Sinto a necessidade de partilhar algumas reflexões sobre algo que me parece está se tornando (sempre foi, na verdade) um empecilho para o entendimento, para a comunicação interpessoal. Refiro-me ao fato de que muitas vezes confundimos conversar, trocar ideias, com um momento em que meramente deixamos vir a tona opiniões e pensamentos que sequer são nossos.
Esta prática é tão frequente que muitas vezes não nos damos conta de que acontece. E aí é que mora o perigo. A inconsciência, a desconexão, a irresponsabilidade, vêm se tornando cada vez mais notas características do fato comunicacional. Alguém diz uma coisa, o que lhe vêm a cabeça, e logo mais se arrepende e pede perdão. Me desculpe, eu não quis dizer isso.
As convicções ocupam o lugar da percepção, o que é perigosíssimo. Se as minhas convicções ocupam o lugar da minha percepção, eu fui sequestrado, eu me tornei um boneco, um repetidor de opiniões alheias, frequentemente oriundas da mídia, das redes sociais, do estado, das igrejas, etc. Opiniões que não são minhas.
O roubo da percepção, o roubo da linguagem, o sequestro da comunicação, configuram a alienação. Antigamente, na sociologia e na filosofia, estudávamos o “reducionismo”(*) como um dos obstáculos ao conhecimento. Hoje parece que o reducionismo tornou-se sinônimo de conhecimento, o que é uma barbaridade.
Quando eu reduzo o real à minha opinião ou versão do real, estou em um estado de perfeita ignorância. Pego um aspecto da realidade, um ponto de vista, uma mera opinião, como a verdade, e fecho o mundo a minha volta. Ideologização é o que está na moda.
Esta redução do real, a anulação da realidade e a sua substituição por pensamentos, ideias e imagens impostas pelos setores dominantes, muitas vezes é feita em nome de lutas setoriais que reivindicam um lugar ao sol, mas que reproduzem a cegueira e a ignorância que sustenta a dominação. Ignorância se combate com conhecimento, e conhecimento dá trabalho. Estudo, pesquisa, consulta à história, comparação de fontes, crítica, análise, recurso à experiência, responsabilidade, humildade…
(*) Reducionismo significa supor que toda a realidade ou uma determinada ordem de fenômenos pode ser explicada e depende apenas de um único fator causal. Uma versão bastante difundida desta perspectiva foi o reducionismo “marxista”, que supunha que tudo na sociedade capitalista dependia e podia ser explicado em função do fato básico da exploração dos/as trabalhadores/as. No meu livro Max Weber: ciência e valores, apresento uma visão caleidoscópica do conhecimento e da realidade, fundamentada no pluralismo causal.

Doutor em sociologia (USP). Terapeuta Comunitário. Escritor. Membro do MISC-PB Movimento Integrado de Saúde Comunitária da Paraíba. Autor de “Max Weber: ciência e valores” (São Paulo: Cortez Editora, 2001. Publicado em espanhol pela Editora Homo Sapiens. Buenos Aires, 2005), Mosaico (João Pessoa: Editora da UFPB, 2003), Resurrección, (2009). Vários dos meus livros estão disponíveis on line gratuitamente: https://consciencia.net/mis-libros-on-line-meus-livros/