas do Líbano, mas as cicatrizes da guerra civil não fecharam. As marchas mobilizaram setores que guerrearam entre si no passado e podem trazer à tona uma nova polarização.

Protestos no Líbano

LONDRES, 8/3/2005. Uma onda de protestos massiva está promovendo a saída do governo pro-sírio de Omar Karami. A oposição, apoiada pela ONU, pede que a Síria retire suas 15.000 tropas e abandone o Líbano, após tê-lo invadido em 1976. O Ocidente inicialmente aceitou a intromissão síria, pensando assim evitar que o Líbano caísse nas mãos de esquerdistas palestinos ou muçulmanos e assim dedicasse-se a proteger a elite cristã. Após a saída de Israel em 2000, a Síria é percebida por Washington como um fator desestabilizador no processo de pacificação palestina, a pressão das potências contra Damasco está aumentando.

A Rússia quer uma retirada negociada, que não desestabilize o Líbano nem a Síria (sua aliada, à qual segue fornecendo armas). Os EEUU quis aproveitar-se do descontentamento popular para promover, primeiro no Líbano e, logo depois, na Síria, uma “revolução liberal” como na Georgia e na Ucrânia. Uma eventual ascenção de governos democráticos pró-EEUU em Beirute e Damasco apontariam um acordo com Israel.

E o julgamento de Saddam?

LONDRES, 15/12/2004. Saddam foi capturado há um ano. A prisão permite que a resistência iraquiana – longe de ser desmoralizada – proclame que não está atada ao ex-ditador, e que busca “liberar” seu país da ocupação liderada pelos Estados Unidos. A resistência tem se potencializado e já conduz cerca de cem ataques diários. Mais tropas estrangeiras têm caído depois (e não antes) da captura de Saddam.

Bagdá ainda não se anima a julgá-lo. Se não for dado a ele o direito de defesa, dentro de certa legalidade, há o risco de que o processo contra ele fique desacreditado. Por outro lado, o governo de Allawi teme que seu predecessor queira seguir declarando que é o presidente legítimo do Iraque e use o julgamento para revitalizar-se.

A estratégia parece ser a de esperar até as eleições ou o enfraquecimento da rebelião. Mas, à medida que passa o tempo, Saddam pode sobreviver e querer aparecer como uma vítima que foi privada de seus direitos.

Sangria em Faluja

LONDRES, 10/11/2004. O primeiro ministro iraquiano Allawi quer celebrar a reeleição de Bush com uma sangria. Sua fé não lhe permite beber álcool, mas pegar em armas sim.

Durante o processo eleitoral norte-americano não era conveniente promover uma matança no Iraque. Agora que ele está encerrado e que o presidente sente que conseguiu uma votação melhor do que a de 2000, é hora de arrasar Faluja e todo surto de resistência.

A cidade está cercada. Os menos de 3.000 combatentes locais enfrentam 15 mil atacantes bem equipados. Ex-generais dos EUA advertem que, nesta situação, não podem ganhar. Ao destruir Faluja, destruirão sua imagem ‘democratizante’ ante a população e os rebeldes terão conseguido desacreditar a ocupação, incentivando outros surtos por todo o país.

As eleições iraquianas de janeiro estão sendo precedidas pelo início da segunda guerra iraquiana. Nestas, não só se tratará de conquistar votos, mas também de impor as botas.

Bombardeios “democratizantes”

LONDRES, 2/11/2004. Quantos civis foram mortos no Iraque desde março de 2003? A imprensa cita números em torno de dez a quinze mil pessoas. Sem embargo, uma prestigiada fonte médica calcula que tal quantidade poderia elevar-se a 100 ou 200 mil mortos. Ademais, nos doze anos anteriores ao bloqueio econômico morreram mais de um milhão de inocentes iraquianos.

Este número de baixa mostra que a pior arma de destruição massiva empregada no Iraque não foi lançada por Hussein. Se o ditador tivesse sido derrotado por seu próprio povo (como quase aconteceu em 1991) muitas destas tragédias poderiam ter sido evitadas. Pois então, Bush pai preferiu que Saddam crucificasse o levantamento xiíta e curdos, a arriscar que uma revolução desestabilizasse a zona.

Os bombardeios ‘democratizantes’ podem terminar repercutindo contra Washington. Estes tem gerado mais matanças que o ditador deposto, desacreditam os EE.UU. e, ao final, alimentam o crescimento da resistência anti-ocidental.

Osama segue livre

LONDRES, setembro/2004. Mal havia passado o terceiro aniversário do 11-S e o Iraque viveu um de seus dias mais sangrentos desde o “fim da guerra”. Mais de 70 foram mortos e os confrontos deixaram claro que as milícias de Al Sadr seguem avançando.

Em três anos Bin Laden e a maior parte da direção da Al-Qaeda continuam expandindo suas operações. No Iraque, crescem várias forças do fundamentalismo sunita e xiita. As invasões a este país e ao Afeganistão não detiveram o desenvolvimento da integração muçulmana mas, pelo contrário, deram combustível para que sua chama se expandisse.

