Jesus e os homossexuais

Por Gedeon José de Oliveira

Homossexual não é um conceito!

O debate em torno do casamento de pessoas LGBTQI+, vem ganhando os espaços jurídicos, religiosos, familiares econômicos, isto é, o conjunto das instituições que compõe a política brasileira. O debate político é em torno dos direitos dessa parcela da população, quem vem sendo exterminada pela homofobia. A população LGBTQI+ é vítima constante de violência no Brasil. O Brasil lidera, já há alguns anos, o ranking de países com maior número de assassinatos de pessoas trans. Daí que o problema, específico desse grupo é político. É urgente políticas públicas sociais que venha atender os direitos dessa população.

Mediante contexto, boa parte da igreja católica se soma a uma parcela significativa de evangélicos pentecostais, em torno da negação dos direitos da população LGBTQI+, sob a alegação de incompatibilidade entre a religião e a condição sexual destes, ou pelo menos, da interpretação que alguns fazem da religião, de forma descontextualizada e equivocada. Por exemplo, o livro do gêneses, geralmente é apresentado como um problema teológico, ou seja, Deus fez homem e mulher com a finalidade da reprodução humana, de modo que a comunidade LGBTQI+, contraria esse princípio, justificando, portanto, as posturas contrárias de clérigos e pastores. Neste sentido, apresentaremos aqui três questões que aparecem no livro do Gênesis, mas não são consideradas em relação a temática.

O primeiro aspecto a ser observado, é que a matéria prima da qual adão foi feito é de barro. A palavra אָדָם :Adam, está conectada com duas outras palavras em hebraico: דַּם (dam) :sangue e אֲדָמָה: adamá, significa terra/solo. Adão significa barro. Em Jr, cap. 18, diz: somos como pote de barro, nas mãos do oleiro. Isto quer dizer que o barro é indeterminado, isto é, se faz e refaz. A pedra ao contrário, é determinada pela sua dureza. O homem ou a mulher, interpretado a partir do mito da criação, não constituem o fundamento da reprodução. A reprodução é um aspecto da criação, já que feito de barro, o homem pode ser mulher e a mulher pode ser homem, pois o caráter indeterminado do barro permite a dinâmica de um quanto do outro, sem perder suas diferenças.

O segundo aspecto, é que no livro do Gênesis o mais importante é a dimensão que antecede o pegado ou a queda. A serpente seduz Eva e Adão, para se alimentarem da árvore do conhecimento, pois “Deus bem sabe que, no dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão, e sereis como deuses, conhecedores do bem e do mal” (Gn 3, 5)” (certamente Deus proibiu comer da árvore, porque não queria concorrência). De repente Deus, caminhando no paraíso, pergunta por Adão, cuja resposta consiste em estar escondido. Escondido por DESCOBRIR que estava nu, escondido por DESCOBRIR que a nudez de Eva o provocava. Adão e Eva sempre estiveram no paraíso, mas não sabiam que estavam nus e nem sabiam que estavam no paraíso. Através do CONHECIMENTO, Adão e Eva, descobrem-se a si mesmo e descobrem um ao outro. Descobrem que estão no paraíso. O conhecimento é essa potência que faz com o sujeito se situe em um lugar e tome posição. Certamente, Adão e Eva, decidiram não mais ficar no paraíso, de modo a assumirem as consequências de viverem juntos como casal. A leitura de que Adão e Eva foram expulsos do paraíso, é uma leitura ao lado da perspectiva de que eles decidiram sair do paraíso, graças ao conhecimento que agora possuem. A abordagem do gênesis desde o pecado “original” é um instrumento histórico de dominação religiosa, que a igreja usa para determinar o modo de vida dos fiéis. Daí a defesa de um estado laico, para que a religião com suas doutrinas, não alienem a população.

O terceiro e último aspecto, são as consequências da visão reprodutiva do homem e da mulher. Ao acentuar o aspecto reprodutivo, se reduz o humano ao puro aspecto biológico. Essa visão desencadeia uma violência sem precedente, pois retira da vida seu aspecto divino, isto é, separa o humano, cuja matéria prima é o barro moldado por Deus, do biológico. “A vida, uma vez cindida, gera uma zona anômala” (AGAMBEN, 2004, p. 86).  Na zona anômala a vida é reduzida a pura biologia. Desprovida da transcendência quanto da imanência, a vida se desloca para o campo da legalidade da lei, onde confinada aos espaços jurídicos, determina quem vive e quem morre.  Quando se defende a tese da reprodução, se está retirando do humano sua transcendência. Porque a aliança entre a religião e a política, assassinaram Jesus? Porque não descobriram (não entenderam) o divino em Jesus. Para tanto, Jesus foi julgado e condenado por todas as instâncias. Quem não consegue ver no outro o divino, o reduz a pura biologia, e por extensão, reduz o outro a genitália, isto é, a um animal qualquer. Assim, como o fazendeiro controla seu rebanho através da castração de alguns, clérigos e pastores, usam a bíblia e o nome de Deus, para controlar a vida das pessoas, de modo que assassinar alguém da comunidade LGBTQI+, presta um serviço a deus. A comunidade LGBTQI+ não precisa da autorização da igreja, de religiosos ou de quem quer que seja, para existir. Simplesmente existem como pessoas, de modo que nada neste mundo vai impedir que o AMOR morra.

Concluindo, defendemos totalmente a tese de Giorgio Aganbem, que objetiva “construir um conceito de forma-de-vida, uma vida que se liga tão estreitamente à sua forma que resulta inseparável a ela” (Agamben, 2011, p. 07). Em outras palavras, Aganbem, propõe pensar a vida no seu modo de viver, abrindo a possibilidade de acolhermos a vida no modo em que o outro vive sua vida. Aceitar a comunidade LGBTQI+ pelo seu modo de vida, e não pela teoria da vida que está na religião ou em qualquer outro lugar. Aceitar o modo de vida da mulher enquanto mulher e não análoga ao homem. Aceitar a vida dos afrodescendentes desde seu universo religioso e cultural e não comparando com os brancos ocidentais. A vida, não é um conceito, a vida é de quem a vive, numa unidade irredutível as partes.

 

BIBLIOGRAFIA.

AGAMBEN, Giorgio.  A Linguagem e a Morte. Um seminário sobre o lugar da negatividade. Belo Horizonte: editora UFMG, 2006.

___________. Estado de exceção. Homo Sacer, II, I. São Paulo: Boitempo. 2004.

___________. O que resta de auschwitz: o arquivo e a testemunha. São Paulo: Boitempo. 2008.

___________. Il regno e la gloria. Per una genealogia teologica dell’economia e del governo. Homo sacer. Vol 2/2, Neri Pozza, 2007c — (Tradução: O reino e a glória: Por uma genealogia teológica da economia e do governo [Homo Sacer, II, 2]. São Paulo: Boitempo Editorial, 2011.)

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