Eleições municipais e a vitória da anti-política

Como manipular o combate à corrupção: se for do PSDB é caixa 2, se for do PT é propina (Foto: Conversa Afiada)
Como manipular o combate à corrupção: se for do PSDB é caixa 2, se for do PT é propina (Foto: Conversa Afiada)

Pense na “onda conservadora” que varre a América Latina e no papel da mídia hegemônica. Há uma campanha incessante contra a política e a favor dos anti-valores, inserida, dissimuladamente ou não, em toda a programação, não apenas nos tele-jornais, e não apenas pelo que noticiam e como noticiam, mas também pelo que censuram.
De Salvador-Bahia – Amigos meus, fazendo uma crítica companheira, me dizem que, às vezes, eu absolutizo a influência dos monopólios da comunicação, em especial da Globo, ao tentar entender a ascensão política hoje da direita no Brasil e na América Latina.
Um dos argumentos mais citados é a força crescente da Internet e redes sociais, que atraem a maioria dos jovens, com a consequente queda de audiência de TVs e rádios e a doença terminal de meios de papel (jornais, revistas), fato que me parece incontestável.
No caso específico do Brasil, com a confirmação da derrota do PT nas recentes eleições municipais (tinha 630 prefeitos e ficou com 250, perdendo inclusive na simbólica São Paulo), fala-se muito nos erros do partido, que nasceu defendendo um comportamento ético na política e acabou se chafurdando na mesma lama do PMDB, PSDB, DEM, PP e demais.
Chegou-se até a falar em irrelevância do grupo de mídia da Globo, diante da vitória de Marcelo Crivella no Rio, um homem da Igreja Universal e da Rede Record. Não surtiu efeito a baixaria dos paus-mandados dos filhos de Roberto Marinho contra Crivella.
A verdade é que os fatos sociais (e políticos, claro) são muito mais complicados do que a gente é tentada a imaginar. Temos que ter sensatez para ler e estudar cientistas sociais e políticos que passam toda a vida investigando e tentando explicar as coisas da política.
Fico totalmente alarmado e de baixo astral quando vejo pessoas, sinceras e bem intencionadas, pensando que são bem informadas porque assistem toda noite o Jornal Nacional da Globo.
E, no final, todos terminamos posando de pretenciosos e alardeando, cada um, a sua versão, a sua “verdade”. Eu, óbvio, não sou exceção. Então, vamos lá:
Criminalização da política
Para tentar entender os resultados das eleições municipais, com a subida das forças conservadoras, situadas nos espaços mais à direita, fico com a avaliação do governador do Maranhão, Flávio Dino, do PC do B, feita em recente entrevista a Paulo Henrique Amorim, do blog Conversa Afiada. Destaco o trecho que mais me interessa:
“O que nós tivemos foi a vitória de uma ideologia, hoje, hegemônica, marcada pela anti-política. E isso se traduziu, por exemplo, na vitória do absenteísmo no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte, em Porto Alegre – e em São Paulo também, no primeiro turno. Então, na verdade, nós temos mais uma hegemonia da anti-política do que, propriamente, a vitória de um único ator partidário isolado. A bem da verdade, quem perdeu a eleição foi a política”.
Concordando com tal visão, acrescento que a tendência mostrada pelo eleitorado, sobretudo quanto à elevada abstenção, vai no mesmo rumo dos ventos que sopram atualmente na América Latina. (Talvez também em grande parte do mundo, mas costumo me restringir à nossa Pátria Grande, cuja política acompanho com mais atenção).
Há, no decorrer desta década, essa tendência geral: são os ventos da “restauração conservadora” identificados pelo presidente equatoriano Rafael Correa; ou a “onda conservadora” apontada pelo vice-presidente boliviano Álvaro García Linera, um reconhecido cientista social.
Nessa tendência geral incide a campanha da mídia hegemônica brasileira, bem sucedida justamente porque há esse caldo de cultura favorável. É como remar a favor da onda, soprar no mesmo rumo dos ventos.
E em que consiste exatamente esta campanha, que se intensificou a partir do chamado Mensalão? Consiste na criminalização da política, dos políticos, dando uma ênfase toda especial à criminalização das esquerdas, do petismo, do lulismo, dos movimentos sociais à esquerda, dos sindicatos.
É significativa a consagração de milionários como João Doria, empresário que se diz não-político, eleito no primeiro turno, uma façanha inédita na capital paulista. (O sucesso surpreendente do milionário Donald Trump nos Estados Unidos está também inserido nesta conjuntura).
Campanha pelos anti-valores nas TVs
Pense na TV Globo e demais emissoras: a campanha contra a política e a favor dos anti-valores – como a chamada meritocracia, o consumismo, a intolerância, o ódio às diferenças e a violência -, está presente, dissimuladamente ou não, em toda a programação, não apenas nos tele-jornais (e não apenas pelo que noticiam e como noticiam, mas também pelo que censuram).
Está nas novelas, nos filmes (a grande maioria estadunidenses), nos programas de auditório, de humor – no chamado entretenimento -, nos anúncios publicitários, nos programas policiais tipo Datena e companhia, com a ideologia do “bandido bom é bandido morto”.
Quem não se lembra duma âncora do noticiário do SBT defendendo linchamento de bandido? Alguma punição à jornalista ou à emissora? E as inúmeras concessões de rádio e TV às diversas igrejas chamadas evangélicas, que destilam noite e dia a ideologia da intolerância contra minorias e outras religiões, particularmente contra as de matriz africana?
Outro dia vi um dos comediantes do programa ‘A praça é nossa’, do SBT, fazendo uma “piada”, na qual insinuava que Lula e Dilma seriam os dois ladrões que morreram ao lado de Jesus crucificado.
Para dar mais densidade à análise que tento fazer, lembro que, no caso do Brasil, a mídia hegemônica atua em conluio com setores dominantes da Justiça, do Ministério Público, da PF, do Congresso e ultimamente do governo golpista. O ingrediente fundamental é o combate à corrupção, manipulado seletivamente, ao sabor das conveniências momentâneas e/ou estratégicas.
Outro fator influente, do qual não podemos esquecer, é a pesada crise econômica que atinge todo o mundo, usada para desgastar Dilma e que agora se volta contra o governo golpista na ânsia pelo chamado ajuste fiscal, via PEC-241 (agora PEC-55).
(*) Jadson Oliveira é jornalista baiano. Trabalhou nos jornais Tribuna da Bahia, Jornal da Bahia, Diário de Notícias, Estado de S.Paulo e Movimento. Depois de aposentado virou blogueiro e tem viajado pela América do Sul e Caribe.

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