Paradoxalmente, Bush e Bin Laden se necessitam. O primeiro usa a austeridade anti-terrorista como um fator de legitimidade, enquanto o segundo se valeu, em primeiro lugar, dos Bush e da CIA para criar a Al-Qaeda como uma resistência a Moscou, para depois se valer do ressentimento que as intervenções ocidentais causam no mundo de Maomé para surgir como um digno representante do islã.

Destruição em massa

LONDRES, 10/10. Em março de 2003 Bush conseguiu um grande apoio interno atacando o Iraque e afirmando que seu ditador, além de amparar Bin Laden, possuia muitas bombas bioquímicas. A equipe que investiga as armas iraquianas concluiu, muito antes da invasão, que Saddam não tinha nenhuma destas armas.

À mesma conclusão chegou Tony Blair na recente conferência trabalhista realizada em Brighton. Rumsfeld, secretário de Defesa dos EUA, declarou que não existe nenhuma evidência de ligações mais estreitas entre Saddam e a Al Qaeda. Bremer, o antigo “vide-rei” americano em Bagdá, alegou que inicialmente suas tropas no local eram poucas e não puderam impedir uma enorme quantidade de saques.

Os democratas de Kerry conseguiram se recuperar nas pesquisas de intenção de voto alegando que Bush ocupou o Iraque com “mentiras” e sem um plano de paz. No debate entre os candidatos a vice-presidência, Cheney assegurou que, apesar de tudo, a invasão foi justificada.

Mas o “pântano” que se transfomou o Iraque, assim como aconteceu no Vietnã, pode se converter em uma “arma” com o poder de destruir George W. Bush.

Efeito oposto

LONDRES, outubro/2004. Ao invadir o Iraque, Bush buscou ao mesmo tempo garantir o controle sobre a segunda reserva de petróleo do mundo e remodelar o Oriente Médio segundo seus critérios. Mas a realidade tem mostrado ser bem mais complicada e pode produzir uma reação contrária.

A Turquia, o único membro da OTAN no mundo muçulmano, está em rota de colisão com os EUA, pois teme que seus compatriotas turcomanos no norte do Iraque se tornem vítimas, que o Iraque se fragmente e que isso incite o separatismo curdo. A Al-Qaeda, longe de ter sido tranquilizada, tem aumentado sua força no Iraque e se organiza para tomar o poder na Arábia Saudita. O Irã, o pior inimigo norteamericano na região, tem recuperado a autoridade no Afeganistão e no Iraque, onde seus correligionários xiitas podem acabar tomando o poder.

A Síria, a quem Washington tentou isolar, segue mantendo suas relações com o Líbano e estreita os laços com o Irã. Sharon, que tentou tirar proveito da guerra iraquiana, vem sendo dragado por seus ex-partidários que o acusam de “trair” Gaza deixando que esta termine nas mãos do Hamas.

Guerra ilegal

LONDRES, outubro/2004. Kofi Annan tem afirmado categoricamente que a invasão do Iraque foi ilegal. O Secretário Geral das Nações Unidas tem tentado demonstrar que não é uma marionete nas mãos de Washington. E ele pode influir sobre as próximas eleições na Austrália e nos EUA.

Quando Aznar deixou o poder em Madri, a revista “The Economist” presumiu que havia caído o primeiro dos quatro “ases” que lideraram o ataque a Bagdá. Em 9 de outubro pode cair o segundo: Howard, primeiro-ministro australiano desde 1996. O terceiro “ás” (Bush) pode cair nas eleições presidenciais de 2 de novembro e o quarto (Blair) poderia ser defenestrado por seu partido se seu descrédito se aprofundar.

Kerry usa as declarações de Annan para atacar Bush e vai tirar proveito de uma possível derrota de Howard. Bush, que acredita ter o poder de intervir em outros países, poderia perder o poder devido à “intervenção” de distintas pressões externas sobre os EUA.

11S

LONDRES, setembro/2004. O 11 de Setembro mudou totalmente a política mundial. Bush, de um presidente impopular e questionado por ter chegado ao poder depois de perder as eleições, passou a contar com altos índices de apoio.

Os EUA surgiram como vítimas e a luta mundial anti-terror se converteu em uma doutrina mundial. Washington aproveitou a vantagem de sua própria tragédia para se outorgar o direito de invadir qualquer país que considerasse necessário.

Se a guerra contra o Afeganistão foi levada adiante pela maior coalizão bélica da história, a invasão do Iraque criou uma enorme divisão entre as potências ocidentais, assim como uma vasta oposição interna nos EUA e no Reino Unido.

O risco do unilateralismo americano é que ele possa levar as potências européias e a China a adotar posições contrárias que podem enfraquecer sua liderança mundial. As políticas duras, por sua vez, acabaram por produzir mais recrutas para o fundamentalismo, que segue sua expansão.

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